Susan ronald


Os últimos donos particulares: a nova "realeza"



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Os últimos donos particulares: a nova "realeza"

1906-1976
William Waldorf Astor deixou Nova York para sempre em 1889 após ter sido congressista e embaixador americano em Roma porque acreditava firmemente que os Estados Unidos não eram "lugar para um cavalheiro vi­ver". Ele alegava que sua mudança não tinha nada a ver com o fato de que sua família fora ameaçada de seqüestro, e tudo a ver com o seu desejo de construir para si na Inglaterra um panorama diferente do panorama Astor que tinha engrandecido Nova York. Dez anos mais tarde, quando seu filho Waldorf tinha 20 anos de idade, William Astor e seu clã se tornaram cidadãos britânicos. A imprensa popular dos Estados Unidos investiu contra ele como "o homem mais rico que a América já teve e que a renegou".

O nome Astor havia muito era sinônimo do estado de Nova York e do patrimônio imobiliário da cidade de Nova York, e em 1890 foi dito que William Waldorf teria herdado 175 milhões de dólares (36 milhões de libras), o equivalente hoje a 3,5 bilhões de dólares ou 2,2 bilhões de libras. Sua ren­da anual de aluguéis em Nova York era de estonteantes 6 milhões de dólares por ano. O magnata também criou o significado moderno de "hotel cinco estrelas" no terreno do Empire State Building; o hotel foi mais tarde transfe­rido para a atual localização do Waldorf-Astoria, na Park Avenue. Ele levou seu talento, seu instinto e sua criatividade na arte e na arquitetura de volta para a Europa — inicialmente para a Inglaterra, com a impecável restauração de Cliveden, casa do segundo duque de Buckingham; para Hever Castle, o castelo dado a Ana Bolena por Henrique VIII; e então para a Itália, onde ele esmeradamente reinventou Villa Labonia e Villa Sirena.

Cada uma das casas de William Waldorf era um museu vivo de extraor­dinário valor, embora hoje, infelizmente, apenas em Hever Castle podemos ter uma noção da total quantidade e da qualidade de suas coleções. A biblio­teca de Hever exibe 2.500 volumes encadernados em couro de livros raros ou únicos. Retratos pintados por Scrots, Clouet, Holbein e outros antigos mestres dos séculos XVI e XVII salpicam as paredes. As grandes tapeçarias flamengas e francesas penduradas em todas as áreas públicas estão entre os melhores exemplares hoje existentes. E, acima de tudo, para dar a Hever Castle seu contexto histórico, Astor varreu a Europa em busca de qualquer objeto relacionado com a corte de Henrique VIII, como o livro de orações de Ana Bolena, que ela supostamente teria levado consigo para o cadafalso, seus bordados e até mesmo seu autógrafo. Hever também exibe vestes ecle­siásticas, móveis, tapetes persas e porcelana do século XVIII, e é difícil ima­ginar, tão impressionante é Hever, que tudo isso representa apenas um quarto de suas aquisições.

Na casa de Astor em Londres, Temple Place, havia mais de quatrocentos autógrafos, incluindo cartas do duque de Marlborough, do cronista de Lon­dres Samuel Pepys, de George Washington, de Shelley, de Dickens e de Maria, rainha dos escoceses. A biblioteca abrigava Chaucer, cinco fólios de Shakespeare e 13 livros de horas ilustrados do século XV Havia livros com os brasões ou monogramas do cardeal Richelieu, de Henrique III, de Talleyrand, de Catarina de Médici, de Madame du Barry, de Maria Antonieta e de Jaime II, entre outros. Havia até mesmo um tratado latino com anota­ções nas margens feitas pela rainha Elizabeth I. A biblioteca também conti­nha um tesouro em esquisitices como alaúdes antigos, uma roca e o chapéu de Napoleão.

As coleções que Astor reuniu em suas casas permitiam a ele divagar — normalmente sozinho — e se deliciar no antigo mundo de ilusões que ele havia criado para si. Era um mundo de bom gosto e esplendor, um mundo de romance, isolado da sórdida labuta diária de ganhar dinheiro. Era um mun­do de permanência e de ilustre ancestralidade.

Foi nesse mundo que William Waldorf criou sua família, vivendo basica­mente em Cliveden, Berkshire. Anos mais tarde, uma amiga da família, lady Ottoline Morrell, escreveu sobre suas experiências na casa dos Astor:


Pense, também, o que deve significar para uma criança pequena ser criada em meio a associações históricas e tesouros de todas as terras e desde pequena percorrer belos aposentos cheios de todas aquelas coisas que as outras crian­ças só vêem em museus. Como eu adorava tocar e acariciar o brinco de péro­la da orelha do rei Carlos, e trancar e esconder minhas preciosas cartas em um escrínio dado pelo rei Guilherme III, com chaves que são um padrão de beleza e delicadeza, e brincar e interpretar com a adaga cravejada de rubis do rei Henrique VIII.

William Waldorf era um extraordinário colecionador de diferentes coi­sas, adquirindo jornais, como o fazia com obras de arte e casas. Em 1892, um ano depois da morte de sua esposa, ele comprou o Pall Mall Gazette, seguin­do-se o Observer em 1911. Não surpreende que este homem simplesmente precisasse ter o mais histórico diamante — não mais o maior diamante, ten­do sido muito superado —, o mais duradouro dos diamantes, o Sancy. Não há dúvida de que Astor sabia tudo o que havia para saber sobre o Sancy e teria apreciado a controvérsia sobre o seu passado e as mãos que seguraram o diamante, bem como aquelas que ansiaram por ele. Para um agudo estudio­so de Napoleão, o mistério, a suposta maldição e a história incerta aumenta­vam o seu fascínio.

Algumas fontes afirmam que William Waldorf comprou o Sancy em 1894 para sua esposa, e outras que foi em 1906. A primeira data dificilmente pode ser verdadeira, porque sua esposa tinha morrido em 1891. Como William Waldorf queimou a maioria de seus documentos particulares pouco antes de sua morte e não foi revelada nenhuma nota de compra, é impossível dizer com certeza quando a pedra foi adquirida de sir Jamsetjee Jejeebhoy ou de seu agente, e por que o segundo baronete vendeu a pedra. Qualquer que seja a verdade, William Waldorf certamente deu o Sancy a sua nova nora, Nancy Langhorne Shaw, como presente de casamento, e ele foi colocado no centro de sua magnífica tiara de diamantes. Em 1906 a tiara foi avaliada em 75 mil dólares. O "outro" presente de casamento para o jovem casal foi a magnificamente restaurada Cliveden.

Embora a generosidade pudesse indicar o contrário, Nancy Langhorne Shaw não era a escolha preferida de William Waldorf como nora para seu filho e herdeiro, Waldorf Embora considerada uma grande beleza — a irmã mais nova de Nancy foi a "Gibson Girl" original —, ela era autocrática, fe­nomenalmente sincera, objetiva, ultrajantemente engraçada e uma daquelas pessoas que instantaneamente se tornam o centro das atenções quando en­tram em uma sala. Como se isso já não fosse o bastante para condená-la de acordo com os conceitos de William Waldorf, ela era uma rígida episcopalista abstêmia (na época) e uma belle divorcée sulista com um filho pequeno, Bobbie. O fato de que ele tinha esperado durante tanto tempo que Waldorf despo- sasse a filha de alguma casa nobre inglesa também tinha um grande peso para o magnata.

De fato, para a sóbria nata da sociedade inglesa do início do século XX Nancy Shaw era simplesmente chocante. Uma das primeiras histórias sobre sua chegada à Inglaterra vem de uma conversa com lady Edith Cunard, espo­sa do proprietário da Cunard Lines, que olhou Nancy de cima a baixo e per­guntou: "Eu suponho que você tenha vindo até aqui para agarrar um de nossos maridos?" Nancy respondeu sem piscar: "Se você soubesse todo o trabalho que eu tive para me livrar do meu marido, saberia que eu não quero o seu."

Foi no navio que Nancy Shaw conheceu o ascético, quieto — quase a ponto de ser dolorosamente tímido —Waldorf Astor, que disse ter sido amor à primeira vista. Embora eles parecessem água e óleo — ela era uma extro­vertida animada, altamente emocional e falante e ele um homem controlado e reflexivo que gostava de ouvir outros pontos de vista —, ambos eram jo­vens muito sérios. Waldorf achava que era sua obrigação paternalista fazer algo de "útil" com sua vida e dar ao povo da Grã-Bretanha algo importante, algo que realmente ajudasse a melhorar suas vidas. Nancy era movida por um fervor moral imerso em convicções religiosas que eram fruto da vida difícil que tivera quando criança. Seu filho Michael descreveu os pais melhor quando disse: "Ele abordava a vida de forma racional, e atribuía pouca importância à intuição; conseqüentemente, seus métodos, embora admiravelmente tena­zes, eram rígidos, e não aliviados por aqueles vôos da imaginação e surtos espontâneos que tanto alegravam a vida de minha mãe."

Outro presente de casamento que Nancy recebeu no dia 2 de abril de 1906 foi um arco de diamante baseado em uma peça das jóias da coroa de Luís XV Foi um presente de seu malsucedido pretendente lorde Revelstoke. Quando se casaram em 3 de maio de 1906, William Waldorf alegou doença e não compareceu à cerimônia, preferindo em vez disso se recolher ao seu mundo particular em Hever Castle, onde os olhos do público não espreita­riam seus pensamentos mais recônditos. Na superfície ele parecia mais do que generoso para com sua nova nora e seu filho dando a eles Cliveden como lar, e para Nancy o assombroso presente da famosa tiara de diamantes Astor com o diamante Sancy no centro, que ela aceitou, agradecida.

Mas era um relacionamento difícil. William Waldorf tinha brincado de escrever contos ao longo dos anos, e sendo então o orgulhoso proprietário do Times de Londres, não teve dificuldade em ser publicado. Sua faceta cruel, que poucos ousavam mencionar, estendeu-se a Nancy. Pouco depois do ca­samento, ele prometeu mandar a ela uma primeira cópia de seu último con­to "A vingança de Poseidon", que continha a seguinte descrição:


O pai tinha começado a vida como um interiorano, encontrou emprego na ferrovia mais próxima e em vinte anos abriu caminho até o rol dos milioná­rios. Ele estava sempre contando histórias — muito idealizadas — de suas próprias dificuldades passadas (...) falando no vernáculo nasal do Oeste e sor­rindo tão amargamente de suas próprias piadas que em um ímpeto jovial seus lábios me lembraram um quebra-nozes. Quanto à filha, eu me lembro de ter parado para observar o mecanismo desalmado que ela herdou do pai e se refletia nela. (...) Sua voz era estridente e ela falava de forma arrastada.
Nancy não podia deixar de notar que ela e seu pai, Chillie Langhorne, tinham sido caricaturados pelo sogro, e da mesma forma ouviu dizer que ele considerava sua recém-descoberta Ciência Cristã "ofensiva e blasfema". Mas Nancy Astor nunca recuou em face de críticas e retrucou no mesmo nível, embora de uma forma mais feminina. Ela e Waldorf estavam determinados a levar um tipo de vida diferente daquele de William Waldorf, e se ele queria fazer parte daquela vida teria de aceitá-los como eram. Não foi surpresa para seu sogro que ela tenha tido dificuldades com a decoração interior de Cliveden, dizendo que "os Astor não têm gosto", e dispersado a inestimável coleção. Esse comentário veio da mesma mulher que tinha escrito para sua irmã pouco depois de conhecer Waldorf em 1905: "O do que eu mais gosto nas pessoas ricas é o seu dinheiro."

A reação do Astor mais velho ao ver a estatuária clássica, os pisos de mosaico, os tetos pintados e as forrações de couro serem substituídos por pisos de parquê, cortinados e chita foi simplesmente: "A casa foi um tanto modificada em sua decoração e mobiliário, e embora eu não me oponha a essas mudanças, não me agrada vê-las."

Em vista de seu histórico de resmungos, é interessante ponderar por que William Waldorf além de Cliveden como esplêndido presente de casamento que um dia chegaria às mãos de seu filho como parte de sua herança, deu a Nancy o diamante Sancy em sua tiara. Seria uma oferta de paz? Uma herança antecipada, como Cliveden era para Waldorf? Ou uma outra mensagem cruel? Durante o século XX correu o boato de que o Sancy era verdadeiramente amaldiçoado, já que a maioria de seus proprietários tinha encontrado um fim terrível. Como William Waldorf era um grande apreciador de história e de curiosidades históricas, não podemos descartar inteiramente essa possibilidade.

Quaisquer que tenham sido as motivações do velho Astor, o Sancy certa­mente não parece ter dado azar ao jovem casal — pelo menos não imediata­mente. Waldorf e Nancy passavam o tempo como parte do núcleo rico e fa­moso no topo da sociedade, cercados de pessoas interessantes como Hilaire Belloc, George Bernard Shaw, H. G. Wells, deões de Oxford, jornalistas, edi­tores, estadistas nacionais e diplomatas internacionais. Waldorf estava deter­minado a se tornar político e, diferentemente de seus colegas eleitos membros do Parlamento, ele comprou uma casa em seu distrito eleitoral de Plymouth e buscou servir mais ao povo que à sua ambição política. Foi Waldorf Astor quem criou as bases para o Serviço Nacional de Saúde na Grã-Bretanha com a criação do Ministério da Saúde.

Mas sua carreira na Câmara dos Comuns foi interrompida abruptamen­te por um simples ato de generosidade: em 1916 William Waldorf Astor foi elevado a lorde Astor e recebeu um baronato na lista de agraciados do Ano-Novo. Isso não apenas foi um choque, mas a honraria também simbolizava a vida de privilégios egoístas que Waldorf e Nancy repudiavam. A nobreza acabou destruindo inteiramente qualquer vestígio de relacionamento entre os dois homens, já que isso significava que, com a morte de William Waldorf, Waldorf teria de deixar a Câmara dos Comuns e ir para a Câmara dos Lordes.

Waldorf suplicou a seu pai que recusasse a honraria, mas o velho homem permaneceu inflexível: o rei Eduardo VII havia impedido que ele recebesse um título de nobreza em função de suas diferenças políticas e, como escre­veu a Nancy, "o amor pelo sucesso está em meu sangue e, falando pessoal­mente, eu estou encantado de ter vivido estes últimos anos de minha vida com distinção". Em um último esforço para se salvar, Waldorf apresentou um projeto de lei na Câmara dos Comuns permitindo que herdeiros de títu­los pudessem recusá-los, mas a proposta foi derrotada de forma esmagadora. Ele estava aprisionado e nunca iria perdoar totalmente seu pai, já que ele considerava a condecoração a vitória final do pai, derrotando o homem em que ele de coração queria se transformar. Embora Nancy tenha tentado ao máximo curar as feridas, o mal era irreparável.

Mas, sério como era, Waldorf Astor rapidamente voltou suas atenções novamente para o trabalho à frente, e o que ele poderia fazer para servir no futuro próximo. O império jornalístico dos Astor na Grã-Bretanha, o dinheiro dos Astor, a influência de William Waldorf e a coragem política de Waldorf transformaram a família era poderosos aliados que qualquer governo deveria cultivar. No pe­ríodo da Primeira Guerra Mundial, Waldorf trabalhou incansavelmente como membro do gabinete de guerra do primeiro-ministro Lloyd George, analisando os desdobramentos da Rússia bolchevique, monitorando a "questão irlandesa" e oferecendo conselhos com honesta paixão. Sua paixão nunca obliterava seu ra­ciocínio, como algumas vezes acontecia com Nancy. Waldorf foi o primeiro mi­nistro do governo a identificar o extremismo do Ulster como o principal obstáculo a uma solução justa para a questão irlandesa. Sua cruzada para criar um. Ministé­rio da Saúde foi um sucesso retumbante, mas sua luta para introduzir a lei seca foi um completo fracasso.

Então veio 1919. Ao estabelecer os termos de seu testamento, William Waldorf deu seu último golpe. Ele queria que seu. filho mais velho e herdei­ro tivesse uma prova palpável de seu desapontamento com ele, então dividiu sua riqueza igualmente entre Waldorf e seu irmão John. Foram criados dois espólios, nos quais nenhum dos dois podia tocar na maior parte do capital, um para seus netos (mais de 20 milhões de dólares em 1916, o equivalente a 335,7 milhões de dólares ou 209,8 milhões de libras, em valores de hoje), o outro de 50 milhões de dólares em 1919 (equivalente a 840,3 milhões de dólares ou 525,2 milhões de libras, em valores de hoje), a serem divididos entre Waldorf ejohn. Um mês após o segundo espólio ter sido estabelecido, William Waldorf Astor, naquela época elevado a visconde, estava morto.

Waldorf imediatamente herdou o temido título de "lorde" Astor, e foi obri­gado a se transferir para a Câmara dos lordes, enquanto sua vaga parlamentar de Plymouth ficava vaga. Assim como Huckleberry Finn injetara novo fôlego no romance americano 35 anos antes, Nancy Astor estava prestes a virar pelo avesso o establishment britânico. Como esposa do ex-parlamentar e uma atraente e franca proponente do homem comum, Nancy era uma penetra. Embora ela não fos­se a primeira mulher na Grã-Bretanha a ser eleita para o Parlamento, ela era a primeira mulher a verdadeiramente ocupar seu assento.

Seria injusto dizer que ela se tornou porta-voz de Waldorf, embora ele certamente tenha escrito seus primeiros grandes discursos. Suas preocupações eram os pobres e os marginalizados, os direitos das mulheres e das crianças, e livrar a sociedade da "bebida do demônio". O Parlamento seria um palco para sua personalidade teatral. Ela queria mulheres na força policial, forte proteção para as crianças, pensões para viúvas, tribunais de menores, educação de qualidade para todos e moradias adequadas, e tentou acabar com o trabalho abusivo e os maus-tratos a crianças. Seus modos incrivelmente francos e sua perspicácia enlevavam seus defensores e enfureciam seus inimigos. Em pouco tempo ela conseguiu na Câmara o duvidoso recorde de interrupções nos discursos de seus colegas e do uso de linguagem "não-parlamentar" em relação a seus ad­versários. Ela era notória por imaginar insultos como "o burro da aldeia" ou "colegas de bocas grandes e discursos bombásticos com corações tolos e nenhum cérebro" para descrever seus colegas parlamentares.

Extraordinariamente, ela permaneceria no Parlamento, defendendo suas causas, até 1954. Durante todo esse tempo, lady Nancy Astor acompanhava Waldorf então Visconde Astor, em cerimônias oficiais, e usava sua tiara com o Sancy no topo, desempenhan­do o papel da perfeita esposa do visconde, ou anfitriã.

Mesmo Winston Churchill apontou sua poderosa arma verbal contra Nancy Astor quando, em 17 de agosto de 1931, escreveu no Sunday Pictorial:

Ela explora com sucesso o melhor dos dois mundos. Ela reina no Velho Mundo e no Novo, e nos dois lados do Atlântico, ao mesmo tempo como líder de uma esperta sociedade da moda e de uma avançada democracia feminista. Combina um bom coração com uma língua afiada e polêmica. Ela incorpora a realização histórica de ser a primeira mulher membro da Câmara dos Comuns. Ela aplaude as políticas do governo da bancada da oposição. Ela denuncia o vício do jogo e mantém um estábulo de cavalos de corrida sem rival. Ela aceita a hospitalidade e as bajulações comunistas e continua a ser uma representante conservadora de Plymouth. Ela faz todas essas coisas contraditórias tão bem e de forma tão natural que o público, cansado de criticar, só pode bocejar.
Foram exatamente sua franqueza e o amor dos Astor pelo diálogo inteli­gente e pela troca honesta de opiniões que os colocaram em problemas em 1938, quando o "Grupo de Cliveden" — como eram rotulados aqueles que iam a Cliveden como parte do inteligente círculo de amigos dos Astor — se tornou sinônimo de simpatizantes do nazismo. Embora hoje acredite-se am­plamente que os próprios Astor certamente não eram simpatizantes do na­zismo, certos comentários desvairados de Nancy na Câmara dos Comuns como "só um judeu como você poderia ousar ser rude comigo" nâo ajudaram em nada sua causa quando os jornais rivais publicaram esses insultos.

Os Astor eram propriedade pública, com todo o glamour de estrelas de Hollywood, e passariam anos antes que a verdade rastejasse de volta para as notícias acerca daqueles que eram convidados a Cliveden. Embora joachim von Ribbentrop tenha sido um convidado, também eram Charlie Chaplin (depois acusado de ser comunista durante o período macarthista), Sean O'Casey, T. E. Lawrence, o primeiro-ministro Neville Chamberlain e Mahatma Ghandi. Na década de 1930 George Bernard Shaw promoveu a viagem de apuração dos fatos dos Astor à Rússia — uma viagem que mais tarde causou celeuma quando o Comitê de Relações Exteriores do Senado dos Estados Unidos convocou os Astor a depor sobre a visão que tinham da nova Rússia.

Os Astor eram a realeza americana adotada, e quando eles iam aos Estados Unidos em viagem todos os "observadores de realeza" dos Estados Unidos corriam para Washington na esperança de assistir a um "passeio real". Eles não se decepcionavam. R. J. Cruikshank, um repórter do News Chronicle (Londres), escreveu para seu público apaixonado:
Em frente ao terreno do Capitólio esta manhã eu vi aquela figura apressada, garbosa, grandiosa que atrai todos os olhares em Washington nestes dias — Lady Astor, a americana mais conhecida da Inglaterra e a inglesa mais conhe­cida da América.

Senadores sulistas, usando chapéus de Robert E. Lee e gravatas-borboleta, fizeram mesuras de antiquado cavalheirísmo quando ela passou por eles.

Crianças acenavam para ela, congressistas sorriam, anfitriãs a perseguiam coro, convites para almoços.

Lady Astor veio, viu e venceu.
Enquanto as nuvens da guerra se acumulavam sobre a Europa a cada dia, Nancy e Waldorf Astor acreditavam, e acreditaram durante um bom tempo, que os Estados Unidos tinham de ajudar a Europa a conter a ameaça nazista. Ainda em 4 de junho de 1922, Nancy afirmou profeticamente em uma en­trevista ao Observer de Londres que:
Eu insisto em que a América é grande e forte o bastante para se erguer acima do medo de "emaranhar-se". As mães americanas não desejam enviar seus filhos para combater guerras estrangeiras em países distantes em benefício de povos estrangeiros por causas possivelmente não-meritórias. Mas este não é o apelo da Europa à América. Tentei mostrar que a Europa precisa mais do apoio moral da América que de seu dinheiro ou seus homens.
À medida que seus anos no Parlamento se estendiam atrás de si, o relacionamento de Nancy com Waldorf se tornava cada vez mais desgastado. Ela tinha se tornado obcecada com suas "causas" e incapaz ou desinteressada de ver que tudo o mais ao seu redor — incluindo sua família — estava pagando por isso. A maior defensora da moderação estava viciada no poder, e como a maioria dos dependentes de drogas, acreditava piamente que poderia aban­donar quando ela quisesse, mas não antes que ela quisesse largar. Nos últi­mos sete anos da vida de Waldorf, ele e Nancy se viram apenas cerca de uma dúzia de vezes, em encontros de família; quando ela estava em Cliveden, ele estaria em Londres ou Brighton, e vice-versa. Quando o fim chegou, ela es­tava inteiramente arrependida e mandou levar o convalescente Waldorf de volta para "casa" em Cliveden, tendo ela chegado tarde demais de um com­promisso para dizer adeus pessoalmente.

Com uma mãe tão grandiosa e internacional, deve ter sido difícil crescer no santuário Astor de Cliveden, já que, apesar de se entregar tão plenamente a seu público, Nancy também era uma mãe extremamente possessiva. Ela tinha ciúme das mulheres que entravam na vida de seus filhos, e foi para sempre a única mulher na vida do mais velho. Cliveden era o castelo, e só havia uma rainha: Nancy. Ela idolatrava e mimava Bobbie, seu filho mais velho, o único com Bobbie Shaw de Boston. A família descobriu que Bobbie era gay de uma forma muito pública: ele foi julgado e condenado por "im­portunar rapazes", na época um crime na Grã-Bretanha, e foi levado à prisão para cumprir uma sentença de cinco meses. Ele cumpriu quatro meses, e Nancy suportou bem. Talvez tenha sido mais fácil para ela pelo fato de ne­nhum jornal ter contado a história.

O filho mais velho de Nancy e Waldorf, William, saiu-se melhor, mas apenas até certo ponto. Diferentemente de Bobbie, Bill se conformou, lu­tando para satisfazer os pais, e freqüentemente se tornando a "linha de tiro" entre Nancy e Waldorf. De acordo com a terceira esposa e viúva de Bill, Bronwen Astor, sempre que Nancy entrava na sala, seu rosto ficava "com a cor do teto" Ela estava convencida de que o aneurisma de aorta que matou Bill prematuramente foi o resultado da ansiedade e da tensão que atravessa­ram sua juventude. Mas a morte prematura de Bill foi talvez injustamente atribuída ao pior incidente ocorrido em Cliveden, o Caso Profumo.

Bill Astor é provavelmente o mais incompreendido e equivocadamente vilanizado de todo o ramo britânico da família Astor. Na época lorde Astor, Bill tinha feito um trabalho inacreditavelmente importante pelos refugiados da Segunda Guerra Mundial por intermédio do Comitê Internacional de Ajuda em Desastres e o Real Instituto de Assuntos Internacionais da Chatam House (co-fundado por seu pai) e continuou seu trabalho pelos refugiados como membro ativo da Câmara dos Lordes. Ele estava envolvido em traba­lho de caridade particular sustentando centros de treinamento vocacional em Israel, ajudando refugiados russos na Alemanha e atuando como presidente do Great Ormond Street Hospital Institute of Child Health. Já em 1961 ele era um dos membros fundadores da campanha parlamentar para que a Grã-Bretanha se unisse ao Mercado Comum, hoje União Européia.

Mas, diferentemente de seus ilustres pais, ele nem sempre permitia que o trabalho parlamentar viesse em primeiro lugar. Em maio de 1963 ele se queixou a lorde Shackleton: "Realmente será muito difícil apreciar sua pro­posta sobre o divórcio na sexta-feira da semana de corridas em Ascot, pois claramente muitos dos pares que são simpáticos à proposta provavelmente estarão nas corridas. Contudo, eu farei o possível. (...) O melhor momento seria às 19h, o que permitiria sair das corridas e estar lá depois."

Esses fatos levaram às trágicas circunstâncias que tornaram o sensacional Caso Profumo ainda mais trágico. A esposa de Bill e ex-modelo Bronwen es­tava vivendo com ele em Cliveden desde o outono de 1960, e partilhava seu orgulho da história da propriedade, bem como de ser uma anfitriã perfeita. A única nuvem negra no horizonte era um osteopata chamado Stephen Ward, que Bill tinha autorizado a viver em Spring Cottage, dentro da propriedade. Bronwen tinha ouvido falar dele, e quando o conheceu concluiu que era o diabo encarnado: de alguma forma a mensagem chegou a Ward. Ward já estava instalado em Spring Cottage havia quatro anos, e tinha sido apresentado aos ricos e glamourosos que passavam por Cliveden — dessa forma construindo sua clínica. Bill tinha plena confiança nas mãos curativas de Ward, e logo os seus amigos também estavam consultando Ward. Ward, um libertino de meia-idade, deve ter se sentido ameaçado pela influência de Bronwen sobre Bill, e pressionado a fazer algo drástico para preservar sua posição.

Aquele era um momento politicamente difícil para a Grã-Bretanha. Um ano antes os soviéticos tinham capturado o piloto de U-2 Francis Gary Powers, e a Guerra Fria estava em plena marcha. Os espiões vira-casacas ingleses Guy Burgess e Donald Maclean tinham sido desmascarados, e seus cúmplices ainda estavam sendo caçados pelo serviço de informações britânico. Assim, a Grã-Bretanha era vista como um "aliado não-confiável" pelos Estados Uni­dos, e o governo estava trabalhando duro para dissipar os medos americanos como sendo infundados.

O problema de Bill Astor começou no início de 1961, quando Ward co­nheceu o adido naval soviético, capitão Eugene Ivanov — um oficial de in­formações militares russo que tinha feito amizade com ele na esperança de ser convidado freqüentemente a Cliveden. Cliveden era um parque de di­versões para os ricos e poderosos, e poderia se tornar um bom campo de caça para Ivanov. Suas esperanças logo se tornaram realidade.

O ministro da Guerra John Profumo foi convidado pelos Astor a ir a Cliveden com sua esposa no final de semana de 7 a 9 de julho de 1961. Outros convidados eram lorde Mountbatten, o general Ayub Khan, presidente do Paquistão, e a tia de Bill, Pauline Spender-Clay. Os Profumo tinham sido pacientes de Ward por alguns anos, portanto Ward sabia que eles estariam em Cliveden, e conhecia o fraco de Profumo por "doces jovenzinhas". O restante, como se diz, é história. Christine Keeler, Mandy Rice-Davies e o capitão Ivanov foram convidados a Spring Cottage como hóspedes de Ward no mesmo fim de semana.

Apesar do caso jurídico que se seguiu, hoje há provas substanciais que mostram que o envolvimento de Stephen Ward foi exagerado pelo serviço de informações britânico, o MI5, que planejava apanhar Ivanov em uma ar­madilha e transformá-lo em um agente duplo. Independentemente disso, Ward seria o bode expiatório para toda a situação e a reputação de Bill Astor seria despedaçada.

Na tarde de sábado vários participantes da festa dos Astor foram para a piscina para ver uma nova estátua de bronze que Bill comprara recentemen­te. Bill e Jack Profumo cruzaram primeiro a porta para a área da piscina, quando viram Stephen Ward e seus convidados. Christine Keeler estava cor­rendo ao redor da borda da piscina inteiramente nua, e ao ver Bill e Profumo rapidamente entrou em seu traje de banho. De acordo com Bill, ninguém viu nada inconveniente, mas o relato de Christine Keeler foi mais apimenta­do — e foi o mais amplamente divulgado pela imprensa.

De acordo com ela, Bill e Jack Profumo a perseguiram de brincadeira ao redor da piscina; então, quando os outros chegaram, ela rapidamente colo­cou sua roupa de banho. Mais tarde, de acordo com Keeler, Profumo a per­seguiu pelos quartos da casa e a vestiu com uma armadura, com a qual ela desfilou para diversão geral. Com o benefício do tempo e da visão retrospec­tiva, o relato de Christine Keeler vendia jornais — o de Bill Astor não —, portanto, sua história foi geralmente acreditada.

A verdade, porém, é que Jack Profumo tinha iniciado um caso com Christine Keeler — assim como o capitão Ivanov. Washington tomou conhe­cimento, e as engrenagens do poder se moveram implacavelmente contra Profumo, já que Ivanov era o especialista militar soviético na Europa Oci­dental e poderia ter tomado conhecimento de segredos de Estado. Dois meses depois do incidente, o muro de Berlim foi erguido, a carreira de Profumo estava em frangalhos e a reputação de Bill arruinada. A família fez o que pôde para conter a inacreditável avalanche de discursos bombásticos da atormen­tada Nancy, que então tinha se afastado da vida ativa, com um razoável grau de sucesso.

Três anos depois, em 1964, Nancy morreu após uma prolongada doença. Em suas últimas semanas ela murmurava "Waldorf... Waldorf" incessante­mente, ainda lamentando os últimos 12 anos em que o poder ofuscara o amor. Então, em 1967, Bill Astor morreu repentinamente de aneurisma de aorta, e o Sancy passou para seu filho William, de 15 anos de idade, que se tornou o quarto visconde.


29

Epílogo ou epitáfio?

1976 — Presente
Felizmente, William Astor deu continuidade à tradição familiar de hon­ra e dever, bem como de política, e tratou o Sancy com grande respeito, emprestando-o para a mostra especial do Louvre em 1967 "Os diamantes da coroa francesa", na qual ele foi reunido ao Regente e ao Hortênsia pela pri­meira vez em quase dois séculos.

Foi essa mostra especial que acabou levando ao sucesso do Louvre em adquirir o diamante do quarto visconde por uma quantia não revelada, que alguns lapidãrios franceses estimaram em 1 milhão de libras (7,6 milhões de dólares ou 4,8 milhões de libras, em valores de hoje). Continua a ser uma especulação se essa de fato foi a quantia pela qual o Sancy foi adquirido, já que os documentos do Banque de France, que comprou a pedra em nome do Louvre, não estão disponíveis para o público.

O Sancy repousa em uma vitrine semelhante a um caixão aberto, com 1,8 metro de comprimento por 1,2 metro de largura. No alto da vitrine há uma base inclinada de seda cor-de-rosa na qual o Sancy está preso, e à es­querda estão o Regente e o Hortênsia. Uma réplica da coroa de Luís XV, com cópias do Sancy e do Regente, repousa na extrema esquerda da vitrine. O Sancy está ligeiramente inclinado para cima de modo a ocultar os arranhões de todos os acontecimentos históricos que suportou. Ele está envolvido por um simples círculo de ouro branco que parece reduzir o diamante a um for­mato de pêra um tanto menor. Próximo ao Sancy, o Regente brilha de forma magnífica — mais de três vezes maior que o Sancy. Na extrema esquerda, o Hortênsia botão de pêssego, com seu corte pentagonal do século XVIII, embora menor que o Sancy, igualmente parece mais importante.

Nos outros cantos da vitrine estão outros remanescentes das jóias da coroa francesa. Quando comparadas com a coleção de jóias da coroa britânica, francamente, fazem uma triste figura. Em abril de 2002, a placa em frente ao Sancy informava simplesmente: "Parte das jóias da coroa da França, na coroa de Luís XIV e Luís XV, entregue ao Louvre pelo visconde Astor."

Fiquei mais chocada que desapontada quando vi o Sancy pela primeira vez. Certamente o Louvre poderia exibir melhor o diamante. Então eu ouvi a gravação em francês e inglês em busca de um relato da litania dos famosos proprietários do Sancy e daqueles que o cobiçaram, e fiquei novamente cho­cada ao ver que não havia nada. O Regente tinha uma explicação na grava­ção, assim como a coroa de Luís XV, enquanto o Sancy merecia unicamente a menção de ter sido colocado "no alto da coroa".

Em minha segunda visita para ver o diamante, em julho de 2002, havia uma nova etiqueta incluindo as palavras "supostamente pertencente a Carlos, o Temerário" no início da placa, e o diamante tinha sido reposicionado e aparentemente polido — dessa forma escondendo seus históricos arranhões. Não sei se isso tinha algo a ver com o fato de eu ter avisado ao museu que estava escrevendo este livro.

O que acho interessante é por que o Louvre teria se esforçado como fez para adquirir o Sancy se não tinha a intenção de reconhecer a "fantasia" (pa­lavra deles, não minha) que cerca o diamante, ou de descobrir a verdadeira história? Tudo o que foi escrito sobre o Sancy antes do meu livro fia-se em apenas uns poucos autores franceses, fontes secundárias ou as mentiras de Harlay de Sancy ou Robert de Berquen. Até certo ponto eliminei a névoa que cercava a história do Sancy buscando as fontes primárias na França, a Bélgica, Holanda, Inglaterra, Portugal, Alemanha, Espanha, Suíça e Itália, revelando muitos — mas não todos — segredos do Sancy. Também o Louvre guarda seu próprio segredo de por que escolheu não esclarecer seus visitan­tes sobre o passado deste fascinante diamante.

Quando eu dei meu último adeus ao Sancy, senti que a descrição da his­tória fenomenal da gema era lamentavelmente vazia, Agora que passei o úl­timo ano pesquisando, desvendando "histórias" anteriormente escritas, conversando com outros curadores e especialistas em diamantes europeus e algumas vezes me apaixonando e outras rompendo com o Sancy, estou mais convencida que nunca de que essa jóia foi metaforicamente escondida em sua vitrine, e em vez de sua estadia no Louvre ser seu porto seguro ou seu epílogo, a discrição de sua apresentação tornou-se o epitáfio do Sancy.


Livro Escaneado Por Lucia Garcia

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