Compreensão e atividade inferencial
De maneira geral, hoje podemos distribuir os modelos teóricos que tratam da compreensão em dois grandes paradigmas que podem ser por sua vez desmembrados em muitos outros subconjuntos específicos. Esses dois conjuntos poderiam ser agrupados em duas hipóteses:
(A) compreender é decodificar (metáfora do conduto)
(B) compreender é inferir (metáfora da planta baixa)
Com isso teríamos, de um lado, as teorias da compreensão como decodificação, baseadas na noção de língua como código e, de outro lado, aquelas baseadas na noção de língua como atividade, tomando a compreensão como inferência ou pelo menos como processo de construção baseada numa atividade mais ampla e de base sociointerativa. De um lado, está a perspectiva de uma semântica lexicalista, uma noção de referência extensionalista na relação linguagem-mundo e uma concepção de texto como continente. De outro lado, está uma noção de língua como atividade sociointerativa e cognitiva, com uma noção de referência e coerência produzidas interativamente e uma noção de texto como evento construído na relação situacional, sendo o sentido sempre situado.
Seguramente, haverá necessidade de delimitar com mais precisão esses aspectos, mas desde logo fica claro que todas as teorias que postulam a compreensão como decodificação conduzem à metáfora da língua como veículo ou instrumento de construção do sentido e envolvem um sujeito isolado no processo. Centram-se no código e na forma linguística como o principal objeto de análise. Nesse caso, prevalece a função informacional e ao autor/falante compete a tarefa de pôr as ideias no papel ou nas palavras, já que a língua teria a propriedade de significar com alto grau de autonomia. Os textos seriam portadores de significações e conteúdos objetivos por eles transportados e nós, como leitores ou ouvintes, teríamos a missão de apreender esses sentidos ali objetivamente instalados. Compreender seria uma ação objetiva de apreender ou decodificar o que fora codificado. De algum modo, aqui estão representadas todas as teorias que serviram de modelo para o ensino escolar nos últimos cinquenta anos.
Já no caso das teorias que postulam a compreensão como inferência, toda compreensão será sempre atingida mediante processos em que atuam planos de atividades desenvolvidos em vários níveis e em especial com a participação decisiva do leitor ou ouvinte numa ação colaborativa. Aqui poderíamos adotar a metáfora da compreensão como construção. A língua é vista como uma atividade e não como um instrumento; uma atividade sempre interativa, ou seja, o processo de compreensão se dá como uma construção coletiva. Ainda veremos que isso será matizado e diversificado nas várias teorias inferenciais. Pois cabe perguntar de onde vêm esses conhecimentos que interagem no processo de compreensão e como são usados na suposição de partilhamento.
Se nas teorias do paradigma da codificação se observa uma ingênua noção de objetividade, no caso das teorias do paradigma da inferência temos uma crença generalizada na possibilidade da comunicação intersubjetiva e no partilhamento de conhecimentos como um dado. Acredita-se que a capacidade inferencial é mais ou menos natural e intuitiva. Seguramente, nem tudo isso é assim e, mais do que isto, a compreensão, mesmo sendo em boa medida uma atividade inferencial em que os conhecimentos partilhados vão exercer uma boa dose de influência, seria ingênuo acreditar que isso se dá de maneira não problemática, pois o mal-entendido é um fato. Um desafio no paradigma inferencial é explicar a suposição de expectativa de partilhamento de conhecimentos.
Essas duas perspectivas teóricas não são necessariamente antagônicas, podendo apresentar pontos de contato. Contudo, o mais importante é que cada uma acarretará definições e consequências bastante distintas tanto na noção de língua como de texto e funções da linguagem. [...]
Na tentativa de evitar confusões, alguns aspectos podem ser agora mais bem trabalhados, tais como estes que passo a enunciar:
1) Ler e compreender são equivalentes. [Suponha-se que alguém diga: “Li o livro todo e não entendi nada”. Neste caso, é razoável perguntar-se se ele leu o livro, ou pelo menos seria interessante indagar-se sobre o que se entende com ler no caso de uma expressão como essa. Em suma: ler equivale a ler compreensivelmente. Portanto, recitar de cor um texto não é garantia de tê-lo compreendido. Memorizar não é o mesmo que compreender.]
2) A compreensão de texto é um processo cognitivo. [Na compreensão de texto estão envolvidos aspectos cognitivos, ou seja, nossas faculdades mentais acham-se em ação. Isso aponta para o fato de que o ser humano é um sistema (cognitivo) complexo de armazenamento de informações tendo em vista sempre objetivos muito específicos. Mas um indivíduo social que conhece e não um sujeito intencional pura e simplesmente.]
3) No processo de compreensão, desenvolvemos atividades inferenciais. [Com esta posição admitimos que compreender é partir dos conhecimentos (informações) trazidos pelo
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texto e dos conhecimentos pessoais (chamados de conhecimentos enciclopédicos) para produzir (inferir) um sentido como produto de nossa leitura. Compreender um texto é realizar inferências a partir das informações dadas no texto e situadas em contextos mais amplos.]
4) Os conhecimentos prévios exercem uma influência muito grande ao compreendermos um texto. [São estes conhecimentos os responsáveis básicos pela nossa compreensão.] Destes conhecimentos fazem parte os seguintes:
(1) Conhecimentos linguísticos;
(2) Conhecimentos factuais (enciclopédicos);
(3) Conhecimentos específicos (pessoais);
(4) Conhecimentos de normas (institucionais, culturais, sociais);
(5) Conhecimentos lógicos (processos).
5) Compreender um texto não equivale a decodificar mensagens. [A compreensão não é uma espécie de decodificação, como se nossa atividade de compreensão fosse uma simples depreensão de sentidos a partir de elementos postos no texto.]
[...]
A necessidade de tomar o texto como evento comunicativo
Ao lado da noção de língua, é necessário ter uma noção de texto e de funcionamento do texto. A escola trata o texto como um produto acabado funcionando como um container, onde se “entra” para pegar coisas. Mas o texto não é um puro produto nem um simples artefato pronto; ele é um processo e pode ser visto como um evento comunicativo sempre emergente. Assim, não sendo um produto acabado e objetivo nem um depósito de informações, mas um evento ou um ato enunciativo, o texto acha-se em permanente elaboração ao longo de sua história e das diversas recepções pelos diversos leitores. O texto deve preencher alguns requisitos para sua formulação, mas eles não são condições necessárias nem suficientes. A textualidade se dá como um sistema equilibrado de relações entre forma e conteúdo e não como a observância de uma gramática ou conjunto de regras de boa formação.
O texto é uma proposta de sentido e se acha aberto a várias alternativas de compreensão. Mas todo cuidado aqui é pouco, pois o texto não é uma caixinha de surpresas ou algum tipo de caixa-preta. Se assim fosse, ninguém se entenderia e viveríamos em eterna confusão. Há, pois, limites para a compreensão textual. E esses limites são dados por alguns princípios de compreensão, como ainda veremos adiante. Nessa visão, a coerência de um texto é uma perspectiva interpretativa do leitor e não se acha inscrita de forma completa e unívoca no texto. Um texto pode ter coerências diversas e, ao carecer de evidências, o leitor constrói a sua. Nem sempre é feliz nesta atividade e não raro falseia informações. Aqui, os conhecimentos individuais são muito importantes e até mesmo decisivos, não só como base para a percepção do que está sendo dito, mas para, pura e simplesmente, montar um sentido.
A sugestão é que se tome o texto como um evento comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas, tal como proposto por Beaugrande. Portanto, se a língua é atividade interativa e não apenas forma, e o texto é um evento comunicativo e não apenas um artefato ou produto, a atenção e a análise dos processos de compreensão recaem nas atividades, nas habilidades e nos modos de produção de sentido bem como na organização e condução das informações. Como o texto é um evento que se dá na relação interativa e na sua situacionalidade, sua função central não será a informativa. Os efeitos de sentido são produzidos pelos leitores ou ouvintes na relação com os textos, de modo que as compreensões daí decorrentes são fruto do trabalho conjunto entre produtores e receptores em situações reais de uso da língua. O sentido não está no leitor, nem no texto, nem no autor, mas se dá como um efeito das relações entre eles e das atividades desenvolvidas. Nesse caso, ele apresenta um alto grau de instabilidade e indeterminação por ser um sistema complexo e com muitas relações que se completam na atividade enunciativa. Assim, pode-se dizer que textos são sistemas instáveis e sua estabilidade é sempre um estado transitório de adaptação a um determinado objetivo e contexto.
Escrever não é comunicar ou transmitir para o papel algo que está na mente ou no mundo e que deve ser captado por outras mentes. Pois se a língua não é um sistema de representação ou espelhamento da realidade ou de ideias, a escrita é uma invenção permanente do mundo e a leitura é uma reinvenção. Seguramente, essas atividades não são aleatórias nem voluntariosas, mas regradas pelas vivências, pelo controle social e pela cultura. Tanto a escrita como a fala são atividades situadas e a situação, ou o contexto (cognitivo, social, cultural, histórico), em que são produzidas é parte integral do ato de escrever ou falar. Um texto é produzido sob certas condições, por um autor com certos conhecimentos e determinados objetivos e intenções. Em outro contexto de recepção, aquele texto assim produzido pode ter outras condições de recepção. Ler a carta de Pero Vaz de Caminha hoje não é o mesmo que há quatro ou cinco séculos. Os textos têm histórias, são históricos. Em geral, o autor tem em mente um certo público, mas não elimina outros. Isso repercute diretamente sobre a forma de organização dos materiais linguísticos e as condições de processamento. Daí também a dificuldade de se dizer o que é uma leitura objetiva, se é que isso faz algum sentido.
Os textos sempre se realizam em algum gênero textual particular, seja uma notícia de jornal, uma piada, uma reportagem, um poema, uma carta pessoal, uma conversação espontânea, uma conferência, um artigo científico, uma receita culinária ou qualquer outro. E cada gênero tem maneiras especiais de ser entendido, não se podendo ler uma receita culinária como se lê uma piada, um artigo científico ou um poema. O gênero textual é um indicador importante, pois a produção e o trato de um artigo científico são diversos dos de uma tirinha de jornal ou um horóscopo. Os gêneros não são simples formas textuais, mas “formas de ação social”, como diz Carolyn Miller, e eles são orientadores da compreensão, como propõe Bakhtin.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008. p. 229-243. (Fragmento).
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Da teoria à prática: identificação de informações e realização de inferências
Em seu texto, Luiz Antônio Marcuschi propõe que consideremos a atividade de leitura como algo que exige a participação ativa do leitor. Dentre os procedimentos associados à construção de sentido, o autor chama nossa atenção para a necessidade de, durante a leitura de um texto, realizarmos inferências que estabelecem relações necessárias entre informações presentes no texto a ser lido e nosso repertório pessoal.
Para os alunos, nem sempre é fácil estabelecer essas relações e realizar as inferências necessárias para construir o sentido do texto. Isso acontece por diferentes motivos, mas duas dificuldades costumam ser recorrentes:
1. Não identificarem de modo organizado as informações presentes no texto.
2. Não estabelecerem critérios de exclusão de informações não pertinentes (ou não produtivas, no contexto), dentre as várias identificadas.
Para nós, professores, o desafio presente na leitura de um texto teórico, como o que acabamos de ler, é conceber estratégias concretas que, uma vez utilizadas em sala de aula, possam auxiliar os alunos a desenvolver os procedimentos de leitura apresentados por Luiz Antônio Marchuschi como essenciais para a construção do sentido de um texto.
Nesta obra, tivemos a preocupação de explorar algumas dessas estratégias. Antes do Capítulo 22, logo no início da Unidade 7, a seção Procedimentos e recursos textuais apresenta a construção do sentido de uma tira exatamente para auxiliar os alunos a desenvolverem estratégias para realizar inferências.
Apresentamos, a seguir, uma atividade que pode tornar mais compreensível para os alunos a diferença entre informações pertinentes e informações não pertinentes (ou não produtivas), a partir da análise do contexto estabelecido, uma condição necessária para que os alunos possam realizar inferências com maior segurança.
Escolhemos um texto do gênero tira cômica como base para essa atividade, mas a proposta pode ser realizada com textos de diferentes gêneros (uma notícia curta, por exemplo). Sugerimos que o texto inicial seja uma tira cômica, porque ela oferece, além das informações verbais, um conjunto de elementos não verbais que também se mostrará útil no momento de os alunos realizarem a atividade proposta. Uma vez familiarizados com os procedimentos sugeridos, atividades semelhantes podem ser feitas com textos de outros gêneros discursivos.
A única condição a ser observada para que essa atividade ofereça os elementos básicos para que os alunos possam executar a tarefa proposta é que os diferentes quadrinhos ou trechos que irão compor o conjunto com o qual eles irão trabalhar sejam escolhidos de modo criterioso para permitirem a adoção dos procedimentos analíticos que ajudarão a estabelecer a diferença entre as informações importantes para a realização de inferências e as que não contribuirão para esse processo.
Orientações gerais:
1. Apresentar aos alunos o 1º quadrinho de uma tira. Pedir que identifiquem todas as informações (verbais e não verbais) presentes nesse quadrinho. Essa identificação pode ser feita individualmente (por escrito) ou como uma atividade coletiva, oralmente.
Explicar que o objetivo da atividade será, com base nas informações, identificar os quadrinhos que faltam e colocá-los em ordem para completar a tira.
2. Informar aos alunos o número total de quadrinhos da tira.
3. Apresentar, na sequência, um conjunto de outros quadrinhos de tiras da mesma personagem, dentre os quais estejam os quadrinhos que faltam para completar a tira escolhida.
Dado inicial: 1º quadrinho da tira
CALVIN & HOBBES, BILL WATTERSON © 1995 WATTERSON / DIST. BY UNIVERSAL
Número de quadrinhos da tira do Calvin: quatro quadrinhos.
Quadrinhos a serem analisados:
1.
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CALVIN & HOBBES, BILL WATTERSON © 1995 WATTERSON / DIST. BY UNIVERSAL
6.
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Passo a passo:
Uma vez apresentado o 1º quadrinho da tira escolhida, pedir aos alunos que, com base nas informações identificadas na leitura desse quadrinho, avaliem cada um dos outros quadrinhos apresentados e os separem em duas categorias:
a) os que podem fazer parte da tira a ser montada;
b) os que não podem fazer parte da tira a ser montada.
Analisar com os alunos cada um dos quadrinhos e, com base no que for sendo dito, montar uma lista de critérios de seleção de quadrinhos potenciais da tira a ser reconstruída. Pedir que os alunos explicitem as razões pelas quais decidiram excluir alguns quadrinhos. Listar esses motivos como os critérios de exclusão.
Uma vez estabelecidas essas duas listas, promover a reflexão sobre a importância, no momento de leitura de um texto, do processamento das informações obtidas. Com base apenas em um quadrinho, eles deverão ter identificado uma série de elementos importantes para antecipar o que deveria (ou excluir o que não poderia) estar presente nos quadrinhos seguintes:
1. O protagonista é um menino (Calvin).
2. Ele está vestindo uma camiseta listrada.
3. Há uma situação específica apresentada: o menino foi fazer uma torrada, e ela ficou muito queimada.
4. Em função do que aconteceu, a expressão facial da personagem sugere irritação, desagrado.
5. O menino atribui à torradeira a “culpa” pela torrada ter queimado.
Orientar os alunos a considerarem cada um dos quadrinhos que sobraram como uma cena.
Pedir que, com base na releitura do quadrinho inicial, organizem as cenas em uma sequência que faça sentido em termos temporais.
Tira completa:
O melhor de Calvin
BILL WATTERSON
CALVIN & HOBBES, BILL WATTERSON © 1995 WATTERSON / DIST. BY UNIVERSAL
O Estado de S. Paulo. São Paulo, 13 nov. 2015.
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Montando a sua estante
Dos muitos livros consultados durante a elaboração desta obra, selecionamos alguns cuja leitura pode se mostrar valiosa para a reflexão sobre os diferentes gêneros do discurso ou que nos ajudaram a desenvolver a perspectiva metodológica adotada.
A leitura desses títulos contribuirá não só para ampliar a formação do professor, mas também para auxiliá-lo a definir novas estratégias de abordagem e discussão dos gêneros do discurso.
Livros
Análise de textos: fundamentos e práticas, de Irandé Antunes. São Paulo: Parábola, 2010.
A construção do argumento, de Anthony Weston. Tradução de Alexandre Feitosa Rosas. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
Pensamento crítico: o poder da lógica e da argumentação, de Walter A. Carnielli e Richard L. Epstein. São Paulo: Rideel, 2009.
Produção textual, análise de gênero e compreensão, de Luiz Antonio Marcuschi. São Paulo: Parábola, 2008. (Obra indicada no PNBE do Professor).
É possível facilitar a leitura: um guia para escrever claro, de Yara Liberato e Lúcia Fulgêncio. São Paulo: Contexto, 2007.
Ler e compreender: os sentidos do texto, de Ingedore Villaça Koch. São Paulo: Contexto, 2006.
Redação e textualidade, de Maria da Graça Costa Val. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
A comunicação nos textos, de Norma Discini. São Paulo: Contexto, 2005.
Gêneros textuais e ensino, de Anna Rachel Machado, Angela P. Dionisio e Maria Auxiliadora Bezerra (Orgs.). 4. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
Gêneros orais e escritos na escola, de Bernard Schneuwly et alii. Tradução de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras, 2004.
Linguagem e ideologia, de José Luiz Fiorin. 8. ed. São Paulo: Ática, 2004.
Atividade de linguagem, textos e discursos, de Jean-Paul Bronckart. Tradução de Anna Rachel Machado e Péricles Cunha. São Paulo: Educ, 2003.
O texto e a construção dos sentidos, de Ingedore Villaça Koch. São Paulo: Contexto, 1997.
A inter-ação pela linguagem, de Ingedore Villaça Koch. 5. ed. São Paulo: Contexto, 1995.
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PROPOSTAS PEDAGÓGICAS E REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA DOCENTE
Práticas interdisciplinares
Introdução
O trabalho com a língua portuguesa é, no ambiente escolar, um dos espaços mais propícios ao desenvolvimento de propostas interdisciplinares. Como responsável pelo programa de três campos de saber (Gramática, Literatura e Produção de texto) considerados componentes indispensáveis de qualquer grade curricular, o professor de português precisa desenvolver recursos para abordar desde esquemas lógicos (do qual a análise sintática é um exemplo) até a observação de elementos naturais, culturais e histórico-sociais para analisar objetos, eventos e fenômenos (uma prática comum, por exemplo, no estudo das escolas literárias e no reconhecimento das propriedades dos gêneros discursivos).
À luz dos eixos programáticos do Ensino Médio Inovador, o papel do professor de Língua Portuguesa assume uma importância singular: é impossível que o conhecimento científico-tecnológico, a formação cultural e a aquisição de habilidades para a vida profissional sejam construídos sem a intermediação da linguagem. Dessa perspectiva, o profissional da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias pode ser o protagonista do esforço interdisciplinar demandado pelos objetivos que guiam o Ensino Médio: o trabalho satisfatório com gramática, literatura e produção de texto pressupõe o emprego de conceitos, noções, dados e informações que compõem o conteúdo de outras áreas de conhecimento. Citando alguns exemplos: a noção de contexto, indispensável na análise de textos literários, é fundamental para o trabalho na área de Ciências Humanas; dados e informações na área de Ciências da Natureza são frequentemente utilizados para embasar práticas de produção textual; e muitas das abstrações relevantes à área de Matemática (relações, recursividade, funções, distribuição, sistema) são também necessárias à análise gramatical.
Sob essa ótica, o que se espera dos professores de Língua Portuguesa e de outras disciplinas da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias é um esforço em direção a uma interdisciplinaridade marcadamente dialógica. Tal esforço será estéril se não visar à interação com professores de outras áreas nem promover a articulação de estratégias que congreguem ações produzidas em diferentes campos disciplinares.
Eixos cognitivos
Vamos sugerir a seguir como o material deste volume pode ser explorado no trabalho interdisciplinar, considerando os eixos cognitivos apontados no âmbito do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem): I. Dominar linguagens, II. Compreender fenômenos, III. Enfrentar situações-problema, IV: Construir argumentação e V. Elaborar propostas. Faremos sugestões pontuais sobre como alguns assuntos e conceitos trabalhados em Literatura, Gramática ou Produção de texto podem ser articulados com tópicos pertencentes ao programa de outras disciplinas.
Antes de avançar, é importante atentar para um fator que tem sido apontado como um obstáculo a práticas interdisciplinares: nem sempre o programa curricular elaborado para duas ou mais disciplinas permite que temas, informações e conceitos passíveis de um tratamento transdisciplinar sejam trabalhados em um mesmo período. Para enfrentar produtivamente esse obstáculo, a ação docente deve se dar não no sentido de construir a interdisciplinaridade a partir de conteúdos em comum entre as diferentes áreas, mas na direção de estabelecer conceitos e/ou noções que não pertençam a priori a essa ou àquela disciplina e cuja fixação dependerá do trabalho em diferentes áreas, em estágios do ano escolar que podem ou não correr em paralelo. Em outras palavras, a ação docente pode, no campo da interdisciplinaridade, construir redes conceituais que sirvam a duas ou mais disciplinas ou a duas ou mais áreas de conhecimento, independentemente das especificidades que marcam a sequência programática determinada em cada disciplina. Essa ideia irá nortear a apresentação de propostas atreladas aos cinco eixos cognitivos destacados a seguir.
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