Práticas Discursivas ao Olhar Notas sobre a vidência e a cegueira na formação do pedagogo


Conclusões preliminares: a fotografia nas práticas escolares



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Conclusões preliminares: a fotografia nas práticas escolares

Todos vemos da mesma forma? O homem pré histórico teria o mesmo "olhar" que outro, nascido no século XXI? quando a criança começa a "ver"? Muitas são as perguntas quando deslocamos a imagem do senso comum para o campo da gnose e cognição, estabelecendo relações possíveis entre o pensamento, a linguagem e as imagens.

Importa afirmar que, no âmbito clínico, fisiológico, do aparelho ocular e neurológico, temos todos as mesmas possibilidades de "ver". O aparelho visual humano não nasce "pronto" e como profissionais da educação, utilizando o recurso à visualidade de forma intensiva entre nossos alunos, devemos ter claro que a visão precisa desenvolver-se até sua plenitude em média, aos cinco anos. Exercícios de fixação, apreensão, cor, associação com outras expressões sensoriais (odor, tato, audição) ajudam ao seu desenvolvimento e a detectar indícios de seqüelas.

Apenas gradualmente o cérebro humano dá sentido, organiza o mundo visual, significando o que vê, aprimorando a capacidade de identificação das coisas vistas. Apenas gradualmente, na primeira infância, a criança começa a ver propriamente, significando socialmente aquilo que divisa e que

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deve associar anomes, a sons articulados em linguagens, a sabores, a odores. Somente em torno dos cinco anos uma criança pode dizer na plenitude física, "eu vejo"! Mas, ainda um longo caminho de aprendizado estará iniciando-se, de forma a culturalmente significar e organizar o visível como sentido.

Quando falamos de uma Pedagogia do Olhar, entendemos o "olhar" como gnose, na qual estão presentes como expressão de nossa epistéme aforma como socialmente construímos nossos sentimentos e experiências de mundo. Agnose é apostura de uma sociedade frente ao mundo enquanto modos de saber necessários para atuar, intervir, transformar. O que "vemos", portanto, resulta de um processo confluente, fisiológico e gnoseológico, que atravessa cada sociedade em condições históricas sempre determinadas.

Diferente do "ver" como condição apenas fisiológica, "olhar" implica "dar sentido", "significar", interagir o ver como ato cognitivo no "abraço" do sentimento, do afeto, das emoções. É por isso que muitas vezes guardamos cenas de nossas vidas por décadas, pela força de suas atmosferas. O ato de "ver" no homem implica significar e visualizar seletivamente a partir da cognição e da emoção.

O critério de seleção das imagens é simultaneamente individual e social pois o que cada indivíduo firma como significativo está associado ao que é educado pela sociedade para "ver". A primazia do coletivo definindo o que pode ser visualizável implica a existência de uma "comunidade de sentido" que legitima ou interdita nosso olhar e "campos discursivos" onde as imagens organizam-se tornando o "visível" "dizível" e onde cada imagem enreda-se com outras organizando a possibilidade de constituição de linguagens não verbais, de natureza imagética.

Nosso esforço, como interessados empensar as imagens como discurso, prática educativa, cognição, subjetividade, implica em construirmos metodologias que nos permitam rastrear o percurso de produção das imagens e a construção de seus significados, envolvendo necessariamente a memória e a história. Recuperar a dimensão da fotografia, convidando nossos alunos a pensarem a experiência social da fotografia a partir do cotidiano, de seu cotidiano, é um desafio que talvez possa ser vencido se "sacarmos" nossas carteiras e termos olhos para vermos nas fotografias que brotarem o fio de uma meada, rede e enredo de muitos saberes.

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Bibliografia

ANDRADE, Carlos Drummond. Retrato. In: Antologia.

AUMONT, Jacques. A Imagem. São Paulo, Campinas, Ed. Papirus, 1993.

BARROS, Armando Martins de. "O tempo da fotografia no espaço da história: poesia, monumento ou documento?" In: NUNES, Clarice (org.). O Passado sempre presente. São Paulo: Ed. Cortez, 1992 (69:83).

DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico e outros ensaios. São Paulo, Campinas: Ed. Papirus, 1994.

JOINT, Spike Lee. Filme "Faça a coisa certa" (Do the right thing). duração 120 min., 1989, distribuição em vídeo CIC Vídeo Ltda. „

LOPES, Paulo. Depoimento no filme "Janela da Alma", 2002.

MEIRELLES, Cecília. Retratos.

PANTOJA, "Brasil Legal". Programa: Fotografias. Rede Globo de Televisão.

SACKS, Oliver. Depoimento no filme "Janela da Alma".

SCOTT, Ridiey. Filme "Blade Runner: o caçador de andróides". Roteiro de Hampton Fancler e David Peoples. EUA, 1982.

VERÍSSIMO, "Um feijãozinho.". Jornal O GLOBO, Primeiro Caderno, 6 de julho de 2002.

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Atividades Complementares

Filme: Faça a coisa certa

Título Original: Do the right thing. Direção: spike Lee Joint. Trilha Musical: Bill Lee. Direção de Fotografia: Ernest Dickerson. Duração: 120 minutos. Estados Unidos, 1989. Distribuição CIC Vídeo Ltda.

Sinopse: Drama. Brooklin. A ação desenrola-se junto ao restaurante "SaTs Famous Pizzerie", propriedade de uma família de descendentes de italianos. Durante anos, seu proprietário vende pizzas para a comunidade negra que freqüenta seu estabelecimento. Seus filhos, à medida que crescem, resistem a trabalhar no local e depender da clientela negra. Em dado momento, clientes questionam o fato de que, em uma das paredes, decorando a pizzaria, existem fotos de grandes personagens brancas, ítalo-americanas sem que existam imagens de políticos ou esportistas afro-americanos. Do questionamento dessa ausência surge a tensão dramática que movimenta o filme.

Filme: Blade Runner: O caçador de andróides

Direção de Ridley Scott. Roteiro de Hampton Fancler e David Peoples. A partir do romance "Do Androids Drean of elétric Cheep?", de Philipp Kedice. fotografia de Jordan Croenweth. Música Vengelis. Com Harrison Ford, Rutger Hauer, Sean Youg, Darly Hannah, Eduwar Jamis Olmos. EUA, 1982.

Sinopse: a ação se passa numa Los Angeles futurista, onde a companhia que fabrica "replicantes" tem sua matriz. Quatro replicantes precisam ser desativados mas fogem, buscando se manterem vivos por desejarem uma vida "humana". O detetive Rick Deckard (com Harrison Ford) é chamado para encontrá-los, com o apoio de uma outra replicante, Rachel (com Sean Young).

Os replicantes, para buscarem um sentido "humano" para sua existência, roubam fotografias de álbuns de família, no intuito de simbolicamente transferirem para si uma memória e identidade. As fotografias assim lhes serviam de "passaporte" para um passado que os autorizasse a sentirem-se mais humanos. Na seqüência final do filme, quando o líder dos replicantes

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está morrendo e salva a vida do detetive. Ele observa sua dor de Ter "vivido" uma vida que não o livrou do esquecimento por não deixar herdeiros ou obras que permanecessem como testemunhas de sua existência: "todos esses momentos vão ficar perdidos como lágrimas na chuva". Na última tomada do filme, quando o detetive retorna à matriz, apresenta-se seus pensamentos em ojf. "Não sei porquê ele salvou-me. Talvez no fim, ele o replicante que o salvou antes de morrer amasse a vida mais do que nunca. Ele só queria as respostas para as mesmas perguntas, que todos queremos: de onde eu vim? Para onde eu vou? quanto tempo eu tenho?"



Para Carlos Eduardo Silva, essas perguntas são feitas pelos homens em todas as eras, da Antigüidade à Pós-modernidade:

A história no filme Blade Runner (uma expressão criada pelo romancista americano Willian Burroughs e que significa literalmente o que corre sobre a lâmina ou quem vive sobre o fio da navalha) é quanto a um policial futurista. No ano de2019, um grupo de andróides, feitos à semelhança do ser humano, mais fortes e resistentes e tão inteligentes quanto ele, mas desprovidos de emoções, escapa de suas obrigações interplanetárias e chega à terra com o objetivo de obter mais tempo de vida do que os quatro anos para os quais foram criados.12

Blade Runner é representativo do espírito dos anos 80, quando trata da questão da temporalidade. A concepção de história, de tempo, de passado, no filme, é típica do pós-modernismo, conforme Jean Baudrillard a define:vertigem esquizofrênica A temporalidade pós-modernista é fragmentada. Os replicantes não tem passado e têm um futuro pré-determinado e curto. A vida é s óo presente para eles.

Ainda assim, essa vida, vivida só no presente, é para os replicantes uma experiência extremamente intensa, já que ela não é percebida como parte de um conjunto maior de experiências. Os replicantes representam a si próprios como uma vela que se queima mais depressa mas também de maneira mais brilhante e reivindicam ter visto mais coisas com seus olhos no limitado tempo que têm do que qualquer outra pessoa seria capaz de imaginar."

Informação complementar: O diretor de Blade Runner foi também diretor das obras "Carruagens de Fogo", "Os duelistas" (1977), "Alien, o oitavo passageiro" (1979), "ALenda" (1985), "Perigo naNoite" (1987), "ChuvaNegra" (1989).

Notas de rodapé:

12. SILVA, Carlos Eduardo Lins. IN: LABAH, Amir (org). O cinema nos anos oitenta. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1991, p.51

13.SILVA,op.dt.,p.53.

Fim das notas de rodapé.

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Texto Complementar: Retratos

Cecília Meirelles

Não há quem não se espante, quando mostro o retrato desta sala, que o dia inteiro está mirando, e à meia-noite em ponto fala.

Na outra noite me disse: "A morte leva a gente. Mas os retratos são de natureza mais forte, além de serem mais exatos".

Quem tiver tentado destruí-los, por mais que os reduza a pedaços, encontra os seus olhos tranqüilos mesmo rotos, sobre os seus passos.

Minha família anda longe, com trajes de circunstância; Minha família anda longe, - na Terra, na Lua, em Marte - uns dançando pelos ares.

Tão longe minha família! tão dividida em pedaços! Um pedaço em cada parte. Pelas esquinas do tempo.

Pelas esquinas do tempo, brincam meus irmãos antigos: Seus vultos de labareda rompem-se como retratos feitos de papel de seda.



Oficina: Fotografias em Carteira

Pedir aos alunos para reunirem-se em grupos e disporem em uma seqüência de carteiras as fotos que tem na carteira. Sistematizar as fotos por grupos de ligação: amigas, namoradas, parentes (pai, mãe, irmãos, tias), alunos.

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Pedir que justifiquem o motivo para terem as fotos na carteira. Estabelecer uma ligação, uma síntese precária, por grupo, para a existência das fotos na carteira.



Pedir que exponham as conclusões dessa investigação no grupo maior, na última parte da oficina, quando o professor reúne as conclusões por grupo com as principais idéias do texto base.

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Notas para uma História do Olhar:

Confluências entre a Pintura e a Fotografia

Armando Martins de Barros

Apintura deve desafiar o espectador, e o espectador, surpreendido, deve ir ao encontro dela como se entrasse em uma conversa.

(Roger de Piles, 1676)"



Quando a luz surge da sombra e das caixas de sapato

Você, meu leitor, em algum momento de sua infância brincou de teatro de sombras? Lembro-me quando, ainda guri na escola, participava ou assistia fascinado coleguinhas apresentarem-se atrás de lençóis, iluminados pelaluz ou de uma vela ou de uma lanterna. Naqueles momentos minha imaginação tornava-se imaginante, dissociando as sombras dos "atores" para pensá-las autônomas, personagens libertos. Essas lembranças sempre estão associadas em minha memória a outras, já adolescente, quando construía nas aulas de Ciências as câmeras escuras para estudo da ótica e da luz.

Como trabalho escolar, as câmeras eram feitas de caixas obtidas em sapatarias. Na sala de aula, eram todas vedadas, pintadas internamente de preto e, numa das laterais, aberto um pequeno furo, do tamanho da cabeça de um prego. Ao centro da caixa, inseríamos na vertical umaparede de papel de seda, colada nas laterais. Na outra extremidade da caixa, abríamos uma janela para observarmos a projeção da luz sobre o papel seda existente ao centro. Lembro-me até hoje de meu assombro ao aproximar meu olho e visualizar a imagem projetada na seda: no interior da caixa surgia, ao inverso, as imagens do mundo! A professora explicava que a luz projetava-se pelo orifício e carregava com ela os objetos refletidos. No recreio do dia, brincávamos com a experiência como umbrinquedo diferente, a fantasia da máquina fotográfica que não possuía.

Nota de rodapé:

14. In: MENGUEL, Alberto. Lendo imagens: uma história de amore ódio. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

Fim da nota de rodapé.

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Alguns anos depois, em cursos de arte, descobri que os pintores renascentistas utilizaram-se de caixa semelhantes para visualizar a forma que seus quadros naturalistas teriam, definindo as figuras a serem desenhadas a partir do jogo de sombras projetadas no interior das caixas. Tempos depois, em cursos de fotografia, novamente surpreendi-me quando percebi um surpreendente diálogo entre pintores e fotógrafos: as orientações de composição, de planos, de disposição da luz originavam-se dos grandes mestres da pintura dos séculos XV e XVI.

Essas experiências impregnaram-me de tal forma que, hoje, considero no âmbito da educação duas possibilidades que muito me agradam: primeiro, de que o estímulo ao tratamento das imagens pictóricas e fotográficas, compreendidas como linguagens devem iniciar-se na infância, favorecendo a subjetividade e a sociabilidade; segundo, que a fotografia muito deve à pintura pois foram tecnologias utilizadas em sua produção que permitiram não apenas o desenvolvimento posterior da fotografia, como reuniram os modos de fazer aos modos de saber, dando a direção para uma educação do olhar no Renascimento, projetando a forma tridimensional no bidimensional.

O presente texto propõe a identificar uma educação do olhar hegemônica nos últimos cinco séculos na cultura ocidental e, para tanto, articula o processo fotográfico originado em 1839 com a representação denominada de perspectiva matemática ou artificial, elaborada por grandes pintores e arquitetos europeus no século XV, período conhecido como Renascença.


  1. O oculocentrismo na cultura ocidental

Para Maurício Lissovisky, a cultura ocidental formou-se sob um oculocentrismo, considerando a visualidade como fonte básica de conhecimento. Sua origem remonta à Grécia pré socrática onde o "ver" encontrava-se associado à verdade. Essa ênfase é rompida com a emergência da filosofia socrática, idealista: a realidade fundada no sensorial perde sua vitalidade e o filósofo enfatiza a contemplação pois a verdade encontraria-se para além do mundo visível.

Filósofo socrático, Platão elabora com a Alegoria da Caverna o entendimento de que as percepções sensoriais (como a visão), remetem a um mundo de sombras. Sua contribuição difunde-se no mundo romano enfatizando um universo inteligível em detrimento da materialidade, do corpo e do visível.

Com o cristianismo, o patrimônio socrático sofre novo impulso e os escritos dos apóstolos enfatizaram no Novo Testamento uma interpretação

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iconoclasta, condenando o mundo das imagens, da visualidade e do corpo.15 O cristianismo, como religião hegemônica com a conversão dos últimos imperadores romanos, inicia a alta Idade Média, estabelecendo o primado da iconoclastia e interditando a difusão mais ampla das imagens.

  1. As Imagens no Mundo Medieval

Somente no séculoVIII, no Concilio de Nicéia (707), ocorre uma reorientação aceitando-se o uso da pintura e da escultura como instrumentos de conversão e catequese. Aprovada pelos doutos da Igreja, a pintura com motivos sacros voltou-se à evangelização e ignorou temas cotidianos. Exemplar dessa prática é o sermão do dominicano Michele de Carcano, de 1492, onde torna claras as diretrizes da educação quanto ao uso de imagens na conversão ou doutrinação das populações cristianizadas: as imagens das virgens e dos santos foram introduzidas por três razões. Primeiramente, por causa da ignorância das pessoas simples, pois todas aquelas que não são capazes de ler as escrituras podem contudo aprender observando as imagens, os sacramentos de nossa salvação e nossa fé.

Uma coisa é adorar uma imagem, e bem outra é aprender, a partir de uma história narrada por imagens, aquilo que se deve adorar. Porque através das imagens mesmo os iletrados podem ver qual exemplo a seguir; por meio de uma imagem, mesmo aqueles que não conhecem o alfabeto podem ler. São Gregório, o grande, endereçou isto ao bispo de Marselha. Segundo, as imagens foram introduzidas em virtude de nossa apatia emocional, pois nossos sentimentos são estimulados pelas coisas vistas mais do que ouvidas.

Terceiro, eram introduzidas devido à precariedade de nossa memória. As imagens eram introduzidas porque muitas pessoas não conseguem reter o que ouvem, mas se recordam quando vêem.16

A retomada da pintura no espaço do sagrado não alterou a organização interna das imagens nas quais conviviam formas de perspectiva diferentes. Por um lado, nos mosteiros e conventos, era possível encontrar-se a "perspectiva angular", caracterizada pelo desconhecimento do "ponto de fuga único". Na perspectiva angular, cada objeto figurado no espaço da pintura tinha a sua própria projeção, condicionada pela importância subjetiva dada pelo artista na relação com as demais.



Notas de rodapé:

15. Debray recupera as cartas dos apóstolos defendendo a tese: "vivem confusos aqueles que adoram imagens"(SP, 96,7); "maldito o homem que faz uma imagem esculpida" (DT, 7,25). DEBRAY, Regis. Morte eVida da Imagem. Rio de janeiro, Editora Paz e Terra, 1993, p. 77.

16. MICHELE DE CARCANO, apud BAXANDAL. O olhar renascentista. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991,p.49-50.

Fim das notas de rodapé.

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Por outro lado, estava igualmente presente a "perspectiva inversa", marcada pela redução das medidas do primeiro plano e aumento das do fundo. A perspectiva inversa ordena a representação pelo ponto de vista dos observadores colocados ao fundo da imagem, tendo em geral o autor presente na cena. Com a perspectiva angular e inversa convivia ainda a "perspectiva curvilínea", caracterizada por uma geometria não euclidiana, projetando o espaço tridimensional na curva e não no plano.17

No contexto da baixa Idade Média, na emergência de reformas religiosas como o Calvinismo e o Luteranisno, os artistas nas áreas reformadas foram impedidos de produzirem imagens sacras, proibidas nos templos e nos espaços do sagrado. Articulada a essa determinação, ocorre uma ruptura nas formas de produção da existência, rompendo-se com o trabalho servil pela superação do modo de produção feudal.

O novo quadro favoreceu a constituição de um novo universo mental, estimulando novas formas de percepção e de produção do conhecimento. Com isso, ocorre nessas áreas o avanço davisualidade como expressão das novas exigências de acumulação e de novas formas de contemplação, estética, surgindo na pintura novos suportes, temas e motivos envolvendo a natureza, o cotidiano dos homens e as relações presentes no mundo do trabalho, com grande detalhamento pictórico. Assim, a passagem do medievalismo para a era moderna implicou na reorganização do visível e o olhar europeu teve seu paradigma alterado por uma nova gnose.

3. Uma nova educação do olhar: a ruptura Renascentista

O Renascimento expõe uma nova correlação entre diferentes grupos sociais, especialmente a emergência daquela que foi a agente das principais transformações na direção do capitalismo mercantil: a burguesia18 Com a expansão dos mercados, para além da Europa, e as exigências de novos saberes que mediassem a exploração de novos continentes, o conhecimento até então estabilizado na tradição da interpretação teológica, sofreu uma ruptura nos novos paradigmas que se projetaram na organização da visualidade:



Notas de rodapé:

17. OLIVEIRA JR„ OLIVEIRA JR. Antônio. Do reflexo à mediação. Um estudo da expressão fotográfica e da obra de Augusto Malta. Campinas, Universidade Estadual de Campinas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós Graduação em Multimeios, 1994. p. 19.

18. ParaAntônio Oliveira Jr., a burguesia passa adar uma direção histórica, construindo o cenário do saber pictórico:" sua história, enquanto processo figurativo, expressa também uma forma de compreensão do processo de objetivação do homem e da sua experiência, além de corresponder à maneira pela qual uma classe social via o mundo e ideologizava hegemonicamente a realidade". OLIVEIRA JR. op. cit.

Fim das notas de rodapé.

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Kepler e Galileu exploraram novas possibilidades de percepção do universo e das relações do humano no cosmos; Bárbaro cria novas tecnologias com as lentes, multiplicando a potência do ato de ver, surgia uma nova ciência com a geografia com a sofisticação dos mapas que impunha com a sucessão de descobertas de novos continentes.

O deslocamento gnoseológico que se processa à época estava associado à superação da estagnação secular fundada nos feudos e na aristocracia, em benefício de uma dimensão ativa, marcada pela emergência do capitalismo mercantil, o surgimento dos burgos e a afirmação das cidades burguesas italianas e holandesas.

O surgimento da perspectiva central (também denominada de perspectiva artificialis ou matemática) sobre as demais formas de representação ao longo dos séculos XIV e XV deve ser associada à adoção pela sociedade mercantil burguesa de uma nova concepção de espaço, marcado pela acumulação mercantil e exploração geográfica.

A percepção visual retoma um lugar importante na produção do conhecimento, marcado por um empirismo e postura indagativa, originada na observação e experiência. O cotidiano e o mundo do trabalho são revalorizados e, nas artes, criam-se novos padrões de representação, especialmente na arquitetura e pintura, que forjaram não apenas novas edificações como catedrais e palácios, mas novas teorias de representação do espaço.19

Na Renascença, a pintura é reintroduzida nas igrejas e sofre grande valorização pela sua importância na decoração dos palácios e objeto de colecionamento por burgueses e príncipes. A natureza torna-se objeto de investigação, estimulando uma nova postura epistemológica que diminui a influência do dogmatismo teológico. Como observa Oliveira Jr., o reconhecimento das idéias de Bacon, de Newton, de Descartes, associadas à hegemonia da nova organização do espaço arquitetural e pictórico com Alberti, DaVinci e Brunelleschi, podem ser consideradas expressões de uma nova epistéme.20 Havia no século XV em algumas áreas de grande comércio na Europa, as pré-condi-ções para o surgimento de uma nova visualidade.

Notas de rodapé:

19. Para Arlindo Machado, "a perspectiva central substitui o espaço descontínuo e fragmentário da pintura medieval por um espaço sistemático e racional, isto é, dotado de tal coerência interna que não se poderia hesitar em classificá-lo como um espaço puramente matemático". MACHADO, Arlindo. A ilusão especular. São Paulo: Brasiliense, 1983,p.69.

20. Para o autor, a Renascença afirma novos parâmetros de produção do conhecimento, enfatizando a preocupação com o mundo objetivo com o recurso permanente à razão abstrata como instância de estruturação.OLIVEIRA Jr., op. cit, p.17.

Fim das notas de rodapé.

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As pessoas no século XV se tornaram hábeis, pela prática cotidiana, em reduzir as formas mais diversas à uma fórmula matemática de proporção geométrica.

O importante é constatar que a habilidade utilizada era uma só, tanto para os problemas de associação de câmbio como para a elaboração e visualização de quadros em pinturas.

O homem do comércio possuía aptidões necessárias para compreender a proporcionalidade na pintura de Piero delia Francesca pois dentro do curso normal das transações comerciais fazia-se naturalmente a relação entre as proporções no interior de um contrato e as proporções de um corpo humano.21

A burguesia residente tanto nos Flanders, atual região que envolve a Holanda, quanto na penínsola italiana - Gênova, Florença, Veneza, ativaram novas percepções ao construírem novas relações com a realidade, estimulando a adoção de uma nova postura mental. Esta nova cultura acarretou uma demanda diferenciada ao ato de "ver" o mundo. A visualidade adquire um novo papel no cotidiano dos homens, ao qual a arte e a comunicação visual iriam se adequar: "a arte renascentista é uma arte de pesquisa, de invenção, de indução e aperfeiçoamentos técnicos. Ela acompanha paralelamente as conquistas da física, da matemática, da geometria, da anatomia, da engenharia, da filosofia".22

Entre os artistas que melhor responderam as mudanças no plano do novo ordenamento do espaço do visível encontravam-se arquitetos pintores como BruneEeschi (1337-1446), Leon Baptiste Alberti e Leonardo da Vinci. Com eles ocorre a projeção matemática do tridimensional para o bidimensional estabelecendo relações de infinitude e homogeneidade a partir da constituição do "ponto de fuga".

O ponto de fuga passa a ser o local para onde convergem todas as retas presentes no interior da imagem, sugerido por linhas imaginárias que modelam e ordenam as formas pintadas. A nova perspectiva implicou na unificação de todas as linhas do quadro, impedindo que existisse autonomia estrutural de qualquer figura presente na imagem: todas as figuras estão solidárias em termos de disposição e tamanho, por força da obediência ao ponto de vista do pintor e ao ponto de vista que este escolheu, subordinando o olhar do observador.23



Notas de rodapé:

21. BAXANDAL, Michael. O olhar renascentista. Rio de Janeiro: Ed. Paz eTerra, p.75.

22.ibid.,p.18.

23. OLIVEIRA JR., op. cit, p. 18.

Fim das notas de rodapé.

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