Bob Hill, pensou Will. Lá se ia sua exclusiva.
— Claro, irei num minuto — disse Russell, a testa tensa.
Will esperou a porta fechar-se para perguntar o que o médico diria à imprensa.
— Bem, não podemos dar nenhuma explicação se Baxter tinha um histórico de problemas renais. Pelo menos, por enquanto. — Por culpa de Will, ele agora sabia demais. — Pensaremos em alguma coisa. Vou acompanhá-lo até a porta.
Will saía da garagem quando ouviu uma batida na janela do carro. Era Russell, ainda em mangas de camisa e ofegante.
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Acabei de receber um telefonema. Ela quer falar com você. — Passou o celular pela janela.
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Sr. Monroe? Meu nome é Geneviève Huntley. Sou cirurgiã no Centro Médico Sueco, em Seattle. Vi as reportagens sobre o Sr. Baxter no noticiário, e Allan acabou de me explicar o que o senhor sabe. Acho que precisamos conversar.
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Claro — disse Will, remexendo à procura do livrinho de anotações.
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Vou precisar de algumas garantias, Sr. Monroe. Confio no New York Times e espero que essa confiança seja retribuída. O que estou para lhe contar jurei jamais repetir. Só digo agora porque temo que a alternativa seja pior. Não podemos ter pessoas apavoradas sem razão com medo de alguma quadrilha de roubo de órgãos.
— Entendo.
— Não tenho certeza. Não tenho certeza se qualquer um de nós entende. O que peço é que trate o que vou lhe contar com honra, dignidade e respeito. Pois é o que isso merece, Sr. Monroe. Estou sendo clara?
— Sim.
Will não conseguia imaginar o que ia ouvir.
— Tudo bem. O Sr. Baxter me pediu anonimato. Foi a única coisa que me pediu em troca do que ele fez.
Will ficou calado.
— Pat Baxter veio ao Centro Sueco há uns dois anos. Percorrera um longo caminho, descobrimos depois. Quando apareceu, as enfermeiras imaginaram tratar-se de um caso de emergência: parecia um vagabundo saído das ruas. Mas ele disse que gozava de perfeita saúde, precisava apenas falar com um médico em nossa unidade de transplante. Disse que queria doar um dos seus rins.
"Nós logo perguntamos a quem ele queria doar o rim. Havia alguma criança doente envolvida? Talvez um membro da família necessitado de um transplante? 'Não', respondeu. 'Eu só quero doar meu rim a alguém que precise dele.' Meus colegas logo imaginaram que, com certeza, devia haver algum problema mental envolvido. Quase não se tem conhecimento desse tipo de operação. Certamente, era o primeiro desse tipo com que lidávamos até então.
"Mandei o Sr. Baxter embora. Expliquei que era uma coisa que não podíamos fazer. Mas ele voltou, e eu mais uma vez o mandei embora. Na terceira vez, tivemos uma longa conversa. Ele me disse que desejava ter nascido rico. Assim... lembro de suas palavras... assim, disse, talvez houvesse conhecido o prazer de distribuir imensas quantias de dinheiro. Disse que muitas pessoas precisavam de ajuda. Lembro que me perguntou: 'O que significa a palavra filantropia? Significa amor ao próximo. Ora, por que só as pessoas ricas têm o direito de ajudar e amar o próximo? Também quero ser um filantropo.' Estava decidido a encontrar outra forma de dar... mesmo que significasse doar seus órgãos.
"Acabei concluindo que ele era sincero. Fiz os exames e não houve nenhuma objeção médica. Fizemos até testes psicológicos, que confirmaram que sua saúde mental era perfeita; totalmente capaz de tomar uma decisão como essa.
"Só havia uma condição imposta por ele. Que jurássemos completo segredo, confidencialidade total. O paciente que receberia o rim não devia saber de onde viera o novo órgão. Isso era muito importante. Ele não queria que a pessoa sentisse que lhe devia alguma coisa. E nenhuma palavra à imprensa. Insistiu nisso. Nenhuma glória.
Will, baixinho, quase submisso, perguntou:
— E então vocês levaram a coisa adiante?
— Sim. Eu mesma realizei a operação. E digo o seguinte: em toda a minha carreira, nenhuma operação me deixou mais orgulhosa. Todos sentimos a mesma coisa: o anestesista, as enfermeiras... A atmosfera na sala de cirurgia naquele dia foi extraordinária; como se uma coisa verdadeiramente admirável estivesse acontecendo.
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E tudo correu tranqüilamente?
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Sim, correu, correu. O receptor aceitou o órgão muito bem.
— Posso perguntar de que tipo de receptor falamos? Moço, velho, homem, mulher?
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Era uma jovem. Não direi mais que isto.
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E apesar de ela ser jovem, e ele velho, tudo deu certo?
— Bem, isso foi o mais estranho de tudo. Testamos o rim, é claro, e o monitoramos com muita atenção. E sabe de uma coisa? Baxter estava na faixa dos 50, mas aquele órgão funcionava como se fosse quarenta anos mais moço que ele. Era muito forte, completamente saudável. Perfeito.
— E isso fez toda a diferença para a jovem?
— Salvou a vida dela. A equipe e eu quisemos fazer uma espécie de cerimônia para ele após a operação, agradecer-lhe pelo que fizera. Não ficará surpreso de saber que isso nunca aconteceu. Ele se deu alta antes mesmo que tivéssemos uma chance de nos despedir. Simplesmente desapareceu.
— E foi essa a última vez que soube dele?
— Não, falei com ele mais uma vez, apenas há alguns meses. Ele queria tomar providências para depois de sua morte...
— É mesmo?
— Não fique tão entusiasmado, Sr. Monroe. Acho que ele não sabia que estava prestes a morrer. Mas queria ter certeza de que tudo, seu corpo inteiro, seria usado. — Geneviève deu uma risadinha contrita. — Chegou a me perguntar qual seria a maneira ideal para ele morrer.
— Ideal?
— Do nosso ponto de vista. Aquela que funcionaria melhor se quiséssemos pegar seu coração, digamos, para um receptor. Acho que receava, por morar tão longe, que se morresse num acidente na estrada, por exemplo, quando chegasse a um hospital seu coração de nada servisse. Claro, o único cenário com que não contava era o de um assassinato brutal.
— Tem alguma idéia...
— Não tenho a mínima idéia de quem poderia querer esse homem morto. Acabei de dizer a mesma coisa ao Dr. Russell. Só posso achar que foi um crime terrível, completamente aleatório. Pois quem quer que o conhecesse jamais iria querer vê-lo assassinado.
Ela se interrompeu, e Will deixou o silêncio se instalar. Uma coisa ele aprendera: não diga nada e seu entrevistado muitas vezes preencherá o vazio com a melhor frase de toda a conversa.
A Dra. Geneviève Huntley, com o que Will julgou ser um estalo na voz, retomou a palavra.
— Discutimos isso quando aconteceu e discutimos mais uma vez hoje, e meus colegas e eu concordamos. O que esse homem fez, o que Pat Baxter fez por uma pessoa que ele nunca conheceu e jamais conhecerá... isso foi verdadeiramente o ato mais justo de que já tivemos notícia.
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