Paradoxo inseguro da violência na região Semiárida do Brasil: construção de um indicador sintético
Neir Antunes Paes1 e Everlane Suane de Araújo Silva2
1 Professor do Programa de Pós-graduação em Modelos de Decisão e Saúde do Departamento de Estatística da Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Email: antunes@de.ufpb.br
2 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Modelos de Decisão e Saúde do Departamento de Estatística da Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Email: everlanesuane@hotmail.com
Resumo
A violência entendida como resultado, entre outras causas, das desigualdades sociais, tornou-se não apenas um problema para a segurança social, mas também um problema de saúde pública de grandes proporções no mundo contemporâneo, em particular para os jovens em países como o Brasil. Entre as regiões Semiáridas do mundo a brasileira é a maior delas em termos de densidade populacional e extensão, com 22,6 milhões de habitantes em 2010. Foi realizado um estudo ecológico abordando a mortalidade por agressão das 137 microrregiões do Semiárido brasileiro para jovens do sexo masculino, no ano de 2010. As fontes de dados utilizadas foram extraídas do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Dois indicadores foram calculados para cada microrregião: taxas de mortalidade padronizadas por violência e um indicador chamado brechas redutíveis de mortalidade, o equivalente a risco atribuível. Foi investigada a correlação entre as taxas de mortalidade padronizadas por agressões e um conjunto de 154 indicadores que expressam as condições de vida. 18 deles foram considerados significativos. Por meio da técnica multivariada – Análise Fatorial – construiu-se um indicador sintético, o qual foi classificado em quatro estratos refletindo diferentes condições de vida e de mortalidade por agressões. Foram encontradas microrregiões com altas taxas de mortalidade independente do estrato, contrariando, assim, alguns estudos que associam elevadas taxas de mortalidade à baixa condição de vida. Este paradoxo permitiu levantar questões e gerar uma base de dados para subsidiar os gestores na identificação das regiões mais vulneráveis e, assim, contribuir para o processo de tomada de decisão para apoiar o desenvolvimento e a implementação de políticas públicas racionais mais eficientes para combater a mortalidade por violência da população do Semiárido brasileiro.
Palavras-chaves: Mortalidade por Agressão. Condição de vida. Jovens. Semiárido brasileiro. Análise Multivariada.
1. Introdução
O Ministério da Integração Nacional do Brasil define o “Semiárido brasileiro” como uma região que apresenta os seguintes padrões geográficos: precipitação média inferior a 800 mm; índice de aridez de até 0,5; risco de seca maior que 60%, tomando-se por base o período entre os anos de 1970 e 1990 (Brasil, 2012). A divisão política-administrativa do Semiárido desagrega esta área em 137 microrregiões e, por sua vez, em 1.135 municípios distribuídos no espaço geográfico de 9 (entre 27) unidades da federação, cobrindo boa parte do Nordeste brasileiro (56,6%). Trata-se da maior do mundo em termos de densidade populacional e extensão, com cerca de 22,6 milhões de habitantes em 2010, população superior as das regiões Norte e Centro-Oeste, e representando aproximadamente 12% da população brasileira.
Os indicadores revelam que o nível de desenvolvimento, seja econômico ou social, é considerado como o mais precário do País e se nivela a muitos países africanos de menor grau de desenvolvimento. Socialmente, a pobreza crítica aflige a metade de sua população e o desemprego e o subemprego são muito elevados. As desigualdades interpessoais de renda cresceram nas últimas quatro décadas e se mantém desde os anos 70 em patamares muito altos. Os padrões de saúde e as condições de habitação de grande parcela da população são precários. E são insuficientes os níveis de educação básica e qualificação da maioria das pessoas (Brasil, 2013). A representatividade dos grupos etários predomina com uma população adulta em relação aos demais grupos etários (INSA, 2013). Na Figura 1 ilustra-se o espaço geográfico do Semiárido brasileiro.
Figura 1
Espaço geográfico do Semiárido brasileiro.
Fonte: Instituto Nacional do Semiárido – INSA, 2013.
O nível de desenvolvimento socioeconômico e educacional da região Semiárida brasileira articula-se com o comportamento da mortalidade nestas localidades. A carência de indicadores estatísticos sobre esta dialogicidade tende a agravar, ainda mais, a situação por falta de parâmetros que indiquem pontos de vulnerabilidade passíveis de superação pela ação de políticas públicas.
As estatísticas de óbitos representam em muitos casos o único instrumento para medir programas de saúde e de segurança de uma comunidade (Silva, 2003). Nesta perspectiva, a análise estatística da mortalidade se constitui em um importante instrumento utilizado para avaliação do nível de saúde, definição de prioridades e alocação de recursos, além da vigilância de problemas específicos sendo de grande relevância para o campo da demografia e da saúde.
Atualmente, a segurança pública ganha destaque entre as questões que mais preocupam a sociedade brasileira e, assume, juntamente com a saúde e a educação, a prioridade para a atenção das autoridades públicas e da própria imprensa (Waiselfisz, 2011). A despeito dos fatores que agravam as condições de sobrevivência no Semiárido, contraditoriamente, tem ocupado um lugar limitado nos temas discutidos pelos gestores públicos por ocasião das discussões, formulação e implementação de políticas para promoção do bem comum nesta região (UNICEF, 2005).
O tema da violência assume grande importância para a Saúde Pública em função de sua magnitude, gravidade, vulnerabilidade e impacto social sobre a saúde individual e coletiva. As violências e os acidentes têm induzido um grande incremento na morbimortalidade, notadamente nos últimos anos. Sua presença, cada vez maior, tem contribuído para a diminuição da expectativa e qualidade de vida, principalmente dos adolescentes e jovens, além do aumento dos cuidados e custos decorrentes para a Saúde e a Previdência, o absenteísmo no trabalho e na escola e a desestruturação familiar e pessoal (Brasil, 2008).
A despeito de sua importância, a violência é um fenômeno difuso, complexo, multicausal, com raízes em fatores sociais, culturais, políticos, econômicos e psico-biológicos, que envolve práticas em diferentes níveis (Brasil, 2008). A magnitude da violência contra adolescentes evidencia um quadro de mortes prematuras e fortes alterações na estrutura demográfica e se constituiu num dos principais fatores que levaram a uma mudança no padrão etário da mortalidade brasileira (Costa et al., 2007).
As causas externas representam hoje no Brasil a terceira causa mais frequente de morte, configurando-se como inquestionável desafio aos gestores de políticas públicas, especialmente aos dirigentes e profissionais do setor saúde. Anualmente, essas causas são responsáveis por mais de cinco milhões de mortes em todo o mundo, representando cerca de 9% da mortalidade mundial (Brasil, 2010).
A violência pode ser vista como um fenômeno que vem se acentuando no mundo contemporâneo, sendo preocupante a violação do direito à vida. Ao longo dos tempos, a violência ganhou proporções inéditas. Os estudos têm apontado dados alarmantes e deixam claro que a mortalidade por agressões a jovem na faixa etária de 10 a 24 anos e particularmente para o sexo masculino, vem paulatinamente aumentando, o que aponta para sua priorização em termos de políticas públicas, como a formação de recursos para o combate a este problema social.
Configura-se como problema a ser superado com base nos resultados desta pesquisa a carência de um Indicador Estatístico Sintético que expresse a dialogicidade entre as condições de vida e a mortalidade por agressões. Na busca de resposta para essa questão, teve-se como principal objetivo, neste trabalho, a construção de um indicador sintético para os homens jovens na faixa etária de 10 a 24 anos, na região Semiárida brasileira.
2. Metodologia
Trata-se de um estudo ecológico e de base censitária que abrange os seguintes estados da federação: Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia; e mais a região setentrional de Minas Gerais (INSA, 2013). As unidades de análises observacionais do estudo são as 137 microrregiões que compõem o Semiárido e este estudo se refere aos jovens de 10 a 24 anos de idade de 2010.
Foram utilizados indicadores socioeconômicos e demográficos referentes à: População, Renda, Educação e Saúde. Os dados sobre óbitos de residentes foram obtidos por meio do sítio do Ministério da Saúde através do Sistema de Informação sobre Mortalidade/SIM (Brasil, 2013) e os dados relacionados às condições de vida dos jovens foram coletados junto ao sítio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/PNUD por meio do Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil (PNUD, 2013).
Este estudo foi desenvolvido nas seguintes etapas: organização das bases de dados; construção de indicadores relacionados à causa de óbito por agressões; investigação do relacionamento estatístico entre os indicadores de mortalidade e das condições de vida. E, por meio de um estudo multivariado, construir um indicador sintético composto por indicadores ligados à mortalidade e às condições de vida dos jovens que vivem na região Semiárida brasileira.
Indicadores de mortalidade e das condições de vida
Foram calculados indicadores relacionados à causa de morte evitável agressões para os jovens e selecionados indicadores das condições de vida, conforme descrição a seguir:
a) Taxa de Mortalidade Padronizada (TMP) dada pelo quociente entre o número de óbitos esperados e a população residente num determinado período e região. Ela é expressa por 100.000 habitantes. A população do Nordeste para ambos os sexos, para o ano 2000 foi utilizada como padrão, já que este estudo faz parte de outro com fins comparativos entre 2000 e 2010.
b) Brecha Redutível de Mortalidade (BRM). Com esse indicador é possível observar quanto uma região deixou de prevenir a mortalidade relacionada a uma determinada causa quando comparada com a região que apresentou menor Taxa de Mortalidade Padronizada para os Jovens (TMPJ) da causa referida (local tomado como referência) ou alguma referência de interesse. O cálculo da BRM para cada microrregião, foi realizado após a seleção do valor de referência, por meio da seguinte fórmula:
BRMiyx = (TMPiyz – TRMix) / TMPiyz
onde,
BRMiyx = brecha redutível para a causa i, para a Microrregião y, em relação a população referência x;
TMPiyz = taxa de mortalidade padronizada para a causa i, para a Microrregião y, para o ano z;
TRMix = taxa referência de mortalidade para a causa i, para a população referência x.
O valor referência para o cálculo da brecha foi considerado como sendo a mediana das TMPJ das microrregiões do Semiárido. Desta forma, dois estratos foram obtidos, o primeiro com valores positivos, pertencendo a este estrato as microrregiões que possuem taxas superiores ao valor da mediana e o segundo estrato composto pelas microrregiões com valores das taxas inferiores ao valor da mediana.
c) Foram selecionados 154 indicadores sobre as condições de vida (Saúde, Educação e Renda), os quais foram obtidos do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (PNUD, 2013), que por sua vez foram construídos a partir dos microdados do Censo Demográfico 2010.
Modelos estatísticos
Foram utilizados procedimentos estatísticos para medir o relacionamento entre indicadores (variáveis) das condições de vida e da mortalidade por agressões e foi empregada a análise multivariada para a construção de um indicador sintético.
Associação entre as variáveis
Com o propósito de medir o grau e o sentido da associação linear entre as variáveis do estudo (condições de vida e taxas de mortalidade por agressões) foi calculado o coeficiente de correlação de Pearson e criada uma matriz de correlação sobre os mesmos. As taxas para o sexo masculino foram utilizadas como foco desse estudo devido à mortalidade por agressões ser predominante neste sexo. Como critério de seleção dos coeficientes foi utilizado um nível de significância α = 0,05.
Construção do Indicador Sintético das Condições de vida e da Mortalidade por Agressões
A técnica multivariada Análise Fatorial (AF) foi utilizada para o cálculo de um Indicador Sintético correspondente a cada microrregião (Hair et al., 2009). O número de fatores extraído foi obtido pelo critério das raízes latentes (autovalores) maiores do que 1 (um) e foi utilizado o método de rotação ortogonal Varimax para facilitar a leitura dos fatores e simplificar as colunas da matriz de fatores. As medidas de adequação utilizadas foram o Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o Teste de Esfericidade de Bartlett (BTS), que indicam o grau de suscetibilidade ou o ajuste dos dados à AF. Deste modo, pode-se avaliar o nível de confiança dos dados para que o método multivariado de AF fosse empregado com sucesso. Outra medida de adequação utilizada consistiu em verificar a comunalidade das variáveis considerando aquelas com valores ≥ 0,50 como tendo explicação suficiente. Desta forma, as variáveis foram identificadas e agrupadas em fatores.
O Indicador Sintético foi gerado pela combinação linear entre as variáveis e os coeficientes gerados pela componente principal. Logo, o Indicador Sintético das condições de vida e da mortalidade por agressões para as microrregiões do Semiárido foi dado por:
+ . . . +
Onde k representa o número de microrregiões estudadas (137), p o número de variáveis (ν) selecionadas pelo teste de correlação (18) e (w) os pesos ou coeficientes gerados pela componente principal.
Com a obtenção dos valores do Indicador Sintético de Condições de Vida e da Mortalidade por Agressões foi possível ordenar as microrregiões. Estas foram ordenadas de modo decrescente em quartis, correspondentes a quatro estratos. Como forma de mostrar uma correspondência do Indicador Sintético proposto neste trabalho com a classificação usada pelo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), cada estrato foi designado com uma combinação que associa o grau do IDH da microrregião com um grau de violência: (I) IDH médio com Grau de Violência alto; (II) IDH médio com Grau de Violência baixo; (III) IDH baixo com Grau de Violência alto e (IV) IDH baixo com Grau de Violência baixo. Desta forma foi possível identificar as microrregiões com melhores e piores condições de vida associadas com graus diferenciados de mortes por agressões.
3. Resultados e Discussão
O que dizem os indicadores?
Os números revelam que 53% dos municípios do Semiárido apresentou um grau de urbanização superior a 50%, muito inferior as demais regiões do País, que alcançam até cerca de 85%. Com uma pequena predominância urbana, a mortalidade masculina por agressões superou de forma expressiva a mortalidade feminina em 2010. As proporções da mortalidade por agressões em relação ao total de mortes para os homens jovens foram elevadas chegando a atingir 62,1% (Microrregião Mossoró - RN). Já para as mulheres este percentual atingiu um valor máximo de 33,4% (Microrregião Pedra Azul - MG). Entre os homens, 72 das 137 microrregiões, ou seja, 52,2% delas tiveram uma proporção de mortes por agressões superior a 25% dos óbitos totais. Do mesmo modo, altas taxas de mortalidade padronizadas por agressões também foram encontrardas, cujas variações oscilaram para os homens entre 3,6 e 63,3 mortes/100.000 homens, enquanto para as mulheres a variação ficou entre 1,3 e 21,5 mortes/100.000 mulheres.
Para obtenção dos valores da Brecha Redutível de Mortalidade - BRM, das microrregiões do Semiárido brasileiro, considerou-se como referência a mediana das TMP por agressões (microrregião Serra do Pereiro no estado do Ceará), para os homens jovens das 137 microrregiões estudadas. A Figura 2 ilustra a distribuição espacial do indicador BRM: valores negativos (cor rosa mediano); valores positivos (cor rosa mais claro) e a microrregião de referência (cor rosa mais marcante). Esta última cor também se refere às microrregiões que apresentaram TMP igual à zero.
Figura 2
Distribuição espacial do indicador Brecha
Redutível de Mortalidade por Agressões para os
homens jovens dos Municípios do Semiárido brasileiro, 2010.
Fontes dos dados básicos: IBGE; MS– SIM, 2012.
Os Estados do Ceará, Pernambuco e Alagoas se destacaram por apresentarem a maior parte das microrregiões em situação mais crítica, com valores positivos, em relação ao valor mediano, sendo um indicativo de maior necessidade de atenção para redução da incidência destes óbitos. O Estado da Paraíba, Sergipe e Bahia apresentaram certo equilíbrio, ou seja, suas microrregiões se dividiram entre a situação melhor e pior em relação à TMP da microrregião considerada como referência. Os Estados do Rio Grande do Norte e Minas Gerais tiveram a maior parte de suas microrregiões em situação mais favorável com valores negativos. O destaque foi o Estado do Piauí, cujas TMP de todas as microrregiões apresentaram valores da TMP abaixo (negativo) do valor de referência.
A matriz de correlação entre as 154 variáveis utilizadas inicialmente para expressar as condições de vida e as TMP por agressões, revelou que apenas 18 delas foram consideradas estatisticamente significativas (p<0,05), cujos resultados são mostrados na Tabela 1 e descritos na nota da tabela.
Estes 18 indicadores/variáveis significativamente correlacionados com as taxas de mortalidade por agressões correspondem às seis dimensões do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil: Demografia, Renda, Trabalho, Habitação, Vulnerabilidade e Educação, sendo esta última responsável pelo maior número de indicadores.
Tabela 1
Correlação de Pearson entre as taxas de mortalidade por agressões e os indicadores das condições de vida para os homens jovens das microrregiões do Semiárido brasileiro, 2010.
Indicador
|
*X8
|
*X11
|
*X54
|
*X64
|
*X65
|
*X66
|
r
|
-0,175
|
0,243
|
-0,275
|
-0,216
|
-0,273
|
-0,178
|
α
|
0,041
|
0,004
|
0,001
|
0,011
|
0,001
|
0,037
|
Indicador
|
*X67
|
*X81
|
*X93
|
*X101
|
*X111
|
*X126
|
r
|
-0,275
|
-0,177
|
0,195
|
-0,189
|
0,186
|
-0,217
|
α
|
0,001
|
0,038
|
0,022
|
0,027
|
0,030
|
0,011
|
Indicador
|
*X130
|
*X142
|
*X149
|
*X150
|
*X151
|
*X154
|
r
|
0,186
|
0,271
|
-0,230
|
-0,173
|
0,185
|
0,170
|
α
|
0,029
|
0,001
|
0,007
|
0,043
|
0,030
|
0,047
|
Fontes de dados básicos: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil – PNUD; MS – Sistema de Informação sobre Mortalidade, 2010.
Nota: *Variáveis utilizadas na análise de componentes principais; α = nível de significância e r = coeficiente de correlação de Pearson.
• Dimensão: Demografia: (X8 - Taxa de envelhecimento). • Dimensão: Educação (X54 - Taxa de frequência líquida ao ensino fundamental; X64 - Percentual de 6 anos na escola; X65 - Percentual de 6 a 14 anos na escola; X66 - Percentual de 6 a 17 anos na escola; X67 - Percentual de 11 a 14 anos na escola; X142 - Percentual de crianças de 6 a 14 anos fora da escola). • Dimensão: Renda (X81 - Índice de Theil-L dos rendimentos do trabalho – 18 anos ou mais; X93 - Renda per capita média do quinto mais rico). • Dimensão: Trabalho (X101 - Percentual dos ocupados com rendimento de até 5 s.m. – 18 anos ou mais; X111 - Percentual de empregados com carteira – 18 anos ou mais; X126 - Percentual dos ocupados com nível superior completo – 18 anos ou mais; X130 - Taxa de atividade – 18 anos ou mais). • Dimensão: Habitação (X11 - Percentual da população em domicílios com coleta de lixo). • Dimensão: Vulnerabilidade/Habitação (X149 - Percentual de pessoas em domicílios sem energia elétrica; X150 - Percentual de pessoas em domicílios com paredes inadequadas; X151 - Percentual de pessoas em domicílios com abastecimento de água e esgotamento sanitário inadequado). • Dimensão: Vulnerabilidade/Mulheres (X154 - Percentual de mães chefes de família sem ensino fundamental completo e com filhos menores de 15 anos).
Estratificação das microrregiões do Semiárido
A partir das 18 variáveis selecionadas, 6 fatores foram selecionados após a aplicação da técnica da análise fatorial (AF). Estes fatores explicaram 75,9% da variabilidade total dos dados. Eles incluem as variáveis de condições de vida correlacionadas com a TMP por agressões, as quais foram usadas para a estratificação das microrregiões visando uma maior explicabilidade da análise multivariada.
Para confirmar a hipótese de que a matriz de correlação é uma matriz identidade (Quadro 1), o Teste de Bartlett de Esfericidade gerou a estatística qui-quadrado igual a 1941,390 com grau de liberdade (g.l.) de 153, fornecendo significância p-valor = 0,000, cuja decisão foi rejeitar a hipótese nula H0: A matriz de correlação é uma matriz identidade. Portanto, a matriz de correlação é significativamente diferente da matriz identidade. O índice KMO – medida de adequação da amostra apresentou um resultado de 0,730 indicando que a adequação do método de análise fatorial foi “média” para o tratamento dos dados. A comunalidade para cada variável apresentou valor recomendado, ou seja, acima de 0,50.
Quadro 1
Medidas de adequação para o uso da Análise Fatorial.
Adequação da análise
|
Estatística e significância
|
Resultado
|
1) Medida de adequação da amostra
|
KMO = 0,730
|
Classificação:
“Média”
|
2) Teste de esfericidade de Bartllet
|
= 1941,390
g.l. = 153
p-valor = 0,000
|
Rejeita a hipótese : A matriz de correlação é uma matriz identidade
|
Fontes de dados básicos: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil – PNUD; MS – Sistema de Informação sobre Mortalidade, 2010.
A classificação das variáveis em cada fator foi baseada no valor da carga fatorial. Os seis fatores foram selecionados para análise através do critério da raiz latente, onde o fator/componente é selecionado se seu autovalor for maior do que 1 (um). O primeiro fator explicou a maior parte da variabilidade dos dados 27,0%, e reuniu seis indicadores/variáveis com coeficientes predominantes. Este fator foi formado pelos indicadores relacionados à dimensão Educação. O segundo fator foi formado por dois indicadores, sendo estes relacionados à Renda e Trabalho. No terceiro fator ficaram os indicadores da dimensão Habitação, Vulnerabilidade e Demografia, e o quarto, quinto e sexto fatores possuem indicadores relacionados à Renda, Trabalho e Vulnerabilidade.
Ao obter os valores do Indicador Sintético para as microrregiões, estas foram estratificadas em quatro grupos de acordo com os fatores das componentes principais que refletiram as condições de vida e as TMP por agressões entre os homens jovens. A partir dos valores do Indicador Sintético foi possível hierarquizar as microrregiões em ordem decrescente e agrupá-las em quatro estratos.
A correspondência do Indicador Sintético proposto neste trabalho com o indicador do IDH é mostrada no Quadro 2, que classifica as microrregiões em quatro estratos de acordo com os valores médios ou baixos segundo o IDH das microrregiões com valores altos ou baixos das TMP por agressões entre os homens jovens, para o ano 2010.
Quadro 2
Classificação dos estratos, segundo a condição de vida e as taxas de mortalidade padronizadas por agressões para as microrregiões do Semiárido brasileiro para os homens jovens, 2010.
Estratos
|
Estrato I
|
Estrato II
|
Estrato III
|
Estrato IV
|
IDH Médio com Violência mais Alta
|
IDH Médio com Violência mais Baixa
|
IDH Baixo com Violência mais Alta
|
IDH Baixo com Violência mais Baixa
|
IDH Médio
|
0,611
|
0,601
|
0,586
|
0,578
|
TMP Média
|
44,734
|
35,027
|
47,810
|
39,528
|
Fontes de dados básicos: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil – PNUD; MS – Sistema de Informação sobre Mortalidade, 2010.
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, TMP – Taxa de Mortalidade Padronizada por Agressões.
No Quadro 3 são mostrados os valores do Indicador Sintético para as microrregiões de acordo com a classificação adotada. As microrregiões que compõem o Estrato I associam uma violência alta com condições de vida expressas por um IDH médio das microrregiões de 0,611 considerado de grau médio. No Estrato II o IDH médio das microrregiões foi de 0,601 também considerado de grau médio, o qual foi associado com um grau de violência baixo. Já no Estrato III o IDH médio foi de 0,586 e no Estrato IV de 0,578, os quais são considerados de graus baixos. As microrregiões foram associadas respectivamente a um grau de violência alto e baixo.
Os quatro estratos incluíram microrregiões com altos e baixos valores de TMP por agressões não importanto o grau do IDH, seja ele médio ou baixo. Por exemplo: a microrregião Mossoró (RN) ficou com o mais alto escore (3667,9) do Estrato I (IDH médio: condição de vida média) e foi associada com uma TMP considerada alta. No outro extremo, encontra-se a microrregião de Irecê (BA) com o escore mais baixo (-32,4) do Extrato II (IDH médio: condição de vida média), a qual foi associada com uma TMP baixa. De modo análogo, esse paradoxo também foi observado quando são considerados os estratos III e IV, cujo nível das microrregiões foi classificado com um IDH baixo. Nestes estratos, no entanto, foram encontrados microrregiões com alta e baixa taxa de mortalidade por agressões. Ou seja, uma associação forte e positiva de microrregiões com condições de vida média e uma baixa taxa de mortalidade e, por outro lado, condições de vida baixas associadas com altas taxas de mortalidade não é o que foi observado para o Semiárido brasileiro.
Em muitos casos foi possível notar a disparidade entre microrregiões pertencentes ao mesmo Estado em relação à classificação nos estratos. Para quase todos os Estados suas microrregiões foram classificadas nos quatro estratos. Não foi possível identificar um padrão único de relação clara entre grau das condições de vida e grau de violência. Ela se apresentou de vários modos independentes do grau de desenvolvimento da região.
Quadro 3
Classificação das microrregiões, segundo as condições de vida e as taxas de mortalidade por agressões do Semiárido brasileiro para os homens jovens, 2010.
Fontes de dados básicos: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil – PNUD; MS – Sistema de Informação sobre Mortalidade, 2010.
Nota: Variância = 75,9%; IDH – Índice de Desenvolvimento Humano.
4. Conclusões
Os indicadores Taxas de Mortalidade por Agressões e as Brechas Redutíveis de Mortalidade revelaram magnitudes expressivas para várias microrregiões do Semiárido deixando clara a situação preocupante de insegurança enfrentada por estas microrregiões e apontam para a necessidade de desenvolvimento de políticas públicas mais efetivas e explícitas para prevenção dessas mortes entre os jovens.
Contrariando evidências da literatura que relacionam diretamente altas taxas de mortalidade por agressões à baixa condição de vida, encontrou-se que as microrregiões do Semiárido brasileiro com altos valores das taxas de mortalidade se fizeram presentes em todos os estratos identificados pela análise multivariada.
Na aplicação da Análise Fatorial, o primeiro fator explicou a maior parte da variabilidade dos dados (27,0%), e foi formado pelos indicadores relacionados à dimensão educação. Groot e Brink (2002) em estudo conduzido no ano de 1996 na Holanda, defendem a ideia de que a educação é um meio de prevenção dos crimes, em particular os crimes violentos. Duenhas e Gonçalves (2010), citando trabalho realizado por Montolio em 2000 com dados de criminalidade de 46 províncias espanholas no período 1993-1996, verificou que a educação pode contribuir para redução da violência.
Em um estudo mais amplo, Soares (2004) investigando a relação entre o crescimento econômico e crimes - para os anos 1989, 1992, 1996 e 1997 para um conjunto de países - encontrou que a desigualdade de renda tem efeito direto sobre os assaltos e crimes de contato, o crescimento econômico reduz o número de assaltos, e a variável que representa educação é correlacionada de forma inversa com os roubos e crimes de contato.
Para o Brasil, trabalhos como o de Lobo e Fernandez (2003) contemplando dez municípios da região metropolitana de Salvador, para o período 1993-1999, aponta que o aumento do contingente de municípios tendo acesso à educação, medido pelo número de matriculas no primeiro e segundo grau, poderia contribuir para redução da criminalidade nos municípios pesquisados. Trabalho mais recente realizado por Duenhas e Gonçalves (2010) corroboram a posição de que os municípios brasileiros que mais gastaram em educação e segurança pública no período de 2000-2005 apresentam menor número de homicídios para cada cem mil habitantes.
Utilizando dados agregados, Oliveira (2005) fez uso de dados longitudinais referentes ao Censo de 1991 e 2000, procurando relacionar criminalidade ao tamanho das cidades. O estudo levanta a hipótese de que cidades com maior população possuem taxas de homicídios maiores. Sustentam ainda que a desigualdade, pobreza e a ineficiência do ensino contribuem para o aumento da violência no Brasil.
Trabalho realizado por França, Paes e Andrade (2012) para as regiões metropolitanas e não metropolitanas brasileiras para 2000, mostrou que o IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) atuou no sentido inverso apontando que um maior grau de desenvolvimento do município favoreceria a uma menor taxa de homicídio jovem.
As conclusões extraídas por estes autores parecem não expressar o que foi encontrado para a região do Semiárido do Brasil. A violência está presente tanto em regiões muito urbanizadas ou povoadas como nas menos urbanizadas e pacatas; em regiões desenvolvidas ou não; tanto nas de nível educacional mais elevado como nas de menor nível. Ou seja, está presente em todos os recortes populacionais desta região.
Desta forma, depreende-se que a violência do Semiárido apresenta múltiplas relações de difícil captura. A convivência de condições de vida diferenciadas das microrregiões associadas com diferentes níveis de violência no Semiárido configura-se como um paradoxo cuja população convive com uma insegurança aberta. A existência desse paradoxo dificulta a identificação de algum padrão de associação entre as condições de vida e a violência.
Há que se colocar a possibilidade de limitações deste estudo. A qualidade dos dados pode ser citada como uma delas. Apesar dos registros de óbitos por violência terem sidos considerados como de boa qualidade para algumas microrregiões, entre as 137, é possível que existam problemas, configurando-se como não satisfatórios. Outra situação é a de que os municípios foram agregados em microrregiões considerando-se a mediana para todos os indicadores que explicaram as condições de vida. Isto pode ter causado alguma distorção na representatividade. As variáveis utilizadas na construção desses indicadores, por sua vez, também não estão livres de erros de mensuração em sua construção pelas fontes utilizadas.
Mesmo considerando estas limitações, os resultados encontrados neste trabalho através da busca de um índice sintético - que resultou da interação entre a morte por violência e o contexto social, econômico e demográfico dos homens jovens (condições de vida) - sugerem que não se pode explicar a violência por uma única variável, nem por um conjunto escasso delas.
Apesar do esforço de capturar a violência de jovens, após uma triagem entre 154 indicadores/variáveis que resultou em 18 deles como estatisticamente significativos e que representaram aportes de várias dimensões das condições de vida, o tema não se esgota aqui. Sugerem-se estudos adicionais sobre: tendências para comparar a evolução da violência no tempo; uso de outros métodos como a regressão linear múltipla tendo a violência como variável resposta; e ainda refino do índice proposto neste estudo buscando aumentar o poder explicativo com a incorporação de outros indicadores ou mesmo desagregações espaciais menores.
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