Português: contexto, interlocução e sentido



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. Acesso em: 30 set. 2009. (Adaptado).

Como avaliar produções escritas de modo objetivo

O trabalho com a produção de textos escritos traz consigo um problema: como avaliar seu resultado de modo objetivo? O propósito da correção de redações deve ser, sempre, orientar o aluno sobre o que fazer para melhorar sua produção escrita, em função do(s) leitor(es) dos seus textos.

Vamos, agora, sugerir alguns procedimentos de avaliação de redações que, se adotados sistematicamente, podem tornar mais tranquilo, para professor e aluno, o momento da correção. Trata-se, na verdade, do estabelecimento de alguns critérios a serem utilizados durante o processo de avaliação dos textos e, muito importante, no momento de atribuição de notas às redações.

O que é um critério de correção?

Critérios de correção são, no contexto específico da avaliação de textos, os parâmetros que o professor estabelece para “corrigir” as redações escritas por seus alunos.

Sem parâmetros, ou critérios, estaremos fazendo uma correção holística; em outras palavras, realizando uma avaliação que terá por base a impressão geral causada pelo texto no professor.

Por que utilizar critérios de correção?

A utilização de critérios predefinidos, ao avaliar um texto, contribui para garantir que, no momento da leitura, observemos diferentes aspectos da sua estrutura.

A adoção de uma analogia bastante simples entre a construção de um texto e a construção de uma casa talvez esclareça melhor nosso ponto de vista. Para construir uma casa é preciso, em primeiro lugar, dispor de um projeto arquitetônico, que permitirá a visualização do resultado final, antes de construída a casa; aprovado o projeto, passa-se às fundações (aquilo que dará sustentação à edificação); em seguida, serão levantadas as paredes, que dividirão os vários ambientes da casa e sustentarão o telhado, a última coisa a ser feita antes do acabamento.

De certa forma, a elaboração do texto escrito deve seguir uma sequência semelhante: parte-se de um projeto de texto, no qual são definidos os elementos básicos a serem trabalhados futuramente, para que o autor possa ter uma ideia de qual será o resultado final do texto; em seguida, tem início a construção do texto propriamente dito, de acordo com o que foi estabelecido no projeto, de tal forma que o autor não se esqueça de levantar nenhuma das “paredes” necessárias para a sustentação do telhado, a sua conclusão. Pronto


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o texto, seu autor poderá, no momento de releitura, dedicar-se aos “acabamentos”, pequenas alterações feitas visando muito mais à forma do que ao conteúdo.

Uma consequência necessária — e muito desejável! — da utilização de critérios para a avaliação de redações é a maior objetividade garantida ao processo de leitura e correção. Resta pouco espaço para a impressão e, portanto, para a correção subjetiva...

Primeiro passo: determinar os critérios com os alunos

Podemos iniciar nossos trabalhos estabelecendo, com nossos alunos, os critérios que serão utilizados na correção dos textos que eles produzirão durante as aulas. Essa é outra característica muito importante, e benéfica, da adoção de critérios de correção: os alunos sabem como seus textos serão corrigidos. Assim, professores e alunos dispõem de um conjunto de parâmetros comuns, referentes à estrutura do texto com o qual trabalharão durante as aulas.

Muitas vezes experimentamos, em nossa vida escolar, a frustração de receber, como observação do professor em uma redação, algo como “desenvolva mais o conteúdo”, “melhore seu texto”, “pouco claro” ou “seu texto está truncado”... Mas, desenvolver o quê? Não parece óbvio que, se soubéssemos como fazê-lo, o teríamos feito no momento de escrever a redação? Ninguém erra voluntariamente, ainda mais quando o resultado do “erro” é traduzido em uma nota baixa. O segundo tipo de observação é extraordinariamente vago. Devemos ser capazes de dizer algo mais específico do que “desenvolva mais o conteúdo”, ao comentar um texto. Como podemos esperar que os alunos escrevam com clareza se nós, seus mestres, não conseguimos fazê-lo nas poucas linhas que dirigimos a eles?

É evidente que existem textos cujo conteúdo precisa mesmo ser mais bem desenvolvido, e o objetivo do professor é conseguir que seu aluno, em uma próxima oportunidade, resolva o problema. A inadequação está, porém, na maneira como a observação é feita, porque não oferece nenhuma referência mais concreta dos aspectos de forma e/ou conteúdo que precisam ser modificados para que o texto melhore, ou de como o aluno poderia desenvolver “mais” o conteúdo.

Caso dispuséssemos de critérios de correção, no entanto, teríamos como fazer referência direta aos problemas identificados no texto, porque nossos alunos conheceriam previamente os parâmetros a serem utilizados durante a avaliação.

Em lugar de dizer “melhore sua redação”, o professor dirá algo a respeito da organização de argumentos ou indicará problemas nas estruturas sintáticas ou coesivas que possam estar perturbando a compreensão do texto.

O aluno lerá o comentário e saberá, por exemplo, que os problemas de coesão comprometem as estruturas de referência e as unidades de ligação do texto — e saberá porque aprendeu em aula! —, podendo identificar com maior exatidão o que precisa ser modificado em seu texto.

O resultado da adoção de critérios será não só uma avaliação mais objetiva por parte do professor; será, principalmente, uma possibilidade de trabalhar melhor os problemas identificados com os alunos durante as aulas de produção de texto.



Os critérios de correção: uma proposta específica

Faremos, agora, a apresentação de uma proposta concreta de critérios a serem adotados no momento de corrigir e avaliar os textos dos alunos. Eles não são os únicos possíveis, é claro!

Esses critérios resumem as indagações que se devem fazer a um texto com relação aos modos de estruturação e articulação dos elementos formais e de conteúdo.

Destacamos, com negrito e itálico, os critérios sugeridos.



Avaliação da leitura e desenvolvimento da proposta

Uma redação escrita em resposta a um tema proposto pelo professor deve necessariamente considerar alguns elementos básicos que definem tal tema: orientação geral apresentada, delimitação da questão a ser analisada, presença de informações que motivem a reflexão solicitada, etc.

O professor, ao preparar um tema, deve fazê-lo considerando qual(is) elemento(s) de um gênero específico (de natureza expositiva, argumentativa, narrativa ou injuntiva) deseja enfatizar por meio de sua proposta.

Frequentemente, ao prepararmos uma proposta de produção de texto, temos uma certa expectativa e somos surpreendidos por um desenvolvimento diferente do esperado por parte dos alunos. Quando tal fato ocorre, as consequências podem ser muito produtivas para uma aula de produção de texto. Se a inadequação ao tema for geral, devemos nos perguntar, por exemplo, se aquilo que esperávamos estava claro na proposta. Caso o problema não esteja na definição do tema, podemos detectar uma dificuldade na compreensão de algum aspecto trabalhado em sala e estaremos diante de uma boa oportunidade de retomá-lo a partir dos exemplos de inadequação identificados nas redações.



O uso da coletânea de textos

É muito difícil escrever um texto a partir do nada. Se somos solicitados a produzir um trabalho sobre um determinado tema, o procedimento natural a ser adotado é o de primeiro realizar uma pesquisa para, de posse das informações e dados selecionados pela pesquisa, escrevermos um texto sobre a questão proposta. Por que não adotarmos o mesmo procedimento com nossos alunos?


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Uma coletânea é, basicamente, um conjunto de textos (verbais e não verbais) de natureza diferente (extraídos de jornais, revistas, livros, etc.) que acompanham um tema, cujo objetivo é colocar à disposição das pessoas que optem por desenvolvê-lo algumas informações que podem ser utilizadas no cumprimento da tarefa proposta.

Ao apresentar uma proposta de produção de texto acompanhada de um conjunto de informações, o professor estará proporcionando melhores condições para que seus alunos escrevam de modo mais consistente (em lugar, por exemplo, de apenas dizer que eles precisam melhorar o conteúdo...) e terá, no momento da avaliação, a oportunidade de verificar a qualidade de sua leitura. Defendemos enfaticamente o fornecimento de uma coletânea de textos que instrua melhor as propostas de produção de texto a serem trabalhadas em sala de aula porque sabemos ser esse um local privilegiado de avaliação de leitura. Os alunos, por sua vez, “obrigados” a utilizar dados extraídos da coletânea, perceberão que leitura e escrita são duas atividades interdependentes e, portanto, concluirão não ser possível produzir boa escrita sem boa leitura.

A avaliação do desenvolvimento do gênero discursivo proposto

Ao longo dos capítulos, demos uma grande atenção à caracterização da estrutura dos gêneros discursivos apresentados. É imperativo, portanto, que a avaliação dos textos produzidos em resposta aos temas propostos leve em consideração a maneira como os elementos estruturais foram trabalhados pelo aluno. Na avaliação desse item, estaremos preocupados com as características estruturais que devem ter gêneros narrativos, expositivos, argumentativos e injuntivos, verificando em que medida o aluno se vale da estrutura característica do gênero a ser produzido para organizar seu raciocínio e apresentá-lo ao leitor de forma convincente (ou verossímil, no caso das narrativas).



Aspectos gramaticais (o uso que o aluno faz da língua escrita)

A correção gramatical é, sem dúvida, um elemento importante do texto escrito, mas precisamos tomar cuidado para não a valorizar excessivamente.

Para tanto, achamos aconselhável que o professor crie uma espécie de hierarquia gramatical. Explicando melhor, deve-se procurar determinar quais são as inadequações que realmente comprometem a compreensão do texto, por um lado, e, por outro, que evidenciam a pouca familiaridade do aluno com as estruturas próprias do texto escrito.

Poderíamos pensar, só para lembrarmos alguns desses problemas, nos seguintes aspectos: utilização dos tempos e modos verbais (com o cuidado de diferenciar o aluno que tem apenas um problema de acentuação gráfica, confundindo, digamos, falara e falará, por usar o acento de forma equivocada, daquele que realmente optou por uma flexão de tempo inadequada); concordâncias verbal e nominal; escolha lexical (por exemplo, a substituição sistemática de ter por possuir, ou porque por pois, como se houvesse palavras “melhores” e “piores”...); interferência excessiva de estruturas da linguagem oral no texto escrito.

Avaliar o uso da modalidade escrita da língua portuguesa não deve significar, no entanto, uma mera contagem de “erros”. O professor precisa reconhecer os casos em que o aluno optou por uma estrutura sintática, ou mesmo por uma determinada palavra, e que essa opção contribuiu significativamente para o texto resultante. Estamos tão acostumados a corrigir “erros” que abandonamos por completo a observação dos acertos, e essa é uma atitude a ser evitada. Cabe ao professor identificar tanto os erros quanto os acertos e ponderá-los ao fazer sua avaliação.

Coerência

Todo texto escrito deve apresentar uma unidade lógica, algo a que nos referiremos, a partir dessa definição bastante simplificada, como coerência. A avaliação da coerência de um texto está muito relacionada ao domínio que o aluno tem da estrutura característica do gênero do discurso a ser produzido e da qualidade da leitura que é capaz de fazer do tema e da coletânea.

No caso de textos de natureza argumentativa, observar a construção da coerência do texto significa estar atento à maneira como o aluno desenvolve sua redação. Muitas vezes, em lugar de relacionar fatos, argumentos, dados, ele apenas se limita a comentá-los. No caso de temas acompanhados de coletâneas, esse procedimento prejudica a articulação textual, o que, consequentemente, compromete a coerência. É comum, também, o aluno utilizar (sem perceber) dois elementos da coletânea que são contraditórios, como se fossem complementares... situações como essas são avaliadas no item coerência.

Falar em coerência narrativa implica discutir o conceito de verossimilhança, ou, em outras palavras, a possibilidade de criação de um mundo ficcional em que acontecimentos irreais pareçam possíveis. O leitor de narrativas é bastante tolerante nesse sentido, estando disposto a aceitar as premissas criadas por um narrador para o comportamento de personagens no interior de um mundo ficcional (podemos pensar nos contos de fadas como exemplo óbvio), mas costuma exigir que tais premissas sejam respeitadas ao longo do texto. Soluções apresentadas abruptamente, no final da narrativa, que não foram sendo preparadas ao longo do desenvolvimento do enredo, não costumam contribuir muito para a construção da coerência desse tipo de texto, e o professor precisa estar atento para isso ao avaliar textos narrativos escritos por seus alunos.



Coesão

Ainda com relação à organização gramatical e semântica do texto, podemos considerar um último critério: a coesão. Um texto coeso pode ser definido, de forma


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bastante simplificada, como aquele que apresenta unidade e uma perfeita relação entre todas as suas partes. Para que isso ocorra, o aluno precisará valer-se de algumas estruturas que, na língua, cumprem exatamente a função de garantir a coesão dos textos. São elementos coesivos, por exemplo, os pronomes, as conjunções, a pontuação, apenas para lembrarmos alguns.

Certamente poderíamos verificar a utilização de tais recursos no momento em que estivéssemos avaliando a correção gramatical, mas acreditamos ser mais interessante “separar” os aspectos puramente gramaticais da análise dos recursos coesivos. Explicamos por quê.

Em primeiro lugar, essa opção justifica-se pela maior importância, na construção do texto escrito, dos recursos coesivos. Sempre seremos capazes de entender o que um aluno quis dizer ao escrever “assucar”, mesmo que ele tenha usado dois esses em lugar do cê-cedilha, e tenha esquecido a regra de acentuação das paroxítonas terminadas em r. Mas nem sempre seremos capazes de recuperar, por exemplo, o referente de um pronome mal empregado. O caso mais dramático talvez seja o dos possessivos de 3ª pessoa (seu e sua), que provocam muitos casos de ambiguidade quando utilizados de forma inadequada.

Um segundo motivo, ainda mais forte do que o primeiro, é a íntima relação entre alguns problemas de coesão e o que podemos chamar de problemas de coerência. São frequentes os casos em que a escolha inadequada de uma conjunção (recurso coesivo) prejudica a compreensão de uma relação entre duas estruturas sintáticas. Podemos dizer: O ladrão foi preso porque assaltou o banco, ou O ladrão foi preso quando assaltou o banco, mas certamente não estamos autorizados, em termos lógicos, a dizer O ladrão foi preso apesar de ter assaltado o banco. Trata-se de escolher entre diferentes conjunções (respectivamente, causal, temporal e concessiva), para, por meio dessa escolha, explicitarmos como deve ser entendida a relação semântica entre diferentes estruturas sintáticas; por vezes, algumas relações não são aceitáveis em termos de coerência, como é o caso da relação de concessão entre o assalto ao banco e a prisão do ladrão. Em ocorrências como essas, diz-se que um problema de coesão afetou dramaticamente a coerência do que está sendo dito. Por outro lado, um problema de concordância, acentuação ou ortografia muito dificilmente provocaria o mesmo tipo de consequência para o texto escrito. Por esses motivos, achamos melhor analisar a coesão separadamente da correção gramatical nas redações de nossos alunos.

Por que a criatividade não deve ser um critério?

Podemos, agora, voltar à noção de criatividade no texto escrito. A análise dos diferentes aspectos responsáveis pela estruturação de um texto permite ao professor determinar em qual(is) dele(s) o aluno sobressaiu em relação a seus colegas. Um desempenho acima da média, ou mesmo excepcional, no trabalho com o foco narrativo, ou com a articulação de argumentos, deverá refletir-se na nota que o professor atribuirá ao trabalho realizado por aquele aluno com relação à estrutura de um gênero narrativo ou argumentativo.

É bem possível que, em uma avaliação holística, essa mesma redação fosse considerada “criativa”. No entanto, se forem utilizados critérios específicos em lugar de uma mera “impressão”, o professor recompensará o aluno tendo condições de determinar exatamente qual, dentre os vários elementos analisados, ele soube desenvolver melhor do que seus colegas.

Por que recorrer à “criatividade” quando podemos mostrar a nossos alunos que um bom texto é aquele que traz marcas de autoria, pois é fruto de um trabalho cuidadoso com cada um dos elementos constitutivos do gênero a ser desenvolvido?



Sugestões de leitura

Para começar a refletir

Uma concepção de leitura

Um trabalho intencional e consciente com a prática de leitura é um desafio constante para o professor. Muitas vezes, reproduzimos modelos com os quais convivemos quando éramos alunos: selecionamos um texto significativo, elaboramos um conjunto de questões sobre esse texto, pedimos aos alunos que leiam o texto e respondam às perguntas, esclarecemos eventuais dúvidas lexicais, discutimos as respostas dadas e concluímos que, se uma quantidade suficiente de atividades como essas forem feitas, estamos ensinando nossos alunos a ler de modo autônomo.

Mas será que esses modelos contemplam as reais necessidades dos alunos? Quanto à realização bem-sucedida dessas atividades, ela depende da nossa mediação: destacando aspectos relevantes do texto, apontando caminhos interpretativos, questionando estratégias argumentativas.

No texto apresentado a seguir, extraído do livro Produção textual, análise de gêneros e compreensão (São Paulo: Parábola, 2008), obra indicada no PNBE Professor 2010, Luiz Antônio Marcuschi discute os diferentes aspectos relacionados à leitura à compreensão de textos. O autor identifica, por exemplo, a importância da realização de procedimentos inferenciais no momento da leitura. Trata, também, da necessidade de considerarmos o texto como um evento comunicativo, de modo a manter presente a perspectiva discursiva não só quando produzimos textos, mas também quando lemos textos escritos por outras pessoas.


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As novas perspectivas para o trabalho com leitura oferecidas nesse texto certamente contribuirão para que o professor invista em estratégias de trabalho que possam atender a necessidades específicas de seus alunos, sem perder de vista o contexto maior no qual se inscreve a leitura de qualquer texto.



Leitura e compreensão como trabalho social e não atividade individual

Compreender bem um texto não é uma atividade natural nem uma herança genética; nem uma ação individual isolada do meio e da sociedade em que se vive. Compreender exige habilidade, interação e trabalho. Na realidade, sempre que ouvimos alguém ou lemos um texto, entendemos algo, mas nem sempre essa compreensão é bem-sucedida. Compreender não é uma ação apenas linguística ou cognitiva. É muito mais uma forma de inserção no mundo e um modo de agir sobre o mundo na relação com o outro dentro de uma cultura e uma sociedade. Para se ter uma ideia da dificuldade de se compreender bem basta considerar que em menos da metade dos casos as pessoas se saem a contento nos testes realizados em aula ou em concursos, o que se repete em muitas situações da vida diária. É comum ouvirmos reclamações do tipo: “Não foi bem isso que eu quis dizer”; “você não está me entendendo”; “o autor não disse isso”, e assim por diante. Contudo, vale a pena indagar-se o que é que estava sendo dito ou o que é que o autor queria dizer. Existem, pois, má e boa compreensão, ou melhor, más e boas compreensões de um mesmo texto, sendo estas últimas atividades cognitivas trabalhosas e delicadas.

[…]

[…] todos nós sabemos como é importante nos entendermos bem no dia a dia, seja no diálogo com outras pessoas ou na leitura de textos escritos. Esse não é um assunto apenas escolar ou acadêmico, mas de nossa vivência cotidiana, pois entre as experiências negativas que fazemos está a de sermos mal-entendidos em nossas relações comunicativas. Da má compreensão podem surgir desavenças e acabarem namoros; podemos perder amigos e dinheiro, sofrer acidentes e até deixar de conseguir um emprego. A nota baixa na escola é apenas um detalhe menor. Diante disso, não parece necessário argumentar em favor da relevância do estudo da compreensão, já que ela permeia todas as nossas atividades, mas é útil lembrar alguns aspectos relacionados ao tema.



Em primeiro lugar, sempre que produzimos algum enunciado, desejamos que ele seja compreendido, mas nunca exercemos total controle sobre o entendimento que esse enunciado possa vir a ter. Isto se deve à própria natureza da linguagem, que não é transparente nem funciona como uma fotografia ou xerox da realidade.

Em segundo lugar, a interpretação dos enunciados é sempre fruto de um trabalho e não uma simples extração de informações objetivas. Como o trabalho é conjunto e não unilateral, pois compreender é uma atividade colaborativa que se dá na interação entre autor-texto-leitor ou falante-texto-ouvinte, podem ocorrer desencontros. A compreensão é também um exercício de convivência sociocultural.

[…]

Já que praticamente todas as nossas ações diárias mais significativas estão revestidas de linguagem, é importante saber algo sobre o seu funcionamento. E esse funcionamento da linguagem é tão espontâneo que não nos damos conta de sua complexidade. Quando falamos ou escrevemos, não temos muita consciência das regras usadas ou das decisões tomadas, pois essas ações são tão rotineiras que fluem de modo inconsciente. Por outro lado, as atividades sociais e cognitivas marcadas pela linguagem são sempre colaborativas e não atos individuais. Por isso, seguidamente operam como fontes de mal-entendidos. Pois, como seres produtores de sentidos, não somos tão lineares e transparentes quanto seria de desejar, e a compreensão humana depende da cooperação mútua. Sendo uma atividade de produção de sentidos colaborativa, a compreensão não é um simples ato de identificação de informações, mas uma construção de sentidos com base em atividades inferenciais. Para se compreender bem um texto, tem-se que sair dele, pois o texto sempre monitora o seu leitor para além de si próprio e esse é um aspecto notável quanto à produção de sentido.



Tal quadro teórico traz várias consequências que deverão ser exploradas neste estudo; entre tais consequências estão, por exemplo, as seguintes:

1) entender um texto não equivale a entender palavras ou frases;

2) entender as frases ou as palavras é vê-las em um contexto maior;

3) entender é produzir sentidos e não extrair conteúdos prontos;

4) entender o texto é inferir numa relação de vários conhecimentos.

A isso subjazem algumas suposições bastante centrais, como:

1) os textos são em geral lidos com motivações muito diversas;

2) diferentes indivíduos produzem sentidos diversos com o mesmo texto;

3) um texto não tem uma compreensão ideal, definitiva e única;

4) mesmo que variadas, as compreensões de um texto devem ser compatíveis;

5) em condições socioculturais diversas, temos compreensões diversas do mesmo texto.

Para uma fundamentação dessas posições e uma análise clara dos processos de compreensão envolvidos, devemos levar em conta algumas noções básicas. Entre elas estão três que merecerão atenção particular: língua, texto e inferência. Duas delas, língua e texto, já foram trabalhadas na primeira parte deste curso1. Agora deve ser trabalhada em detalhe a terceira: inferência. Outras noções além destas serão apresentadas ao longo das reflexões, mas dessas três dependerá nossa visão da atividade de compreensão.


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Conceitos tais como: contexto, sujeito, estilo e gênero textual são fundamentais para uma boa visão da atividade de compreensão e eles já foram analisados na segunda parte deste curso.

A ideia hoje mais plausível é a de que a compreensão de texto não se dá como fruto da simples apreensão de significados literais das palavras. Quanto a isso, precisamos discutir o que se deve entender com a expressão “significado literal”, que para muitos autores sequer faz sentido. Contudo, trata-se de uma expressão que, como mostra Sírio Possenti, pode ser usada. Veja-se o caso de algumas ocorrências que até parecem piadas:

– Numa livraria, o livro Raízes do Brasil estava classificado entre os livros de botânica;

– Numa outra livraria, o livro Dialética do concreto estava colocado na estante dos livros de engenharia civil.

Diante disto, vale a pena perguntar-se o que é o sentido literal e se ele de fato existe. De modo especial, a questão se torna mais insistente quando se consideram os aspectos pragmáticos e não apenas os semânticos. Pode-se admitir que compreender uma expressão linguística ou um texto em uso é entendê-los em seus contextos. É no uso efetivo da língua e de modo especial no texto em sua relação com seu leitor ou ouvinte que o sentido se constitui.

[…]


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