racionalmente incerta.
BAECHLER, Jean. Religião. In: BOUDON, Raymond (Org.). Tratado de
Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. p. 483.
A contraposição entre religião e ciência tem sua base na ideia de que a fé se
opõe à consciência científica, como se a primeira fosse irracional e a ciência se
inserisse no terreno do racional. Será que a ciência, em seus processos de
descobertas e aplicações, é sempre racional aos olhos de todos?
Ao contrário das suposições de alguns autores, a sociedade industrial não
ocasionou o desaparecimento da religião, apenas limitou-a como forma de
organização social.
FONTE: Filipe Rocha/Arquivo da editora
212
Podemos afirmar que a modernidade abriu espaço para que parte das
sociedades abrigasse um número elevado de denominações religiosas
simultaneamente.
A modernidade-mundo não se organiza segundo princípios religiosos (o que
não significa que não existam países, por exemplo, no mundo árabe, onde o
predomínio da religião, como "consciência coletiva", não tenha um peso
capital). Apesar do florescimento de novas crenças religiosas, da intensificação
de uma religiosidade individualizada, da vitalidade de religiões que pareciam
extintas, uma constatação se impõe: o lugar que o universo religioso ocupava
nas sociedades tradicionais foi definitivamente remodelado pela modernidade.
ORTIZ, Renato. Anotações sobre religião e globalização. Revista Brasileira de
Ciências Sociais. São Paulo, v. 16. n. 47, out. 2001, p. 64.
A consciência coletiva, citada por Ortiz, refere-se a valores, sentimentos,
crenças e tradições que são legitimados, repetidos e transmitidos ao longo das
gerações. Segundo Durkheim, a consciência coletiva exerce coerção sobre as
consciências individuais (muitas vezes de forma velada), reforçando hábitos,
costumes e representações sociais. Para ele, a consciência coletiva é
perceptível, sobretudo, nas sociedades tradicionais, nas quais indivíduos e
grupos são muito semelhantes e o controle social de uns sobre outros é
exercido mais diretamente. Nessas sociedades, a religião busca conformar as
consciências individuais para preservar a ordem social, na visão de Durkheim.
A globalização recente, como todo grande processo sociocultural, gera
desigualdades entre grupos e nações. Por um lado, não acontece com igual
intensidade e do mesmo modo em todos os lugares; por outro lado, ela tende a
homogeneizar alguns comportamentos sociais ao redor do globo. Nesse
sentido, a religião desempenha um papel de resistência porque confere
identidade ao ser humano, ao reunir as pessoas e fornecer um referencial
comum aos grupos sociais. Uma prática religiosa, por exemplo, cria afinidade
de pensamentos e permite compartilhar experiências entre os integrantes de
um determinado grupo social.
As crenças religiosas, enquanto "consciências coletivas", aglutinam o que se
encontrava antes disperso. [...] A memória é uma técnica coletiva de
celebração das lembranças, aproxima o passado, soldando os indivíduos no
seio de uma mesma comunidade. Ora, como tem sido apontado por inúmeros
autores, a temática da identidade transforma-se radicalmente com o processo
de globalização. Ela se torna crucial. A crise das identidades nacionais abre
espaço para a explosão de identidades étnicas, particulares, e até mesmo de
dimensões identitárias mundializadas, forjadas no seio de fluxos transnacionais
de consumo.
ORTIZ, Renato. Anotações sobre religião e globalização. Revista Brasileira de
Ciências Sociais. São Paulo, v. 16, n. 47, out. 2001, p. 65-66.
A difusão da religiosidade via meios de comunicação favoreceu a expansão
das religiões e até a multiplicação de suas manifestações. Se antes a difusão
era limitada pelo espaço físico, hoje a transmissão de ritos e celebrações pelos
meios de comunicação rompe essas barreiras. As religiões puderam
diversificar seus meios de divulgação com emissoras de rádio e televisão,
internet, CDs, editoras de livros e revistas, vídeos, objetos religiosos e
lembranças, serviços de terapia e aconselhamento, imóveis e estruturas de
marketing. Segundo o sociólogo brasileiro Antônio Flávio Pierucci (1945-2012),
esses meios se caracterizam como atividades econômicas desenvolvidas pelas
organizações religiosas para atingir públicos específicos de adeptos/clientes.
Na era globalizada, os meios de comunicação não apenas permitem a
articulação das ações dos grupos religiosos como também as potencializam.
213
Entre os cientistas sociais contemporâneos, o sociólogo francês Pierre
Bourdieu (1930-2002) propõe uma leitura do que chama sistemas simbólicos.
Os sistemas simbólicos são instrumentos de conhecimento e de comunicação
para a construção da realidade e propiciam aos indivíduos um sentido imediato
do mundo social. Para Bourdieu, a religião, a arte, a ciência e os mitos são
exemplos de sistemas simbólicos. Estudar esses sistemas é perceber como
eles ajudam a construir o espaço social e quais são seus mecanismos de
reprodução.
Bourdieu faz uma sociologia relacional, ou seja, que se volta para as diferentes
relações que os indivíduos estabelecem uns com os outros na sociedade.
Desse modo, ele se concentra em compreender a dominação que as
produções simbólicas exercem sobre os indivíduos, na medida em que elas
unem (permitem a comunicação) e também legitimam distinções (reforçam
diferenças). No campo religioso, essa dominação se impõe por meio de
especialistas:
A história da transformação do mito em religião (ideologia) não se pode separar
da história da constituição de um corpo de produtores especializados em
discursos e de ritos religiosos, quer dizer, do progresso da divisão do trabalho
religioso, que é, ele próprio, uma dimensão do progresso da divisão do trabalho
social, portanto, da divisão em classes e que conduz, entre outras
consequências, a que se desapossem os laicos dos instrumento de produção
simbólica.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989,
p. 12-13.
A crença na legitimidade da palavra desses especialistas reforça o poder
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