1 fronteiras da Globalização 1


Território, territorialidade



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Território, territorialidade e soberania

Uma determinada área, em qualquer ponto do espaço geográfico, pode ser definida por seu tipo de governo, sua cultura, seu sistema econômico e outros agentes que influenciam a sua organização e a individualizam nesse espaço. Essa área, delimitada no espaço geográfico, pode ser considerada um território. No entanto, por ser o produto do trabalho de uma sociedade no decorrer de sua história, um território apresenta grande complexidade econômica e cultural. A noção de poder, domínio ou influência de vários atores (políticos, econômicos e sociais) e a forma como eles moldaram a organização desse território no espaço geográfico expressam uma determinada territorialidade. Por esse motivo, não só os Estados exercem a territorialidade. Outros atores, como as metrópoles mundiais, os organismos econômicos mundiais - como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) - o Banco Mundial -, grandes empresas transnacionais e até mesmo organizações criminosas exercem a territorialidade, ou domínio, em várias frações ou porções do espaço geográfico.

As fronteiras territoriais estabelecem os limites do alcance das relações de poder exercidas pelos diversos agentes.

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Entretanto, elas não são apenas políticas, porque nem sempre o território é marcado por fronteiras exatas. Os lugares, os territórios e as paisagens são delimitados ou separados por fronteiras que podem ter um significado mais amplo do que faixas de separação entre países.

No mundo atual observam-se outros tipos de fronteira, além das políticas: há também fronteiras naturais, econômicas, tecnológicas e supranacionais.

Para alguns analistas, as fronteiras econômicas e tecnológicas tendem a desaparecer, em meio ao surgimento de atores sociais uniformizadores, como as companhias transnacionais e as redes tecnológicas, que tornam o mundo mais conectado e urbano, regido pelos mesmos sistemas tecnológicos.

Além disso, podemos identificar territórios em escalas diferentes, como veremos mais adiante.

Glossário:



Fronteira supranacional: fronteira que reúne vários países dentro de determinada área, ou da área que delimita.

Fim do glossário.

Boxe complementar:

Leitura e reflexão

Ícone: Não escreva no livro.

O Estado-Nação

O Estado-Nação é essencialmente formado por três elementos: o território, um povo e soberania.

A utilização do território pelo povo cria o espaço. As relações entre o povo e seu espaço e as relações entre os diversos territórios nacionais são reguladas pela função da soberania [...].

A ação das sociedades territoriais é condicionada no interior de um dado território:

1) pelo modo de produção dominante à escala internacional;

2) pelo sistema político;

3) pelos impactos dos modos de produção e dos momentos precedentes ao modo de produção atual.

SANTOS, Mílton. Por uma Geografia nova. São Paulo: Edusp, 2008. p. 232-233.

- Reflita, pesquise, se necessário, e depois faça o que se pede.

1. Identifique o modo de produção dominante em escala mundial.

2. Alguns povos não possuem nem soberania nem território. Identifique um desses povos.

LEGENDA: Vista do Congresso Nacional, sede do Poder Legislativo, em Brasília (DF). Foto de 2014.

FONTE: Andre Dib/Pulsar Imagens

Fim do complemento.



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Onde termina um país e começa outro?

Dentro de um continente, um país é separado de outro país - ou de outros países - por uma linha divisória denominada limite, e por uma faixa denominada fronteira política. Os limites que marcam as fronteiras políticas podem ser representados cartograficamente, como mostra o planisfério político da página seguinte.

Os limites internacionais representados nos mapas políticos indicam até onde se estende o território de um país. Alguns têm um grande território, como Rússia, China, Estados Unidos e Brasil. São os chamados países continentais. Outros são muito pequenos, como Vaticano, Mônaco, Andorra (foto abaixo) e Cingapura, denominados micropaíses.

Um país pode ter limites internos, caso seja subdividido em partes menores, que podem ser departamentos (na França), províncias (na Argentina) ou estados (no Brasil).

Há países que fazem parte de arquipélagos e são limitados pelo mar. Os limites muitas vezes são elementos naturais: rios, lagos, mares, cadeias de montanhas. Outras vezes, o limite pode ser marcado apenas por uma rua ou estrada.

LEGENDA: Pessoas andando pelas ruas de Andorra-a-Velha, no principado de Andorra. Foto de 2015.

FONTE: Pascal Pavani/Agência France-Presse

LEGENDA: Fronteira Brasil-Uruguai, em Santana do Livramento, no estado do Rio Grande do Sul. Foto de 2014.

FONTE: Gerson Gerloff/Pulsar Imagens

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FONTE: Adaptado de: IBGE. Atlas geográfico escolar. 6ª ed. Rio de Janeiro, 2012. p. 32, com atualização no site do IBGE: www.ibge.gov.br. Acesso em: 20 nov. 2015. CRÉDITOS: Allmaps/Arquivo da editora



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Fronteiras políticas

Se, por um lado, as fronteiras e os limites são elementos de separação de povos e culturas, por outro, podem significar uma aproximação entre nações vizinhas, quando essa separação territorial não implica disputas e rivalidades étnicas ou religiosas.

As fronteiras políticas podem ser:

- Efetivas, quando representam limites territoriais reconhecidos internacionalmente, como a fronteira entre Brasil e Uruguai.

FONTE: Mapa elaborado pelos autores com base em: IBGE. Atlas geográfico escolar. 6ª ed. Rio de Janeiro, 2012. p. 177.

- Em litígio, quando existe um limite territorial de fato, sobre o qual não há acordo, ou que está sujeito a arbitragem, como ocorre com Venezuela e Suriname em relação à Guiana.

FONTE: Adaptado de: ATLANTE geografico metodico De Agostini 2015. Novara: Istituto Geografico De Agostini, 2015. p. 165.

- Indefinidas, quando não há limites fixos demarcados entre os Estados; os limites mostram apenas áreas aproximadas de soberania; por exemplo, entre Iêmen e Arábia Saudita.

FONTE: Adaptado de: ATLAS of the World. Washington D. C.: National Geographic, 2006. p. 72. CRÉDITOS DAS CARTOGRAFIAS: Allmaps/Arquivo da editora

As fronteiras políticas e os limites que se alteram

A extensão dos territórios estatais e seus limites internacionais são produto das diferentes formas de relações entre as sociedades que habitaram e habitam - e, por conseguinte, transformaram e transformam - o espaço geográfico. Criados pela natureza ou não, esses limites foram estabelecidos após séculos de um passado construído à custa de guerras, acordos, conquistas e tratados. Daí os limites e as fronteiras entre os países terem mudado radicalmente com o passar do tempo e da história dos povos. Isso explica por que a divisão política do mundo está sempre se alterando.

No século XX, dois fatos mudaram profundamente os limites e as fronteiras de alguns continentes:

- O processo de descolonização da África e da Ásia, depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

- O fim do comunismo no Leste Europeu e a desintegração da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), na década de 1990.

A descolonização da África e da Ásia modificou profundamente o traçado das fronteiras e dos limites desses continentes. O planisfério ficou muito diferente, sobretudo após as décadas de 1950 e 1960, quando muitas colônias africanas e asiáticas conquistaram sua independência.

Na África, os limites dos novos países são o reflexo da divisão territorial colonial. Para delimitar esses traçados, as metrópoles europeias não levaram em conta

a existência de tribos nativas, etnias e culturas diferentes e, não raro, inimigas irreconciliáveis. As rivalidades étnicas conduziram a sangrentos conflitos após a descolonização das colônias africanas. Veja nos mapas da página seguinte como os limites e as fronteiras dos países africanos se alteraram durante o século XX.



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LEGENDA: A partir do século XV os europeus dominaram as áreas costeiras da África. No século XIX, com a partilha do continente e sua distribuição entre as nações europeias mais importantes, ocorreu a ocupação efetiva de todo o território africano. Essa partilha foi conflituosa em razão basicamente dos interesses dos países colonizadores e também dos povos que habitavam a África. A descolonização mais efetiva realizou-se nas décadas de 1950 e 1960, mas muitos dos conflitos que ainda persistem na África são consequência da formação colonial de seus territórios.

FONTE: Adaptado de: DUBY, G. Grand atlas historique. Paris: Larousse, 2006. p. 263. CRÉDITOS: Allmaps/Arquivo da editora

FONTE: Adaptado de: ATLANTE geografico metodico De Agostini 2012. Novara: Istituto Geografico De Agostini, 2012. p. 60-61. CRÉDITOS: Allmaps/Arquivo da editora

Na década de 1990, o Leste Europeu foi muito afetado por mudanças de limites e de fronteiras políticas. Depois da queda do comunismo, o mapa dessa região mudou profundamente de fisionomia. Países ficaram independentes, muitos se desmembraram ou se juntaram. Veja algumas dessas mudanças nos mapas a seguir.

FONTE: Adaptado de: DUBY, G. Grand atlas historique. Paris: Larousse, 2006. p. 106. CRÉDITOS: Allmaps/Arquivo da editora

FONTE: Adaptado de: ATLANTE geografico metodico De Agostini 2015. Novara: Istituto Geografico De Agostini, 2015. p. 139. CRÉDITOS: Allmaps/Arquivo da editora

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Os oceanos e as fronteiras políticas

Os oceanos também são objeto de legislação internacional, uma vez que são muito ricos em recursos pesqueiros e servem para a exploração de petróleo, além de serem via de circulação de comércio internacional e de turismo.

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar é o instrumento mais importante para a regulamentação da exploração dos oceanos. Entrou em vigor em 1994 e foi ratificada por 138 países, entre eles o Brasil. Segundo a Convenção, os países costeiros têm completa soberania até 12 milhas (mais ou menos 19 km) de seu litoral. A esse espaço denomina-se mar territorial. Além disso, estabelece direitos sobre o mar patrimonial ou zona econômica exclusiva, que se estende por cerca de 200 milhas (mais ou menos 320 km) mar adentro. Nessa área, esses países asseguram a livre navegação, mas se reservam o direito exclusivo da exploração dos recursos, como a pesca e o petróleo.

O continente sem fronteiras políticas

A Antártida é o único continente que não tem fronteiras políticas. Existe um acordo internacional, o Tratado da Antártida, assinado em 1961, que rege a situação jurídica do continente antártico. Seu principal objetivo é garantir o uso pacífico da área, sua preservação e o conhecimento de suas características por meio de pesquisa científica. O Brasil tem uma base com esse fim no continente gelado, a base Comandante Ferraz, que foi parcialmente destruída por um incêndio em 2012, mas já foi restabelecida. Apesar do acordo, alguns países reivindicam o controle de uma parte da Antártida. O mapa abaixo mostra quais são esses países.

FONTE: Adaptado de: ATLANTE geografico metodico De Agostini 2012. Novara: Istituto Geografico De Agostini, 2012. p. 184, com atualizações do site: www.lib.utexas.edu/. Acesso em: 20 nov. 2015. CRÉDITOS: Allmaps/Arquivo da editora

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As redes e as escalas geográficas

A noção de territorialidade não está apenas relacionada ao conceito de território. Também pode ser relacionada ao conceito de rede e a uma abordagem transescalar (escalas geográficas).

Isso significa que o espaço também está organizado em redes, que vão além das fronteiras e ao mesmo tempo são o limite das fronteiras. Segundo o geógrafo Mílton Santos, "através das redes podemos reconhecer, grosso modo, três tipos ou níveis de solidariedade, cujo reverso são outros tantos níveis de contradições. Esses níveis são o nível mundial, o nível dos territórios dos Estados e o nível local".

Leia o texto do boxe a seguir para entender melhor esses assuntos.

Boxe complementar:

Ampliando o conhecimento

Redes e escalas geográficas



Severina Sarah Lisboa

As redes geográficas adquirem importância cada vez maior no contexto atual. O sociólogo espanhol Manuel Castells define a rede como "um conjunto de nós interconectados, e nó é o ponto no qual uma curva se entrecorta". Os nós das redes podem ser representados por vários elementos do espaço, como, por exemplo, centros urbanos, bolsas de valores, sistemas de televisão, etc. As redes são o meio através do qual se desenvolvem e se manifestam os diferentes tipos de fluxos, conforme o tipo de rede e de seus nós.

A rede urbana é uma forma simples de compreender a organização em redes. Neste caso, identifica-se uma hierarquia de cidades conforme seu porte e sua importância econômica, sendo seus nós compostos de cidades globais, metrópoles nacionais, metrópoles regionais, centros regionais, subcentros regionais e cidades locais. Há uma interligação entre esses nós da rede urbana, entre os quais se estabelecem fluxos de mercadorias, pessoas, serviços, etc.

A nova economia mundial está cada vez mais se organizando em torno das redes globais de mercadorias e de capital. A sociedade em redes em suas várias expressões é uma sociedade capitalista em que este modo de produção dá forma às relações sociais em todo o planeta. O desenvolvimento da tecnologia da informação favorece a base material para a expansão das redes em toda a estrutura social a ponto de que a tendência seja de que cada vez mais a sociedade se organize em forma de redes geográficas materiais e não materiais.

As escalas geográficas são compreendidas como níveis em que o espaço é "subdividido" para melhor ser compreendido e analisado. As diferentes escalas são interligadas, uma vez que todas elas são maneiras de compreender o espaço geográfico. O termo escala pode ser associado à escala cartográfica, mas deve ultrapassá-la, pois não envolve apenas análise numérica, quantitativa, mas também análise qualitativa dos fenômenos analisados.

Quando associamos os conceitos de redes e escalas ao conteúdo de Geografia, verificamos que a organização em redes pode ser analisada por meio das discussões sobre a estrutura urbana de um país, da compreensão do funcionamento mundial das redes de tráfico de drogas ou da acessibilidade à internet. A rede de transporte também pode ser entendida como estratégia de ação de empresas logísticas e distribuidoras de mercadorias.

Em relação às escalas, o fenômeno pode ser considerado em uma escala primária e se relacionar a outras análises escalares, quando se adquire a habilidade de reflexão transescalar. A influência dos EUA pode ser pensada internacionalmente e chegar à identificação de elementos dessa atuação nas pequenas cidades brasileiras; da mesma forma, um fenômeno que a princípio pareça apenas de nível local pode ganhar proporções mundiais, como o gás carbônico liberado localmente, que pode contribuir para o fenômeno do aquecimento global.

LISBOA, Severina S. A importância dos conceitos da Geografia para a aprendizagem de conteúdos geográficos escolares. Revista Ponto de Vista, v. 4, p. 30-31, 2002. Disponível em: www.coluni.ufv.br/revista/docs/volume04/importanciaConceitosGeografia.pdf. Acesso em: 13 fev. 2012. (Adaptado).

Fim do complemento.

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As relações entre os países

Os países sempre se relacionaram ao longo da História. Mas, no mundo atual, as relações econômicas, políticas e culturais são cada vez mais necessárias. Os países precisam vender e comprar produtos no mercado internacional. Além disso, procuram se unir para tentar resolver problemas globais, como o aumento da temperatura do planeta.

As relações entre os países são estabelecidas por acordos e tratados, ou pela participação em organismos internacionais. Desses organismos, o mais representativo é a ONU, que reunia, em 2015, 193 Estados-Membros. O Vaticano (Santa Sé) e a Palestina são chamados membros observadores e possuem uma missão permanente na sede da ONU. Taiwan não faz parte da ONU, porque não é reconhecida pela República da China, que a considera uma "província rebelde" e parte de seu território.

Fundada em 1945, após a Segunda Guerra Mundial, a ONU tem como objetivos:

- preservar e manter a paz e a segurança no mundo;

- promover a cooperação internacional para a resolução de problemas econômicos, sociais, humanitários e culturais;

- mediar disputas territoriais e de fronteiras entre os países.

LEGENDA: Conselho de Segurança das Nações Unidas votando uma resolução sobre a luta contra o terrorismo, na sede da ONU em Nova York, em 20 de novembro de 2015. O Conselho de Segurança pede a todos os países que coordenem esforços para prevenir novos ataques terroristas perpetrados pelo autodenominado Estado Islâmico e outros grupos semelhantes.

FONTE: Li Muzi/Xinhua Press/Corbis/Latinstock

Boxe complementar:



Pesquise e reflita

Ícone: Não escreva no livro.

Como é formada a ONU

O órgão mais importante dessa associação é o Conselho de Segurança. É formado por representantes de cinco países (Estados Unidos, Inglaterra, França, China e Rússia), membros permanentes com o poder exclusivo de veto às decisões da organização, e de dez países eleitos a cada dois anos. Qualquer decisão do Conselho de Segurança só é válida se houver consenso entre os cinco membros permanentes.

A função do Conselho de Segurança é manter a paz e a segurança no mundo. Por isso, ele tem o poder de investigar qualquer ameaça de conflito, sugerir soluções para acordos de paz e adotar sanções, como o corte de relações diplomáticas e embargos econômicos.

A Assembleia Geral é o órgão central que discute os problemas de interesse da ONU. É composta de delegações de todos os países-membros. Entretanto, esse órgão não decide sobre questões de segurança e cooperação internacional. A Secretaria-Geral, a Corte Internacional de Justiça e o Conselho Econômico e Social são os outros órgãos integrantes da ONU. A organização possui ainda agências especializadas que se ocupam de problemas específicos, como saúde, educação, trabalho e outros.

- Faça uma pesquisa em livros, enciclopédias ou sites para conhecer mais detalhes sobre a ONU. Depois, responda às questões a seguir.

1. Quais são as funções da Secretaria-Geral e da Corte Internacional de Justiça?

2. Cite pelo menos três agências subordinadas à ONU e suas respectivas funções.

Fim do complemento.



252

Diálogos

Atividade interdisciplinar: História, Sociologia e Geopolítica.

Além do butim

Glossário:



Butim: produto de saque, pilhagem.

Fim do glossário.

Os europeus apoiavam os ataques de corsários à costa brasileira como forma de contestar a divisão do Novo Mundo por Portugal e Espanha

Filho de uma família nobre da Inglaterra, Thomas Cavendish teve sorte ao chegar com sua esquadra à vila de Santos, em 1591, e encontrar todos os moradores reunidos para a missa de Natal. Já conhecido como "franco ladrão dos mares", Cavendish prendeu todos, instalou-se na sacristia do colégio dos jesuítas e durante dois meses saqueou a vila com seus homens e queimou arquivos públicos e engenhos de cana-de-açúcar. Era mais um ataque de piratas à costa brasileira. Mais do que uma simples aventura, esse tipo de invasão representava uma contestação do governo inglês à divisão das terras do Novo Mundo entre Espanha e Portugal, formalizada por meio do Tratado de Tordesilhas em 1494. Depois dos ingleses, os franceses, que já haviam atacado o Rio de Janeiro, invadiram o Maranhão e, mais tarde, os holandeses, depois de uma tentativa fracassada na Bahia, ocuparam Pernambuco por quase 30 anos.

LEGENDA: Louis Chancel de La Grange. Plan de La Baye, Ville, Forteresses et attaques, de Rio de Janeiro, 1711. A esquadra francesa alinhada na baía de Guanabara: sem resistência das forças locais, em ataque ao Rio de Janeiro, em 1711.



FONTE: Reprodução/Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, RJ.

"Não respeitar os limites territoriais era uma forma efetiva de questionar a divisão do Novo Mundo imposta por Espanha e Portugal", diz o historiador Jean Marcel Carvalho França, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Franca. [...] Segundo ele, a pirataria ganhou força e a estratégia de invadir as colônias ibéricas, de certa forma, deu certo porque Espanha e Portugal não tinham capacidade militar para defender seus domínios nas Américas. Pelo mesmo motivo, suas frotas eram atacadas com frequência, resultando em perdas imensas de ouro, pau-brasil e marfim da África com destino à Europa. Mesmo que não tenham conseguido se fixar no Brasil, franceses e ingleses formaram colônias nas Américas Central e do Norte.

Os ataques às colônias não eram uma justificativa forte o bastante para os governos das terras invadidas romperem relações diplomáticas com os invasores. Espanha e Portugal - nessa época amalgamados por meio da União Ibérica, implantada em 1580 e desfeita em 1640 - sabiam que o domínio sobre as terras da América era frágil, ressalta o historiador. [...] Por esse motivo, Portugal preferia aceitar pacificamente o papel de vítima em vez de guerrear em desvantagem com outros reinos. Para evitar problemas maiores, valia até mesmo pagar indenizações, como fez com Nicolas Villegagnon, em compensação pelos prejuízos causados pela expulsão dos franceses do Rio de Janeiro em 1567. Outra indicação do interesse em manter a paz e os negócios é que os comerciantes portugueses continuaram vendendo suas mercadorias para os holandeses que ocuparam Recife de 1630 a 1654. [...]

França e sua colega Sheila Hue, pesquisadora do Real Gabinete Português de Leitura, do Rio, depois de 20 anos analisando e traduzindo narrativas de viajantes europeus que visitaram o Brasil [...] escreveram Piratas no Brasil - as incríveis histórias dos ladrões dos mares que pilharam nosso país, publicado no final de 2014 (Ed. Globo). O livro descreve dois ataques ingleses - de Thomas Cavendish a Santos, em 1591, e de James Lancaster a Pernambuco, em 1595 - e dois franceses - de Jean-François Duclerc, em 1710, e de René Duguay-Trouin, no ano seguinte, ambos ao Rio.

Cavendish, Lancaster, Duclerc e Trouin, os líderes de quatro grandes ataques à costa brasileira, "faziam o mesmo que Vasco da Gama, Cabral e outros exploradores, eram até mais profissionais", afirma França. A única diferença é que os navegadores portugueses estavam dentro de uma suposta legalidade, descobrindo terras ainda sem dono ou explorando os domínios ibéricos definidos pelo Tratado de Tordesilhas, enquanto os piratas - ou, com mais exatidão, corsários - agiam fora da lei imposta por outros países, embora com apoio de suas Coroas.

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Segundo França, o famoso pirata inglês James Cook, que visitou o Rio em 1768, "não tinha nada de pirata, era um burocrata". [...] A má fama da categoria resulta em boa parte dos piratas independentes que se concentravam no mar do Caribe, atacando quem pudessem, de preferência galeões espanhóis carregados de ouro extraído das minas americanas. Aos olhos dos padres católicos, ingleses e franceses também eram uma encarnação do mal, por serem "hereges e luteranos, ministros das trevas licenciosos", observam França e Sheila em Piratas.

"O corso, diferentemente da pirataria e da ação dos flibusteiros, era um empreendimento legal e muitas vezes oficial, praticado pelas potências europeias nos momentos de guerra", registrou Maria Fernanda Bicalho em A cidade e o império - o Rio de Janeiro no século XVIII (Civilização Brasileira, 2003), escrito com base em sua pesquisa de doutorado, realizado na Universidade de São Paulo (USP). "Os capitães dos navios corsários recebiam uma carta de marca, concedida pelo rei, que os autorizava a atacar, a tomar os navios e a saquear os domínios das nações inimigas. Seu objetivo não era a destruição do comércio e das riquezas do adversário, mas a sua apropriação por meio do apresamento de embarcações mercantis, do confisco de suas mercadorias, do assédio e do saque às vilas e cidades pertencentes aos estados beligerantes."

Nem sempre os mais fortes venciam. Como relatado por França e Sheila, Cavendish se apossou do ouro e do açúcar saqueado dos armazéns e dos navios ancorados no porto (um poeta e soldado da tripulação roubou um manuscrito jesuítico, usado na alfabetização dos nativos, e o doou a uma universidade de Oxford), incendiou a vila vizinha de São Vicente e partiu rumo ao sul. Seu plano era atravessar o estreito de Magalhães e prosseguir no seu ataque ao monopólio ibérico das riquezas da América, mas fortes tempestades atrapalharam os planos e dispersaram sua frota. A tripulação, faminta e exausta, se revoltou e Cavendish voltou a Santos. Os moradores, dessa vez, haviam se organizado e conseguiram repudiar os ingleses. Dos 75 homens embarcados um ano antes, somente 16 voltaram à Inglaterra.

Quatro anos depois, Lancaster atacou o porto de Recife com três navios e 275 tripulantes. A defesa foi pífia. "Os soldados pernambucanos, ainda maus artilheiros, erram os tiros, cedendo à disciplina inimiga e ainda mais à falta de munições", relatam França e Sheila. "Os defensores se retiraram, acovardados." Um mês depois, Lancaster voltou com os navios abarrotados de açúcar, pau-brasil, algodão e mercadorias de alto preço saqueadas de um navio português, como pimenta, cravo, canela, maçã, noz-moscada, tecidos e minerais preciosos. "Foi o mais rico butim da história da navegação de corso da Inglaterra elisabetana", concluem os autores de Piratas.

[...]


FIORAVANTI, Carlos. Revista Pesquisa Fapesp. 227ª ed. Disponível em: http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/01/19/alem-do-butim/. Acesso em: 20 nov. 2015.

LEGENDA: Olinda, a rica cidade vizinha de Recife, alvo de Lancaster: para os ingleses, expedição bem-sucedida. Olinda (1647), gravura de Frans Post (1612-1680).

FONTE: Frans Post/Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, RJ.

- Depois de ler o texto, faça as atividades propostas.

Ícone: Não escreva no livro.


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