Marian keyes



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CAPÍTULO 3
E lá vamos nós para o setor de entrega das bagagens!

Sempre acho isso um verdadeiro suplício.

Entende o que quero dizer?

A ansiedade começa no momento em que chego ao setor de desembarque e fico em pé junto da esteira rolante. É quando me con­venço de que todas as pessoas simpáticas e educadas com as quais partilhei uma viagem aérea transformaram-se em terríveis ladrões de malas. E de que cada uma delas está espiando a esteira rolante com o objetivo expresso de roubar minha bagagem.

Fico próxima da esteira, em pé, com o rosto contraído, suspeitoso. Um olho na portinhola através da qual saem as malas e o outro olho pulando de uma pessoa para outra, tentando fazê-las com­preender que conheço seus truques. Que escolheram a pessoa errada para roubar.

Suponho que melhoraria ligeiramente a situação se eu fosse uma dessas pessoas bem organizadas que de alguma forma dão um jeito de ficar perto da portinhola. Mas, em vez disso, fico sempre na extre­midade mais afastada da esteira, olhando de viés e na ponta dos pés, para tentar ver o que está saindo pela portinhola e, finalmente, quando vejo minha mala surgir, tenho tanto medo que alguém vá roubá-la que não consigo ficar em pé, com paciência, para esperar que a esteira rolante a entregue a mim no devido momento. Em vez disso, corro por toda a extensão do setor das bagagens para pegá-la, antes que outra pessoa o faça. O caso é que, em geral, é impossível romper o cordão apertado dos carrinhos das outras pessoas. Então, minha mala navega serenamente e passa por mim, circulando inúme­ras vezes pela sala antes que eu seja capaz de agarrá-la.

É um pesadelo!

Desta vez, para minha surpresa, consegui garantir para mim um lugar bem próximo da portinhola.

Talvez as pessoas se mostrassem mais simpáticas comigo pelo fato de eu estar carregando um bebê.

Sabia que ela acabaria sendo útil.

Então, fiquei esperando junto da esteira rolante, tentando ser paciente, chocando-me com todas as outras pessoas que tinham aca­bado de sair do avião, sentindo meus joelhos fraquejarem todas as vezes que um companheiro de viagem, com seu carrinho, dava uma pancada assassina na parte de trás dos meus tornozelos.

Fiz contato visual com tantas pessoas quanto possível, esperan­do convencê-las a não roubarem minhas malas. Não é o tipo de con­selho que os criminologistas nos dão? Você sabe do que estou falan­do. Que, se a pessoa for feita refém, deve travar amizade com seu seqüestrador. Olhá-lo nos olhos, para ele perceber que você é um ser humano, tornando, portanto, menos provável que a assassine.

É por aí. Tenho certeza de que sabe o que quero dizer.

Nada aconteceu, durante séculos.

Todos os olhos estavam fixos na portinhola, à espera da primei­ra visão das nossas valises.

Ninguém falava. Ninguém sequer ousava respirar. E então, de repente! O barulho da esteira rolante começando a se movimentar!

Viva!

Só que não era a nossa.



Um anúncio veio pelo alto-falante: "Por favor, os passageiros do vôo EI179, vindo de Londres, sigam para a esteira número quatro, para pegar sua bagagem."

Isto, apesar do fato de que o vídeo acima da esteira dois confiantemente nos garantira, durante os últimos 20 minutos, que a baga­gem logo apareceria ali.

Começou então um louco corre-corre para a esteira quatro. As pessoas empurrando-se e se acotovelando, como se suas vidas depen­dessem disso. E, desta vez, ninguém parecia tão preocupado com a recém-nascida em meus braços.

Como resultado, fiquei no finalzinho mesmo da outra esteira.

E, por algum tempo, eu estive bem.

Até calma.

Tentei parecer determinadamente alegre, enquanto uma a uma as pessoas em torno de mim resgatavam suas malas.

"Ninguém com a cabeça no lugar desejaria roubar algumas malas cheias de roupas de bebê e mamadeiras", disse a mim mesma.

E enchi-me de confiança no pessoal de terra do Aeroporto de Dublin, certa de que não desviariam minhas malas para um vôo a Darwin.

Ou a Marte.

Mas, quando a única coisa que restou na esteira rolante foi um conjunto de tacos de golfe que pareciam estar ali desde o final da década de 70 e haviam passado por mim pela décima quarta vez, e eu e minha filha éramos as únicas criaturas humanas que restavam na sala das bagagens, enquanto algumas aranhas começavam a tecer suas teias em volta de meus sapatos, chegou afinal o momento de cair na real.

"Sabia que me pegariam, um dia", pensei, sentindo-me enjoada. "Era apenas uma questão de tempo. Aposto que foi aquela velha vaca com o rosário. São sempre os caladinhos."

Comecei a correr de um lado para outro, com meu bebê nos bra­ços, procurando freneticamente um funcionário do aeroporto. Afinal, encontrei um pequeno escritório onde havia dois carregado­res com um aspecto mais ou menos jovial.

- Entre, entre - convidou-me um deles, enquanto eu vagueava perdida em frente à porta. - O que podemos fazer pela senhora, nesta bela e úmida tarde irlandesa?

Comecei aos tropeços a contar a história das minhas malas e berço portátil roubados. Estava novamente quase em prantos. Sentia-me tão vitimada.

- Não se preocupe, senhora - garantiu-me um dos funcioná­rios. - Não foram roubados. Estão apenas perdidos. Vou achá-los para a senhora. Tenho uma linha telefônica particular para Santo Antônio.

E, sem dúvida, cerca de cinco minutos depois ele voltou com toda a minha bagagem.

- São suas, querida? - perguntou.

Disse que sim.

- E não vai para Boston?

- Não vou para Boston - garanti, com a voz mais firme que pude arrumar.

- Tem certeza? - perguntou ele, em tom de dúvida.

- Certeza absoluta - jurei.

- Ora, alguém parece ter pensado que ia, mas não tem importância. Agora, pode ir para casa - ele riu.

Agradeci aos dois e saí correndo em direção ao corredor do "Nada a declarar".

Atravessei-o às pressas, com meu carrinho, meu bebê e minha bagagem recuperada. Meu coração disparou, quando um dos fun­cionários da alfândega me fez parar.

- Calma, calma - disse ele. - Onde é o incêndio? Tem alguma coisa a declarar?

- Não, não tenho.

- O que está carregando aí?

- Um bebê.

- O bebê é seu?

- Sim, é meu.

Meu coração quase parou de bater. Eu não dissera a James que partiria. Mas será que ele adivinhara que eu iria para Dublin? Teria dito à polícia que eu seqüestrara nossa filha? Estariam todos os por­tos e aeroportos sob vigilância? Será que tirariam meu bebê de mim? Seria eu deportada?

Estava aterrorizada.

- Então - continuou o homem da alfândega -, a senhora não tem nada a declarar, a não ser os seus genes.* - Gargalhou com vontade.
* "... nada a declarar a não ser os seus genes": Trocadilho com as palavras "genes" e "genius" [genialidade], esta última tendo sido declarada pelo autor irlandês Oscar Wilde (1855-1899) a um oficial aduaneiro norte-americano.
- Ah, sim, essa é muito boa - disse eu, fracamente.

- Um grande espírito, o nosso Mr. Wilde - disse o funcionário alfandegário em tom de quem trava conversa. - Um venerável cavalheiro.

- Ah, mas sem a menor dúvida - concordei. - O senhor me deu um susto terrível - sorri para ele.

Ele assumiu uma postura e uma dicção arrastada de xerife.

- Tudo bem, madame - piscou o olho. - Fazer umas piadinhas é parte do trabalho.

Era bom estar outra vez em casa.




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