6. A Cultura da Destruição
É erro freqüente atribuir as destruições de livros a homens ignorantes, inconscientes de seu ódio. Depois de 12 anos de estudo, concluí que quanto mais culto é um povo ou um homem, mais disposto se mostra a eliminar livros sob pressão de mitos apocalípticos.
Sobram exemplos de filósofos, eruditos e escritores que reivindicam a biblioclastia. René Descartes (1596-1650), seguro de seu método, pediu aos leitores que queimassem os livros antigos. Um homem tão tolerante como o filósofo escocês David Hume não hesitou em exigir a supressão de todos os livros sobre metafísica.
O movimento futurista, em 1910, publicou um manifesto em que preconizava o fim de todas as bibliotecas. Os poetas nadaístas colombianos queimaram exemplares do romance Maria de Jorge Isaacs, em 1967, convencidos de que era necessário destruir o passado literário do país. Vladimir Nabokov, professor das Universidades de Stanford e Harvard, queimou o Quixote no Memorial Hall, diante de mais de seiscentos alunos. Martin Heidegger tirou de sua biblioteca livros de Edmund Husserl para que seus estudantes de filosofia os queimassem em 1933.
Aqui subjaz certamente um ritual, em que se concebe a reiteração de um mito cíclico. Borges, em "O congresso", conto incluído em O Livro de Areia (1975), fez um de seus personagens dizer: "A cada tantos séculos há que se queimar a biblioteca de Alexandria [...]." É disso que se trata: queimar o passado é renovar o presente.
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