A voz do passado



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interna. Deve ser lida como um todo. Se um informante tem uma tendência a mitificar ou a produzir generalizações estereotipadas, isto se repetirá no correr de toda uma entrevista. Então, as narra-tivas nela contidas poderão ainda ser tomadas como evidência simbólica de atitudes, mas não como fidedignas quanto ao de-talhe factual, como seriam com um outro informante. De modo semelhante, a supressão de informações pode manifestar-se pela relutância repetida em discorrer sobre determinada área - ou por contradições não solucionadas quanto a algum pormenor (tal como data de casamento e de nascimento e idade posterior do primeiro filho, que tenha sido concebido antes do casamento). Toda supressão ou invenção de monta ocasionará incoerências, contradições e anacronismos extremamente óbvios, especialmente se a entrevista durar por mais de uma sessão. Nesses casos, o melhor será descartar a entrevista toda. Por outro lado, algumas incoerências são inteiramente normais. É muito comum que se encontre um conflito entre os valores gerais que se acredita serem verdadeiros no passado e o registro mais preciso sobre a vida do dia-a-dia; essa contradição, porém, será por si só extre-mamente reveladora, pois pode representar uma das dinâmicas da mudança social - e urna percepção que, de fato, raramente é possível mediante qualquer outra fonte que não a evidência oral. Em nível mais trivial, a memória é, em geral, menos precisa-mente confiável em questão de cronologia, ou de um breve inci-dente isolado, do que quanto ao detalhe de um processo recor-rente da vida profissional, social ou doméstica. Em contraposição, é possível encontrar-se uma pequena minoria de informantes porta-dores de urna memória cuja riqueza e coerência são absoluta-mente excepcionais. Por ser ela tão ampla, a precisão desse tipo de memória é mais fácil de ser confirmada a partir de outras fon-tes: uma lista de ocupantes de terra, por exemplo, pode ser confe-rida pelos livros de registro de impostos locais; ou o ano em que ocorreu um certo suicídio pode ser localizado numa notícia do jornal local. Mesmo nesses casos, porém, como nos demais, apreciando primeiro a entrevista como um todo, pode-se chegar a



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uma boa avaliação da fidedignidade geral do informante como testemunha.


A respeito de muitos itens, pode-se fazer uma conferência com outras fontes. Claro que isso será um processo cumulativo á medida que o material for coletado: uma série de entrevistas numa mesma localidade proporcionará inúmeras conferências entre elas a respeito de fatos. Do mesmo modo, certos detalhes em ser comparados com fontes manuscritas e impressas. Como diz Jan Vansina, "toda evidência, escrita ou oral, que re-monte a uma única fonte deve ser encarada com reserva; deve-se buscar uma corroboração para ela".2 Contudo, essa máxima é de relevância maior no caso de tradição oral transmitida através de várias gerações, do que em relação à evidência imediata da histó-ria de vida. Quando houver discrepância entre evidência escrita e oral, não se segue que um dos relatos seja necessariamente mais fidedigno que o outro. A entrevista pode revelar a verdade que existe por trás do registro oficial. Ou, então, a divergência poderá representar dois relatos perfeitamente válidos a partir de dois pontos de vista diferentes, os quais, em conjunto, proporcionam pistas essenciais para a interpretação verdadeira. Na verdade, é muito freqüente que, enquanto uma evidência oral que pode ser confirmada diretamente mostra possuir valor meramente ilustra-tivo, uma evidência nova, mas não confirmada, é que indica o caminho de uma nova interpretação. Na verdade, grande parte da evidência oral oriunda da experiência pessoal direta - como um relato sobre a vida doméstica em determinada família - é pre-ciosa exatamente porque não pode provir de nenhuma outra fonte. É inerentemente única. Claro que sua autenticidade pode ser avaliada. Não pode ser confirmada, mas pode ser julgada.
O terceiro método pelo qual se pode chegar a um julga-mento desse tipo é colocar a evidência dentro de um contexto mais amplo. Um historiador experiente já terá suficiente conheci-mento, a partir de fontes contemporâneas, sobre a época, o local e a classe social de onde provém dada entrevista, para saber, mesmo que determinado detalhe não possa ser confirmado, se a

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entrevista como um todo soa como verdadeira. A falta generali-zada de detalhes confiáveis, atitudes anacrônicas e construções lingüísticas incongruentes, tudo isso será bastante óbvio.
Com técnicas mais especiais, é possível ir ainda mais longe do que isso. Por exemplo, um perito em dialetos pode ter condi-ções de identificar exatamente até que ponto um informante man-teve ou alterou o vocabulário local de onde nasceu. Ou um fol-clorista pode ser capaz de identificar narrativas que são versões de contos populares conhecidos, distinguindo nelas os elementos que estão inalterados e quais os que são novos. Dentro desse es-pírito, a entrevista como um todo pode, de fato, ser lida ou ou-vida como uma peça de literatura oral. Muito embora ainda insu-ficientemente desenvolvida em relação à entrevista típica de história oral, alguma forma de análise literária constitui o passo seguinte na interpretação do material. Essa análise pode seguir uma entre diversas abordagens diferentes.
Em primeiro lugar, o historiador oral pode procurar com-preender uma entrevista do modo sensível e humanista do crítico literário tradicional que interpreta os significados pretendidos pelo autor, muitas vezes num texto confuso e contraditório, a par-tir de todas as pistas que possam parecer úteis. É assim que Ron Grele contrapõe duas entrevistas, cada unia de um nova-iorquino judeu da classe operária no ramo de confecções. A despeito de seus antecedentes semelhantes, apresentam a história de duas maneiras fundamentalmente diversas. Para Mel Dubin, filho de imigrante nascido na cidade, trabalhador qualificado e dirigente sindical, a história é uma árdua luta pelo progresso, cronológica e, apesar de seus retrocessos, lógica. Em todas as dimensões de seu relato - sua história pessoal, a vizinhança, o sindicato, a indústria do vestuário - ele cria o mesmo modelo de ascensão e queda, e dá a mesma explicação, o desaparecimento dos imigran-tes judeus e italianos das primeiras décadas, que eram alfaiates qualificados: exatamente a qualificação sobre a qual se erguera a vida do próprio Mel. A história de Mel, construída a partir tanto da experiência imediata quanto do conhecimento do passado e,

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também, com a ajuda de omissões e exageros significativos, consti-tui um mito histórico do progresso, "que funciona de maneira muito peculiar para dar à narrativa uma dinâmica, e que leva inevitavelmente a determinadas conclusões muito concretas a respeito da natureza do mundo da indústria do vestuário hoje em dia". Bella Pincus, por outro lado, também militante, era, ela pró-pria, imigrante, chegada adolescente à cidade, proveniente de uma aldeia da Polônia russa; antes de se casar trabalhara como operadora de máquina semi-especializada, e voltara a trabalhar depois de viúva. Bella não apresenta a história como a lógica da mudança, mas como uma série de episódios dramáticos, todos eles apresentando a mesma lição moral de luta: "É sempre a mesma coisa. Desde que o mundo é mundo, tem ricos e pobres, os que lutam para viver e os que estão bem de vida. É assim que é". Na verdade, isto está mais próximo de sua própria história. E ela a relata com o uso poético constante de imagens contrastan-tes. Por exemplo, descreve sua primeira impressão de Nova York em termos de ônibus sem teto, telhados de casas de feitio plano e o banho na rua, em contraste com os ônibus fechados, os telhados pontiagudos e o banho escondido de sua infância russa: símbolos que também transmitem o sentimento de abertura que sentiu em sua própria vida quando jovem em Nova York, em comparação com sua vida na Rússia e com sua vida atual. Assim, nessas duas histórias, não é só pelos fatos e pelas opiniões oferecidas, mas talvez mais ainda pelas habilidades imaginativas e narrativas com que são construídas, que podemos perceber a mais profunda consciência histórica dos falantes. Isso é mais notável ainda, já que eles tiveram que lutar para serem ouvidos na entrevista, vol-tando "seguidamente ao motor principal de suas histórias, a des-peito do empenho por vezes constrangido dos entrevistadores para controlar a situação e desviá-los para outras perguntas". Pro-põe-se aqui, de maneira definitiva, a necessidade de "escutar o que dizem', tanto durante a entrevista, quanto depois dela.3
Luisa Passerini encontrou um contraste parecido num grupo de entrevistas com operários de Turim, entre uma minoria - em

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sua maior parte de homens - que descrevia as próprias vidas em termos de opção, decisão, aquisição de habilidades, busca e sacri-fício, e a maioria, dos que falavam sobre si mesmos como predes-tinados, "nascidos socialistas", rebeldes, nascidos para ser pobres, e assim por diante. Contudo, ela vê essas mensagens freqüentemente não como conscientemente intencionais, mas como reflexos das idéias de uma antiga cultura popular arcaica que sobrevive na língua falada: como, por exemplo, o caso da mulher que explica suas travessuras infantis, seu casamento sem a permissão dos pais e sua insistência em ser operária, dizendo: "Eu estava com o diabo no corpo". 4
Esse tipo de significados semiconscientes podem ser perce-bidos, também, nas qualidades formais da própria linguagem. A linguagem escrita é gramaticalmente elaborada, linear, concisa, objetiva e de estilo analítico, precisa, ainda que de abundante riqueza de vocabulário. Por outro lado, a fala é em geral gra-maticalmente primitiva, cheia de redundâncias e de rodeios, empática e subjetiva, hesitante, voltando repetidamente às mes-mas palavras e frases feitas. Esses contrastes, porém, não são absolutos nem dentro da fala nem dentro do texto escrito: há acentuadas diferenças entre indivíduos quanto ao vocabulário e gramática, tom e sotaque, as quais refletem a origem regional e a educação, a classe social e o sexo. Assim, na escrita literária européia até o século XI, os homens, por serem em geral mais instruidos, adotavam um estilo mais retórico, acadêmico e formal do que as mulheres. Porém, quando pessoas comuns contam histórias de vida, é mais provável que os homens utili-zem o modo direto, ativo e subjetivo, o "eu", e as mulheres, o indireto e reflexivo "nós" ou " a gente".5 Também as escolhas de determinadas palavras-chave e frases feitas, por exemplo para expressar atitudes morais, serão variáveis, quer entre fa-lantes diversos, quer no mesmo falante em diferentes contex-tos, e podem ser igualmente reveladoras de pressupostos, mui-tas vezes não expressos e, por vezes, profundamente arraigados.

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Esses significados ocultos podem ser decifrados sem que se aceite a opinião de alguns teóricos recentes da lingüística e da psicologia de que a gramática, por si só, modela a consciência da criança. Do mesmo modo, há quem tenha encarado a narrativa como a forma primordial pela qual os seres humanos dão sentido à própria experiência. Certamente, narrativas espontâneas, muitas vezes irônicas e humorísticas, são um recurso recorrente para transmitir mensagens simbólicas, quer em entrevistas quer na vida real. O pai de Carolyn Steedman não podia lhe contar que não se havia casado com a mãe dela, ou falar a respeito do acordo segundo o qual pagava uma pensão à mãe dela e man-tinha uma oficina em casa, embora vivesse com outra mulher; contudo, ao enganar o inquilino novo na escada com a saudação "Olá, sou o outro hóspede", num incidente freqüentemente lem-brado, que se tornou "nossa única piada familiar", ele também contou tudo - de uma vez só.6 Infelizmente, há pouca coisa para orientar o historiador na análise de narrativas e de piadas. Assim, as análises estruturais da fala inglesa dos negros, feitas por William Labov, por certo demonstram a habilidade técnica dos contadores de histórias, mas oferecem poucas pistas para a interpretação simbólica de suas mensagens; e embora Luisa Pas-semi tenha se abeberado, de maneira muito sugestiva, do conhe-cimento especial das narrativas e canções populares do folclore, o que se tem escrito nessa área tem sido, o mais das vezes, em termos de um passado tradicional que a maioria dos historiadores encara como um mito em si mesmo. Continua em aberto a oportunidade para se desenvolver um novo método adequado à história oral.


Outra possibilidade, ainda, é examinar a entrevista como um "gênero literário, que impõe aos falantes suas convenções e restrições peculiares. Foi assim que Robert Fothergill traçou a evolução dos diários ingleses, desde o diário íntimo sobre fatos do dia-a-dia e do diário de consciência puritano, até o diário re-flexivo particular, que só se tomou gênero aceito a partir de fins do século XVIII. David Vincent mostrou como as dificuldades estilísticas explicam em parte por que os autobiógrafos operários

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do começo do século XIX escreviam abertamente sobre suas vidas públicas, mas raramente sobre sentimentos íntimos. Porém, comparações entre diferentes espécies de documentos pessoais, inclusive entrevistas, ainda estão por ser feitas em inglês. Luisa Passerini descobriu que alguns católicos praticantes, e também militantes socialistas, adotavam uma forma de história de vida semelhante à que se utiliza para os santos, referindo-se, por vezes, a essa "auto-hagiografia" como "minhas confissões". E Stefan Bohman fez uma comparação particularmente sugestiva entre diários, memórias escritas e entrevistas de um mesmo ope-rário sueco. Descobriu os diários, pequenos pocket-books impres-sos apinhados de uma escrita minúscula, ainda no estilo de tradi-cionais diários de acontecimentos, principalmente a respeito do tempo e do trabalho: nenhum deles tinha a forma de diário refle-xivo pessoal. As memórias e as entrevistas eram mais semelhan-tes, usando as mesmas histórias e até as mesmas frases, mas tam-bém com diferenças importantes. As memórias escritas centravam-se na vida passada e utilizavam uma linguagem mais pública e abs-trata. Foi assim que um homem escreveu:


Meu pai morreu em Estocolmo a 2 de agosto de 1933. Morreu na maior miséria após prolongada moléstia que suportou pacientemente. Que será que eu fiz para merecer tanto sofrimento, ele dizia - e coitada da mãe.
Ele emprega até a frase feita dos anúncios fúnebres, "após prolongada moléstia que suportou pacientemente". Seu relato na entrevista é muito mais pessoal e detalhado - e, em conseqüên-cia, significativamente diferente quanto ao que transmite:
Sim, ele morreu cm casa. Eu vim cm casa um dia no ano passado, vim em casa quando fiquei desempregado. Ele estava lá, deitado, num estrado de ferro. A gente era incrivelmente pobre. Era de tarde, umas trás ou quatro horas. Eu vi que havia sangue e um lenço manchado de san-gue sobre uma cadeira perto da cama... Ele tinha pegado uma lâmina de barbear e cortado ambos os pulsos, fazendo talhos profundos. Mas quase não sangrava, ele estava tão fraco. Ele achava que era um peso para a família.

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"Que fiz eu para merecer sofrer deste jeito?", ele disse.
Um outro homem escreveu, em suas memórias, a respeito de seus últimos anos:
Em conseqüência das condições agora reinantes, a casa de campo, ou a obra de minha vida", se posso dizer assim, tomou-se um peso no sentido financeiro, agora que me aposentei. A não ser que eu a venda, o que não quero fazer. Não estou inteiramente satisfeito com os valores tributáveis acima expostos. Vejo isso como uma armação para se poder arrancar dinheiro de um cidadão trabalhador e talvez um pouco ingênuo.
O que realmente quer dizer é contido pelas convenções do estilo de escrita que crê ser adequado a uma memória pública. A entrevista passa a mesma mensagem de maneira completamente diversa:
Djurö é a obra de minha vida. Trabalhei e mourejei e persisti como o diabo, e economizei tudo que pude para fazê-la. Mas o valor tributável, sabe, é duro de agüentar, eu podia vendê-la se quisesse (...) É antes uma desilusão. Alguém na mesma situação poderia ter esbanjado o dinheiro e vivido extravagantemente. Depois, podia ir para a assistência social. Jamais ganhei um tostão desse jeito, e nem quero.7
Philippe Lejeune também comparou diversas formas de au-tobiografia na França, avaliando toda uma série de diferentes gê-neros, entre os quais a autobiografia na terceira pessoa, a entre-vista no rádio, o document vécu e a entrevista de história oral. Ele é particularmente esclarecedor na exposição que faz sobre o mo-demo document vécu - a autobiografia sincera "de fonte limpa" que revela a história oculta de uma prisão ou hospital, assassinato ou escândalo sexual, da guerra ou da resistência, ou simples-mente as vidas desconhecidas de pessoas comuns como campo-neses ou pescadores - que editores franceses têm publicado em séries com títulos tais como "Témoignages", "Elles-mêmes", ou "En direct". Ele mostra que essas autobiografias são em parte moldadas em oposição a outras formas: a experiência pessoal da enfermeira, por exemplo, é uma resposta aos romances românti-313

cos sobre hospital, que apresentam os médicos como heróis -"os homens de branco" -, e também à literatura oficial de sua profissão. De modo mais geral, presume-se que se contraponham à autobiografia literária consciente, e se apresentam como dire-tas, agradáveis e até mesmo naturais: na prática, porém, utilizam repetidamente os mesmos recursos, tais como o verbo no pre-sente, a forma de diário e um diálogo direto, e são organizadas dramaticamente como uma narrativa sincera contada por meio de uma série de cenas. Frustrantemente, Lejeune deixa de fazer se-guir a isso uma comparação das formas e recursos encontrados nas entrevistas de história oral, mas volta à questão da dupla au-toria e de seus precedentes nos escritores-fantasmas de autobio-grafias antigas.


Isto nos leva a uma última forma de análise literária. Elliot Mishler afirma de maneira convincente que a entrevista deve ser interpretada como um produto conjunto de duas pessoas, "uma forma de discurso (...) moldado e organizado pela atividade de perguntar e responder". Sua experiência vem de entrevistas médi-cas, onde é especialmente acentuada a assimetria de poder entre quem pergunta e quem responde, pois apenas o primeiro tem algo a oferecer: a informação correta torna mais provável uma cura. Mishler mostra como o paciente rapidamente se ajusta às reações do médico - quer silêncios significativos, quer pedidos de mais detalhes - e elimina comentários circunstanciais, acabando mui-tas vezes em simples respostas "sim" ou "não ". El e nos adverte sobre a necessidade de, ao interpretar uma entrevista, observar as perguntas tanto quanto as respostas. Na "tradição corrente" dos levantamentos da ciência social, esse intercâmbio de significados é suprimido, tanto no estágio da entrevista quanto, depois, no processo de codificação; mas com a evidência gravada existe a chance de examinar todo o diálogo.8 Infelizmente, são poucos os exemplos práticos que possam ser seguidos. Dentre os especialis-tas que estudaram textos dessa perspectiva, os interacionistas e hermeneutas simbólicos parecem preocupados em provar que há de fato um diálogo mútuo, mas não chegam ao ponto de inter-314

pretá-lo. Os estruturalistas literários têm se concentrado nos fil-tros estilísticos formais nas comunicações entre as pessoas, a tal ponto que alguns deles parecem prisioneiros de um impossibi-lismo. Vêem os dois falantes recorrendo a um repertório com-pleto tanto de inflexões, tons e gestos, quanto de palavras, e con-tudo incapazes de absorver tudo isso, ou de transmitir uma mensagem clara em primeiro lugar; em vez disso, os falantes estão "expressando uma plenitude de sentidos, alguns deles in-tencionais, outros dos quais [eles estão] inconscientes".9 A partir de posições como essa, não há progresso lógico: apenas conjetu-ras intuitivas à maneira antiga. Pior ainda, muito freqüentemente essas teorias são expressas de maneira deliberadamente obscura, autocentrada na própria complexidade. Enredado nas teias do "discursou escolástico, é fácil esquecer as importantes mensagens que se fazem compreender - até mesmo por telefone, ou tele-grama, ou entre pessoas que falam línguas diferentes; é fácil es-quecer que o informante tem algo a dizer; em suma, é fácil parar de escutar. Ainda que reconhecendo a entrevista como "uma forma de discurso", não devemos esquecer que ela também é um testemunho.


As entrevistas, como todo testemunho, contêm afirmações que podem ser avaliadas. Entrelaçam simbolos e mitos com in-formação, e podem fornecer-nos informações tão válidas quanto as que podemos obter de qualquer outra fonte humana. Podem ser lidas como literatura; mas também podem ser computadas. Para começar, um grupo de entrevistas pode ser testado para ver de que modo as informações básicas que contêm se comparam com as que se conhecem por meio de outras fontes. Assim é que, em seu estudo sobre The Family and Communily of East Anglian Fishermen, Trevor Lummis tabulou algumas das informações coletadas a partir de sessenta entrevistas.10 Perguntava-se aos in-formantes a idade com que haviam deixado a escola. Suas res-postas ajustavam-se perfeitamente a tendências nacionais conhe-cidas, quer no tempo, quer por classe social:

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% Nascido Filho

que deixou do

a antes 1890-9

dono capitão de tripulante de

escola de 1889 alto mar alto mar
com 11ou 12 36 15 7 0 16 33

com 13 53 33 36 22 69 33

com 14ou15 11 52 57 78 15 33
Colheram-se, também, informações sobre o número de irmãos e irmãs do informante e sobre se algum deles morrera quando criança. Sabe-se que os pescadores têm sido incomu-mente lentos na redução do tamanho da família. Tabulados, esses números mostram-se urna vez mais compatíveis com as tendên-cias nacionais no sentido de uma mortalidade infantil mais baixa e de menor número de filhos - como uma vez mais apresentam diferenças conhecidas entre classes sociais:
Nascido Pai

antes de 1890-9 1900-9 dono capitão de tripulante

1889 alto mar de alto mar
Número de irmãos

e irmãs 9,9 7,0 7,9 9,1 8,5 9,5

% dos que 15 14 7 11 15 25

morreram crianças


Dispondo desse tipo de resultados de teste, o historiador pode se sentir seguro ao avançar por um território menos mapeado.
Nessa etapa, haverá quem esteja procurando, nos fatos que tem diante de si, modelos e pistas para a interpretação. Outros terão partido de urna posição teórica mais definida e, provavel-mente, também de algumas hipóteses menores mais detalhadas

- palpites que gostariam de testar. Porém, tanto estes quanto aqueles terão, finalmente, que buscar alguma forma de prova. De

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modo geral, uma interpretação ou relato histórico se torna veros-símil quando o modelo de evidência é coerente e procede de mais de um ponto de vista. É preciso muita cautela com cada uma dessas condições. Assim, é quase inevitável que um simples "es-tudo de caso" constitua um fundamento mais frágil para uma in-terpretação histórica geral do que urna comparação entre dois ou mais grupos no mesmo período, cada um deles com característi-cas diferentes. Mais poderosa ainda será uma comparação entre grupos diferentes ao longo do tempo, muito embora seja mais difícil de conseguir. Quanto mais se possa demonstrar que um argumento se sustenta sob condições variáveis, mais convincente será a prova. Contudo, uma vez que a história se faz de um sem-número de casos, dos quais quase todos, de um modo ou de outro, são únicos, na prática é muitas vezes difícil fazer compara-ções úteis. Deve-se, pois, procurar obter a prova da explicação a partir de dentro do caso singular, submetendo a evidência o mais possível a detalhada contraprova e avaliando a probabilidade de nela haver um viés total. Por exemplo, em recente estudo sobre o Frontier College, o grande experimento canadense sobre inicia-tiva educacional operária, George Cook viu-se obrigado a admitir que estava coletando dentro de uma perspectiva ampla única:


De modo gemi, temos notícia daqueles que querem ajudar o col-lege. Muito embora muitos deles achem que "falharam" como professo-res-operários, continuam convencidos de que se tratava de uma "idéia nobre" e refletem favoravelmente a respeito da própria experiência. Vêem as coisas através de lentes cor-de-rosa (...) Não tivemos condições de atingir aqueles que têm opiniões negativas (...) os antigos empregado-res (...) (ou) qualquer um dos membros do antigo sindicato, que traba-lharam com o college. Ainda mais importante, não conseguimos encon-trar nenhum dos operários (...) Provavelmente saberemos pouco ou nada sobre o que eles pensavam.11


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