A família como instituição social
Em diferentes ritmos e momentos, as transformações que ocorrem nas áreas
política, econômica, social, cultural influenciam o nosso cotidiano. Por isso as
Ciências Sociais estudam esses acontecimentos de forma integrada. Assim, ao
analisar as mudanças econômicas, por exemplo, os cientistas sociais também
investigam o contexto social em que elas ocorreram, bem como suas razões e
implicações.
As mudanças na família - seu tamanho, seus valores e os papéis sociais
desempenhados pelas pessoas que a compõem - nos remetem a outros
aspectos da sociedade, como os novos hábitos e estilos de vida, a acelerada
urbanização, as adequações no mercado de trabalho, a melhoria dos níveis de
escolarização, novos valores e culturas, a massificação dos meios de
comunicação, entre outros. Levando em conta esses aspectos, podemos
analisar a família de maneira ampla e dinâmica, compreendendo-a a partir de
suas constantes transformações.
Normalmente, uma prática social repetida e aceita por indivíduos e grupos
tende a se tornar um padrão de comportamento, ao menos durante certo
período. Assim acontece com os grupos familiares em diversas culturas. Ainda
que a família esteja em contínuo processo de mudanças, ela não é uma
organização simples nem tende a desaparecer facilmente. Nas palavras do
sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002):
[...] a família é produto de um verdadeiro trabalho de instituição, ritual e técnico
ao mesmo tempo que visa instituir de maneira duradoura, em cada um dos
membros da unidade instituída, sentimentos adequados a assegurar a
integração que é a condição de existência e de persistência dessa unidade. Os
ritos de instituição (palavra que vem de stare, 'manter-se, ser estável') visam
constituir a família como entidade unida, integrada, unitária, logo, estável,
constante, indiferente às flutuações dos sentimentos individuais. Esses atos
inaugurais de criação (imposição do nome de família, casamento, etc.)
encontram seu prolongamento lógico nos inumeráveis atos de reafirmação e de
reforço que visam produzir, por uma espécie de criação continuada, as
afeições obrigatórias e as obrigações afetivas do sentimento familiar (amor
conjugal, amor paterno e materno, amor filial, amor fraterno, etc.).
BOURDIEU, Pierre. O espírito de família. In: BOURDIEU, Pierre. Razões
práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996. p. 126.
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O que Bourdieu quer dizer é que a família se torna uma instituição quando suas
regras são cotidianamente colocadas em prática por muitas pessoas. As
normas sociais da família asseguram sua existência e continuidade. Um bom
exemplo é a ideia - hoje questionada - de que para existir uma família é preciso
ter filhos. Ao colocar essa regra social em prática (ou seja, ter filhos), ela fica
assegurada e reforça a existência de um modelo de família com filhos.
As instituições sociais são maneiras duradouras e legitimadas de fazer, sentir
e pensar, estabelecidas para atender às necessidades e aos objetivos das
pessoas organizadas em sociedade, exercendo uma espécie de controle
social, segundo o sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917). As
instituições são responsáveis pela preservação e transmissão dos valores, das
tradições e da cultura. Essa é a perspectiva da integração social.
Para Durkheim, o ser humano é, em grande parte, fruto do meio social em que
vive, e o convívio familiar tem papel fundamental na sua formação,
socializando-o. Desse modo, a sociedade é uma realidade externa e anterior
ao indivíduo, pois quando este nasce aquela já está constituída com seus
costumes, conhecimentos e outros bens culturais.
LEGENDA: Estudantes comemoram com familiares a aprovação no exame
vestibular da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém (PA), em 2012.
FONTE: Antonio Cicero/Fotoarena
Essa forma de pensar atribui à família e a outras instituições, como a escola e
a religião, o papel de promover a socialização do indivíduo e de fornecer
instrumentos para seu aprendizado cultural. O processo de socialização é a
transmissão da cultura ao longo do tempo e das gerações com a finalidade de
inserir e ajustar o indivíduo à sociedade. Há a socialização primária, que ocorre
na infância e fornece condições fundamentais para a vida social, e a
socialização secundária, um processo contínuo de novas aprendizagens para
conviver.
A família desenvolve estratégias para que variadas questões, como as relativas
a matrimônio, herança, economia e educação, se reproduzam de uma geração
para outra. Desse modo, ela tem um caráter conservador, pois nos leva a
preservar e a reverenciar as tradições. Entretanto, também nos ensina a
enfrentar os desafios da vida social: conflitos, diferenças, avanços, mudanças,
desigualdades.
LEGENDA: Tirinha do cartunista Quino, de 2014.
FONTE: Joaquín Salvador Lavado (Quino)/Acervo do cartunista
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A família conjugal concebida por Durkheim (o marido, a mulher, os filhos
menores e celibatários, cada um dos membros com sua individualidade) é uma
esfera própria de ação. O que surge como novo e distintivo na família moderna,
já observado pelo sociólogo no início do século XX, é a intervenção crescente
do Estado na esfera privada da família.
Na teoria durkheimiana, um grupo de parentesco não é definido pela
consanguinidade; é preciso que haja direitos e deveres, sancionados pela
sociedade, que unam seus membros. É o caso do clã, uma sociedade
doméstica constituída de pessoas que se julgam de uma mesma origem. Os
que integram o clã são parentes não porque sejam irmãos, pais, primos uns
dos outros, mas pelo nome de tal animal ou tal planta que trazem como
emblema coletivo.
As características desse grupo de parentesco também estão presentes nas
sociedades modernas e os principais direitos e obrigações são: o dever de
vingar as ofensas feitas a um parente; o direito de cada parente sobre o
patrimônio familiar; o direito de ter um nome; o direito de participar de certo
culto. Em muitas sociedades aborígenes da Austrália, por exemplo, o grupo
totêmico era importante, e a criança pertencia ao clã materno, observou
Durkheim em 1896, no L'Année Sociologique.
Já na análise de Bourdieu, a família aparece para os indivíduos como um
universo social separado, portador de um espírito coletivo que demarca
fronteiras com o que está fora, de modo a idealizar e preservar as relações em
seu interior. A ela associam-se a noção de residência, do lar como lugar
estável, e o caráter de permanência do grupo doméstico - também conhecido
como grupo familiar, que reúne seus membros por laços de sangue ou
afinidades e valores sociais comuns, ainda que não habitem sob o mesmo teto.
FONTE: Orlando Pedroso/Arquivo da editora
[...] a família é o lugar da confiança e da doação - por oposição ao mercado e à
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