sociedade de risco. Nela, os bens coletivos não estão mais garantidos porque
a produção social das riquezas é acompanhada pela produção de riscos
sociais e ambientais. Viver em uma sociedade de risco implica viver em meio a
incertezas. Há cada vez mais dificuldades de prever com segurança as reais
ameaças provocadas pelo desenvolvimento e pela aplicação extensiva de
novas tecnologias e descobertas científicas, que, a serviço de interesses
econômicos, podem alterar para sempre as condições de vida no planeta.
Nessa perspectiva, Beck critica a Sociologia clássica por considerá-la carente
de categorias conceituais e formulações capazes de explicar uma realidade em
acelerada mudança.
352
A transição do período industrial para o período de risco da modernidade
ocorre de forma indesejada, despercebida e compulsiva no despertar do
dinamismo autônomo da modernização, seguindo o padrão dos efeitos
colaterais latentes. Pode-se virtualmente dizer que as constelações de risco
são produzidas porque as certezas da sociedade industrial [...] dominam o
pensamento e a ação das pessoas e das instituições na sociedade industrial. A
sociedade de risco [...] surge na continuidade dos processos de modernização
autônoma, que são cegos e surdos aos seus efeitos e ameaças. De maneira
cumulativa e latente, estes últimos produzem ameaças que questionam e
finalmente destroem as bases da sociedade industrial.
BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização
reflexiva. In: GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização
reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Ed.
da Unesp, 1997. p. 16.
Com a ascensão do capitalismo e, principalmente, a Revolução Industrial,
ocorreu um processo de racionalização progressiva da sociedade, na medida
em que a técnica e a ciência invadiram as diversas instituições sociais e as
transformaram. De acordo com o filósofo e sociólogo Jürgen Habermas
(1929-), a racionalização atinge a tudo e a todos, e os sujeitos foram e são
dominados pelo discurso da racionalidade, da eficiência e da competência. O
ser humano se torna vítima da razão técnico-instrumental, que é, por outro
lado, "irracional", já que as tentativas de domínio sobre a natureza colocaram
em risco a própria humanidade.
Essas condições da sociedade, concentradas e intensificadas no último século,
constituem o que os cientistas sociais denominam modernização - um
processo de mudança provocado pelas invenções e inovações modernas. Esse
processo é marcado pela racionalidade da administração, da industrialização,
da burocracia, da urbanização e da tecnologia avançada na sociedade.
Um exemplo de como essa racionalidade promove a separação entre natureza
e humanidade seria o fracionamento das ciências. Em nome da eficiência
científica, foi criada uma multiplicidade de disciplinas, como a Química, a
Física, a Biologia, entre outras. No entanto, ao separar o ser humano e a
natureza um do outro e selecionar cada um deles em múltiplas partes
(disciplinas científicas), tornou-se mais difícil perceber a interdependência entre
essas esferas.
Existem hoje diversos riscos à saúde, à segurança e ao meio ambiente
produzidos pela ação humana. Uma característica desses riscos é a dificuldade
de controlar seus potenciais efeitos e consequências, pois não sabemos como
enfrentá -los e quem responsabilizar por eles. Um exemplo é a chamada
"doença da vaca louca", associada à mudança na alimentação do gado (que
tinha passado a receber ração feita de farinha dos ossos de animais da mesma
espécie).
As sementes geneticamente modificadas constituem outro caso de risco, pois,
além do pouco conhecimento a respeito das consequências de seu consumo à
saúde, pesquisas apontam que elas contaminam plantações não transgênicas,
reduzem a variabilidade genética de espécies e desestruturam ecossistemas.
Os riscos ambientais são globais, uma vez que atingem todas as classes
sociais e países, embora não da mesma maneira nem com a mesma
intensidade. As consequências do vazamento em uma usina nuclear, por
exemplo, podem extrapolar os limites territoriais do país onde ela se localiza.
LEGENDA: Ulrich Beck, sociólogo alemão que cunhou o conceito "sociedade
de risco" e escreveu inúmeros livros sobre globalização, capitalismo e
cosmopolitismo, entre os quais Sociedade de risco: rumo a uma nova
modernidade (1992) e Modernização reflexiva (1994). Foto de 2012.
FONTE: Steffi Loos/Associated Press/Glow Images
LEGENDA: Em 2011, um terremoto de magnitude 8,9 na escala Richter e um
tsunami subsequente ao largo da costa noroeste do Japão danificaram a
central nuclear de Fukushima Daiichi, causando explosões e vazamento de
material radioativo que contaminaram todo o entorno. A imagem de satélite
mostra a fumaça provocada pelo incêndio.
FONTE: DigitalGlobe/Getty Images
353
Diversos problemas de saúde são associados a questões ambientais, como o
câncer de pulmão (muitas vezes associado à poluição do ar) e o de pele
(associado à exposição excessiva à radiação ultravioleta do sol, pois a camada
de ozônio tem se reduzido em função da emissão de certas substâncias
químicas na atmosfera). Outros riscos podem advir das inovações decorrentes,
por exemplo, da nanotecnologia - um ramo da ciência que desenvolve estudos
e pesquisas envolvendo a manipulação da matéria em escala atômica e
molecular. Essas pesquisas permitiram a criação de novas substâncias,
materiais ou componentes a serem empregados na fabricação de produtos
sofisticados em tamanho muito reduzido. No entanto, cientistas alertam que os
riscos relativos à produção de materiais de dimensões tão reduzidas deveriam
ser cuidadosamente mapeados. Preocupa, por exemplo, a exposição a essas
substâncias de trabalhadores de indústrias como as de cosméticos e de
produção de roupas sintéticas, uma vez que os atuais equipamentos de
proteção e instalações podem ser insuficientes.
LEGENDA: Habitantes de Pequim, na China, usam máscaras cirúrgicas em dia
de grande poluição na cidade. Foto de 2013.
FONTE: Ed Jones/AFP
São muitos os efeitos das mudanças resultantes da relação que os seres
humanos estabelecem entre si e com a natureza. É possível, por exemplo,
correlacionar o aquecimento global com a mudança na quantidade e na
intensidade dos furacões. Por causa de efeitos como as alterações na
temperatura e na composição da atmosfera, a sedimentação da fuligem e de
outras substâncias lançadas no ar e as mudanças nos níveis de radiação,
cientistas como o químico Paul Crutzen (1933-) teorizam a hipótese de que nos
dois últimos séculos entramos em uma nova era geológica: o Antropoceno, isto
é, a era em que a intervenção humana se tornou um fator de grande impacto
na composição física da Terra.
LEGENDA: Mutirão de doação de roupas e alimentos para desabrigados por
temporais em Nova Iguaçu (RJ), em 2013. As mudanças climáticas têm
causado intempéries cada vez mais intensas.
FONTE: Fábio Motta/Estadão Conteúdo/AE
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