Silvia Maria de Araújo · Maria Aparecida Bridi · Benilde Lenzi Motim


reservas de energia do planeta Terra. O resultado é a ameaça sobre a vida



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reservas de energia do planeta Terra. O resultado é a ameaça sobre a vida

no planeta. São discutidos, neste capítulo, temas como desenvolvimento

capitalista, sociedade de risco, separação natureza-cultura, ação humana,

consumismo, desenvolvimento sustentável e consciência ecológica.


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A relação ser humano-natureza

Se você assistir ao filme  A guerra do fogo, do diretor Jean-Jacques Annaud,

produzido em 1981, vai perceber o quanto os seres humanos sempre tiveram

de enfrentar riscos, a grande maioria deles de ordem natural: as secas, os

terremotos,   os   raios,   as   tempestades,   os   vulcões,   as   enchentes.   Com   o

desenvolvimento das técnicas e tecnologias, muitos desses riscos podem, hoje,

ser previstos e ter seus efeitos reduzidos.

Na sociedade contemporânea, entretanto, predominam riscos de outra ordem -

são   aqueles   produzidos   ou   intensificados   pela   própria   humanidade.   Isso

significa que esses riscos estão ligados à forma como nosso conhecimento

aplicado se relaciona com aquilo que se passou a denominar natureza. Em

outras palavras, uma grande ameaça contra a vida humana no planeta Terra

resulta   da   maneira   como,   na   maioria   das   vezes,   empreendemos   o

desenvolvimento   econômico,   social,   político,   cultural   e   o   modo   como   nos

organizamos para garantir nossa sobrevivência.

Em sua trajetória de ocupação da Terra, os seres humanos têm transformado a

natureza.   Mesmo   antes   da   industrialização   e   da   constituição   da   sociedade

capitalista, as ações humanas provocaram mudanças ambientais, porém em

ritmo mais lento. A agricultura provavelmente significou a primeira tentativa de

domesticação da natureza. A partir do século XX, a produção e o consumo em

massa   característicos   do   sistema   fordista   implicaram   a   padronização   e   a

produção   de  mercadorias  em  larga   escala,   visando  à  competitividade.   Com

isso, as mudanças no ambiente se aceleraram e se intensificaram, por causa

da   exploração   intensiva   de   recursos   naturais.   Consequentemente,   em

frequência e velocidade nunca vistas, algumas espécies da flora e da fauna

foram extintas ou postas em risco, reservas de recursos minerais começaram a

diminuir ou se esgotaram e o solo e o subsolo foram degradados.

LEGENDA: Na tirinha de Bill Watterson, o personagem Calvin acredita na ideia

de controle absoluto sobre a natureza.

FONTE: © 1988 Bill Watterson/Dist. By Atlantic Syndication/Universal Uclick




Nas sociedades que originaram a civilização ocidental, foi se constituindo, aos

poucos, a ideia de que os humanos seriam superiores às demais coisas em

razão   de   sua   capacidade   de   transformá-las   mediante   o   trabalho.   Decorreu

desse processo a premissa de que ser humano e natureza são distintos, como

se não fôssemos parte dela. Desse modo, o ser humano se encontra alienado

como ser natural, isto é, se torna estranho a si mesmo e ao mundo em que

vive,   não   se   reconhecendo   nele.   A  alienação  é   um   fenômeno   social   de

estranhamento do indivíduo ou grupo, de uma instituição ou de uma sociedade

quanto aos resultados de sua própria atividade, um distanciamento em relação

a si mesmo, ao contexto em que vive e a outros seres humanos.

O resultado da alienação do ser humano em relação à natureza são conflitos

de   diversas   ordens:   desarticulação   das   práticas   de   culturas   tradicionais,

destruição   dos   recursos   disponíveis   no   planeta,   políticas   que   promovem   a

desagregação de comunidades, interferências nos processos de transmissão

de conhecimento, desarranjos sociais. Esses e outros conflitos e riscos têm

levado muitos estudiosos e militantes a duvidar dos benefícios dos avanços da

ciência e daquilo que a partir do século XIX foi denominado "progresso".

FONTE: Filipe Rocha/Arquivo da editora



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Progresso ou dominação?

Em   suas   reflexões   sobre   o   contexto   atual,   os   sociólogos   Anthony   Giddens

(1938-) e Boaventura de Sousa Santos (1940-) mostram que as promessas de

emancipação social por meio do progresso anunciadas pela modernidade não

se   concretizaram.   A  emancipação   social  é   um   conceito-chave   na

modernidade ocidental, um ideal de que o progresso histórico das técnicas e

instituições sociais levaria o ser humano a superar a rudeza do trabalho e da

dominação social por ser dotado de vontade e liberdade.

Ao contrário do esperado processo liberador das limitações humanas e sociais,

a modernização acelerada trouxe, com frequência, perigos cada vez mais reais

de catástrofes ecológicas, guerras nucleares, falta de água e outros riscos à

vida.   Os   filósofos   e   sociólogos   alemães   Max   Horkheimer   (1895-1973)   e

Theodor   Adorno   (1903-1969),   ligados   à   Teoria   Crítica,   apontam   que   nos




séculos XIX e XX o conhecimento muitas vezes não serviu para a emancipação

do ser humano (ou seja, em forma de razão crítica). Ao contrário: foi tomado

pela lógica da razão instrumental, também denominada técnico-científica, que

emprega   a   técnica   e   a   tecnologia   como   instrumentos   para   reforçar   a

dominação. No contexto da sociedade moderna, isso significa que a natureza

passou a ser vista, por parte da humanidade, como fonte de recursos para

satisfazer e permitir a expansão da produção capitalista.

Um   dos   custos   da   cisão   entre   seres   humanos   e   natureza   é   a   ameaça   à

existência da vida humana.

Essa separação ideologicamente construída entre ser humano e natureza se

consolidou principalmente nos dois últimos séculos. Foi com esse pensamento

que os países imperialistas europeus, sob o pretexto de "civilizar" o mundo,

submeteram as populações das Américas, da África e da Ásia a uma lógica de

acumulação (ou crescimento) do capital econômico, ampliando o capitalismo

industrial.

LEGENDA: Trabalhadores africanos, asiáticos e europeus em mina de ouro na

África do Sul, em fotografia produzida entre o final do século XIX e o início do

XX.   O   imperialismo   europeu   empregou   populações   e   recursos   de   outros

continentes na expansão do capital econômico.

FONTE:   Library   of   Congress   Prints   and   Photographs   Division,   Washington,

D.C./Creative Commons

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No entanto, formas de exploração intensiva de recursos naturais - e também

humanos   -   remontam   a   um   período   anterior,   o   da   expansão   mercantilista

europeia.   Estima-se,   por   exemplo,   que   milhares  de  indígenas  foram  mortos

durante   a   ocupação   do   atual   território   brasileiro   pelos   portugueses   e   seus

descendentes. Isso ocorreu tanto em conflitos pela posse das terras e pela

exploração   dos   recursos   nelas   disponíveis   quanto   em   decorrência   da

disseminação de doenças contra as quais os indígenas não tinham defesas

imunológicas.   Sociedades   inteiras   foram   desestruturadas   com   a   ruptura   de

relações de troca e de parentesco e também da continuidade de costumes e

manifestações culturais; muitas outras foram dizimadas. Colaborou para isso a



concepção das missões religiosas, que viam o indígena como um ser primitivo

e herege que deveria aprender a cultura e os costumes dos europeus - suas

crenças, seu modo de comer, se vestir e se relacionar.

LEGENDA:   Na   cabana   de   Pindobuçu   (1920),   óleo   sobre   tela   de   Benedito

Calixto,   representa   o   contato,   no   século   XVI,   entre   padres   portugueses   e

indígenas do povo Tamoio, no litoral do atual estado de São Paulo. Se, por um

lado,   os   jesuítas   buscavam   proteger   a   integridade   física   dos   indígenas   de

ataques dos colonizadores, por outro, suas atividades de catequização levaram

à transformação radical ou ao desaparecimento de costumes e manifestações

tradicionais desses povos.

FONTE: Reprodução/Museu Paulista da USP, São Paulo, SP.

Mesmo nos séculos XIX e XX, após a independência e a consolidação dos

limites   do   território   do   Brasil,   as   populações   indígenas   continuaram   sendo

atingidas   de   várias   maneiras   por   políticas   de   Estado   e   pela   ação   de   não

indígenas.   Diversas   ondas   de   migração   para   o   interior   do   país   foram

impulsionadas  tanto  pela exploração de  recursos  vegetais  (como  o  látex)  e

minerais (como metais preciosos) quanto pela busca de terras para agricultura

e pecuária, levando a novos conflitos. Expedições realizadas pela Amazônia

brasileira no último século mostraram também que os indígenas que haviam

incorporado   costumes   e   crenças   trazidos   da   Europa   -   por   muito   tempo

denominados "aculturados" - eram explorados e viviam na miséria, situação

corrente ainda hoje. Somente no início do século XX foram criados os primeiros

serviços   de   proteção   aos   indígenas   (veja   boxe   na   página   seguinte).   A

Fundação   Nacional   do   Índio   (Funai),   criada   em   1967,   é   hoje   o   órgão

governamental responsável pelas políticas de reconhecimento e demarcação

de terras indígenas e de proteção a comunidades indígenas.

Entre   as   consequências   da   dizimação   de   populações,   podemos   citar   o

desaparecimento de muitas línguas. Segundo a Unesco, em 1900, havia no

mundo cerca de 10 mil línguas; hoje sobrevivem apenas cerca de 6,7 mil. Com

isso, perde-se também informação cultural e científica, presente nos saberes

tradicionais dessas comunidades - muitas das quais, ao longo dos séculos,

asseguraram   o   equilíbrio   ambiental   por   meio   do   manejo   adequado   dos

recursos.




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