Concepções de Estado e sociedade civil na Idade Moderna
A primeira definição de sociedade civil foi elaborada pelo filósofo inglês
Thomas Hobbes (1588-1679). Ele acreditava que, em seu estado natural, os
homens lutavam uns contra os outros pelo poder e por riquezas. Por isso, os
indivíduos abrem mão de sua liberdade e concebem regras de convivência a
fim de garantir condições mínimas de estabilidade. Forma-se, assim, a
sociedade civil - que, no pensamento de Hobbes, é sinônimo de Estado.
Para o filósofo inglês John Locke (1632-1704), a sociedade civil é mais um
aprimoramento do estado natural do que uma solução para ele. O ser humano,
livre e igual por natureza, precisa de um poder imparcial e legítimo para mediar
conflitos, garantindo os direitos que já tinha no estado natural: à vida, à
liberdade, à saúde e à propriedade. Além da ideia de igualdade no nascimento,
o respeito à propriedade como um direito natural do indivíduo atendia aos
interesses da burguesia em ascensão na Inglaterra do século XVII.
Conforme a burguesia e o Estado moderno se consolidavam na Europa, a
noção de sociedade civil foi se distanciando da de sociedade política. Durante
a Idade Média, tanto o poder como a propriedade eram hereditários. Na
sociedade burguesa moderna, esses dois aspectos se desvinculam: embora,
na sociedade civil, a propriedade continue sendo transmitida de pai para filho, o
poder político passa a obedecer a normas e leis próprias. Segundo o cientista
político italiano Luciano Gruppi (1920-2003), garante-se a democracia no
âmbito da sociedade política, desde que esta não interfira na propriedade e na
livre iniciativa econômica.
Se Locke considerava a propriedade privada um direito natural, para o filósofo
suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) ela era justamente a origem da
desigualdade e da corrupção moral. A sociedade civil, instaurada com a
invenção da propriedade, seria uma degeneração do estado de natureza, no
qual os seres humanos eram bons, livres e felizes. Para Rousseau, os
indivíduos só recuperariam as qualidades perdidas quando a sociedade civil se
transformasse em sociedade política, na qual a vontade geral do povo seria
soberana - ou seja, na qual as leis e regras a serem seguidas emanassem do
próprio povo.
LEGENDA: A coroação de Guilherme III, em 1689, como rei da Inglaterra. Para
ser coroado após a Revolução Gloriosa, Guilherme de Orange aceitou os
termos da Declaração de Direitos, pela qual, na prática, repassava o poder
político para o Parlamento. Gravura de 1860.
FONTE: Diosphere Ltd./Diomedia
Fim do complemento.
O que é e como funciona o Estado? Não há uma visão única sobre isso. Na
interpretação do filósofo alemão Friedrich Engels (1820-1895), o Estado é um
produto da sociedade e seu papel é amortecer os conflitos sociais, evitar os
choques entre as classes e, de certo modo, assegurar a reprodução do sistema
social. Eis a sua concepção:
O Estado não é, pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de
fora para dentro; tampouco é "a realidade da ideia moral", ou "a imagem e a
realidade da razão". É antes um produto da sociedade, quando esta chega a
um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa
sociedade se enredou numa irremediável contradição consigo mesma e está
dividida por antagonismos irreconciliáveis [...] . Mas para que esses
antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se
devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, torna-se necessário
um poder colocado aparentemente acima da sociedade, chamado a amortecer
o choque e a mantê-lo dentro dos limites da "ordem". Esse poder, nascido da
sociedade, mas posto acima dela e distanciando-se cada vez mais, é o Estado.
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado.
São Paulo: Global, 1985. p. 227.
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Já o filósofo político grego Nicos Poulantzas (1936-1979) pensou o Estado
como uma relação de forças, uma relação de poder entre as classes sociais e
no próprio interior delas. Para o filósofo francês Louis Althusser (1918-1990), o
Estado é composto por aparelhos ou instituições sociais (como é o caso do
exército, da administração, do sistema judiciário e do aparato da polícia) e tem
por função a repressão, ou seja, a manutenção da ordem social. Esta, por sua
vez, é moldada pelos interesses da classe dominante, que faz com que o
Estado esteja a seu serviço.
Na concepção do sociólogo Max Weber, o Estado só pode existir quando os
seres humanos se submetem à autoridade de um grupo dominante. Nesse
sentido, quando essa instituição se constitui, estabelece-se um "monopólio da
violência legítima". Em outras palavras, a população obedece a um grupo
dominante mediante uma violência reconhecida e amparada legalmente.
Acompanhe, no quadro a seguir, a perspectiva de diferentes autores sobre a
natureza do Estado.
LEGENDA: Estudantes entram em confronto com o Batalhão de Choque da
Polícia Militar, durante protesto, em 2012, contra o aumento de passagens do
transporte público na Região Metropolitana do Recife (PE). Para Althusser,
aparelhos como a polícia estão a serviço da ordem social vigente.
FONTE: Teresa Maia/DP/D.A Press
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