fabulis; De Aetna; Gli Asolani (15O5) ; Prose delta volgar língua
(1525) ; Rime (153O).
Edição das obras por A. T. Seghezzi, Veneza, 1729. Edição da
Sarca em A. Mai: Spicilegium Romanum. Vol. VIII.
M. Santoro: Pietro Bembo. Firenze, 1937.
8)
P1
#474 OTTO MARIA CARPEAU%
a glória dêsse ditador literário era imensa; hoje, é desprezado, embora um Burckhardt considerasse como obra-prima o idílio latino Sarca - e não é de todo impossível
que classicismos futuros lhe tributem admiração maior da que permite o nosso anti-historicismo ingrato. Molza (1O), outro difamado, escrevendo de preferência em
latim, era homem devasso e poeta licencioso; mas a sua fábula bucólica Ninfa Tiberina é uma transfiguração tão bela da paisagém romana que até o severo De Sanctis
a admirou. Annibale Caro (11), se não é, apesar do vigor dos seus sonetos satíricos, um grande poeta, é pelo menos um grande escritor, como revela nas suas cartas,
consideradas clássicas, na bela tradução de Dáfnis e Voe, e afinal na famosa tradução da Eneida: até os anacronismos do estilo dessa obra revelam a arte vigorosa
dos cinquecentistas para conquistar ao volgar as obras da Antiguidade. Giovanni Guidiccioni (12) salva-se aos olhos da posteridade italiana pelo patriotismo de alguns
sonetos. Giovanni Della Casa (1% autor famoso do Galateo, espécie de pendant menos aristocrático do Cortegiano, e poeta medíocre, retórico, tinha
1O) Francesco Maria Molza, 1489-1544.
Ninfa Tiberina.
W. Soederhjelm: Francesco Maria Molza, en renaessenspoets lefverne och Diktning. Helsinki, 1911.
11) Annibale Caro, 15O7-1566.
Scritti scelti, edit. e comentad. por V. Cian e E. Spadolini, Milano, 1912.
12) Giovanni Guidiccioni,
Rime (1557).
Edição por E. Chiorboli, Bari, 1912.
E. Chiorboli: Giovanni Guidiccioni. Jesi, 19O7.
13) Giovanni Della Casa, 15O3-1556.
Galateo (1554); Rime e Prose (1558).
As obras poéticas, completas, só na edição de G. B. Casotti, Firenze, 17O7.
Edição do Galateo por C. Steiner. Milano, 191O.
G. Tinivella: Il Galateo di Giovanni Della Casa. Roma, 1937. L. Campana: "Monsignore Della Casa e i suoi temei". (In: Studi
storici, XVI.)
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 475
momentos raros de grande inspiração. Foi sobretudo a noite que o inspirou, e ao "Sorno" da "Notte placido figlio", o poeta insone dedicou o famoso sonêto que termina
com o verso inesquecível:
" o notti acerbe e dure!"
São sobretudo Guidiccioni e Della Casa, os menos petrarquistas entre os classicistas do "Cinquecento", que hoje são reabilitados pelo crítico Carlo Bo. Bernardino
Rota (14) é menos original e menos desigual. Os 36 sonetos sôbre a morte de sua espôsa - Rota é o único poeta do amor conjugal, entre os petrarquistas - e as 14
églogas sôbre o gôlfo de Nápoles, imitam servilmente Petrarca e Sannazaro, mas com tanto virtuosismo verbal que os contemporâneos o julgavam superior a ambos. Galeazzo
di Tarsia (ls) é diferente de todos; misteriosa como a sua personalidade, que não foi possível identificar com certeza, é a índole da sua poesia, indepedente das
metáforas petrarquescas, de um romantismo melancólico; com as suas próprias palavras, viu e sentiu "altro sol, altra aurora". Enfim, Gaspara Stampa (1O) conseguiu
o que nenhum dos outros conseguira: sem romper com o petrarquismo, fazer do
14) Bemardino Rota, 15O9-1575.
In morte da Porzia Capece; Ecloghe piscatorie.
Edição por Cacchio, Napoli, 1726.
G. Rosalba: "Un poeta coniugale". (In: Giornale Storico, XXVI.)
15) Galeazzo di Tarsia, 152O-1553? (foi tantas vêzes já, pelos temporâneos, confundido com outro poeta do mesmo nome que não é possível identificá-lo com certeza).
Rime (publicadas por Basile, 1617). Edição por F. Bartelli, Cosenza, 1888. A. Emanuele: Galeazzo di Tarsia. Taranto, 19O8.
16) Gaspara Stampa, 1523-1554. Rime.
Edit. por A. Salta, Bari, 1912.
G. A. Borgese: "Il processo di Gaspara Stampa". (In: Studi di
letteratura moderna. Milano, 1915.)
E. Donadoni: Gaspara Stampa. Messina. 1919.
G. A. Cesareo: Gaspara Stampa, Donna e poetessa. Napoli, 192O.
15OO-1541.
con-
#476 OTO MARIA CARPEAUZ
sonêto convencional o vaso de uma expressão pessoal e apaixonada ("Amor m:"ha fatio tal ch:"io vivo in foco", e "O noite a me piú chiara e piú beata", com alusão
inequívoca),
da qual o próprio Petrarca não fôra capaz. O preço dessa originalidade foi a vida inteira: iludida pelo primeiro ao qual se entregou, recebida com frieza pelo ou
tro, acabando em febre da alma e do corpo, essa Labé italiana, menos artista e menos burguesa do que a cidadã de Lião, não foi vitima romântica das convenções, que
ela desprezou, e sim da poesia desmesurada na sua alma. Gaspara Stampa não era daquele mundo.
Um romântico chamaria "trágica" a vida de Gaspara Stampa, e os dramaturgos barrocos, já da segunda metade do século XVI, seriam da mesma opinião. Os contemporâneos
de Gaspara Stampa, não. O seu conceito da tragédia excluiu a paixão "imoral" ou criminosa no herói, justamente o que o Barroco julgará indispensável para chegar
à purificação moral no fim da peça. O conceito da tragédia na Renascença é elegíaco, inspirado nos coros líricos de Sófocles, compreendido como espécie de Virgílio
da tragédia. Êste foi o modêlo de Trissino (17) ao escrever a Sofonisba (1515), a primeira tragédia "clássica" das literaturas européias, obra que tem apenas o mérito
da prioridade e o mérito menos certo de ter impôsto à literatura trágica da primeira metade do século XVI (18) o modêlo impróprio da tragédia grega; impróprio porque
a tragédia grega é mitológica, enquanto o teatro moderno desconhece o mito. Dai a necessidade de escolher enredos históricos, como na Rosmunda, de Giovanni Rucellai
(14751526), enquanto Oreste (1526), do mesmo autor, se transforma quase em tragédia burguesa ou doméstica. O exem17) Giangiorgio Trissino, 1478-155O. M. -Teatro
e Poesia do Bar
roco protestante% nota 25.)
Sofonisba (1915).
E. Ciampolini: La prima tragedia regolare delta letteratura italiana. Firenze, 1896.
G. Marchese: Studio sulla Sofonisba del Trissino. Bologna, 1897. 18) F. Neri: La tragedia italiana nel 5OO. Firenze, 19O4.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 477
plo italiano seduziu, no entanto, os dramaturgos de outras
nações: a Castro, do português Antônio Ferreira (19), que
tem, além da beleza lírica dos coros, a prioridade de ser a primeira tragédia sôbre um assunto moderno e nacional, e foi imitada na Nise lastimosa (1587), do espanhol
Jerónimo Bermudez (t 1599). Também pertence á série das tentativas sofoclianas a Cléopâtre Captive (1552), de Etienne Jodelle, poeta da Plêiade francesa. Em nenhuma
dessas obras se conseguiu atravessar a fronteira entre o triste e o trágico. Só o modêlo de Sêneca, interpretado de maneira nova, dará a tragédia de Giraldi e Speroni,
na Itália, Virués, na Espanha, e Garnier, na França, de Kid, Marlowe e Shakespeare. A autêntica tragédia moderna será criação do Barroco.
O produto mais vivo da literatura classicista é a comé
dia (2O), embora sem sair da imitação de Plauto. Parece que
escrever comédias plautinas, com os conhecidos pais estúpidos e avarentos, filhos enamorados, môças duvidosas e criados astutos, era negócio de tôda a gente. Ariosto
(21) é um dos primeiros cultores da comédia plautina, e dos mais felizes; e a obra-prima no gênero será de Maquiavel. A imitação de Plauto inicia-se, após as primeiras
tentativas do "Quattrocento", com a Calandria (1513), de Bib
biena (22), na qual a comicidade das confusões entre gê
19) Antônio Ferreira, 1528-1569. Castro (1553?).
Edição por Mendes dos Remédios, Coimbra, 1915.
T. Heinermann: Ignez de Castro. Die dramatischen Behandungen der Sage in den romanischen Literaturen. Leipzig, 1914. J. G. Fuecila: Studies and Notes. Napoli, 1953.
2O) J. Sanesi: La commedia. Milano, 1911.
L. Russo: Le comedie fiorentine del 5OO. Firenze, 1939.
21) Cf. nota 2.
E2) Bernardo Dovizi, dito Bibbiena, 147O-152O.
Calandria (representada em 1513, em Urbino, e em 1518, em Roma, perante o papa Leão X). Edição em: I. Sanesi: Commedie del Cinquecento. Vol. I. Bari,
1913.
A. Moretti: "Bernardo Dovizi e la Calandria". (In: Nuova Anto
logia, 1882)
A. Santelli: Il cardinale B£bbiena. Roma, 1931.
#478 OTTO MARIA CARPEAU%
meos, nos Menaechmi, de Plauto, está desdobrada pelo fato
de os gêmeos serem de sexos diferentes; o diálogo da peça
é, aliás, de verve irresistível. As imitações dessa farsa
vivacíssima foram inúmeras. Só Aretino (23), que imitou
na Talanta o Miles gloriosos, teve a coragem do plebeu sem erudição clássica, de zombar, no Filosofo, dos humanistas, e escolher, no resto, assuntos vivos de invenção
própria: no Marescalco antecipou a Epicoene, de Ben Jonson, e no Ipocrito, o Tartuffe. Os outros, todos, exploraram Plauto: Firenzuola, nos Lucidi, os Menaechmi;
Gelli, em La Sporta (1543), a Aulularia. Um dos melhores entre êles é Giammaria Cecchi (23-A), que imitou, na Dote, o Trinummus, nos Rivali, a Casina, nos Incantesimi,
a Cistellaria, na Stiava, o Mercator; mas no Assiuolo conseguiu dramatização eficiente de um assunto boccaccesco. No resto, encontram-se entre os plautianos os nomes
mais famosos do tempo: Trissino, imitando, nos Simillimi (1548), os Menaachmi; Lodovico Dolce, adaptando, no Capitano, o Miles glorious, e no Marito, o Amphitruo;
o famoso ocultista Giovan Battista delia Porta, remodelando, na Trappolaria, o Pseudolus - a relação completa dessas imitações, entre as quais iremos encontrar a
Aridosia, de Lorenzino de Mediei, e o Candelaio, de Giordano Bruno, seria interminável. O maior de todos êsses comediógrafos é Grazzini, chamado Il Lasca (24). Também
êle imita Plauto, embora tomando os assun
23) Cf. nota 35.
Il Marescalco (1533) ; Cortigiana (1534) ; Ipocrito (1542) ; Talantá (1542); Filosofo (1546).
U. Fresco: Le commedie di Pietro Arentino. Camerino, 19O1. 23A) Giammaria Cecchi, 1518-1587.
Assiuoló (155O).
F. Rizzi: Le commedie osservate di Cecchi e Ia commedia elassica dei sec. XVI. Rocca S. Casciano, 19O4.
24) Antonio Francesco Grazzini, dito 11 Lasca, 15O3-1583. Gelosia; La Spiritata; Le Strega; L:"Arzigogolo. O. Dini: Il Lasca tra gli Accademici. Pisa, 1896.
G. Gentile: Delle commedie di Antonio Francesco Grazzini. Pisa, 1897.
M. von Wolff: Antonio Francesco Grazzini. Berlin, 1913.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 479
tos em Boccaccio e outros contistas; mas a saborosa língua florentina, da qual era considerado o mestre mais espirituoso, é só um dos meios de adaptação perfeita
dos assuntos à vida moderna. As comédias de Grazzini são
farsas como as dos outros plautianos - o seu Arzigogolo é a peça mais cômica do teatro italiano - e ao mesmo tempo um panorama vivo da sociedade italiana do século
XVI, dos costumes da burguesia e da jeunesse dorée. Se houvesse dúvida quanto à veracidade do quadro, bastaria citar
os contos de Bandello (25), homem de bom senso lombardo
e sem muita paixão pelos estudos clássicos, grande talento de narrador que o aproxima, às vêzes, de Ariosto: o quadro da vida italiana em Bandello é o mesmo que
em Grazzini. É como a prova definitiva do caráter burguês da civilização classicista do "Cinquecento". A historiografia literária tomou em face daquela comédia e
daquela novelística uma atitude moralizante : salientou que a comédia obscena de Bibbiena, que era cardeal da Igreja romana, fôra representada na presença do Papa
Leão X, e isso em 1518, quando no Norte já rebentara a tempestade da Reforma. A corrução moral, da qual aquela comédia e novelística são o espelho, teria sido a
verdadeira causa da catástrofe italiana.
Ésse ponto de vista, em que há algo de verdade, não pode ser mantido integralmente. A imoralidade daquela literatura não pode ser deduzida dos assuntos, tomados
quase sempre de empréstimo à comédia latina e à novelística do "Trecento" e do "Quattrocento" (26). A apreciação
25) Matteo Bandello, c. 148O-c. 1561.
Novelle (1554/1573).
Edição por G. Brognoligo, 5 vols., Bari, 191O.
E. Masi: Matteo Bandello e Ia vita italiana in un novellatore
dei 5OO. Bologna, 19OO.
F. Picco: Matteo Bandello, évêque d:"Agen. Agen, 192O.
Th. G. Griffith: Bandello:"s Fiction. Oxford, 1955.
26) V. De Amicis: L:"imitazione latina nella commedia italiana.
rente, 1897.
G. B. Pellizzaro: La commedia dei secolo XVI e Ia novellistica an
teriore. Vicenza, 19O1.
Fi-
#48O OTTO MARIA CARPEAUX
moralista já é, aliás, a do próprio Grazzini; na edição de
1582 das suas comédias, justifica-lhes a licenciosidade pelo objetivo de revelar os segredos do vício e ensinar melhores costumes. Mas Grazzini escreveu isso 4O
anos depois de ter escrito as comédias e 2O anos depois do concílio de Trento. O moralismo de Grazzini é pretexto; o nosso ponto de vista não pode ser o mesmo, mas
seria no fundo o mesmo se considerássemos como fotografia da realidade o que foram imaginações de um grande autor cômico. "Ci è in lua", dizia De Sanctis, "la stoffa
di un grande scrittor comico", mas advertiu: "Cosa manca al Lasca? Lã mano che trema". A corrução nunca está no assunto; tôdas as épocas são mais ou menos corrompidas.
A corrução está no autor, na falta de critério moral. E isto se aplica não só ao Lasca, mas a tôda a literatura classicista do "Cinquecento", que era, como os classicismos
sempre são, conformista; contribuiu até, pela idealização, para ocultar a verdadeira situação social: a derrota do nacionalismo romano dos humanistas, a impotência
política da Itália no momento do seu maior desenvolvimento cultural, a degeneração do "possibilismo" renascentista em individualismo anárquico, a atomização da vida,
o caos dos valores.
Do humanismo não pôde vir a salvação; estava comprometido demais com os podêres estabelecidos, antigos e novos. Exemplo disso é o famoso "Lorenzaccio", Lorenzino
de Mediei (27), autor da Aridosia, uiva das melhores comé
27) Lorenzino deMedici, 1513-1548.
Aridosia (1535) ; Apologia (primeira edição impressa na Storia fiorentina, de Varchi, publicada em 1723). Edição por F. Revello, Torino, 1921.
F. Martini: Lorenzino deMedici, il tirannicidio nel Rinascimento. Firenze, 1882.
L. A. Ferrai: Lorenzino de:"Medici e ia societ3 cortigiana dei 5OO. Milano, 1891.
M. Storti: Lorenzino de:"Medici e i suoi scritti. Casalmaggiore, 19O7.
A. Salva: Lorenzino de:"Medici e ia sua Apologia. Sulmona, 1913. E. Rho: Lorenzino il tirannieida. Rovigv, 1928.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 481
dias plautinas do século. Durante anos, foi companheiro de devassidão do Duque Alexandre de Toscava, seu primo, para descobrir, de repente, a sua vocação de Bruto
e assassinar o tirano. No exílio escreveu, para defender-se, a admirável Apologia, a maior peça de oratória italiana, de uma fôrça digna de Demóstenes. Fêz o papel
de Bruto; e acabou falando como só um verdadeiro Bruto poderia ter falado. "Lorenzaccio" é um problema psicológico: dramaturgos como Shirley e Musset esforçaram-se
para explicar o caso. Mas não é um problema histórico. O Estado já não era, como no "Quattrocento", uma obra de arte, e sim um teatro de crimes, e os humanistas
foram os aliados dos criminosos, elogiando-lhes a "virtú" que teria vencido a "Fortuna". A atitude catilinária já era anacrônica.
Em meio do caos moral, ainda permanece possível a procura de um ponto firme fora da realidade, limitando o possibilismo individualista pelas normas da tradição cristã,
ou pela "contenance" do ideal aristocrático, ou então pelo senso utilitarista, pragmatista, da burguesia. São as tentativas dos humanistas virgilianos, de Castiglione
e de Maquiavel, e em todos êles age o platonismo subterrâneo, herdado da mística do "Quattrocento"; até o Estado de Maquiavel e:" uma utopia às avessas da utopia
platônica. Ou então, as classes plebéias revoltam-se numa tentativa de oposição; representam-nas o pobre clérigo Berna, o proletário inculto Aretino, o camponês
Folengo.
O virgilianismo dos humanistas cristãos é a reação italiana contra o ciceronianismo oficial. Virgílio fôra sempre um ídolo dos humanistas: o Cícero da poesia. Mas
basta comparar um humanista como Giovanni Rucellai - cujo poema didático Le Api (1524) é uma versão livre, muito bela, do quarto livro da Georgica - com os virgilianos
cristãos, os Sannazaros e Vidas, para sentir um outro espírito. Neste espírito é inconfundível a influência de Erasmo, que com o Ciceronianus se tornara adversário
poderoso dos humanistas pagãos; o papel de Erasmo nos movimentos religiosos da Itália do século XVI foi con-
#482 OTTO MARIA CARPEAUX
siderabilíssimo (28). O que distingue os virgilianos italianos, é certa melancolia crepuscular e atitude de evasão. O primeiro e maior entre êles, Sannazaro, o autor
do De partu virginis, é ao mesmo tempo o autor da Arcadia. No seio do virgilianismo dos humanistas cristãos nasceu a pastoral, a poesia bucólica (29).
O sucesso da poesia virgiliana cristã foi maior do que se pensa e maior do que seu valor justifica. É hoje difícil imaginar a glória internacional de Battista Mantovano
(3O); o espírito que enforma as suas 1O Eclogae latinas é o de um monge medieval, mas a forma é virgiliana. As Eclogae do Mantovano foram divulgadas em inúmeras
edições e numerosas traduções; no tempo de Shakespeare, serviram de livro didático nas escolas inglêsas. Mas só nas suas poesias mariológicas (Parthenicae) o Mantovano
conseguiu a harmonia perfeita entre espírito cristão e forma clássica. A imitação exata de Virgílio prejudica as églogas cristãs do latinista Marco Antônio Flamínio
(1498-155O). O espí
rito cristão é mais forte em Girolamo Vida (31) : afirma-se
que Tasso, Milton e Klopstok encontraram na sua Christias a idéia do conselho dos espíritos infernais, e recentemente celebra-se Vida como precursor poético da Contra-Reforma.
Mas, como poeta, Vida oferece só o fraco encanto da "melancolia da impotência".
O crepúsculo do espírito aristocrático é representado
pela obra de Baldassare Castiglione (32). Mas nem sempre 28) P. de Nolhac: Erasme et l:"Italie. 2.a ed. Paris, 1925. (Cf. nota 5.)
A. Renaudet: Eras-me et 1:"Italie. Paris, 1946.
29) V. Zabughin: Storia del rinascimento cristiano in Italia. Milano, 1924.
3O) Cf. "A Renascença Internacional% nota 57. 31) Girolamo Vida, 1485-1566.
Christias (1535).
E. Lopez Celly: La Cristiade de Girolamo Vida. Alatri, 1917. 32) Baldassare Castiglione, 1458-1529.
Cortegiano (1528).
Edição comentada por V. Cian, 3.8 ed., Firenze, 1929.
G. Todaro: Il tipo ideale del cortigiano nel Cinquecento. Vittoria, 19O6.
T. F. Crave: Italian Social Customs of the Sixteenth Century.
Newhaven, 192O.
V. Cian: La língua di Baldassare Castiglione. Firenze, 1942.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 483
o Cortegiano se interpretou assim; e já foi considerado como realidade maravilhosa o que era apenas ideal de um sonhador. Os diálogos do Cortegiano, dos quais participam
a Duquesa Elisabetta Gonzaga, Giuliano de Medici, Bembo, Bibbiena e outros cavaleiros e damas de alta cultura literária e pessoal, apresentam um quadro encantador:
a côrte de Urbino como imagem da civilização aristocrática da Renascença. O cortesão ideal de Castiglione é um cavaleiro de maneiras distintas, igualmente forte
nas armas,, nos esportes, na conversação culta, na galantaria e _ nas letras clássicas e italianas. Segundo conceitos modernos, sua vida é completamente inútil,
porque antieconômica. Certas licenciosidades e expressões fortes indicam que Castiglione não pretendeu idealizar demais; se nós outros respiramos a atmosfera de
Rafael nessas conversas de Urbino, talvez seja êrro de perspectiva. Contudo, aquela figura ideal de Cortegiano não existiu nunca. Mas taropouco o leitor moderno
deve concluir que aquêle ideal histórico seja sem significação atual. O Cortegiano é a apologia da cultura pessoal, das leituras desinteressadas, do comportamento
digno, do desenvolvimento igual e perfeito do corpo e da alma. Em todos os pormenores, o livro, que teve sucesso enorme e internacional, é da época. Hoje, só pode
ser lido como documento histórico e modêlo dee estilo. Mas não mereceria prognóstico muito favorável a civilização que se esquecesse de todo do ideal do Cortegiano;
pois seria, em última conclusão, a perda de todos os valores superiores da vida humana. E o próprio Baldassare Castiglione pressentiu êsse fim da sua própria civilização.
No quarto livro da obra, discute-se a finalidade das sutilezas do espírito e delicadezas da alma, e uma tristeza secreta obumbra o diálogo. Castiglione conhece o
esplendor do espírito e sabe da sua limitação. Sabe escrever diálogos como só o sabia fazer Platão, mas não tem a fé de Platão na indestrutibilidade das idéias e
dos ideais. Éste livro tem o encanto do crepúsculo.
#484 OTTO MARIA CARPEAUX
Castiglione é um espírito antiutilitário, antipragmatista, aristocrático e antiburguês. É - espantosamente - o
contemporâneo de Maquiavel. Em Castiglione, a civilização é um ideal sem utilidade, uma idéia platônica; em Maquiavel, é um meio, um instrumento para fins objetivos.
A filosofia do burguês Maquiavel é, para empregar um têrmo de Dewey, uma espécie de instrumentalismo. Instrumento, às vêzes útil, às vêzes inútil, também lhe parece
a moral, e dêste modo conquistou Maquiavel a fama histórica do maior amoralista de todos os tempos. Confundindo Maquiavel com os maquiavelistas, somos levados a
imaginar um Maquiavel reacionário feroz e advogado da violência. Mas já a verdade biográfica revela uma personalidade diferente.
Niccoló Machiavelli (33) foi inimigo da revolução democrático-religiosa de Savonarola, porque sabia que o poder devia permanecer, à Ia longue, com os ricos e con
33) Niccoló Machiavelli, 1469-1527.
Vita di Castruccio Castracani (152O) ; Dell:"arte delia guerra (1521) ; Diseorsi sopra Ia prima deva di Tito Livio (1531) ; Istorie fiorentine (1532) ; Il Príncipe
(1532) ; Mandragola (1524) ; Clizia (1537) ; Novella di belfagor arcidiavolo (1549) ; Capitoli. Edição completa por G. Mazzoni e M. Casella, Firenze, 1929. F. De
Sanctis: "Machiavelli". (In: Storia delia letteratura italiana, 1871. 2.a ed. por B. Croce, Bari, 1913, vol. II.)
P. Villari: Niccoló Machiavelli e i suoi temei. 2.11 ed. 2 vols. Milano, 1895/1897.
J. Morley: Machiavelli. London, 1897.
S. Manfredi: La vita e le opere di Niccoló Machiavelli. Livorno, 1926.
E. Janni: Niccoló Machiavelli. Milano, 1927.
D. E. Muir: Machiavelli and his Times. London, 1936.
R. Koenig: Machiavelli Zur Krisenanalyse einer Zeitenwende. Zuerich, 1941.
L. Olschki: Machiavelli the Scientist. Berkeley, 1945. L. Russo: Machiavelli. Bari, 1945. J. H. Whitfield: Machiavelli. Oxford, 1947. M. Brion: Machiavel. Paris,
1948. F. Bruno: Romanità e modernità nel pensiero Milano, 1953.
R. Ridolfi: Vita di Niccoló Machiavelli. Roma, 1954.
servadores. A êsse poder reestabelecido serviu, a partir de 1499, como secretário dos negócios exteriores. Exilado pelos Médicis, viveu como burguês pacífico e apolítico,
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