Otto maria carpeaux



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da moeda romana (Commentarius de sestertüs), e Johannes Graevius (1632-17O3) reuniu o enorme Thesaurus antiquitatum Paliae. A maioria dêsses scholars são holandeses;

e mesmo quando franceses ou alemães, pontificaram, pelo menos, na Universidade holandesa de Leyden. Mas a nacionalidade não importa: todos eles têm os nomes latinizados,

e todos eles lembram imediatamente os retratos de dignos professôres com perucas enormes, entre estantes cheias de pesados in-fólios. É a época da nota erudita ao

pé da página.

A Antiguidade torna-se mania de burgueses eruditos: fazem, com paciência enorme, as primeiras traduções perfeitas, o Virgílio e Ovídio de Dryden, o Virgílio de Vondel,

o Lucré-elo de Alessandro Marchetai, o Lucano do espanhol Jaureguí e o do inglês Rowe; e ao lado dêsses grandes artistas calmos aparece até o materialista Hobbes,

traduzindo Homero (1675). Em Lucano, esses burgueses apreciam a patética altivez do literato erudito perante os pode

rosos deste mundo (22). Em horas de ócio, os poetas eru

ditos sabem brincar, na poesia horaciano-anacreôntica de Chiabrera, Menzini, Rolli, Esteban Manuel de Villegas e Robert Herrick. Ressentimentos contra a sociedade

aristocrática inspirám-lhes, enfim, a compreensão perfeita da malícia horaciana, nas sátiras e epístolas que Dryden (Religio laici) e Boileau tão bem imitaram. Vive

- coisa rara em tôda a história literária - verdadeiro espírito horaciano, em vários poetas espanhóis da época, nos sonetos de

22) E. Fraenkel: Lukan als Mittler des antiken Pathos. Hamburg,

1927.


OTTO MARIA C:ARPEAUZ

Milton, nas poesias de Marvell e Testi (23) ; e, por outro

lado, encontra-se algo de furor sagrado contra o século nas traduções que Dryden fêz de Pérsio e Juvenal. A grande ambição dos poetas-burgueses do século aristocrático

é a poesia sagrada de Píndaro, imitada por Chiabrera, Guidi,

Malherbe, Cowley, Dryden (24). Mas a arma satírica mais

eficiente da literatura erudita dos burgueses do Barroco é a imitação da epopéia herói-cômica: a Secchia rapita, de Tassoni, é o melhor exemplo; Villaviciosa, na

Mosques (imitada de Folengo), é Lope de Vega, na Gatomaquia, brincam apenas; o Hudibras, de Butler, embora de tendência oposta, antibarrôca, resume e termina um

século de história inglêsa.

Plauto continua a fornecer matéria-prima aos comediágrafos: reconhece-se o Miles gloriosos no Captain Bodadil, em Every Man in His Humour, de Ben Jonson, e no capitaine

Matamore, da 111usion comique, de Corneille; Menaechmi, nas comédias do mesmo nome, de Rotrou (1636) e

Regnard (17O5); Anfitrião, em obras de Rotrou (Les deus

Sosies, 1638), Molière e Dryden; Aulularia, em The Case is Altered, de Ben Jonson, e em Warenar, de Hooft; Captivi, nos Captifs, de Rotrou, e em A New Way to Pay

O1d Debts; de Massinger; Mostellaria, no English Traveller, de

Thomas Heywood, e em Retour imprévu, de Regnard; Bac

chides, em L:"étourdi,-de Molière. Mas tudo isso não passa de matéria-prima para farsas divertidas. A fina sociedade prefere.o comediógrafo mais delicado, que só

servia, antes, .de leitura escolar: Terêncio. Os profissionais do teatro

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 179:

gostam ainda das situações equívocas do Eunuchus e do Phormio, imitadas por Brederoo em Moortje, Wycherley em The Country Wife, e Moliere nas Fourberies de Scapin.

Mas a peça preferida de Terêncio é a mais finamente psicológica, Adelphi, modêlo da Scornful Lady, de Beaumont e Fletcher, e da École des pères, de Baron, e sobretudo

da École des maris, de Molière.

De Sófocles já não se fala fora dos círculos eruditos, a não ser com louvores insinceros. A tragédia é meio retórica, meio psicológica, e quase sempre política,

como a de Sêneca. O malôgro de Trissino, na imitação de Sófocles,. fôra decisivo. Giraldi Cinzio afirma francamente a superioridade de Sêneca sôbre os gregos; na

Orbecche aparecem, como em Sêneca, juramentos de vingança, fúrias, espectros, mortes em pleno palco. A tragédia senequiana fascinou tôda a Europa, pela psicologia

sutil e cruel, e pelos lugares-comuns da retórica retumbante. Senequianos encontram-se na Alemanha (Opitz, Gryphius, Lohenstein), na Holanda (Vondel, Samuel Coster),

até na Suécia (Stjernhjelm). Mures e Jodelle precedem o maior senequiano francês: Robert Garnier. A influência de Garnier, na Inglaterra, é um dos fatos mais importantes

da história literária comparada (25). Thomas Kyd traduziu a Cornélie, de Garnier, como Pompey the Great, his Faire Corneliaes Tragedy (1595) ; o mesmo Kyd aliou,

na Spanish Tragedy, a "tragédia de vingança" senequiana aos elementos populares do teatro inglês. The Spanish Tragedy é a peça exemplar do teatro elisabetiano-jacobeu.:

dela descendem Titus - Andronicus, Richard III, Macbeth, e a mais famosa das tragédias de vingança, Hamlet; depois, Bussy d:"Ambois, de. Chapman, Antonio and McRida,

de Marston, The Revengees Tragedy, de Tourneur, as tragédias de Webster, e The

25) Sôbre a influência de Sêneca no teatro renascentista, e particularmente na Inglaterra, v. L. E. Kastner and H. B. Charlton: The Poetical Works o/ Sir William

Alexander. Vol. I, Introd. Manchester, 1921.

23) M. Menéndez y Pelayo: Horacio en Espana. 2 vols. Madrid, 1885. G. Curcio: Orazio Flaco studiato in Italia dal sécolo XIII al XVIII. Catana, 1913.

24) A. Sommariva: La lírica pindareggiante in Italia da Orazio a Chiabrera. Genova, 19O4.

E. R. Keppeler: Die pindarische Ode in der deutschen Poesie des 17. und 18. Jahrhunderts. Tuebingen, 1911.

A. H. Nethercot: "The Relation of Cowley:"s Pindarics to Pindar:"s Odes". (In: Modera Philology, XIX, 1921/1922.)

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Triumph of Death, de Beaumont e Fletcher. Na França, Garnier não se tornou modêlo, mas influiu na Medéia de Corneille; e dela descende a tragédia de psicologia feminina,

de Racine: Andrômaca, Ifigênia, Fedra. Nestas, Sêneca é superado pelo próprio modêlo do romano: Eurípides. Pela primeira vez, o Ocidente moderno,, tão profundamente

latinizado, recebe um raio de beleza grega; no fundo, porém, é uma síntese francesa.

O Barroco deu Plauto por Sêneca. Preferiu a sátira horaciana e a epopéia herói-cômica a Virgílio. Platão e Plutarco são substituídos pelo estocismo sombrio de Sêneca

e Lucano. Não consegue pôr a peruca a Píndaro, mas transforma o mundo em dicionário e edição crítica. É a Antiguidade da erudição, da malícia e da tragédia.

O século XVIII, que parece o primeiro dos modernos, é, em certo sentido, mais arcaizante do que todos os precedentes: parece que receia avançar um passo sem estar

autorizado por um modêlo antigo. Mas a Antiguidade permite-lhe tudo. Homero, ocupando enfim o lugar de Virgílio, aparece na tradução elegante de Pope (Hiad, 1715/172O;

Odyssey, 1725/1726), na prosaica e vigorosa versão de Houdart La Motte (Iliade, 1714), através das vagas e poéticas nuvens nórdicas da tradução de Cowper (1791),

através do pré-romanismo germânico da tradução de Voss (Odyssee, 1781; Ilias, 1793), da qual descende, por turno, a poesia madura de Goethe; e aparece o melódico

classicismo italiano da Iliade, de Monta, e da Odissea, de Ippolito

Pindemonte (26).

A Antiguidade do Rococó é um céu côr-de-rosa, cheio de ninfas e amoretti, sôbre um banheiro luxuoso ou um parque artificial; pelo menos, é esta a impressão sugerida

pela poesia anacreôntica de um Bernis, Giovanni Meli, Meléndez Vaidés, Hagedorn, Gleim, Uz, e ainda pelas pri

26) I. Schott: Homer ano His Influente. London, 1926.

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 181

mearas poesias de Goethe e Puchkin (27). Harmoniza-se

com tudo isso a ternura ovidiana de Monta, o aspecto bucólico de Virgílio nas traduções de Delille e Cesare Arici, e na poesia pastoral de Pope, Thomson e William

Collins, e a elegância de Pope ao transformar, no Rape of the Lock, a sátira herói-cômica em festa aristocrática. Tôda a poesia inglêsa do século XVIII, antes da

irrupção do pré-roman

tismo, tem sabor virgiliano (28).

Terêncio continua a fornecer modelos de comédia aristocrática; Eunuchus reaparece na BeRamira, de Sedey, no Eunuque, de Brueys e Palaprat e no Jacob de Tyboe, de

Holberg. Plauto continua a fornecer modelos à farsa, bastante atenuada, como revela a comparação da Mostellaria com o Drummer, de Addison, do Males gloriosos com

o Diederich Menschenskraek, de Holberg, do Trinummus com o Trésor caché, de Destouches, dos Captivi com o Schatz, de Lessing, dos Menaechmi com os Due gemelli veneziana,

de Goldoni. O próprio Horácio é interpretado como poeta anacreôntico, menos satírico do que paisagista, em Pope (Imitations of Horace, 1733/1739), Cowper, William

Collins (To Evening e Od. I, 5), em Chénier (Élégies), em Meléndez Valdés e Leandro Fernández de Moratin; no arcadismo de Filinto Elísio e na tradução italiana de

Francesco Cassoli Veremos também aparecer um Horácio mais sério, mais pensativo, nas odes de Parini, e um Horácio ovidianamente exilado entre os "bárbaros" na poesia

do húngaro Daniel Berzsenyi.

O Rococó tem um reverso curioso. O espírito virgiliano de Fénelon encontra-se na "oposição"; I1 Giorno, o poema irônico de Parini contra as futilidades da vida aristocrática,

é uma espécie de "Georgicas urbanas", e no Peder Paars, a epopéia herói-cômica de Holberg, aparece o pro

27) F. Ausfeld: Die deutsche anakreontische Dichtung des 18. Jahrhunderts. Strasbourg, 19O7.

28) E. Nitschie: Virgil ano the English Poets. New York, 1919.

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blema social do servo, com certa rusticidade. A brutalidade é também outra característica do século em que os "pas.tôres" de Versalhes e o Marquês de Sade são contemporâneos..

A par da suavidade do tibuliano Savioli e do realismo teocritiano de Chénier e Landor surge a sensualidade properciana das Roemische Elegien de Goethe e dos poemas

do sueco Kellgrén; e o idílio de Paulo e Virgínia será substituído pela ingenuidade mais nua da tradução de Daphnis et Chloé feita por C.ourier. Sêneca volta da

Inglaterra e enche o teatro francês com os horrores de Crébillon père e os efeitos melodramáticos de Voltaire. Aparecem, então, "Antiguidades" inesperadas: a incredulidade

materialista de Lucrécio, na imitação de Chénier e na tradução alemã de Knebel; a sátira violenta de Juvenal, em Samuel johnson (London corresponde à Sát. III, e

The Vanity of Human Wishes à Sát. X) e no Misogallo, de Alfieri.

A contar de 175O, o pré-romantismo europeu criara uma imagem inteiramente nova da Antiguidade. Uma ternura de feição diferente da do Rococá - o sentimentalismo -tira

efeitos inéditos daquele velho livro didático que é Terêncio: a Andria, pouco imitada até então, forneceu, depois dos Conscious Lovers, (1722) de Steele, um novo

tipo de comédia sentimental; e os Adelphi transformaramse, no Père de famille, de Diderot, em peça burguesa. Eurípides é aináa interpretado através de Racine, em

Alfieri (Alceste, Polinice) e Goethe (Iphigenie auf Tauris); e, tanto num como noutro (e mais tarde em Oehlenschlaeger), percebe-se a influência de Sófocles; também,

pela primeira vez na história moderna, Ésquilo se torna mais do que um nome: já em 1738, Thomson traduzira o Agamêmnon, e Alfieri em Agamemnone e Oreste revela-se

um apaixonado esquiliano, embora não autêntico. Pela primeira vez, na história das literaturas modernas, Píndaro torna-se um pouco mais acessível: em Gray (The Progress

of Poesy, The Bard), em Foscolo, nas odes religiosas de Klopstock,

HISTÓRIA DA%LITERATURA OCIDENTAL I$:"$

em Hoelderlin, na poesia patriótica de Quintana, nas solenes odes russas de Derchavin. Um Plutarco diferente do da Renascença - um Plutarco de revoltas catilinárias,

enche de entusiasmo os Raeuber, de Schiller, e as tiradas tiranicidas de Rousseau e Alfieri_ A eloqüência de Demóstenes, nobre e violenta, substitui a urbanidade

de Cícero; e ressoa nos discursos dos dois Pitts, de Fox, Burke, Canning, Brougham, na Câmara dos Comuns (29).

O fato mais importante dessa evolução é a substituição dos romanos pelos gregos; de Virgílio por Homero, de Horácio por Píndaro, de Sêneca por Sófocles, de Cícero

por Deméstenes (3O). Essa substituição, já iniciada pelos pré-românticos inglêses do século XVIII, foi principalmente obra dos poetas e filólogos alemães de 18OO;

constitui o pendam da abolição de conceitos importantes do Direito romano pelo Código de Napoleão. O ensaio de Schiller Sôbre Poesia Ingênua e Sentimental (1796)

fornece um lema: a poesia latina era "sentimental", porque de segunda mão, epigônica e alexandrina; à índole de originalidade dos povos "novos", "modernos", corresponderá

a poesia "ingênua", original, dos gregos. O pré-romantismo pré-revolucionário gostava de acentuar os elementos primitivos da civilização grega, o realismo ingênuo,

o individualismo apaixonado. Com a revelação do caráter burguês da Revolução, desde o Diretório, e o advento do estilo "Empire", neoclassicista, a nova imagem da

Antiguidade se tornou estática. Formou-se a Antiguidade "olímpica" de Weimar e de todos os classicistas europeus do século XIX, o Olimpo de uma civilização de beleza

mediterrânea e equilíbrio feliz, superior a tôdas as civilizações posteriores: o ideal comum da elite dos homens cultos da Europa. Esta "An

29) C. D. Adams: Demosthenes and His Influente. New York, 1927.

3O) L. Dimier: Histoire et causes de notre décadence. Paris, 1934. W. Rehm: Griechentum und Goethezeit. Geschichte eines Glaubens. 3.11 ed. Berlin, 1952.

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tiguidade estática" - e estética - é a que aparece nos manuais históricos, até hoje. É a Antiguidade de Renan (Prière sur 1:"Acropole), de Burckhardt (antes de êle

conceber a História da Civilização Grega) e dos scholars de Oxford e Cambridge.

Esta "Antiguidade estática e estética", defendida até hoje pelos humanistas da escola secundária, já não correspondia a necessidades vitais de uma civilização homogênea.

Não se baseava no consenso da sociedade, e sim de uma casta de eruditos e semi-eruditos, que perdeu cada vez mais o aspecto de unanimidade internacional, à medida

que a unidade européia se fragmentava, durante o século XIX, por influência dos nacionalismos. A democratização progressiva tornou insustentável um ideal de elite

que tinha por premissa o conhecimento de línguas difíceis, sem aplicação na vida prática, e estudos de muitos anos, acessíveis só aos filhos de uma classe econômicamente

privilegiada. já antes da fragmentação social da sociedade européia começara a fragmentação nacional. A língua de Cícero fôra, desde o século XV, a "língua comum"

dos europeus cultos; a língua de Erasmo fôra desde o século XVI, a "língua comum", pelo menos, dos eruditos. Só do começo do século XVIII em diante o latim se torna

realmente uma "língua morta", porque o século XVII terminara o processo de formação das nacionalidades européias. Ainda no século XVIII, a pálida "Antiguidade Rococó"

deu à Europa um aspecto de civilização internacional: as alusões mitológicas foram compreendidas imediatamente e em tôda a parte. O pré-romantismo acabou com a poesia

mitológica, rompendo assim um dos últimos laços da unidade européia; o famoso Sermone sulla mitologia (1825), de Vincenzo Monti, última e já quase póstuma defesa

da mitologia, marca o fim de uma era. Depois, já não se conseguiu unificar a Europa literária em tôrno da mitologia nórdica ou céltica dos pré-românticos, ou da

"mitologia cristã" de Chateaubriand, ou ainda da "mitologia cientí

fica" dos materialistas e evolucionistas. Do mesmo modo, a unidade latina não pôde ser substituída por uma unidade grega. A língua grega não encontrou o apoio que

- latim sempre tivera nas línguas neolatinas; o classicismo grego revelou-se coisa artificial e dificilmente assimilável. Ao contrário, a distinção nítida entre

a Antiguidade grega

- a Antiguidade romana levou a dúvidas com respeito ao valor absoluto do ideal antigo em geral. O primeiro reflexo dessa dúvida foi a crítica filológica, que no

começo do século XVIII, com Richard Bentley e Bayle, revelou as espessas camadas de lenda e falsificação eruditas em tôrno da Antiguidade, para, ao terminar o século,

duvidar, com Friedrich August Wolf, da autenticidade de Homero. O segundo reflexo foi a atitude dos românticos de preferirem às literaturas antigas as literaturas

medievais, por serem do nosso próprio sangue, e

até as literaturas renascentistas, que, sob formas aparentemente antigas, também são literaturas "nossas"; modernas. Friedrich Schlegel, homem do século XVIII e

helenista erudito, e ao mesmo tempo o maior pensador do

primeiro romantismo, tirou a conclusão penetrante : "Todos encontraram sempre nos antigos o que desejavam e aquilo de que precisavam, quer dizer, encontraram a si

mesmos." Mas, quando a sociedade democrática e nacionalista do século XIX já não precisar de nada da Antiguidade, então não se poderá fugir à pergunta: "What:"s

Hecuba

to

him, or he to Hecuba?"



"Todos encontraram sempre nos antigos... a si mes

mos." As experiências do caminho percorrido confirmam essa tese. O Homero de Chapman, o Homero de Pope e

- Homero de Voss são poetas de 16OO, de 17OO e de 18OO;

- "verdadeiro" Homero, propriedade exclusiva dos filólogos, existe em nossa ciência, mas não em nossa literatura. Nunca uma literatura moderna se aproximou tanto

do ideal clássico quanto a literatura francesa da segunda

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metade do século XVII; e é, no entanto, uma criação genuinamente francesa (31)

Durante os onze séculos anteriores a Antiguidade foi sempre variável como critério e como medida: é êste o sentido da frase de Friedrich Schlegel. Para os românticos,

a Antiguidade já não significava um ideal absoluto, e sim uma experiência histórica entre outras, uma das mais remotas, e a mais alheia de tôdas; para interpretá-la,

o século XIX confiava-se à crítica histórica.

A filologia clássica do século XIX não pertence à literatura: é lingüística, arqueologia, epigrafia, numismática, historiografia exata. Wolf, o dénicheur de Homero,

Niebuhr, o dénicheur dos heróis romanos, Mahaffy, o dénicheur dos exércitos gregos, marcam fases de um caminho de destruição. Tampouco faltam os reabilitadores:

os Boeckhs, os Wilamowitzs, os Lowes Dickinson. Mas o resultado é sempre o mesmo: quanto mais sabemos da Antiguidade - e sabemos hoje infinitamente mais do que os

polígrafos barrocos sonharam - tanto mais estranha nos aparece. As traduções modernas, feitas não por poetas, mas por especialistas, transmitem-nos textos seguros

e incompreensíveis, e, muitas vêzes, o que antigamente parecia cume da poesia, parece-nos hoje lugar-comum penosamente estilizado. Não conseguimos alcançar a "verdadeira"

Antiguidade; com os progressos da "verdade histórica", a Antiguidade perdeu o papel de critério e ideal. Hoje, o humanismo já não é uma fôrça viva: seria possível

escrever uma história da literatura dos séculos XIX e XX sem mencionar a influência das letras gregas e romanas. A Antiguidade está reduzida a disciplina escolar:

recomenda-se o estudo do grego para fins de educação filosófica e estética, e o estudo da língua latina para fins de educação lógica e para compreender melhor a

sintaxe das línguas neolatinas. Enquanto a literatura moderna sofreu a in

fluência das letras clássicas - no parnasianismo pósro-mântico, no neoclassicismo de certos grupos simbolistas, no estoicismo de certos diletantes e pessimistas

modernos - foi literatura de evasão.

Um primeiro movimento neoclassicista surgiu por volta de 185O, preparado por certas tendências do último r.omantismo, tais como o entusiasmo de Shelley por Ésquih,

o "paganismo" de Maurice de Guérin, a tentativa de Keats de superar o romantismo pelo grecismo, a imitação dos metros gregos na poesia alemã de Platen, o bucolismo

teocritiano de Moerike e as inclinações virgilianas em Victor Hugo. Na segunda metade do século, essas tendências se generalizaram. De Platen provêm, por influência

direta, as Odi barbare, de Carducci, que são uma renovação do classicismo italiano. Em Shelley se origina o entusiasmo de Swinburne, meio escolar, meio dionisíaco.

De Keats herdou Tennyson as tendências arcaizantes (To Virgil); influências virgilianas encontram-se em poetas tão diferentes como Matthew Arnold e Pascoli. Todos

êles participam da reação contra a civilização materialista da épóca; são inimigos da democracia ou do cristianismo, ou mesmo de ambos, e são todos pessimistas,

ou seja, contra a corrente, sem esperança de vencer, fechando-se em ideais artísticos. Na França, êsse sonho parnasiano torna-se sistema (32), representado por Leconte

de Lisle, o poeta dos Poèmes antiques; as suas traduções de Homero (1866/1867), Hesíodo (1869), Teócrito (1861), Ésquilo (1872), Sófocles (1877), Horácio (1873)

e Eurípides (1885) constituem o último corpo compacto de poesia antiga numa literatura moderna.

O classicismo de Leconte de Lisle revela certas qualidades que nenhum classicismo anterior conheceu: a preferência pelos mitos bárbaros da Grécia primitiva e pelo

31) H. Peyre: Le classicisme Trançais. New York, 1942.

32) F. Desoney: Le rêm hellênique chez les poètes parnassiens. Paris, 1929.

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pessimismo desesperado dos últimos pagãos. Nisso, Leconte de Lisle é bem o contemporâneo de Bachofen e Rohde, que descobriram os primitivos cultos fúnebres dos gregos;

de Burckhardt, que destruiu a imagem da Grécia olímpica e harmônica, descobrindo o pessimismo feroz dos habitantes da polis totalitária; de Nietzsche, que inventou

a Antiguidade dionisíaca, escondendo atrás de gritos de alegria histérica a angústia apocalíptica. Traços dessa histeria erudita encontram-se na dramaturgia euripidiana

de Hofmannsthal (Oedipus und die Sphinx, Electra), em D:"Annunzio (Fedra) e em Wyspianski. Mas o "fin du siècle" passou sem que se realizasse o "grand soir"; e o

simbolismo burguês acalmou-se na frieza de um neoclassicismo de difusão internacional, representado por Henri de Régnier, Moréas, Stephan George, Bridges, Viatcheslav

Ivanov, Staff, Ekelund.

Essas tendências arcaizantes ainda não acabaram inteiramente; apenas perderam o caráter de movimentos organizados, transformando-se em atitudes solitárias. Assim

podemos considerar o parnasianismo do poeta americano William Leonard, traduzindo Lucrécio (1916) ; o bucolismo virgiliano de Jammes (Géorgiques chrétiennes, 1911/

1912) ; o evasionismo erudito e emotivo de Thornton Wilder (The Woman of Andros). Em outros casos, os nomes antigos, modernizados, servem apenas de símbolos de validade

geral. Assim o pacifismo histérico de Werfel (Die Troerinnen, 1915), a angústia religiosa de Unamuno (tradução da Medéia, de Sêneca), a Antiguidade psicanalítica

de O:"Neill (Mourning Becomes Electra, 1931) e a existencialista de Sartre (Les mouches). Mas há outros casos, diferentes, de poetas modernos, "radicais", se lembrarem

da Antiguidade: Horace Gregory, por exemplo, traduziu Catulo (1931); Maxwell Anderson renovou, em The Wingless Victory (1936), aquela mesma Medéia, de Sêneca, que

também foi modernizada por Robinson Jeffers; Louis Mac Neice traduziu o Agamêmnon, de Ésquilo; e Day Lewis, as


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