Indice revista 0 2013 item 19


RAUL LEAL GAIÃO, LISBOA, PORTUGAL



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RAUL LEAL GAIÃO, LISBOA, PORTUGAL

Este é outro trabalho que permitiu a “descoberta” de partituras musicais inéditas que a nossa pianista residente ANA PAULA ANDRADE começou a desvendar ao público no 18º colóquio (Galiza 2012). Este trabalho é intitulado



TEMA AÇORIANOS EM MACAU: ÁUREO DA COSTA NUNES E CASTRO – DA ATIVIDADE PASTORAL À CRIAÇÃO MUSICAL, RAUL LEAL GAIÃO

A criação musical de Áureo da Costa Nunes e Castro, com uma identidade própria, linguagem original e pessoal, é um itinerário construído na recriação de sonoridades diversas: a tradição musical açoriana, a música gregoriana e polifónica religiosa, a atmosfera chinesa de sons repercussivos e do canto melopeico dos bonzos, os sons da vida de Macau, com as sonoridades ritmadas dos tin-tins e do amola facas, a melopeia do merendeiro e das aguadeiras, os sons das festividades do Ano Novo Chinês e da Dança do Dragão.


Nasceu no Pico onde cresceu (até aos 14 anos), viveu em Macau onde frequentou o seminário e exerceu a sua atividade sacerdotal (apenas com uma curta estadia em Lisboa para frequentar o Conservatório), em contacto com a vida macaense, imbuída de cultura chinesa e portuguesa.
Pretendemos distinguir o seu percurso musical como compositor, maestro e pedagogo. O objetivo fundamental deste texto não pretende ser um estudo técnico sobre a sua obra, mas dar a conhecer aos açorianos e aos portugueses em geral, a personalidade e a sua atividade musical, pois apenas um número restrito de pessoas terá algum conhecimento da sua obra, uma vez que desenvolveu a sua atividade longe daqui, num tempo em que se ignorava o que se passava pelas terras do Oriente.


  1. Introdução – Intercâmbio cultural Ocidente/Oriente

Os portugueses, a partir do século XVI, desempenharam um papel preponderante no intercâmbio cultural entre a China e o Ocidente e em que Macau serviu de ponte e de palco para diversas comunicações artísticas.


No referente à música, a cultura chinesa, por tradição, não concedeu à música o espaço e a atenção que as civilizações ocidentais lhe reservaram. A música desempenhava, fundamentalmente, um papel funcional ligado a um pretexto qualquer: as representações, os rituais religiosos, as cerimónias fúnebres, as festividades. A criação de agrupamentos instrumentais organizados e uma grafia musical codificada é recente.
Os jesuítas desde o século XVI levaram para o Oriente, para além do cristianismo, as artes, os costumes e os usos ocidentais, introduzindo na China a música ocidental.
O Colégio de S. Paulo, em Macau, introduz o ensino da música. Em 1882 um padre jesuíta leva para Macau um professor de música munido de instrumentos necessários para a formação de uma orquestra, que viria a ser a Orquestra do Seminário de S. José que funcionou até à década de 50 do século XX e que chegou a ser constituída por cerca de 26 instrumentistas. (Jardim, 1992: 147-148).
O seminário possuía também uma banda. O movimento musical nas diversas paróquias de Macau é intenso, pois praticamente todas as igrejas possuíam um coro ou um grupo de instrumentos. A igreja de S. Lázaro possuía uma excelente banda bem como o orfanato Salesiano.
A criação da orquestra de Câmara de Macau possibilitou a incorporação da música chinesa nos seus concertos e o Festival Internacional de Música de Macau, criado em 1987, promoveu o intercâmbio cultural e musical entre Ocidente e Oriente, onde se tem apresentado a música e os músicos destes dois mundos. Nade, na simplicidade da sua expressão crioula, revela a sua importância na divulgação da música ocidental e chinesa:
“Grándi sonata co cantata [Grandes sonatas e cantatas]
Na passado mês di Otubro,/Gente di tudo mundo, sentado na casa [No passado mês de outubro,/Gente de todo o mundo, em casa,]

Vitá mám, abri tivisám,/Qui sabroso, [Ao deitar a mão à televisão,/Que delícia,]

Olá nosso Macau na diánti,/Raganhado qui raganhado tentá ilôtro. [Viu na sua frente a nossa Macau/Muito alegre a sorrir-lhe.]

Unga semana a fio êle já fazê/Unga festa di quebrá testa! [Numa semana a fio, levou a efeito/Um festival de arromba!]

Cantoria co musicata já sai/Di grandura assi grándi, /Qui istonteá tudo gente. [Os cantos e a musicata/Eram de tamanha envergadura,/Que deixaram a gentinha maravilhada.]

Um-cento musiquéro capaz/Vêm aqui di Tera-China [Uns cem hábeis músicos/Vieram da China até aqui]

Pa tocá mus´ca bom uvi,/Dôs nhónha pedaçóna [Para executarem lindas composições./Duas cantoras mulheraças]

Vêm di Eropa pa cantá:/Unga sai voz fino de canário,/Otrunga voz grôsso di áde-macho. [Vieram da Europa para cantar:/Uma tinha voz fininha de canário,/A outra, voz grossa de pato.]

Di Eropa já vêm tamêm,/Unga nhum co voz di liám [Da Europa se deslocou também/Um homem com voz de leão,]

Pa cantá quanto regra di ópra./Nhum abri bóca goelá [Para cantar árias de ópera./Com a boca toda aberta aos gritos,]

Lampiám di lumiá rua istremecê,/Vidro di janala começa rachá. [Fazia estremecer os postes de iluminação/E estalar os vidros das janelas]. (Ferreira, 1990: 45 e 143)


  1. Sonoridades de Macau

Na observação de Eugénio de Andrade “Macau é uma cidade com as tripas de fora […], os seus rumores, os seus cheiros, a pulsão do seu olhar, o suor do seu corpo vem ao teu encontro ao dobrar da primeira esquina”. (Andrade, 1993: 13). É na rua que homens e mulheres têm a sua casa: “aqui trabalham e comem, aqui discutem e riem, aqui fazem dos seus dias um longo ofício de paciência” (Andrade, 1993: 13).


Os diversos sons dos instrumentos musicais chineses, as flautas, os gong(o)s e os sinos ecoam nas festas populares e cerimónias religiosas, nas festividades do Ano Novo Chinês, do Barco-Dragão, das danças do Dragão, …; o canto melopeico dos bonzos, os sons da vida de Macau, as sonoridades ritmadas dos tin-tins, os pregões do merendeiro e das aguadeiras, da rapariga vendedora de pratos saborosos e picantes [sin-a-sá-ó-fan], da hortaliça [pac tchoi], de seda e panos [mao fá poou], do vendedor de amendoins torrados [plic-ploc-ham tchoi fa-sam], e de pato [si…ii…áp], todos este sons constituíam uma atmosfera sonora que impressionava quem andava pelas ruas de Macau.
A música, como a arte em geral, reúne uma pluralidade de experiências que influencia e molda quem faz, produz ou cria, mesmo estando radicado numa tradição sociocultural.
O cruzamento do olhar de Áureo de Castro pelo diversificado campo musical não deixou de integrar todas estas sonoridades, gerando outros universos sonoros.


  1. Percurso de vida

Áureo da Costa Nunes e Castro nasceu na Candelária, ilha do Pico em 1917, entre o vulcânico, mutante e majestoso Pico e o mar “de águas sem fim”. O seu primeiro contacto com a música ocorreu quando era ainda criança no coro da igreja da Candelária, no qual cantou como sopranino.


O fervor religioso açoriano, a diáspora missionária de sacerdotes ou de candidatos ao sacerdócio ao longo do século XX, os laços familiares (era sobrinho de D. José da Costa Nunes, bispo de Macau entre 1920-1940) criaram as condições para que aos 14 anos fosse embalado para Macau (chegou no dia 15 de setembro de 1931) pela mão do seu tio, onde obtém formação sacerdotal no Seminário Diocesano de S. José, recebendo a ordenação no dia 8 de setembro de 1943.
No Seminário de S. José estuda Teoria, Solfejo e Harmonia com os padres Wilhelm Schmid e António André Ngan74.
Foi inicialmente nomeado pároco da igreja de S. Lourenço para cujo coro escreveu inúmeras peças para uso nos atos litúrgicos. Posteriormente a sua ação pastoral é exercida na Sé Catedral e é diretor interino do Clarim, periódico católico.
Em 1952 ingressa no Conservatório Nacional de Música de Lisboa para estudar composição, curso completado em 1958 com distinção, e onde estuda canto e piano com Croner de Vasconcelos, Arminda Correia e Biermann.
Faleceu em 1992 no Hospital Conde de S. Januário, em Macau.


  1. Atividade musical

A atividade musical de Áureo da Costa é múltipla e diversificada: compositor, maestro e pedagogo.


Durante o período de frequência do Conservatório em Lisboa é assistente do maestro musicólogo português Mário Sampaio Ribeiro no Coro do Centro Universitário da Universidade de Lisboa. Foi o período mais profícuo, em termos de composição musical.
Professor de música, dedica-se intensamente à música gregoriana e à polifonia sacra antiga. Em 1958 rege a disciplina de Música no Seminário de S. José. É também professor de música e de Canto Coral no Liceu nacional Infante D. Henrique, incutindo nos seus alunos o gosto pela música gregoriana.
Em 1959 criou o grupo Coral Polifónico de Macau com um reportório de peças de polifonia sacra e profana da Renascença, sobressaindo os polifonistas portugueses entre os quais Francisco Martins, D. Manuel Cardoso, Diogo Dias Melgaz, Joaquim Casimiro, Filipe de Magalhães, D. João IV …, incluindo no reportório canções chinesas e portuguesas.
Por convite, foi diretor de um coro em Hong Kong durante mais de um ano. Como muitos alunos lhe solicitavam com alguma regularidade aulas de música e piano, em 1962 criou a Academia de Música S. Pio X (sendo o seu primeiro diretor) para o ensino da música, composta por músicos amadores e professores da Academia e criada por sugestão conjunta do prelado da diocese de Macau e do Dr. Ivo Cruz (então Diretor do Conservatório Nacional de Lisboa).
A Academia tinha como propósito proporcionar aos jovens de Macau, portugueses e chineses, uma instrução musical em termos académicos (com ensino bilingue, português e chinês e também inglês). Mais tarde, em 1983, fundou a Orquestra de Câmara de Macau, composta por músicos amadores e professores da Academia. (Veiga, 2010).
A sua intensa atividade sacerdotal, a dedicação à Academia, ao ensino e ao Grupo Coral, não lhe deixaram a disponibilidade ideal para compor. O período criativo mais intenso são os anos de frequência do Conservatório.
A vivência e contacto com a cultura chinesa marcaram a sua criação musical. Danças de Siu Mui-mui, Nostalgia e Cenas de Macau, peças que, embora escritas no seu estilo pessoal, são baseadas na escala pentatónica e nos ritmos tradicionais chineses. Para Cenas de Macau, o P. Áureo escreveu a seguinte introdução:
Estas cenas representam os primeiros passos em busca de uma linguagem harmónica mais liberta dos clássicos cânones da harmonia tradicional, e que pudesse, ao mesmo tempo, servir de roupagem a melodias de folclore chinês, muitas das quais se baseiam nas escalas diatónicas de cinco tons. Composições despretensiosas, elaboradas como exercício escolar, obedeceram apenas ao propósito de pintar algumas cenas de Macau com tintas a respirar a atmosfera chinesa das mesmas.
O primeiro número lembra o regresso dos barcos da pesca, em frente à `meia-laranja`, num dia de calmaria oriental, com os restos do sol poente a espelhar-se sobre as águas… Uma quase evocação.
A segunda peça foi sugerida pelo canto melopeico dos bonzos em oração, numa antiga bonzaria na rua de São José, cena que o autor absorveu quando, no topo duma “árvore de pagode”, preparava um exame de filosofia. Ouviam-se ocasionais toques de sinetas e sinos a lembrar os `gongs`.
A terceira, barcos-dragões, é uma reminiscência da regata dos `dragões` realizada da Ilha Verde à Barra, quando em 1932, Macau recebia pela terceira vez o governador Tamagnini Barbosa. Escrita em forma sonata, a peça começa com ritmos e temas melódicos sugeridos pela calma do rio e a competição da regata” (Lynn, 2001: VIII e IX).
A vivência e o contacto com a cultura chinesa marcaram a sua criação musical. Criou uma linguagem própria, original e muito pessoal, estabelecendo um intercâmbio cultural: canções chinesas (cantadas por portugueses) e canções portuguesas cantadas por chineses).
A música coral (com piano, acompanhamento orquestral ou a capella) representa a parte mais significativa da sua obra, por sentir necessidade de renovação dos atos litúrgicos; compõe peças baseadas em textos literários portugueses, harmonizações de canções folclóricas chinesas e portuguesas, composições originais para coro misto. (Lynn, 2003)
Lynn destaca entre as suas obras: merecem especial menção a encantadora simplicidade da Cantata Sancta Cecília, a nostálgica beleza do poema de amor de Alma minha gentil, de Luís de Camões, a exuberância de Gong Tzi Fa Choi (Canção do Ano Novo Lunar) para vozes a capella, com a exploração dos sons onomatopaicos do idioma chinês, e o majestoso Te Deum para coro e orquestra. (Lynn, 2003: VIII)
Existem várias compilações publicadas da sua obra musical:
Exultate, 2 vols., Seminário de S. José, 1996

Aurei Carmina, Obras para piano e órgão, Dioecesis Macaonensis, 2001.

Aurei Carmina, Choro, Dioecesis Macaonensis, 2003.


  1. Reconhecimento

Logo na apresentação do Te Deum em Lisboa, a obra mereceu da parte de Croner de Vasconcelos um destaque pela forte singularidade no panorama musical nacional: “Até que enfim aparece neste país uma obra deste género”


Lynn, compiladora e organizadora das composições de Áureo de Castro, acentua a grandeza do P. Áureo no panorama musical em Macau: “Durante 30 anos, entre os anos de 1960 até à sua morte em 1993, P. Áureo da Costa Nunes e Castro foi, sem dúvida, o mais importante músico que Macau conheceu”. “P. Áureo tinha uma aguda sensibilidade para realçar o sentido das palavras, tendo sido capaz de evocar em suas composições uma miríade de sentimentos e emoções -, mistério, súplica, piedade, contemplação, majestade, ternura e alegria -, através de um imaginativo uso da harmonia e de nuances tímbricas e dinâmicas.” (Lynn, 2003: VIII)
Barreto distingue o enorme contributo para a cultura em Macau, devido à sua multifacetada atividade: “Falar de Áureo de Castro, como músico, é falar de uma das personagens mais importantes no campo da música de Macau deste século e a quem a cultura macaense muito deve. […] Ao longo dos anos trouxe e atraiu para Macau inúmeros músicos, solistas e coros de todo o mundo e de todas as tendências” (Simão Barreto, 1996: 132).
Barreto acentua ainda a originalidade da sua voz musical: “Tinha uma linguagem própria, original e muito pessoal. As suas obras caracterizam-se por uma construção sólida, bem arquitetada, com uma textura musical muito rica, com um estilo original e com uma linguagem de vincada personalidade” (Simão Barreto, 1996: 132). “Fazia e perfazia o que tinha escrito, de tal modo que é difícil, se não impossível, modificar, corrigir ou acrescentar o que quer que seja, depois de ele ter dado a forma definitiva”. (Simão Barreto, 1996: 133).
A sua obra com influências orientais e pelo cruzamento luso-asiático possui “uma linguagem extremamente original: um autêntico hibridismo musical onde encontramos reconciliadas a harmonia tonal ocidental e o modalismo pentatónico chinês” (Veiga, 2010: 288).


  1. Bibliografia

Andrade, Eugénio de (1993). Pequeno Caderno do Oriente. Macau: Instituto Cultural de Macau e Instituto Português do Oriente.

Baguet Jr., Gabriel (1999). “Percurso e trajetórias de uma História, A Música em Macau na Transição de Poderes”. In Camões, Revista de Letras e Culturas Lusófonas, n° 7, outubro-dezembro de 1999, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Instituto Camões.

Barreira, Ninélio (1994). Ou-Mun, Coisas e Tipos de Macau. Macau: Instituto Cultural de Macau.

Barreto, Simão (1996). “Áureo de Castro (1917-1992)”. In Revista de Cultura, n 26 (II Série), jan-mar, 1996, Instituto Cultural de Macau, pp. 131-140.

Ferreira, José dos Santos (1990). Doci Papiaçám di Macau. Macau: Instituto Cultural de Macau.

Grosso, Maria José dos Reis (2007). O Discurso Metodológico do Ensino do Português em Macau a Falantes de Língua Materna Chinesa. Macau: Universidade de Macau.

Jardim, O. Veiga (2010). “Padre Áureo da Costa Nunes e Castro (1917-1992)”. In DITEMA Dicionário Temático de Macau, volume I, Fundação para a Cooperação e Desenvolvimento de Macau/Universidade de Macau, pp. 287-289.

Jardim, O. Veiga (1996). “Alguns aspetos da música na china”. In Revista de Cultura, n° 26, 1996, pp. 141-145.

Jardim, O. Veiga (1992), “Música em Macau: Temas e Variações”. In Revista Macau, n° 8, 1992, pp. 146-154.

Lynn, Margaret (2003). “Prefácio”. In Aurei Carmina, Choro, Dioecesis Macaonensis.

Lynn, Margaret (2001). “Prefácio”. In Aurei Carmina, Obras para piano e órgão. Dioecesis Macaonensis.

Mesquita, Pedro Dá (s/d). Academia de Música S. Pio X, 40 Aniversário 1962-2002.

Qichen, Huang (1994). “Macau Ponte do Intercâmbio Cultural entre a China e o Ocidente do Século XVI ao Século XVIII”. In Revista de Cultura, n 21, (II série), Out- Dez 1994, Macau: Instituto Cultural de Macau, pp. 153-178.





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