Filha e Rival henri ardel



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CAPITULO XXI
Protegida pela sua mascara de serena doçura, sem trair a alegre agitação que com esforço de von­tade reprimia. A Sra. Herblay aguardava em casa, de­pois de longo tempo de separação, a primeira visita da jovem viajante, a neta por quem seu coração an­siava. Ninguém poderia avaliar quão penosa lhe ha­via sido esta espera, a ela que tinha ficado em comple­ta solidão.

Muito pouco, porém poderia agora aproveitar da companhia da neta, pois a Sra. Luciana se mostrara, logo após a chegada de Sílvia, muito apressada de reassumir a posse de seus direitos e autoridade mater­na. Tanto assim que a sogra, que desejava ter mais do que as rápidas visitas que a neta poderia fazer-lhe, acabara por pedir à nora que deixasse Sílvia passar em casa dela os dias que a Sra. Luciana empre­gasse em fazer visitas.

Um tanto atrapalhada, a Sra. Luciana concordara com este desejo da sogra, bem natural, como o tinha reconhecido. Era por isso que a Sra. Herblay escutava atenta­mente quaisquer ruídos que perturbassem o silêncio das ruas desertas. Afinal, ouviu de repente o retinir alegre da campainha e o andar pesado de Amelina dirigindo-se para a porta. Em seguida alegres excla­mações da velha criada:

— Oh, bom Deus! Afinal chegou a nossa queri­da Sílvia! Que bom aspecto o seu! Parece-me que está mais bonita do que no dia em que nos deixou.

A exatidão dessa última exclamação a Sra. Her­blay bem podia avaliar momentos depois, ao notar um pequeno rosto resplandecente de frescura e alegria, que procurava suas carícias. Em seguida a voz poli­da da neta lhe disse:

— Oh, vovó, quanta alegria para mim encontrá-la a sós, para mim que tanto a adoro! Poder, afinal, melhor do que por carta, unir meu coração ao seu! Há muito tempo que não posso fazê-lo.. . Parece-me terem decorrido séculos depois que a deixei!

E Sílvia a estreitou nos braços. Como antes de partir, seu coração pertencia inteiramente à avó. . . Inteiramente ainda?

Agora, as primeiras palavras da avó evocavam-lhe no espírito a imagem dum fino e pálido rosto, de olhos ardentes, voluntariosos e meigos ao mesmo tem­po, que a faziam estremecer de surpreendente felicidade, antes desconhecida para ela da qual estava agora possuída. Comovida, sentia sobre seus cabelos soltos, pois atirava o chapéu ao acaso no tapete, as mesmas agradáveis carícias dos dias passados, enquanto na meiga e cansada voz lhe dizia:

— Agora, minha flor, conte-me tudo o que viu. Por ventura voltou pesarosa a esta velha província? Sei que sua mãe e seus irmãos a esperavam na es­tação, para dar-lhe as boas vindas.

— Sim, e também lá se achava o Sr. tesoureiro, com um ramalhete de perfumadas violetas.

Sílvia deteve-se. Uma sombra de repente lhe ve­lou o radiante esplendor do rosto. A Sra. Herblay, que a fitava atentamente, perguntou-lhe:

— Teria sua mãe ficado zangada por ter você vindo visitar-me hoje, deixando-a sozinha?

— Zangada? E por quê? Ao contrário, tenho a impressão de que mamãe não fica aborrecida por encontrar-se em plena liberdade, como em Paramé, sem ter, como dama de companhia, de levar atrás de si a filha mais velha. Pequeno estorvo para ela, principalmente porque verifico com inquietação a evidente admiração que lhe dedica o Sr. tesoureiro. Na verdade ele a considera como papai outrora, e isso muito me magoa.

E a voz de Sílvia se tornou quase áspera ao acres­centar:

— Sim, sem dúvida que compreendo essa admi­ração. . . Mamãe jamais procurou mostrar-se tão bo­nita! Notei-o assim que a vi na estação, elegantemen­te vestida, as faces delicadamente rosadas. Tinha os olhos brilhantes ao falar toda sorridente ao Sr. tesoureiro que segurava a mão de Claudio enquanto dava o braço a Marta. Assim, davam os ares de uma famí­lia muito unida. E, se não fosse o esforço que fiz para conter-me, teria ridiculamente desatado em soluços em vez de mostrar-me contente por voltar para casa. Tinha a impressão de ver perto de mim o fantasma de papai, vendo e compreendendo. . .

De ímpeto, Sílvia levantou-se trêmula e com os olhos sombrios fixos apaixonadamente o olhar triste da avó, que respondeu com voz pausada:

— Os mortos são mais indulgentes, mais genero­sos do que nós. Você está exagerando, Sílvia. No in­finito, onde seu pai está, não há lugar para os mesqui­nhos ciúmes dá terra. Penso que se o coração de meu filho ainda está vivo, deve sentir-se feliz porque amava sua mãe por ela mesma e por isso se alegra pelo fa­to de sua mãe sentir novamente as alegrias que ele não pode mais proporcionar-lhe.

— Vovó, a senhora pensa que papai não sofre por ver-se substituído tão depressa e facilmente.

Sílvia cerrou os lábios para não deixar escapar as palavras que lhe vinham à boca. Conteve-a a lembrança, ainda muito recente, do drama que vira desen­rolar-se entre Jocelina e a mãe dela. Não podia es­quecer-se dos conselhos de gratidão filial com que sin­ceramente tentara acalmar o desespero de Jocelina. Mas, é muito mais fácil dar conselhos aos outros que os seguir...

— Vovó — perguntou meigamente — a senhora não tem a menor dúvida quanto ao modo com que mamãe acolhe as atenções do Sr. tesoureiro, não?

A Sra. Herblay inclinou a cabeça. O pesar que a dominava parecia aumentar-lhe ainda mais no ros­to os vestígios de uma longa existência de sofrimentos.

— Sua mãe foi muito franca para comigo quando você chegou. Foi melhor assim para todos nós, e por isso lhe fico agradecida.

Desta vez os lábios de Sílvia não puderam reter as palavras irresistíveis que lhe vieram à boca:

— E não teve, ao contrário, a vontade de amal­diçoá-la por ter sido miseravelmente volúvel?

— Cale-se, querida neta, você não deve falar des­sa maneira. Cada um faz o que pode, Sílvia. Sua mãe sofria muito por ver-se sozinha, não podia resig­nar-se a isso, sabendo-se ainda muito sedutora. Mi­nha querida, nós duas continuaremos em nossos co­rações o mesmo culto por seu pai, compensando-o desse esquecimento. Ele não poderia senão alegrar-se por ver sua mãe cortejada por um homem elegan­te, de fina educação e magnífica posição, que lhe ofe­rece seu afeto, seu devotamento e proteção para ela e seus filhos...

“E que, além do mais, é muito rico”, completou a moça mentalmente. Esta reflexão seus lábios cerra­dos não deixaram escapar. Sua indignação fora do­minada pela brandura da avó. Apenas disse:

— Para Marta e Cláudio essa proteção pode ser preciosa. Quanto a mim, não necessito dela.

— Sim, porque você tem Noel, bem o sei.

— A senhora sabe vovó? Quem lhe contou? — Estas palavras lhe escaparam do coração como um brado de arrebatadora alegria. Com as mãos unidas repetiu:

— Quem lhe contou vovó? Foi à madrinha?

— Você acha que, por estar longe, eu não sa­bia o que se passava no coração de minha querida ne­ta? Pensa que me tivesse tornado incapaz de adivi­nhar o que não me contava? Ademais, é verdade, sua madrinha bem previu o que ia suceder. A Sra. Daubert chegou mesmo a falar com ela a seu respeito...

— Oh, vovó! E a senhora não ficou aborrecida?

— Aborrecida por quê?

— Por ter eu procedido tão loucamente, ter-me deixado conquistar, quando me julgava forte, certa de minha firmeza e independência, por tanto tempo quanto desejasse...

A Sra, Herblay sorriu e depois respondeu com leve ponta de ironia:

— Você era muito orgulhosa, minha flor, e o céu se encarregou de provar-lhe que quem ama o perigo vem a ser a vítima dele.

— Vovó, eu não sabia quanto esse perigo é atra­ente e como é delicioso ser-se vencido por ele. Era a primeira vez, por isso perdi logo a cabeça. O Sr. Cura foi, inconscientemente, com a sua festa de caridade, o único culpado de nossa aproximação. Também, sem refletir, eu e Noel fomos imprudentes. Entretanto, para que ele destruísse a barreira que nos separava, foi ne­cessário o ato de loucura de Jocelina.

— Sim, sim, compreendo. Agora, querida neta, conte-me tudo. Recebeu notícias de Noel depois que se separaram?

A moça moveu negativamente a cabeça, enquan­to uma aura de fé divina lhe iluminava o rosto.

— Como lhe pedi, Noel somente escreverá à se­nhora depois que tiver voltado à Paris. Depois virá dizer-lhe que obteve o consentimento do pai e também da mãe — este último facílimo de conseguir. E dirá o que ele mesmo resolveu de livre vontade, depois de nossa separação... Não fiz bem em proceder assim, por causa da imensa fortuna que ele possui?

— Sem dúvida, e eu também teria feito o mesmo.

— Se a senhora me aprova, é porque procedi bem.

Reinou pequeno silêncio que afinal foi quebrado pela Sra. Herblay:

— E se Noel não escrever? — perguntou.

Sílvia não respondeu de pronto. Um estreme­cimento a sacudiu toda. Depois respondeu com voz grave e bem ligeiramente trêmula:

— Verificarei então quanto me havia enganado confiando nele. E espero que minha decepção seja tão cruel que me torne capaz de aceitar...

— Afinal — interrompeu-a a Sra. Herblay contemplando-Ihe o rosto ardente e altivo — Diga-me uma coi­sa: você deseja casar-se com Noel?

— Sim — respondeu Sílvia com a mesma gravida­de com que fora formulada a pergunta.

— Você, refletiu bem depois que as circunstâncias os separaram? Compreende que futuro cheio de peri­gos vai ser o seu? Eu, uma velha mulher tornada cética pela experiência, me pergunto se nesse casa­mento você encontrará a felicidade que espera achar.

— Por que não, vovó? Por quê?

— Por quê? Por que Noel vive num meio em que é difícil conservar a felicidade quando alguém a consegue encontrar.

Leve sorriso zombeteiro assomou aos lábios da moça.

— É verdade, vovó, a felicidade é uma, coisa pas­sageira, como eu mesma cantei. É um débil guia contra o qual sopram todos os ventos.

— Também você os sentirá soprar — observou a Sra. Herblay.

Sílvia ergueu os ombros despreocupadamente.

— Que importa isso? É verdade que vamos vi­ver num mundo cheio de perigos, de tentações. Sei quanto Noel é terrivelmente sedutor, que se encontrará com muitas mulheres que se esforçarão por arreba­tá-lo de mim. Reconheço que ele é tão fraco quanto os outros, do que, aliás, Noel mesmo me avisou leal­mente. Além disso, notei sua conduta em Bex com respeito à Marise. E ele encontrará muitas outras Marises. É verdade que para defender, para guardar meu tesouro, nosso amor, me será necessário renun­ciar à minha própria tranqüilidade, que deverei amar Noel mesmo na minha inquietação, com o propósito firme de ser suficientemente forte para reter junto a mim. Sinto-me orgulhosa só ao pensar que serei ca­paz de vencer os perigos de todos os dias, os perigos de todos os instantes... Entretanto, deverei ser muito corajosa, se não imprudente, uma vez que o exemplo da madrinha não me infunde medo. Reconheço que toda a felicidade tem um preço, e que devemos pa­gá-lo. Aceito essa luta, como também aceitarei o possível suplício de minha derrota, porque amo a Noel!

— Oh, minha louquinha! — exclamou a Sra. Her­blay que sentia o calor dessas palavras ardentes nas­cidas da própria alma de Sílvia. No entanto, acrescentou:

— Muitos outros rapazes poderiam proporcionar-lhe o que você deseja.

— Esses, jamais os encontrei. Os daqui são pru­dentes, calmos, ajuizados, são no demais, para mi­nha pequena sabedoria. Seria incapaz de dar-lhes o que desejariam de mim. Aborrecem-me! E eu não poderia torná-los felizes. . . Devemos evitar que ou­tros venham a sofrer quando conhecemos que isso virá a suceder. Não é de minha opinião, vovó?

— Sim, minha neta. Peço-lhe todavia que me ouça por um instante. Durante estes últimos meses, enquanto você se encontrava longe, alimentei a es­perança de que Felipe descobrisse afinal um meio de provar-lhe quanto vale e, assim, pudesse conservá-la junto de nós para sempre...

— Vovó, Felipe não é para mim mais do que um velho e querido companheiro de infância, a quem te­nho muita estima. Não o amo, porém. Quando es­tou ao lado de Noel, Felipe deixa de existir para mim, apesar de reconhecer todas as suas ótimas qualida­des que talvez Noel não possua. Acaso sabemos por que amamos? O vento sopra como bem lhe parece e move à sua vontade mesmo as pedras mais firme­mente protegidas pela razão. É para mim muito de­sagradável não dar o sim que a senhora deseja. Não o posso, vovó, apesar da necessidade que sempre sen­tirei da sua companhia...

A comoção embargou a voz de Sílvia. Do mais íntimo do seu ser, clamava uma abominável verdade que sua boca devia calar. Por mais ardente que fosse sua afeição pela avó, descobria agora essa verdade que a revoltava, a indignava. . . Tinha um irresistível desejo de atender ao chamado de Noel e, para fazê-lo, não hesitaria em magoar um coração que lhe era muito querido.

Tal é a lei que dirige tiranicamente os jovens. Amedrontava a Sílvia a idéia de que a avó pudesse ler o pensamento, temia o olhar penetrante com que ela a envolvia.

Todavia, em seu infinito desprendimento, a anciã unicamente pensava nela. Conhecia muito bem os pe­rigos que aguardavam, na nova existência que dese­java viver, aquela jovem de arrebatadora beleza que o amor iria desabrochar plenamente, jovem ávida de viver intensamente desejosa de provar os frutos que lhe tentassem a alma e o cérebro, mesmo que depois viesse a sofrer por causa disso. Sua neta era assim e era preciso aceitá-la como a natureza a fizera. Talvez ela e ele, um por causa do outro, se torturassem che­gando mesmo a maldizer o dia em que se casaram. Isto, porém, pertencia ao futuro, contra o qual de na­da valiam a previdência e a sabedoria humanas. Ne­cessitava aceitar este porvir desconhecido cuja som­bra se estendia sobre o coração da anciã, sem, entre­tanto amedrontar a audaz confiança da neta, a quem coisa algum fazia recuar.

A voz desta quebrou o silêncio que reinava ha­via alguns instantes. Sílvia disse:

— Parece-me que tenho razão para aceitar, sem a menor hesitação, tão incerto futuro. Seria covardia de minha parte repeli-lo quando ele se me oferece, apenas pelo receio de vir a sofrer.

A Sra. Herblay inclinou a cabeça.

— Você tem razão, Sílvia. Uma vez que tem co­ragem, seja destemida na vida, aceite-a com os seus perigos, tal como a escolheu.

No fim daquela mesma tarde, recebia a Sra. Her­blay uma carta com endereço traçado com letra masculina desconhecida para ela. Abriu-a imediatamen­te, com dedos trêmulos.
Prezada Sra. Herblay.

Pode conceder-me a honra de receber-me assim que lhe for possível. Desejo que a senhora me conheça, a senhora de quem Sílvia tanto me tem falado que julgo — perdoe-me o atrevimento — ter o direito de também chamar vovó. Dá-me permissão para ir, antes que papai mesmo o faça, pedir-lhe que me confie o futuro e a felicidade de sua Sílvia?

Com o máximo respeito, peço-lhe encarecidamente.
A Sra. Herblay leu e releu a carta, depois a deixou cair nos joelhos.

Seu coração, tantas vezes ferido pelas adversidades da vida, batia em ritmo descompassado, Tinha chegado para ela, e muito depressa, novo momento de sacrifício. Sentiu sobre si, como rajada de vento, o complexo sentimento da alegria que a neta iria ter — a neta a quem considerava como tesouro inapreciável — ao mesmo tempo em que a invadia a dolorosa consciência de que ela lhe fugiria para sempre. Sua expe­riência a fazia ler-lhe no coração de vinte anos como um livro aberto.

E devia ser assim mesmo! A sra Herblay tam­bém sofreria se sucedesse diversamente. No âmago de sua alma, todavia, sentia perder para sempre a ne­ta querida, único conforto de sua vida solitária, e que agora lhe era arrebatada para sempre, que iria viver longe dela, enlevada pelo seu amor.

No entanto isto lhe era doloroso! O sorriso da ne­ta não mais viria reconfortá-la como antes, ajudá-la a suportar a monotonia dos seus dias sempre iguais, demasiado longos de suportar. Teve rápida visão dos cruéis dias de solidão que a aguardavam... Felizmente para Sílvia, não queria revelar-lhe a nova feri­da de seu coração que por tantas vezes já fora atin­gido. Seu único conforto era apelar para Deus, implorando-lhe que tivesse piedade dela. Baixinho, murmurou as sagradas palavras de que se lembrava:

— Ficai comigo, Senhor! Não me resta senão Vós!

De súbito, interrompendo-a, uma voz a fez estre­mecer, trazendo-a para a realidade. Era Amelina, a velha criada.

— Oh, minha senhora, nessa escuridão? Vou já acender as lâmpadas.

A Sra. Herblay respondeu pausadamente, procu­rando mostrar-se calma:

Estava fatigada, o silêncio e a escuridão me fazem bem... Logo mais você verá acender as lâm­padas.
CAPÍTULO XXII
— Vovó, aqui está Noel! — exclamou Sílvia triunfante, seu rosto parecia iluminado pela chama irradiada pelo azul dos olhos.

— Seja bem vindo nesta casa — disse a Sra. Herblay com voz sumida.

Seu olhar que já refletia inúmeros pesares, diri­giu-se para os dois jovens que se aproximavam da poltrona onde ela estava sentada, deteve-se, afinal, em Noel. Por alguns segundos seus olhares se confun­diram. Depois, curvando-se, Noel beijou a mão já enrugada da velha senhora, na qual se via, além da aliança, um anel que fora seu presente de noivado e do qual jamais se separava.

Um sorriso bondoso iluminava o rosto da Sra. Herblay enquanto dizia:

— Então, deseja mesmo roubar-me a minha que­rida neta, Sr. Noel?

— Venho pedir-lhe que me confie, pela felicida­de dela, pela nossa felicidade — corrigiu Noel docemen­te. Tenho tanta confiança em que assim sucederá, que é impossível, vovó...

A velha senhora estremeceu a este tratamento fa­miliar que lhe pareceu uma apaixonada tomada de posse.

— ... Que não sejamos felizes — completou o rapaz.

— Isso, meu caro, depende de ambos. Sílvia quer deixar-nos a sós por uns instantes, conversando de co­ração para coração, a fim de que nos possamos co­nhecer melhor? Vá ao jardim colher as flores que lhe pedi. Prometo mandar Noel procurá-la o mais depres­sa possível.

Sílvia depôs um delicado beijo na mão que des­cansava sobre o vestido preto e saiu logo em seguida. Noel a viu encaminhar-se para o jardim batido pelos raios de um tépido sol de outono. Teve ligeiro sobres­salto ao ouvir a voz fatigada da anciã que prosseguia:

— Sr. Noel, não receia a responsabilidade que toma sobre os ombros ao levar, para torná-la feliz, esta jovem pronta a segui-lo, toda confiança e amor? Compromete-se dar a ela tanto quanto ela lhe dará?

— Toda a minha vontade e meu único desejo é viver com este propósito — posso afirmá-lo com a maior sinceridade. Reconheço minha fraqueza — a fraqueza da maior parte dos homens, aliás, já a con­fessei a Sílvia. Entretanto, com o auxílio dela e con­fiante na minha lealdade, no meu firme desejo de não decepcionar a ela e à senhora que me confia, creio que posso ousar pedi-la em casamento.

— Sim, eu lhe confio a minha querida Sílvia, única de minha vida. Daqui por diante, ela apenas poderá contar com a sua proteção, porque, de pouco lhe valerá meu afeto...

Sinceramente indignado, Noel protestou, compreendendo o que significava a melancólica entonação que a Sra. Herblay dera à voz.

— Não fale assim, vovó! É injustiça de sua parte. Conhece bem o coração dela para pensar que Silva, com o nosso casamento, venha a ficar afastada da senhora. Ela é incapaz de esquecer a sincera afeição que lhe dedica.

— Esquecer, isso ela não o fará. O senhor tem razão: conheço-a muito bem. Por isso mesmo sei que Sílvia é daquelas que se entregarão inteiramente seu amor e sofrerão cruelmente ao vê-lo findar uma decepção. E o senhor o sabe melhor do que uma velha como eu. É por confiar no senhor que a entrego, como o desejam, aceitando todos os dois, riscos que podem correr porque, afinal, esses riscos constituem a vida, boa ou má, conforme a fizermos por nossa vontade.

A Sra. Herblay deteve-se um instante, pensativa, depois, concluiu com leve sorriso:

— Por ora, meu caro, está terminado o meu ser­mão. Peço-lhe que me perdoe... Como sabe, as pessoas de idade não resistem à tentação de dar conselhos aos jovens tendo em vista a própria felicidade deles. Vá procurar Sílvia.

E seus olhos fitaram profundamente o jovem rosto voluntarioso, ardente e leal, cujas pupilas a fixaram de frente.

No jardim, Sílvia caminhava lentamente, com a cabeça inclinada e tendo no regaço as flores que a avó lhe pedira. Sem dúvida ouviu os passos do rapaz soarem na areia porque parou de repente, sem mesmo notar que as flores escorregavam, como chuva, da dobra do vestido.

Noel se dirigia para Sílvia e esta o via adiantar-se com os lábios sorridentes. Os fortes braços do mo­ço a cingiram estreitamente. Depois, ele se inclinou e sua boca procurou sofregamente a boca que se lhe abandonava...

As flores acabaram de cair no chão, onde a leve brisa lhes agitava as pétalas.

Dentro de casa, as pálpebras da Sra. Herblay lhe velaram o olhar com que comovidamente os abençoa­va, enquanto a dilacerava o pensamento de um fim, semelhante à morte, que aceitara pela felicidade da neta.

Para que se rebelar contra uma renúncia impos­ta e fatal?



Assim tinha soprado o vento!...


Fim!





1 Vestimenta leve que as mulheres usam em casa.

2 Salão nos teatros onde as pessoas podem reunir-se nos intervalos do espetáculo


3 Senhora, geralmente de idade, que acompanha moça solteira, vigiando-a ao mesmo tempo.


4 Indivíduo que galanteia uma senhora com insistência inoportuna.


5 Castanho-avermelho


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