Publicado originalmente em 1902. Livro Digital nº 924 1ª Edição São Paulo, 2017. Romance Literatura Brasileira. José Pereira da Graça Aranha


parte, coisa do interesse dos partidos, dos amigos – respondeu o



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Canaa - Graca Aranha - IBA MENDES


parte, coisa do interesse dos partidos, dos amigos – respondeu o 
escrivão, tomando a sério o que dizia Maciel. 
– Eis o que nos prejudica – replicou Brederodes; – é essa mania 
eleitoral: por causa de partidos deixa-se naufragar o País. 
– E até se aproveitam dos votos do estrangeiro – acrescentou Paulo 
Maciel. – Porque esses alemães não serão nunca brasileiros, e são os 
melhores eleitores aqui do Capitão Pantoja. 
O escrivão ficou embaraçado no seu duplo sentimento de chefe de 
partido na localidade e de nativista. 
– Mas esses alemães não fazem nada. São muito respeitadores e 
mansos... Um rebanho de carneiros... por esses respondo eu. 
Brederodes deu uma risada, escarnecendo: 
– Está aí o perigo. Os alemães são uns velhacos, metem-se em nossa 
casa muito quietinhos, obedientes, nós nos aproveitamos deles, do 
seu número, do seu dinheiro, e eles vão na sombra engrossando, até 
um dia se despejarem sobre nós e avassalarem o País. Capitão, deixe 
de conversa, fogo no estrangeiro, nativista sempre. À bala! 
Paulo Maciel parecia desinteressar-se da discussão e, descuidado, 
foi-se afastando na direção da casa, tirando de passagem folhas das 
laranjeiras que ia aspirando, nervoso. Os companheiros o seguiam, 
empenhados no assunto. Maciel pensava: 
“É o debate diário da vida brasileira... Ser ou não ser uma nação... 
Momento doloroso em que se joga o destino de um povo... Ai dos 
fracos!... Que podemos fazer para resistir aos lobos? Com a bondade 
ingênita da raça, a nativa fraqueza, a descuidada inércia, como nos 
oporemos a que eles venham?... Tudo vai acabar e se transformar. 


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Pobre Brasil!... Foi uma tentativa falha de nacionalidade. Paciência... 
E que nos adiantam os Estados Unidos? Será sempre um senhor. 
Todo este continente está destinado ao pasto das feras... Sul 
América... Ridículo... Mas não haverá uma salvação, não haverá um 
deus ou uma força que paralise o raio armado contra nós?... Enfim, 
vá lá... Mea culpa, e está acabado... Temos o que merecemos... Daí, 
pode ser que seja melhor... A Terra prosperará... Melhor 
administração... mais polícia... e é só... Vale a pena? E o mundo é só 
isso? Vale a pena viver para ter mais polícia? E a língua? a raça... 
esta associação... degradada se quiserem... mesquinha... sim, fraca, 
quase a esfacelar-se... mas amorável, boa e amada, apesar de tudo, 
porque é nossa, nossa... Oh! muito nossa...” 
Caminhando, assim chegaram à casa, onde eram esperados para 
jantar. Puseram-se à mesa, e o meirinho, já de volta das intimações, 
ajudava o serviço. Saindo do seu esconderijo, Maria rodava pela 
sala, sempre perseguida pelos homens. A pobre, porém, parecia fria 
e indiferente às frases atrevidas, imorais, com que a cobriam os 
sujeitos da Justiça. Acabado o jantar, estes puseram as cadeiras do 
lado da casa e entretiveram-se a conversar pela noite adentro, 
enquanto as estrelas se vinham abrindo numerosas e infinitas. 
O juiz de direito não desanimava em desmanchar qualquer 
impressão sobre a sua falta de patriotismo que porventura ficasse no 
espírito de Pantoja, temido pela sua influência política, e voltava ao 
assunto. 
– O meu nacionalismo, capitão, é antigo. Desde a Academia fui um 
exaltado em questões de patriotismo. Ah! nunca transigi. 
– Mas isso foi noutro tempo, creio que hoje... – ia interrompendo 
Maciel por brincadeira. 
– Hoje, com a idade – respondeu empenhado Itapecuru pondo o 
monóculo –, redobrou o meu nativismo. Não dou tréguas ao 
estrangeiro. Aqui para nós, sou até jacobino. 


159
Mas divertiu-se bem na Europa, e com certeza, se pudesse, não 
sairia de lá –, objetou Maciel. 
– Nunca abandonaria minha Pátria. Não nego que a Europa tenha 
alguma coisa de bom. Aqueles que, como o senhor, sentem desgosto 
de ser brasileiros devem dar uma vista d’olhos ao velho mundo. É 
salutar, creia. Os meus sentimentos nacionais, confesso, estavam 
enfraquecendo, mas, vendo a decadência da Europa, tive orgulho 
deste Brasil e voltei ao meu furor. Não é debalde que me chamo 
Itapecuru. É a marca nativista que trago da Academia... 
– Como assim? – inquiriu Brederodes. 
– Quando Gonçalves Dias e Alencar deram o grito de alarma pelo 
Brasil, pelo caboclo, nós, estudantes, respondemos ao nosso modo... 
Eu me chamava Manoel Antônio de Sousa. E só. Sousa cheirava a 
galego. Acrescentei Itapecuru. Manoel Antônio de Sousa Itapecuru... 
Foi um movimento geral. Cada um tomou um nome indígena, e daí 
os Tupinambás, os Itabaianas, os Gurupis. 
Quando mais tarde a palestra esmoreceu, o juiz de direito disse aos 
companheiros: 
– Meus senhores, que propõem para matar o tempo? Vamos a uma 
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