Língua Portuguesa volume 1



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indgena-na-escola-um-caminho-para-a-reflexo-sobre-a-pluralidade-cultural>. Acesso em: 25 abr. 2016.

Em seu caderno, escreva a relação entre o conteúdo da primeira estrofe da letra de música “Chegança” — em que são apresentados os nomes de diversos povos indígenas encontrados no Brasil — e o comentário de Kaká Werá.



2. O verbo ser, usado várias vezes na primeira estrofe da canção, indica um estado transitório, passageiro ou um estado permanente? Explique sua resposta.

3. Na segunda e na terceira estrofes, o eu lírico faz referência a um acontecimento histórico. Qual é? De que modo essas estrofes reinventam o fato da História?



4. Na quarta estrofe, o eu lírico acorda de seu sonho.

a) O que o acorda?

b) Quem os personagens dessa estrofe representam?
5. Na quinta estrofe, o fato histórico em que o texto se inspira fica mais evidente. O eu lírico tem duas reações distintas. Responda no caderno:

a) Qual é a primeira atitude do eu lírico ao ver os navegantes? Como ele justifica?


b) O que acontece no fim? De que modo você interpreta os dois últimos versos?

6. O gênero letra de música só se completa com o ritmo, com a melodia, não basta só a letra, pois é composto para ser tocado e cantado. Leia a seguir sobre o ritmo da canção "Chegança" e sobre a palavra que dá título a ela.

a) O ritmo dessa música é o cabocolinho (ou caboclinhos), uma manifestação popular pernambucana de grupos de bailados com temática indígena. Considerando o texto abaixo, qual é a relação entre a letra e o ritmo?


http://www.recife.pe.gov.br/fccr/cadastro/generico_24.php

[...] os caboclinhos expressam um forte sentimento nativista. São homens, mulheres e crianças que apresentam vigorosas coreografias em ritmo marcado pelo estalido das preacas (espécie de arco e flecha de madeira). [...]

As danças ou evoluções variam de um grupo para outro. Geralmente ocorrem em duas fileiras (cordões), podem trazer alas, com coreografias que representam situações criadas e recriadas pelos mestres e brincantes. De maneira geral, evoluem com agilidade, agacham-se, levantam-se e rodopiam nas pontas dos pés e calcanhares, em três momentos específicos: Guerra, Baião e Perré, determinados pela mudança do ritmo. Alguns grupos também apresentam o Toré ou Macumba, o Traidor (destaque das preacas marcando o ritmo), a Emboscada (disputa de dois grupos) e Aldeia (dança em círculo).

A indumentária é composta por atacas (de pé e mão), saiotes e tangas, e confeccionada com penas (de ema e de outras aves), lantejoulas, contas, búzios, espelhos, vidrilhos, cordas e sementes. Os adereços de cabeça são bastante diversificados: cocares, capacetes, cabeleiras, diademas, girassóis e leques, decorados com penas e lantejoulas. Apresentam-se descalços.

O baque é composto por caracaxás (maracás ou exeres), surdo e inúbia (flauta ou gaita), podendo haver atabaque e caixa. As músicas normalmente são instrumentais, havendo grupos que recitam versos ou loas.

Pulsar Imagens/ Marco Antonio Sá

Apresentação de caboclinhos em Nazaré da Mata (PE), em 2014. Esse folguedo carnavalesco é tradicional em Pernambuco. Os participantes, trajando cocares e outros adereços de penas, passam pelas ruas quase correndo e fazendo evoluções de dança que representam cenas de caça e combate. Os instrumentos mais usados são flautas, maracas e surdos, além das preacas, que têm a forma de arco e flecha e são usadas na marcação do ritmo.

Disponível em: . Acesso em: 26 abr. 2016.

b) Leia este verbete de dicionário com definições da palavra chegança.

http://www.aulete.com.br/chegan%C3%A7a

1. Bras. Auto popular natalino em que há danças e encenações marítimas, em que se rememora a vitória sobre os mouros e a sua conversão

2. Bras. N.E. Folc. Representação cantada e dançada da chegada de marujos a um porto seguro; fandango

3. Bras. Visita a casas, feita por festeiros, por ocasião das festas de Natal e Reis [Nesta acp., mais us. no pl.]

4. Dança portuguesa do séc. XVIII, de caráter lascivo

5. Ant. Ação ou resultado de chegar; CHEGADA [F.: cheg (ar) + -ança.]

Aulete, Caldas. Dicionário on-line Caldas Aulete. Disponível em:
. Acesso em: 26 abr. 2016.

A qual(is) acepção(ões) os autores do texto se referem no título?
Ter informações sobre os termos chegança e caboclinhos mudou sua leitura da canção?
Comparando textos

Desde que os primeiros europeus entraram em contato com o território brasileiro e seus habitantes nativos, passaram-se mais de cinco séculos. Depois de Pedro Álvares Cabral e seus homens depararem, em 1500, com um grupo de indígenas tupinambás nas praias de Porto Seguro, na Bahia, muitos relatos tentaram, e ainda tentam, definir a identidade dos grupos humanos aqui organizados, sua língua e cultura. Assim, relatos, estudos, produções artísticas têm procurado compreender o que somos, contar e recontar nossa história.

Essas produções investigativas, que procuram, até certo ponto, compreender nossa diversidade cultural, formam um conjunto composto de diversas versões de um mesmo fato, distintos pontos de vista.

Propomos a seguir a leitura de dois textos que têm como tema a representação heroica dos nativos destas terras e um terceiro que apresenta outra composição de herói nacional. Trata-se de produções literárias que, independentemente da época, apresentam pontos de vista ora coincidentes, ora diferentes com relação à figura dos indígenas e à representação de heróis. Durante as leituras, procure observar esses aspectos.

O excerto a seguir faz parte do romance O Guarani, do escritor brasileiro José de Alencar. Narrada em terceira pessoa, a obra conta a história da relação entre Cecília (ou Ceci), filha do fidalgo português D. Antônio de Mariz, e Peri, um indígena goitacás. O trecho mostra, no cenário de beleza exuberante do Brasil do século XVII, a cena em que Ceci está prestes a sofrer um acidente grave, mas é salva por Peri, que, na cena, é chamado de selvagem.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo ligado aos ideais da Revolução Francesa de 1789, defendia que o ser humano é bom por natureza, mas submete-se à influência corruptora da sociedade.

Esse princípio, denominado mito do bom selvagem, revelou a escritores brasileiros da época de Alencar um caminho para engrandecer o passado nacional tornando heroicos seus primeiros habitantes, os indígenas.

A figura desses indígenas heroicos foi construída de modo idealizado, sem levar em conta vários aspectos da realidade dos indígenas, sobretudo o fato de eles não comporem um único grupo, homogêneo, e sim se distribuírem em diversas comunidades, cada uma com sua cultura e identidade.

Texto 1
O Guarani

José de Alencar

Não podia haver sítio mais agradável para se passar uma sesta de estio, do que esse caramanchão cheio de sombra e de frescura, onde o canto das aves concertava com o trépido murmúrio das águas.

Por isso, apesar de ficar ele a alguma distância da casa, a família vinha às vezes, quando o tempo estava sereno, gozar algumas horas da frescura deliciosa que ali se respirava.

D. Antônio de Mariz, sentado junto de sua mulher, contemplava por entre uma abertura das folhas o céu azul e aveludado de nossa terra, que os filhos da Europa não se cansam de admirar. Isabel, encostada a uma palmeira nova, olhava a correnteza do rio, murmurando baixinho uma trova de Bernardim Ribeiro. Cecília corria pelo vale perseguindo um lindo colibri, que no voo rápido iriava-se de mil cores, cintilando como o prisma de um raio solar. A linda menina, com o rosto animado, rindo-se dos volteios que a avezinha lhe fazia dar, como se brincasse com ela, achava nesse folguedo um vivo prazer.

Mas afinal, sentindo-se fatigada, foi recostar-se em um cômoro de relva, que elevando-se no sopé do rochedo formava uma espécie de divã natural. Descansou a cabeça no declive, e assim ficou com os pezinhos estendidos sobre a grama que os escondia como a lã de um rico tapete; e o seio mimoso a arfar com o anélito da respiração.

Algum tempo se passou sem que o menor incidente perturbasse o suave painel que formava esse grupo de família.

De repente, entre o dossel de verdura que cobria esta cena, ouviu-se um grito vibrante e uma palavra de língua estranha:
— Iara!

D. Antônio levantou-se; volvendo olhos rápidos, viu sobre a eminência que ficava sobranceira ao lagar em que estava Cecília um quadro original.

De pé, fortemente apoiado sobre a base estreita que formava a rocha, um selvagem coberto com um ligeiro saio de algodão metia o ombro a uma lasca de pedra que se desencravara do seu alvéolo e ia rolar pela encosta.

O índio fazia um esforço supremo para suster o peso da laje prestes a


esmagá-lo; e com o braço estendido de encontro a um galho de árvore mantinha por uma tensão violenta dos músculos o equilíbrio do corpo.

A árvore tremia; por momentos parecia que pedra e homem se enrolavam numa mesma volta, e precipitavam sobre a menina sentada na aba da colina.

Cecília ouvindo o grito erguera a cabeça, e olhava seu pai com alguma surpresa, sem adivinhar o perigo que a ameaçava.

Ver, lançar-se para sua filha, tomá-la nos braços, arrancá-la à morte, foi para D. Antônio de Mariz uma só ideia e um só movimento, que realizou com a força e a impetuosidade do sublime amor de pai, que era toda a sua vida.

No momento em que o fidalgo deitava Cecília quase desmaiada sobre o regaço materno, o índio saltava no meio do vale; a pedra girando sobre si, precipitada do alto da colina, enterrava-se profundamente no chão.

Foi então que os outros espectadores desta cena, paralisados pelo choque que haviam sofrido, lançaram um grito de terror, pensando no perigo que já estava passado.

Uma larga esteira, que descia da eminência até o lugar onde Cecília estivera recostada, mostrava a linha que descrevera a pedra na passagem, arrancando a relva e ferindo o chão. D. Antônio, ainda pálido e trêmulo do perigo que correra Cecília, volvia os olhos daquela terra que se lhe afigurava uma campa, para o selvagem que surgira, como um gênio benfazejo das florestas do Brasil.

O fidalgo não sabia o que mais admirar, se a força e heroísmo com que ele salvara sua filha, se o milagre de agilidade com que se livrara a si próprio da morte.

Quanto ao sentimento que ditara esse proceder, D. Antônio não se admirava; conhecia o caráter dos nossos selvagens, tão injustamente caluniados pelos historiadores; sabia que fora da guerra e da vingança eram generosos, capazes de uma ação grande, e de um estímulo nobre.

Por muito tempo reinou silêncio expressivo nesse grupo, que se acabava de transformar de modo tão imprevisto.

D. Lauriana e Isabel de joelhos oravam a Deus, rendendo-lhe graças; Cecília ainda assustada apoiava-se ao peito de seu pai e beijava-lhe a mão com ternura; o índio humilde e submisso fitava um olhar profundo de admiração sobre a moça que tinha salvado.

estio: verão.

caramanchão: estrutura leve, que se pode cobrir de vegetação, usada ao ar livre para descanso ou recreação.

trépido: ondulante, vibrante.

iriar-se: colorir-se.

cômoro: elevação de terreno não muito alta.

anélito: hálito.

dossel: cobertura contínua formada pela copa das árvores.

Iara: vocábulo guarani que pode significar senhora.

lagar: espécie de tanque onde se espremem uvas para fabricação de vinho ou de azeitonas para fabricação de óleo.

saio: antigo vestuário largo e curto, usado pelos guerreiros.

alvéolo: pequena cavidade.

campa: sepultura.

benfazejo: afetuoso, generoso.

ALENCAR, José de. O Guarani. São Paulo: Ática, 2012.

O autor

José de Alencar (1829-1877), escritor, jornalista, advogado e político, nasceu em Mecejana (CE). Concluiu seus estudos secundários no Rio de Janeiro, cursou Direito em São Paulo, depois voltou à Corte. Conheceu outros escritores brasileiros, como Machado de Assis, em sua juventude. Estreou como escritor no jornal Correio Mercantil aos 25 anos.

Ganhou reconhecimento em 1857 ao publicar o romance O Guarani, passando a se dedicar à literatura e à política.

É considerado o consolidador da prosa nacional, sendo nosso primeiro grande romancista.

©Creative Commons

Independência e literatura nacional

O início do século XIX foi marcado no Brasil pelas transformações decorrentes da instalação da família real portuguesa no Rio de Janeiro, em 1808, que provocaram o desenvolvimento de maneira geral da cidade. Mas outras questões marcaram esse período, como a insatisfação das classes dominantes com o Império, responsável pela organização de tentativas de se desligar da metrópole, aliado a um sentimento de nacionalismo que alcançaria a Declaração da Independência, em 1822.

A independência das colônias latino-americanas impulsionou um sentimento de nacionalidade diretamente refletido pela literatura, que podia ser lida nos folhetins publicados pelos jornais. No Brasil, a literatura, que ganhava cada vez mais cores nacionais e público leitor, almejava colaborar para a revisão do passado nacional. Assim, aqueles que estavam aqui antes de o Brasil ser uma colônia, isto é, os indígenas, foram enobrecidos pela literatura da época, representados com atitudes típicas de heróis, como é o caso de Peri, no episódio lido neste capítulo. É verdade que engrandecer o passado nacional era já uma característica da literatura europeia, mas ninguém havia feito isso em relação ao passado brasileiro. José de Alencar foi o primeiro romancista a fazê-lo: voltou os olhos da sociedade da época para os indígenas do passado, idealizando-os, transformando-os em heróis, sem, entretanto, levar em conta sua realidade.

Alencar arquitetou todo um projeto de literatura nacional: escreveu não só romances valorizando a figura dos indígenas, habitantes originais destas terras, como criou romances históricos, destacando acontecimentos do Brasil colônia; também produziu romances regionalistas buscando promover a cultura local; além de produzir narrativas urbanas ambientadas na Corte, no Rio de Janeiro.

Assim, procurou valorizar, de acordo com o ponto de vista da sociedade a que pertencia em sua época, a cultura do povo, a história e as regiões brasileiras empregando uma linguagem inovadora para o momento.

1. Descreva no caderno, com suas palavras, o cenário da história narrada por José de Alencar.

2. Transcreva no caderno o grupo de palavras que melhor resumiria essa paisagem.

a) beleza, exuberância

b) alegria, rumores

c) medo, tristeza

d) avareza, vaidade

e) nobreza, deserto



3. Releia o trecho observando a maneira como são apresentados Peri e suas ações. Responda no caderno:

a) Quais são as características do indígena goitacás enaltecidas nesse trecho do romance?


b) De acordo com esse trecho, essas características são valorizadas pelos portugueses? Copie uma frase do texto que possa confirmar sua resposta.
c) Leia algumas características de um cavaleiro medieval, figura do período da história europeia conhecido como Idade Média (do século V ao XV) divulgada pela literatura, sobretudo pelas novelas de cavalaria, que contavam os feitos desses heróis — entre fantasia e realidade — da época. Um cavaleiro medieval:

era alguém de origem nobre;

recebia educação privilegiada, instrução militar, além de outros benefícios como boa alimentação e possibilidade de adquirir terras e soldados;

guerreava, sobretudo para defender seu senhor feudal (dono de terras) e os ideais cristãos;

protegia as mulheres e os fracos.

Há semelhanças entre essas características e o modo como Peri é apresentado no romance de Alencar? De que modo é visto hoje em dia esse tipo de característica na literatura, no cinema ou na vida real?

d) Em sua opinião, por essa narrativa é possível ter ideia da identidade de indígenas goitacases? Explique.
4. O romance indianista brasileiro tinha como objetivo apresentar aos leitores uma versão gloriosa do passado histórico do país, reconstruindo esse tempo ou reinventando-o. Em sua opinião, o trecho lido mostra de fato o passado colonial? Justifique sua resposta.
5. No livro Um estranho sonho de futuro, Daniel Munduruku narra uma viagem feita à sua aldeia, no Pará, em companhia de Lucas, um rapaz da cidade, no início dos anos 2000. Nos capítulos da obra, a narrativa mistura fatos verdadeiros ocorridos durante a viagem e outros que revelam o cotidiano na aldeia munduruku, um lugar repleto de histórias de crenças e magias que ajudam esse povo a organizar sua vida.

No trecho transcrito, Nicolau, um indígena munduruku, relata a Lucas um fato ocorrido quando, perto da meia-noite, estava em um barco, com seu primo, uma criança ferida e a mãe dela. O motor do barco havia parado e, remando a embarcação, o primo de Nicolau caiu na água. Minutos depois, o rapaz pedia que o resgatassem logo, pois a Mãe-


-d’água queria levá-lo para o fundo do rio. A seguir, leia o trecho em que Nicolau narra esse episódio para o moço da cidade, que questiona o modo de Nicolau e o primo compreenderem a situação.
“Como a noite estava muito escura, não pude ver nada a nossa frente. Todos estávamos com muito medo, pois nossos velhos dizem que a Mãe-d’água nunca desiste quando quer levar alguém consigo. Ela precisa, vez ou outra, encontrar um homem para morar com ela no seu lugar de descanso. [...]

Pois bem, quando o primo recuperou o fôlego, perguntei a ele o que havia visto. Ele disse, então, que viu uma mulher muito bonita no meio das árvores. Ela o chamava através de uma música que aparentemente só ele escutava. Tentou firmar o olhar para poder enxergar melhor, mas viu apenas uma sombra.

Alcançou a lanterna que estava no fundo do barco e, quando tentou clarear o lado em que estava a mulher, foi puxado para dentro do rio. No entanto, como estávamos pertinho da margem, ele agarrou-se a uma árvore. Foi nesse momento que prestei atenção e corri para a proa, segurando-o. Caso contrário ele teria sido sugado para dentro do rio, de onde não sairia nunca mais.”

Tendo dito isso, Nicolau calou-se um instante. Lucas, com ar incrédulo, não perdeu a chance de fazer perguntas a Nicolau.

— Você acha que realmente foi a Mãe-d’água que fez isso? Não teria sido um cochilo que seu primo deu e acabou caindo na água?

— Tenho certeza de que não foi cochilo, pariwat. Todos nós estamos acostumados a viajar muitas horas nestes rios todos. Conhecemos cada palmo a nossa frente. Depois ninguém cochila enquanto rema um barco.

— Mas ele sabe o que viu, como pode afirmar que era a Mãe-d’água?

— Ele sabe o que viu. Nós da floresta temos nossos sentidos muito treinados para poder sobreviver aqui. Quem não sabe o que vê não sobrevive também. Além disso, oboré, tem coisas que a gente só enxerga quando está de olhos fechados.

— Isso parece uma lenda, um mito para assustar as pessoas...

— Talvez seja assim que as pessoas pensam na cidade porque elas estão rodeadas de claridade por todos os lados. Por isso os espíritos que habitam a cidade não se manifestam e as pessoas acabam tendo medo umas das outras, verdadeiros fantasmas. Aqui nós não temos medo uns dos outros que vemos, temos medo do que não vemos, mas sabemos que existe.

MUNDURUKU, Daniel. Um estranho sonho de futuro. São Paulo: FTD, 2004.

©Wikimedia Commons/Albin Olsson



Daniel Munduruku (1964-) nasceu em Belém (PA), faz parte do povo indígena munduruku. Formado em Filosofia, com licenciatura em História e Psicologia, fez pós-graduação em Antropologia Social na Universidade de São Paulo. É escritor, participa de palestras e seminários com o intuito de mostrar o valor das culturas indígenas. Também foi professor e atuou como educador social de rua. Entre seus livros, destacam-se Coisas de índio, As serpentes que roubaram a noite e Meu avô Apolinário, todos premiados. Fotografia de 2014.

Comparando o personagem de Daniel Munduruku ao de José de Alencar, responda às questões a seguir.

a) Em que Nicolau parece ser diferente de Peri?
b) Qual desses dois personagens apresenta semelhança a heróis mitológicos ou fantásticos da ficção? Explique sua resposta e dê um exemplo de herói com características semelhantes às apresentadas no texto.
c) Qual desses indígenas apresenta características de uma pessoa comum? Explique sua resposta.
d) Qual dessas narrativas enfatiza, pela descrição que é feita no texto, a ligação entre o personagem e a natureza na qual ele se encontra? Qual dá ênfase às ações do personagem sem se preocupar exageradamente com a descrição do ambiente?
e) Qual das respostas dadas por Nicolau indica a diferença entre as pessoas que vivem na cidade e as que habitam as florestas? Que lição se pode tirar dessa visão indígena?
Texto 2

I Juca Pirama é um poema épico de autoria do escritor brasileiro Gonçalves Dias. Desenvolvido em dez cantos, tem como tema central o drama vivido por aquele que seria o último descendente do povo tupi. O nome I Juca Pirama significa “aquele que deve morrer”.

Os cantos iniciais apresentam um guerreiro tupi que foi feito prisioneiro pelos timbiras. Os preparativos para a morte dele haviam começado, mas o jovem permanecia calado, indiferente. Em seu canto de morte, o rapaz chora e pede sua libertação dizendo que precisaria cuidar do pai cego, mas promete voltar quando o pai morrer. O choro não é bem-visto pelos timbiras. Leia a seguir o trecho que mostra o que ocorre na continuação do episódio.



I Juca Pirama

Gonçalves Dias

V

Soltai-o! — diz o chefe. Pasma a turba;

Os guerreiros murmuram: mal ouviram,

Nem pode nunca um chefe dar tal ordem!

[...]
— És livre; parte.

— E voltarei.

— Debalde.

— Sim, voltarei, morto meu pai.

— Não voltes!

É bem feliz, se existe, em que não veja,

Que filho tem, qual chora: és livre; parte!

— Acaso tu supões que me acobardo,

Que receio morrer!

— És livre; parte!

— Ora não partirei; quero provar-te

Que um filho dos Tupis vive com honra,

[...]

— Mentiste, que um Tupi não chora nunca,



E tu choraste!... parte; não queremos

Com carne vil enfraquecer os fortes.

[...]

[O guerreiro tupi encontra o pai, a quem relata que fora feito prisioneiro. Pai e filho seguem até a tribo inimiga. Lá o pai do guerreiro descobre que o filho havia chorado. A seguir, o trecho com a reação do pai do guerreiro.]


VIII

“Tu choraste em presença da morte?

Na presença de estranhos choraste?

Não descende o covarde do forte;

Pois choraste, meu filho não és!

Possas tu, descendente maldito

De uma tribo de nobres guerreiros,

Implorando cruéis forasteiros,

Seres presa de vis Aimorés.
“Possas tu, isolado na terra,

Sem arrimo e sem pátria vagando,

Rejeitado da morte na guerra,

Rejeitado dos homens na paz,

Ser das gentes o espectro execrado;
turba: multidão.

debalde: inutilmente.

acobardar-se: acovardar-se.

arrimo: proteção, apoio.

espectro: fantasma.

execrado: amaldiçoado.

Soud/Arquivo da editora
Não encontres amor nas mulheres,

Teus amigos, se amigos tiveres,

Tenham alma inconstante e falaz!
[...]

“Um amigo não tenhas piedoso

Que o teu corpo na terra embalsame,

Pondo em vaso d’argila cuidoso

Arco e frecha e tacape a teus pés!

Sê maldito, e sozinho na terra;

Pois que a tanta vileza chegaste,

Que em presença da morte choraste,

Tu, covarde, meu filho não és.”

IX

Isto dizendo, o miserando velho

A quem Tupã tamanha dor, tal fado

Já nos confins da vida reservada,

Vai com trêmulo pé, com as mãos já frias

Da sua noite escura as densas trevas

Palpando. — Alarma! alarma! — O velho para!

O grito que escutou é voz do filho,

Voz de guerra que ouviu já tantas vezes

Noutra quadra melhor. — Alarma! alarma!

[...]
Ele que em tanta dor se contivera,

Tomado pelo súbito contraste,

Desfaz-se agora em pranto copioso,

Que o exaurido coração remoça.


A taba se alborota, os golpes descem,

Gritos, imprecações profundas soam,

Emaranhada a multidão braveja,

Revolve-se, enovela-se confusa,

E mais revolta em mor furor se acende.

E os sons dos golpes que incessantes fervem,

Vozes, gemidos, estertor de morte

Vão longe pelas ermas serranias

Da humana tempestade propagando

Quantas vagas de povo enfurecido

Contra um rochedo vivo se quebravam.
Era ele, o Tupi; nem fora justo

Que a fama dos Tupis — o nome, a glória,

Aturado labor de tantos anos,

Derradeiro brasão da raça extinta,

De um jacto e por um só se aniquilasse.
— Basta! Clama o chefe dos Timbiras,

— Basta, guerreiro ilustre! Assaz lutaste

E para o sacrifício é mister forças. —

falaz: enganador.

Tupã: na mitologia tupi, a divindade suprema.

fado: destino.

palpar: apalpar.

copioso: abundante.

alborotar-se: encher-se de entusiasmo.

imprecação: maldição.

estertor: respiração ruidosa dos moribundos.

ermo: desabitado.

serrania: conjunto de serras, montanhas.

labor: tarefa árdua e demorada.

assaz: suficientemente.
O guerreiro parou, caiu nos braços

Do velho pai, que o cinge contra o peito,

Com lágrimas de júbilo bradando:

“Este, sim, que é meu filho muito amado!

“E pois que o acho enfim, qual sempre o tive,

“Corram livres as lágrimas que choro,

“Estas lágrimas, sim, que não desonram.”

X

Um velho Timbira, coberto de glória,

Guardou a memória

Do moço guerreiro, do velho Tupi!

E à noite, nas tabas, se alguém duvidava

Do que ele contava,

Dizia prudente: — “Meninos, eu vi!
“Eu vi o brioso no largo terreiro

Cantar prisioneiro

Seu canto de morte, que nunca esqueci:

Valente, como era, chorou sem ter pejo;

Parece que o vejo,

Que o tenho nest’hora diante de mi.


“Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo!

Pois não, era um bravo;

Valente e brioso, como ele, não vi!

E à fé que vos digo: parece-me encanto

Que quem chorou tanto,

Tivesse a coragem que tinha o Tupi!”

Assim o Timbira, coberto de glória,

Guardava a memória

Do moço guerreiro, do velho Tupi.

E à noite nas tabas, se alguém duvidava

Do que ele contava,

Tornava prudente: “Meninos, eu vi!”.

GONÇALVES DIAS. I Juca Pirama e os Timbiras. Porto Alegre: L&PM, 1997.

júbilo: muita alegria.

brioso: que tem dignidade, bravura.

pejo: vergonha, pudor.



O autor

Gonçalves Dias (1823-1864), poeta, dramaturgo e cronista, nasceu em Caxias (MA), filho de um comerciante português e de mãe descendente de indígenas e negros. Estudou Direito em Portugal, onde conheceu intelectuais que viam na literatura um modo de valorizar o passado nacional. Considerado um dos grandes poetas brasileiros, à sua maneira compartilhou com Alencar a ideia de valorizar o passado, criando uma imagem idealizada dos indígenas.

©Wikimedia Commons/M. J. Garnier

1. Você já pôde observar a idealização da figura do indígena brasileiro na concepção artística da época de José de Alencar e de Gonçalves Dias. No poema deste último, à nação dos timbiras é atribuída a prática do ritual do canibalismo. Pensando nisso, releia o canto V do poema para responder no caderno aos itens propostos a seguir.

a) De acordo com a visão dos timbiras apresentada nesse trecho do poema, o que havia de indigno no canto de morte do jovem tupi?


b) Segundo a fala do chefe timbira nesse trecho, o que significaria para seu povo, nesse contexto, comer a carne do inimigo?
2. Nessa composição poética, o pai maldiz o filho e faz severas reprimendas ao comportamento do jovem I Juca Pirama.

a) Por que, para o pai, foi impossível crer que o filho havia chorado, se acovardado?


b) Quais foram as reprimendas feitas ao filho pelo velho guerreiro?
c) Escreva um resumo das maldições lançadas pelo pai contra o filho.
3. Sentindo-se ultrajado, o que faz I Juca Pirama no canto IX?
4. No canto X, o eu lírico afirma que um velho timbira testemunha a valentia do jovem tupi I Juca Pirama repetindo determinada frase.

a) Qual é essa frase? Em que tom parece ser dita?


b) Segundo o canto lido, essa história é contada de noite nas tabas. Essa ideia está de acordo com a imagem que se tem da cultura indígena até hoje? Justifique.
5. Embora produtos de uma mesma época, de um mesmo projeto literário de construção de símbolos nacionais dos quais o povo pudesse se orgulhar, o índio goitacás Peri, de José de Alencar, e I Juca Pirama, de Gonçalves Dias, representam aspectos distintos da visão idealizada do nativo. Que comportamentos são enfatizados em cada caso?
6. A imagem dos indígenas foi revista outras vezes na história da literatura brasileira. Um exemplo disso ocorreu na primeira metade do século XX, quando vários artistas e intelectuais questionaram novamente a identidade brasileira. Uma das obras em prosa mais significativas desse momento da literatura é Macunaíma: o herói sem nenhum caráter, escrita pelo paulistano Mário de Andrade. Leia a seguir o trecho dessa obra que apresenta seu personagem principal, dito “herói de nossa gente”.
No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.

Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro: passou mais de seis anos não falando. Si o incitavam a falar exclamava:

— Ai! que preguiça!.. e não dizia mais nada.

Ficava no canto da maloca, trepado no jirau de paxiúba, espiando o trabalho dos outros...

[...]

Quando era pra dormir trepava no macuru pequeninho sempre se esquecendo de mijar. Como a rede da mãe estava por debaixo do berço, o herói mijava quente na velha, espantando os mosquitos bem. Então adormecia sonhando palavras feias [...].



ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
Uraricoera: o mais extenso rio brasileiro no estado de Roraima, lugar onde teria nascido o personagem Macunaíma.

Tapanhumas: tribo indígena criada por Mário de Andrade, à qual pertenceria Macunaíma. Em tupi, os povos de fora recebiam duas designações: tapuy-


-una-ô
("gente preta") e tapuitinga ("gente branca").

sarapantar: assustar, espantar, atordoar.

jirau: espécie de grade de varas, sobre esteios fixados no chão, que serve de cama.

paxiúba: nome popular de uma palmeira da família das arecáceas.

macuru: balanço suspenso por cordas.
Acervo Iconographia

Samuel Casal/Arquivo da editora



Mário de Andrade
(1893-1945), escritor, professor de música, estudioso do folclore e de outras manifestações populares, foi um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna, que, na São Paulo de 1922, provocou o público do Teatro Municipal ao apresentar novas concepções artísticas. Personalidade de muitos talentos, marcou a produção cultural brasileira do século XX buscando rever e compreender a identidade nacional e valorizar a produção artística de nossa gente.

a) Segundo o texto, Macunaíma é um herói, um representante do povo brasileiro.

Por meio desse personagem, que atitude(s) Mário de Andrade associa ao povo brasileiro? Justifique a resposta com frases ou expressões do texto.

Em sua opinião, que atitudes realmente caracterizam o brasileiro?
b) Explique: qual atitude de Macunaíma jamais seria praticada pelo índio tupi I Juca Pirama? Copie no caderno o trecho que revela essa atitude de Macunaíma.
c) Compare o comportamento de Macunaíma com o dos heróis em geral e sobretudo com os dos indígenas de Alencar e de Gonçalves Dias, conforme vistos aqui. Macunaíma pode ser considerado um herói ou seria um anti-herói? Justifique no caderno.
d) Leia o trecho de uma análise da obra de Mário de Andrade em que se trabalham as intenções do escritor ao criar essa rapsódia:

http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/m00002.htm

Como o próprio Mário declarou, ele teve muitas intenções ao escrever Macunaíma, tratando de diversos problemas brasileiros: a falta de definição de um caráter nacional, a cultura submissa e dividida do Brasil, o descaso para com as nossas tradições, a importação de modelos socioculturais e econômicos, a discriminação linguística, etc. Mas a principal preocupação de Mário de Andrade foi buscar uma identidade cultural brasileira. O Brasil na época não tinha “competência” para desenvolver uma cultura autônoma e toma emprestado modelos europeus, que não se adaptam ao nosso clima quente. A nossa cultura, então, deveria ser distinta das outras e possuir, por outro lado, uma totalidade racial; deveria provir das raízes que aqui havia, das culturas populares existentes nos recantos do país. O Brasil, como entidade cultural, seria construído pela mistura de todas essas culturas (orais) de cada região brasileira. É justamente o que o escritor faz em Macunaíma: compõe a sua rapsódia reunindo lendas, folclores, crendices, costumes, comidas, falares, bichos e plantas de todas as regiões, não se referindo a nenhuma delas, misturando inclusive as diversas manifestações culturais e religiosas, dando assim um aspecto de unidade nacional, que não condiz com a realidade dividida de nossa cultura. [...]

RODRIGUES, Fábio de la Paschoa. Macunaíma e a formação de uma cultura brasileira. Disponível em:


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