Otto maria carpeaux



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fabulis; De Aetna; Gli Asolani (15O5) ; Prose delta volgar língua

(1525) ; Rime (153O).

Edição das obras por A. T. Seghezzi, Veneza, 1729. Edição da

Sarca em A. Mai: Spicilegium Romanum. Vol. VIII.

M. Santoro: Pietro Bembo. Firenze, 1937.

8)

P1



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a glória dêsse ditador literário era imensa; hoje, é desprezado, embora um Burckhardt considerasse como obra-prima o idílio latino Sarca - e não é de todo impossível

que classicismos futuros lhe tributem admiração maior da que permite o nosso anti-historicismo ingrato. Molza (1O), outro difamado, escrevendo de preferência em

latim, era homem devasso e poeta licencioso; mas a sua fábula bucólica Ninfa Tiberina é uma transfiguração tão bela da paisagém romana que até o severo De Sanctis

a admirou. Annibale Caro (11), se não é, apesar do vigor dos seus sonetos satíricos, um grande poeta, é pelo menos um grande escritor, como revela nas suas cartas,

consideradas clássicas, na bela tradução de Dáfnis e Voe, e afinal na famosa tradução da Eneida: até os anacronismos do estilo dessa obra revelam a arte vigorosa

dos cinquecentistas para conquistar ao volgar as obras da Antiguidade. Giovanni Guidiccioni (12) salva-se aos olhos da posteridade italiana pelo patriotismo de alguns

sonetos. Giovanni Della Casa (1% autor famoso do Galateo, espécie de pendant menos aristocrático do Cortegiano, e poeta medíocre, retórico, tinha

1O) Francesco Maria Molza, 1489-1544.

Ninfa Tiberina.

W. Soederhjelm: Francesco Maria Molza, en renaessenspoets lefverne och Diktning. Helsinki, 1911.

11) Annibale Caro, 15O7-1566.

Scritti scelti, edit. e comentad. por V. Cian e E. Spadolini, Milano, 1912.

12) Giovanni Guidiccioni,

Rime (1557).

Edição por E. Chiorboli, Bari, 1912.

E. Chiorboli: Giovanni Guidiccioni. Jesi, 19O7.

13) Giovanni Della Casa, 15O3-1556.

Galateo (1554); Rime e Prose (1558).

As obras poéticas, completas, só na edição de G. B. Casotti, Firenze, 17O7.

Edição do Galateo por C. Steiner. Milano, 191O.

G. Tinivella: Il Galateo di Giovanni Della Casa. Roma, 1937. L. Campana: "Monsignore Della Casa e i suoi temei". (In: Studi

storici, XVI.)

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 475

momentos raros de grande inspiração. Foi sobretudo a noite que o inspirou, e ao "Sorno" da "Notte placido figlio", o poeta insone dedicou o famoso sonêto que termina

com o verso inesquecível:

" o notti acerbe e dure!"

São sobretudo Guidiccioni e Della Casa, os menos petrarquistas entre os classicistas do "Cinquecento", que hoje são reabilitados pelo crítico Carlo Bo. Bernardino

Rota (14) é menos original e menos desigual. Os 36 sonetos sôbre a morte de sua espôsa - Rota é o único poeta do amor conjugal, entre os petrarquistas - e as 14

églogas sôbre o gôlfo de Nápoles, imitam servilmente Petrarca e Sannazaro, mas com tanto virtuosismo verbal que os contemporâneos o julgavam superior a ambos. Galeazzo

di Tarsia (ls) é diferente de todos; misteriosa como a sua personalidade, que não foi possível identificar com certeza, é a índole da sua poesia, indepedente das

metáforas petrarquescas, de um romantismo melancólico; com as suas próprias palavras, viu e sentiu "altro sol, altra aurora". Enfim, Gaspara Stampa (1O) conseguiu

o que nenhum dos outros conseguira: sem romper com o petrarquismo, fazer do

14) Bemardino Rota, 15O9-1575.

In morte da Porzia Capece; Ecloghe piscatorie.

Edição por Cacchio, Napoli, 1726.

G. Rosalba: "Un poeta coniugale". (In: Giornale Storico, XXVI.)

15) Galeazzo di Tarsia, 152O-1553? (foi tantas vêzes já, pelos temporâneos, confundido com outro poeta do mesmo nome que não é possível identificá-lo com certeza).

Rime (publicadas por Basile, 1617). Edição por F. Bartelli, Cosenza, 1888. A. Emanuele: Galeazzo di Tarsia. Taranto, 19O8.

16) Gaspara Stampa, 1523-1554. Rime.

Edit. por A. Salta, Bari, 1912.

G. A. Borgese: "Il processo di Gaspara Stampa". (In: Studi di

letteratura moderna. Milano, 1915.)

E. Donadoni: Gaspara Stampa. Messina. 1919.

G. A. Cesareo: Gaspara Stampa, Donna e poetessa. Napoli, 192O.

15OO-1541.

con-

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sonêto convencional o vaso de uma expressão pessoal e apaixonada ("Amor m:"ha fatio tal ch:"io vivo in foco", e "O noite a me piú chiara e piú beata", com alusão

inequívoca),

da qual o próprio Petrarca não fôra capaz. O preço dessa originalidade foi a vida inteira: iludida pelo primeiro ao qual se entregou, recebida com frieza pelo ou

tro, acabando em febre da alma e do corpo, essa Labé italiana, menos artista e menos burguesa do que a cidadã de Lião, não foi vitima romântica das convenções, que

ela desprezou, e sim da poesia desmesurada na sua alma. Gaspara Stampa não era daquele mundo.

Um romântico chamaria "trágica" a vida de Gaspara Stampa, e os dramaturgos barrocos, já da segunda metade do século XVI, seriam da mesma opinião. Os contemporâneos

de Gaspara Stampa, não. O seu conceito da tragédia excluiu a paixão "imoral" ou criminosa no herói, justamente o que o Barroco julgará indispensável para chegar

à purificação moral no fim da peça. O conceito da tragédia na Renascença é elegíaco, inspirado nos coros líricos de Sófocles, compreendido como espécie de Virgílio

da tragédia. Êste foi o modêlo de Trissino (17) ao escrever a Sofonisba (1515), a primeira tragédia "clássica" das literaturas européias, obra que tem apenas o mérito

da prioridade e o mérito menos certo de ter impôsto à literatura trágica da primeira metade do século XVI (18) o modêlo impróprio da tragédia grega; impróprio porque

a tragédia grega é mitológica, enquanto o teatro moderno desconhece o mito. Dai a necessidade de escolher enredos históricos, como na Rosmunda, de Giovanni Rucellai

(14751526), enquanto Oreste (1526), do mesmo autor, se transforma quase em tragédia burguesa ou doméstica. O exem17) Giangiorgio Trissino, 1478-155O. M. -Teatro

e Poesia do Bar

roco protestante% nota 25.)

Sofonisba (1915).

E. Ciampolini: La prima tragedia regolare delta letteratura italiana. Firenze, 1896.

G. Marchese: Studio sulla Sofonisba del Trissino. Bologna, 1897. 18) F. Neri: La tragedia italiana nel 5OO. Firenze, 19O4.

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 477

plo italiano seduziu, no entanto, os dramaturgos de outras

nações: a Castro, do português Antônio Ferreira (19), que


tem, além da beleza lírica dos coros, a prioridade de ser a primeira tragédia sôbre um assunto moderno e nacional, e foi imitada na Nise lastimosa (1587), do espanhol

Jerónimo Bermudez (t 1599). Também pertence á série das tentativas sofoclianas a Cléopâtre Captive (1552), de Etienne Jodelle, poeta da Plêiade francesa. Em nenhuma

dessas obras se conseguiu atravessar a fronteira entre o triste e o trágico. Só o modêlo de Sêneca, interpretado de maneira nova, dará a tragédia de Giraldi e Speroni,

na Itália, Virués, na Espanha, e Garnier, na França, de Kid, Marlowe e Shakespeare. A autêntica tragédia moderna será criação do Barroco.

O produto mais vivo da literatura classicista é a comé

dia (2O), embora sem sair da imitação de Plauto. Parece que

escrever comédias plautinas, com os conhecidos pais estúpidos e avarentos, filhos enamorados, môças duvidosas e criados astutos, era negócio de tôda a gente. Ariosto

(21) é um dos primeiros cultores da comédia plautina, e dos mais felizes; e a obra-prima no gênero será de Maquiavel. A imitação de Plauto inicia-se, após as primeiras

tentativas do "Quattrocento", com a Calandria (1513), de Bib

biena (22), na qual a comicidade das confusões entre gê

19) Antônio Ferreira, 1528-1569. Castro (1553?).

Edição por Mendes dos Remédios, Coimbra, 1915.

T. Heinermann: Ignez de Castro. Die dramatischen Behandungen der Sage in den romanischen Literaturen. Leipzig, 1914. J. G. Fuecila: Studies and Notes. Napoli, 1953.

2O) J. Sanesi: La commedia. Milano, 1911.

L. Russo: Le comedie fiorentine del 5OO. Firenze, 1939.

21) Cf. nota 2.

E2) Bernardo Dovizi, dito Bibbiena, 147O-152O.

Calandria (representada em 1513, em Urbino, e em 1518, em Roma, perante o papa Leão X). Edição em: I. Sanesi: Commedie del Cinquecento. Vol. I. Bari,

1913.

A. Moretti: "Bernardo Dovizi e la Calandria". (In: Nuova Anto



logia, 1882)

A. Santelli: Il cardinale B£bbiena. Roma, 1931.

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meos, nos Menaechmi, de Plauto, está desdobrada pelo fato


de os gêmeos serem de sexos diferentes; o diálogo da peça
é, aliás, de verve irresistível. As imitações dessa farsa
vivacíssima foram inúmeras. Só Aretino (23), que imitou

na Talanta o Miles gloriosos, teve a coragem do plebeu sem erudição clássica, de zombar, no Filosofo, dos humanistas, e escolher, no resto, assuntos vivos de invenção

própria: no Marescalco antecipou a Epicoene, de Ben Jonson, e no Ipocrito, o Tartuffe. Os outros, todos, exploraram Plauto: Firenzuola, nos Lucidi, os Menaechmi;

Gelli, em La Sporta (1543), a Aulularia. Um dos melhores entre êles é Giammaria Cecchi (23-A), que imitou, na Dote, o Trinummus, nos Rivali, a Casina, nos Incantesimi,

a Cistellaria, na Stiava, o Mercator; mas no Assiuolo conseguiu dramatização eficiente de um assunto boccaccesco. No resto, encontram-se entre os plautianos os nomes

mais famosos do tempo: Trissino, imitando, nos Simillimi (1548), os Menaachmi; Lodovico Dolce, adaptando, no Capitano, o Miles glorious, e no Marito, o Amphitruo;

o famoso ocultista Giovan Battista delia Porta, remodelando, na Trappolaria, o Pseudolus - a relação completa dessas imitações, entre as quais iremos encontrar a

Aridosia, de Lorenzino de Mediei, e o Candelaio, de Giordano Bruno, seria interminável. O maior de todos êsses comediógrafos é Grazzini, chamado Il Lasca (24). Também

êle imita Plauto, embora tomando os assun

23) Cf. nota 35.


Il Marescalco (1533) ; Cortigiana (1534) ; Ipocrito (1542) ; Talantá (1542); Filosofo (1546).
U. Fresco: Le commedie di Pietro Arentino. Camerino, 19O1. 23A) Giammaria Cecchi, 1518-1587.
Assiuoló (155O).

F. Rizzi: Le commedie osservate di Cecchi e Ia commedia elassica dei sec. XVI. Rocca S. Casciano, 19O4.


24) Antonio Francesco Grazzini, dito 11 Lasca, 15O3-1583. Gelosia; La Spiritata; Le Strega; L:"Arzigogolo. O. Dini: Il Lasca tra gli Accademici. Pisa, 1896.

G. Gentile: Delle commedie di Antonio Francesco Grazzini. Pisa, 1897.


M. von Wolff: Antonio Francesco Grazzini. Berlin, 1913.

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 479

tos em Boccaccio e outros contistas; mas a saborosa língua florentina, da qual era considerado o mestre mais espirituoso, é só um dos meios de adaptação perfeita

dos assuntos à vida moderna. As comédias de Grazzini são

farsas como as dos outros plautianos - o seu Arzigogolo é a peça mais cômica do teatro italiano - e ao mesmo tempo um panorama vivo da sociedade italiana do século

XVI, dos costumes da burguesia e da jeunesse dorée. Se houvesse dúvida quanto à veracidade do quadro, bastaria citar

os contos de Bandello (25), homem de bom senso lombardo
e sem muita paixão pelos estudos clássicos, grande talento de narrador que o aproxima, às vêzes, de Ariosto: o quadro da vida italiana em Bandello é o mesmo que

em Grazzini. É como a prova definitiva do caráter burguês da civilização classicista do "Cinquecento". A historiografia literária tomou em face daquela comédia e

daquela novelística uma atitude moralizante : salientou que a comédia obscena de Bibbiena, que era cardeal da Igreja romana, fôra representada na presença do Papa

Leão X, e isso em 1518, quando no Norte já rebentara a tempestade da Reforma. A corrução moral, da qual aquela comédia e novelística são o espelho, teria sido a

verdadeira causa da catástrofe italiana.
Ésse ponto de vista, em que há algo de verdade, não pode ser mantido integralmente. A imoralidade daquela literatura não pode ser deduzida dos assuntos, tomados

quase sempre de empréstimo à comédia latina e à novelística do "Trecento" e do "Quattrocento" (26). A apreciação

25) Matteo Bandello, c. 148O-c. 1561.

Novelle (1554/1573).

Edição por G. Brognoligo, 5 vols., Bari, 191O.

E. Masi: Matteo Bandello e Ia vita italiana in un novellatore

dei 5OO. Bologna, 19OO.

F. Picco: Matteo Bandello, évêque d:"Agen. Agen, 192O.


Th. G. Griffith: Bandello:"s Fiction. Oxford, 1955.

26) V. De Amicis: L:"imitazione latina nella commedia italiana.

rente, 1897.

G. B. Pellizzaro: La commedia dei secolo XVI e Ia novellistica an

teriore. Vicenza, 19O1.

Fi-


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moralista já é, aliás, a do próprio Grazzini; na edição de

1582 das suas comédias, justifica-lhes a licenciosidade pelo objetivo de revelar os segredos do vício e ensinar melhores costumes. Mas Grazzini escreveu isso 4O

anos depois de ter escrito as comédias e 2O anos depois do concílio de Trento. O moralismo de Grazzini é pretexto; o nosso ponto de vista não pode ser o mesmo, mas

seria no fundo o mesmo se considerássemos como fotografia da realidade o que foram imaginações de um grande autor cômico. "Ci è in lua", dizia De Sanctis, "la stoffa

di un grande scrittor comico", mas advertiu: "Cosa manca al Lasca? Lã mano che trema". A corrução nunca está no assunto; tôdas as épocas são mais ou menos corrompidas.

A corrução está no autor, na falta de critério moral. E isto se aplica não só ao Lasca, mas a tôda a literatura classicista do "Cinquecento", que era, como os classicismos

sempre são, conformista; contribuiu até, pela idealização, para ocultar a verdadeira situação social: a derrota do nacionalismo romano dos humanistas, a impotência

política da Itália no momento do seu maior desenvolvimento cultural, a degeneração do "possibilismo" renascentista em individualismo anárquico, a atomização da vida,

o caos dos valores.

Do humanismo não pôde vir a salvação; estava comprometido demais com os podêres estabelecidos, antigos e novos. Exemplo disso é o famoso "Lorenzaccio", Lorenzino

de Mediei (27), autor da Aridosia, uiva das melhores comé

27) Lorenzino deMedici, 1513-1548.

Aridosia (1535) ; Apologia (primeira edição impressa na Storia fiorentina, de Varchi, publicada em 1723). Edição por F. Revello, Torino, 1921.

F. Martini: Lorenzino deMedici, il tirannicidio nel Rinascimento. Firenze, 1882.

L. A. Ferrai: Lorenzino de:"Medici e ia societ3 cortigiana dei 5OO. Milano, 1891.

M. Storti: Lorenzino de:"Medici e i suoi scritti. Casalmaggiore, 19O7.

A. Salva: Lorenzino de:"Medici e ia sua Apologia. Sulmona, 1913. E. Rho: Lorenzino il tirannieida. Rovigv, 1928.

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 481

dias plautinas do século. Durante anos, foi companheiro de devassidão do Duque Alexandre de Toscava, seu primo, para descobrir, de repente, a sua vocação de Bruto

e assassinar o tirano. No exílio escreveu, para defender-se, a admirável Apologia, a maior peça de oratória italiana, de uma fôrça digna de Demóstenes. Fêz o papel

de Bruto; e acabou falando como só um verdadeiro Bruto poderia ter falado. "Lorenzaccio" é um problema psicológico: dramaturgos como Shirley e Musset esforçaram-se

para explicar o caso. Mas não é um problema histórico. O Estado já não era, como no "Quattrocento", uma obra de arte, e sim um teatro de crimes, e os humanistas

foram os aliados dos criminosos, elogiando-lhes a "virtú" que teria vencido a "Fortuna". A atitude catilinária já era anacrônica.

Em meio do caos moral, ainda permanece possível a procura de um ponto firme fora da realidade, limitando o possibilismo individualista pelas normas da tradição cristã,

ou pela "contenance" do ideal aristocrático, ou então pelo senso utilitarista, pragmatista, da burguesia. São as tentativas dos humanistas virgilianos, de Castiglione

e de Maquiavel, e em todos êles age o platonismo subterrâneo, herdado da mística do "Quattrocento"; até o Estado de Maquiavel e:" uma utopia às avessas da utopia

platônica. Ou então, as classes plebéias revoltam-se numa tentativa de oposição; representam-nas o pobre clérigo Berna, o proletário inculto Aretino, o camponês

Folengo.

O virgilianismo dos humanistas cristãos é a reação italiana contra o ciceronianismo oficial. Virgílio fôra sempre um ídolo dos humanistas: o Cícero da poesia. Mas

basta comparar um humanista como Giovanni Rucellai - cujo poema didático Le Api (1524) é uma versão livre, muito bela, do quarto livro da Georgica - com os virgilianos

cristãos, os Sannazaros e Vidas, para sentir um outro espírito. Neste espírito é inconfundível a influência de Erasmo, que com o Ciceronianus se tornara adversário

poderoso dos humanistas pagãos; o papel de Erasmo nos movimentos religiosos da Itália do século XVI foi con-

#482 OTTO MARIA CARPEAUX

siderabilíssimo (28). O que distingue os virgilianos italianos, é certa melancolia crepuscular e atitude de evasão. O primeiro e maior entre êles, Sannazaro, o autor

do De partu virginis, é ao mesmo tempo o autor da Arcadia. No seio do virgilianismo dos humanistas cristãos nasceu a pastoral, a poesia bucólica (29).


O sucesso da poesia virgiliana cristã foi maior do que se pensa e maior do que seu valor justifica. É hoje difícil imaginar a glória internacional de Battista Mantovano

(3O); o espírito que enforma as suas 1O Eclogae latinas é o de um monge medieval, mas a forma é virgiliana. As Eclogae do Mantovano foram divulgadas em inúmeras

edições e numerosas traduções; no tempo de Shakespeare, serviram de livro didático nas escolas inglêsas. Mas só nas suas poesias mariológicas (Parthenicae) o Mantovano

conseguiu a harmonia perfeita entre espírito cristão e forma clássica. A imitação exata de Virgílio prejudica as églogas cristãs do latinista Marco Antônio Flamínio

(1498-155O). O espí

rito cristão é mais forte em Girolamo Vida (31) : afirma-se


que Tasso, Milton e Klopstok encontraram na sua Christias a idéia do conselho dos espíritos infernais, e recentemente celebra-se Vida como precursor poético da Contra-Reforma.

Mas, como poeta, Vida oferece só o fraco encanto da "melancolia da impotência".


O crepúsculo do espírito aristocrático é representado
pela obra de Baldassare Castiglione (32). Mas nem sempre 28) P. de Nolhac: Erasme et l:"Italie. 2.a ed. Paris, 1925. (Cf. nota 5.)

A. Renaudet: Eras-me et 1:"Italie. Paris, 1946.

29) V. Zabughin: Storia del rinascimento cristiano in Italia. Milano, 1924.

3O) Cf. "A Renascença Internacional% nota 57. 31) Girolamo Vida, 1485-1566.

Christias (1535).

E. Lopez Celly: La Cristiade de Girolamo Vida. Alatri, 1917. 32) Baldassare Castiglione, 1458-1529.

Cortegiano (1528).

Edição comentada por V. Cian, 3.8 ed., Firenze, 1929.

G. Todaro: Il tipo ideale del cortigiano nel Cinquecento. Vittoria, 19O6.

T. F. Crave: Italian Social Customs of the Sixteenth Century.

Newhaven, 192O.

V. Cian: La língua di Baldassare Castiglione. Firenze, 1942.

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 483

o Cortegiano se interpretou assim; e já foi considerado como realidade maravilhosa o que era apenas ideal de um sonhador. Os diálogos do Cortegiano, dos quais participam

a Duquesa Elisabetta Gonzaga, Giuliano de Medici, Bembo, Bibbiena e outros cavaleiros e damas de alta cultura literária e pessoal, apresentam um quadro encantador:

a côrte de Urbino como imagem da civilização aristocrática da Renascença. O cortesão ideal de Castiglione é um cavaleiro de maneiras distintas, igualmente forte

nas armas,, nos esportes, na conversação culta, na galantaria e _ nas letras clássicas e italianas. Segundo conceitos modernos, sua vida é completamente inútil,

porque antieconômica. Certas licenciosidades e expressões fortes indicam que Castiglione não pretendeu idealizar demais; se nós outros respiramos a atmosfera de

Rafael nessas conversas de Urbino, talvez seja êrro de perspectiva. Contudo, aquela figura ideal de Cortegiano não existiu nunca. Mas taropouco o leitor moderno

deve concluir que aquêle ideal histórico seja sem significação atual. O Cortegiano é a apologia da cultura pessoal, das leituras desinteressadas, do comportamento

digno, do desenvolvimento igual e perfeito do corpo e da alma. Em todos os pormenores, o livro, que teve sucesso enorme e internacional, é da época. Hoje, só pode

ser lido como documento histórico e modêlo dee estilo. Mas não mereceria prognóstico muito favorável a civilização que se esquecesse de todo do ideal do Cortegiano;

pois seria, em última conclusão, a perda de todos os valores superiores da vida humana. E o próprio Baldassare Castiglione pressentiu êsse fim da sua própria civilização.

No quarto livro da obra, discute-se a finalidade das sutilezas do espírito e delicadezas da alma, e uma tristeza secreta obumbra o diálogo. Castiglione conhece o

esplendor do espírito e sabe da sua limitação. Sabe escrever diálogos como só o sabia fazer Platão, mas não tem a fé de Platão na indestrutibilidade das idéias e

dos ideais. Éste livro tem o encanto do crepúsculo.

#484 OTTO MARIA CARPEAUX

Castiglione é um espírito antiutilitário, antipragmatista, aristocrático e antiburguês. É - espantosamente - o

contemporâneo de Maquiavel. Em Castiglione, a civilização é um ideal sem utilidade, uma idéia platônica; em Maquiavel, é um meio, um instrumento para fins objetivos.

A filosofia do burguês Maquiavel é, para empregar um têrmo de Dewey, uma espécie de instrumentalismo. Instrumento, às vêzes útil, às vêzes inútil, também lhe parece

a moral, e dêste modo conquistou Maquiavel a fama histórica do maior amoralista de todos os tempos. Confundindo Maquiavel com os maquiavelistas, somos levados a

imaginar um Maquiavel reacionário feroz e advogado da violência. Mas já a verdade biográfica revela uma personalidade diferente.

Niccoló Machiavelli (33) foi inimigo da revolução democrático-religiosa de Savonarola, porque sabia que o poder devia permanecer, à Ia longue, com os ricos e con

33) Niccoló Machiavelli, 1469-1527.

Vita di Castruccio Castracani (152O) ; Dell:"arte delia guerra (1521) ; Diseorsi sopra Ia prima deva di Tito Livio (1531) ; Istorie fiorentine (1532) ; Il Príncipe

(1532) ; Mandragola (1524) ; Clizia (1537) ; Novella di belfagor arcidiavolo (1549) ; Capitoli. Edição completa por G. Mazzoni e M. Casella, Firenze, 1929. F. De

Sanctis: "Machiavelli". (In: Storia delia letteratura italiana, 1871. 2.a ed. por B. Croce, Bari, 1913, vol. II.)

P. Villari: Niccoló Machiavelli e i suoi temei. 2.11 ed. 2 vols. Milano, 1895/1897.


J. Morley: Machiavelli. London, 1897.

S. Manfredi: La vita e le opere di Niccoló Machiavelli. Livorno, 1926.


E. Janni: Niccoló Machiavelli. Milano, 1927.

D. E. Muir: Machiavelli and his Times. London, 1936.

R. Koenig: Machiavelli Zur Krisenanalyse einer Zeitenwende. Zuerich, 1941.
L. Olschki: Machiavelli the Scientist. Berkeley, 1945. L. Russo: Machiavelli. Bari, 1945. J. H. Whitfield: Machiavelli. Oxford, 1947. M. Brion: Machiavel. Paris,

1948. F. Bruno: Romanità e modernità nel pensiero Milano, 1953.

R. Ridolfi: Vita di Niccoló Machiavelli. Roma, 1954.

servadores. A êsse poder reestabelecido serviu, a partir de 1499, como secretário dos negócios exteriores. Exilado pelos Médicis, viveu como burguês pacífico e apolítico,


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