A voz do passado



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#40392

A VOZ DO PASSADO

Paul Thompson
História oral
Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira
PAZ E TERRA

© Paul Thompson 1978, 1988

Traduzido do original em inglês The voice of the past - oral history

Preparação: Carmem Simões Costa Revisão: Ana Mendes Barbosa e Luís Henrique Neiy

Capa: Isabel Carballo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Thompson, Paul, 1935-

A voz do passado história oral/ Paul Thompson; tradução Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992

1. História - Metodologia 2. História oral 1. Título.

92-2845 CDD-907.2


Índices para catálogo sistemático:

1. História: Metodologia 907.2

2. História oral 907.2
Direitos adquiridos pela

EDITORA PAZ E TERRA S.A.

Rua do Triunfo, 177 01212 - São Paulo, SP

Tel. (011) 223-6522

Rua São José, 90 -11 andar, cj. 1111

20010-RiodeJaneiro,RJ

Tel. (021) 221-4066

que se reserva a propriedade desta tradução)

Conselho Editorial

Antonio Candido

Celso Furtado

Fernando Gasparian

Fernando Henrique Cardoso
1992

Impresso no Brasil! Printed in Brazil


ÍNDICE

Prefácio á primeira edição 9

Prefácio à segunda edição 12

Prefácio á edição brasileira 14

1. História e comunidade 20
2. Historiadores e história oral 45
3. A contribuição da história oral 104
4. Evidência 138
5. A memória e o eu 197
6. Projetos 217
7. A entrevista 254
8. Armazenamento e catalogação 279
9. Interpretação: a construção da história 299

Leituras complementares e notas 338


Modelos de perguntas 367
Índice remissivo 379
PREFÁCIO Á PRIMEIRA EDIÇÃO
Este é um livro que trata do método e do significado da história. Antes de mais nada, é uma introdução ao uso de fontes orais pelo historiador. Mas a utilização dessas fontes suscita, ela mesma, questões fundamentais, e decidi ocupar-me delas de iní­cio, caminhando passo a passo na direção dos capítulos seguin­tes, de caráter mais prático. Ao mesmo tempo, procurei escrever tendo em mente muitos tipos diferentes de leitor. Alguns podem estar mais diretamente interessados em como elaborar um pro­jeto, e em como coletar e avaliar o material de entrevistas. Estes encontrarão conselhos práticos nos capítulos 6 (Projetos), 7 (A entrevista) e 8 (Armazenamento e catalogação). Na verdade, seria aconselhável começar pelo trabalho de campo. A experiên­cia prática da história oral conduzirá, por si só, às questões mais profundas a respeito da natureza da história. Essas questões dizem respeito, em primeiro lugar, ao caráter da evidência. Até que ponto é conflável a evidência oral? Ela equivale às fontes documentais com que o historiador moderno está mais familiarizado? Essas questões críticas e imediatas são tratadas no capítulo 4 (Evidência). Mas são mais bem compreen­didas se colocadas dentro do contexto mais amplo do desenvolvi­mento da produção histórica. O capítulo 3 (A contribuição da história oral) oferece urna avaliação da produção recente e da contribuição que a evidência oral tem dado, ao oferecer novas

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perspectivas e revelar novos campos de pesquisa. O capítulo 2 (Historiadores e a história oral) vai ao encalço dessa questão no passado da própria história, examinando as variadas abordagens da evidência pelos historiadores, desde a primazia inicial da tra­dição oral até as eras do documento escrito e do gravador.


É inevitável, porém, que isto leve a um segundo conjunto de questões relativas à função social da história. De fato, ficou claro, ao escrever o capítulo 2, que a evolução das técnicas de estudo só podia ser explicada de maneira convincente dentro de um con­texto social determinado. E os problemas ao selecionar e avaliar a evidência oral já haviam apontado na mesma direção. Como escolhemos a quem ouvir? A história sobrevive como atividade social apenas por ter hoje um sentido para as pessoas. A voz do passado tem importância para o presente. Mas de quem é a voz - ou de quem são as vozes - que se deve ouvir?
Assim, embora se possa tratar do método e do significado como temas independentes, no fundo eles são inseparáveis. A es­colha da evidência deve refletir o papel da história na comuni­dade. Em parte, esta é uma questão política, a cujo respeito os historiadores só podem chegar a unia posição pessoal inde­pendentemente. Em conseqüência, muito embora mesmo aqui a maior parte da argumentação seja muito claramente humana e não política, o capítulo 1 (História e comunidade) foi escrito de uma perspectiva socialista. De minha parte, creio que as possibi­lidades mais ricas para a história oral se encontram no desenvol­vimento de uma história mais socialmente consciente e democrá­tica. Naturalmente, a partir de uma posição conservadora também se poderia fazer uma defesa vigorosa da utilização da história oral para a preservação da plena riqueza e do valor da tradição. O mérito da história oral não é o de trazer em si, necessariamente, esta ou aquela postura política, mas sim o de levar os historiadores a tomarem consciência de que sua atividade se exerce, inevitavel­mente, dentro de um contexto social e que tem implicações políticas.
Este é, pois, um livro prático sobre como fontes orais podem ser coletadas e utilizadas pelos historiadores. Mas tam­10

bem pretende instigar os historiadores a se indagarem sobre o que estão fazendo e por quê. A reconstrução que fazem do pas­sado baseia-se na autoridade de quem? E com vistas a quem ela é feita? Em suma, de quem é A voz do passado?


Ao escrever este livro, tive a felicidade de poder contar com a ajuda de muitos amigos e colegas, especialmente da Oral His­tory Society e da Universidade de Essex. Não é possível, aqui, registrar minha gratidão senão a poucos deles separadamente, mas a todos agradeço. Em dez anos de atividade de pesquisa e de projetos de estudantes, e de um círculo cada vez mais amplo de debates e conferências, experimentos, erros e êxitos, ergueu-se uma experiência coletiva amplamente compartilhada. Nisto tudo é que este livro se apóia. Sobretudo, ele se vale do trabalho con­junto, em pesquisa e, a seguir, em cursos de pós-graduação, a que Thea Vigne e eu nos dedicamos e em que exploramos as possibi­lidades da evidência oral na história social. Tenho com ela uma dívida enorme. Gostaria, também, de agradecer mais uma vez aos que foram mencionados no prefácio dos primeiros resultados da­quela pesquisa, The Edwardians, e particularmente a George Ewart Evans e Maty Girling. Quanto a este texto, sou especial­mente grato pelas contribuições específicas e pelos comentários a versões preliminares feitos por Keith Thomas, Gcoffrey Hawt­hom, Bill Williams, Colin Bundy, Trevor Lummis, Roy Hay, Mi­chael Winstanley, Gina Harkell, Joanna Bornat, Alun Howkins, Eve Hostettler, Natasba Burchardt e Raphael Samuel.
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PREFÁCIO À SEG UNDA EDIÇÃO
Muita coisa aconteceu nos dez anos decorridos desde que escrevi este livro. O trabalho que então se iniciava resultou em publicações importantes em história. Progredimos em nossa com­preensão da complexidade do processo da memória e da interpre­tação das fontes orais. Assistimos a uma vigorosa difusão de pro­jetos de comunidades locais e ao surgimento de novos movimentos de alfabetização de adultos, teatro e terapia de reminiscência. Aprendemos mais a respeito do passado da história oral. Estabe­lecemos vínculos mais sólidos com a sociologia da história de vida e congregamo-nos para constituir uma comunidade internacio­nal de historiadores orais.
Toda essa série de acontecimentos reflete-se nesta nova edi­ção. De modo particular, ampliei os três primeiros capítulos sobre história e comunidade, os historiadores e a história oral, e a contribuição da história oral; introduzi uma nova discussão sobre “subjetividade”, psicanálise e memória como terapia, em um ca­pítulo reescrito sobre evidência (4) e um novo capítulo sobre a memória e o eu (5); e reescrevi e ampliei o capítulo final sobre interpretação (9).
Gostaria de podei agradecer a todos os que me auxiliaram, no correr desses anos, na reelaboração e na experiência que se refletem nesta edição revista; mais do que nunca, porém, eles são tantos que é impossível mencioná-los individualmente. Aos ami­gos e colegas britânicos, a quem continuo a dever tanto, gostaria

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agora de acrescentar muitos de outros países, especialmente os inúmeros que tão generosamente me acolheram em viagens à Es­candinávia, Polônia, França e Itália, Bélgica e Espanha, América do Norte e China. Permitam-me apenas que mencione de ma­neira especial Ron Grele, pelo papel fundamental que desempe­nhou na criação de um fórum internacional para a história oral; e que registre meu débito pessoal muito especial para com Daniel Bertaux, Isabelle Bertaux-Wiame, Luisa Passermi e nossos de­mais amigos de Turim, com quem trabalhei em projetos conjun­tos de pesquisa nesses anos todos.


PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA

A primeira experiência da história oral como atividade orga­nizada é de 1948, quando o professor Allan Nevis lançou o The Oral History Project da Universidade de Colúmbia. Hoje, nessa mesma universidade, o Oral Histoiy Research Office possui uma coleção de mais de 6 mil fitas gravadas e mais de 600 mil pági­nas de transcrição. Esse material é consultado anualmente por mais de 2 500 pesquisadores, segundo informações do próprio órgão sediado na Universidade de Colúmbia, na cidade de Nova York.


O boom da história oral nos Estados Unidos se deu no final dos anos 60 e início dos 70, e originou a Oral History Association (OHA) em 1967, com sua publicação anual Oral History Review. Houve a proliferação de programas de história oral em outras umversidades (UCLA, Berkeley), centros de pesquisa e institui­ções ligadas aos meios de comunicação - como o New York Times Oral History Program, que foi estabelecido em 1972. A partir de 1970, coleções de história oral foram também incluídas no National Union Catalog: Manuscript Collections, da Biblio­teca do Congresso Norte-Americano.
A história oral está hoje consolidada em diversos países além dos EUA, Grã-Bretanha, Itália, Alemanha, Canadá, França; faz parte do currículo escolar nos diferentes níveis de aprendi­zado, ~ cursos sobre o método e teoria são oferecidos regular14

mente até por universidades tidas como “conservadoras” como as de Colúmbia e Oxford.


O envolvimento de Paul Thompson com a história oral ocorreu na década de 60, quando, historiador social, integrou a equipe do Departamento de Sociologia da recém-fundada Uni­versidade de Essex, colaborando inclusive tia elaboração da seu regimento. Nessa ocasião, ao estudar um período recente de his­tória social inglesa, sem documentação nos arquivos e com uma literatura insuficiente, descobriu a importância das pessoas como testemunhas do passado e, ao ouvi-las, descobriu que elas têm sempre alguma coisa interessante a dizer. Foi orientado nesse projeto pelo historiador George Ewart Evatis, que na época traba­lhava em rádio e entrevistava velhos moradores de determinada região. Ao utilizar os instrumentos de entrevista nos moldes so­ciológicos, Paul Thompson percebeu a riqueza e a importância da memória dos sujeitos anônimos, e como o jeito do entrevistado contar “estórias” sobre o passado era uma alternativa perfeita para a história social. Entretanto, nesse momento a história oral norte-americana estava voltada para os great men, enquanto que em Essex se buscava o testemunho de pessoas comuns, ordinary people, marginalizadas pelo poder, e de idosos já despossuídos de força para o trabalho - nunca considerados sujeitos da história pelos historiadores tradicionais. Por isso a história oral foi, no seu começo, também marginalizada na Grã-Bretanha.
A experiência de Essex tornou-se modelo adotado por histo­riadores orais de diversos países, influenciando inclusive pesqui­sadores norte-americanos. Segundo Paul Thompson, foi impor­tante para o movimento o caráter interdisciplinar da história oral, com sua origem no Departamento de Sociologia da Universidade de Essex, pois a confluência do trabalho de sociólogos e historia­dores resultou no avanço qualitativo da Ciência Social.
Enfrentando oposição dos historiadores mais tradicionais, a Oral History Society (OHS) foi fundada em 1973, na Grã-Bre­tanha. Seu boletim, inicialmente chamado Oral History Newslet­ter e feito de forma mambembe no próprio Departamento de So­15

ciologia, rapidamente se propagou. Após a criação da OHS, o boletim transformou-se no Journal of the Oral History Society Gradualmente, esse periódico foi aprimorando-se e tornando-se efetivamente um espaço destinado a artigos sobre o método e resultados de pesquisa com história oral que não teriam espaço em jornais e revistas convencionais.


Atualmente, a história oral na Grã-Bretanha envolve profis­sionais de diversas áreas. A exemplo da entidade americana, a Oral Histoty Society congrega elementos oriundos dos meios de comunicação, universidades, museus, centros de reminiscências etc. Digno de nota é o uso da história oral para a gerontologia, tendo o processo de reminiscências de pessoas idosas implica­ções sociais, inclusive. O Age Exchange Reminiscence Centre é uma instituição inglesa que tem realizado intensa atividade no campo da reminiscência, produzindo peças, livros e exposições baseadas em memórias de pessoas idosas. Essa instituição tam­bém se tornou um museu do cotidiano, com objetos e utensílios que datam do começo do século, onde as pessoas idosas são en­corajadas a manusear objetos que fizeram parte de suas vidas e a falar de suas experiências. Dessa forma, além de estimular a me­mória, o Centro permite o desfrute do lazer, do convívio, que se mostram, na verdade, atividades terapêuticas.
A voz do passado - história oral de Paul Thompson surgiu em 1978 e já é considerado hoje um clássico, por sua importante contribuição ao método e à teoria da história oral.

Sua publicação no Brasil coincide com a recente visita do historiador que aqui esteve a convite do Muséu da Imagem e do Som, órgão da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. O evento, cujo objetivo básico foi introduzir, contextualizar e pro­blematizar a discussão sobre história oral, possibilitou o amadu­recimento da questão e serviu também como catalisador das mul­tiplas experiências que vêm sendo desenvolvidas no país. Além disso, mostrou-nos, concretamente, a existência no Brasil de uma quantidade significativa de trabalhos que utilizam a história oral como instrumento de pesquisa e como fonte documental. Foram

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identificados 125 projetos de história oral em desenvolvimento, sendo que 49 individuais e 76 projetos institucionais. Posteriormente, no projeto Memória & Migração, os seminários técnicos, que apresentaram métodos e produtos finais de projetos de histó­ria oral, despertaram nos participantes grande interesse. Esses dados são relevantes, pois no Brasil não há tradições de valoriza­ção do patrimônio histórico nacional; a consciência e a ação ins­titucionais do setor público ou privado na preservação da memória nacional ainda se limitam, timidamente, à preservação de conjuntos arquitetônicos do país.


Nesse contexto, a história oral pode dar grande contribuição para o resgate da memória nacional, mostrando-se um método bastante promissor para a realização de pesquisa em diferentes áreas. É preciso preservar a memória física e espacial, como tam­bém descobrir e valorizar a memória do homem. A memória de um pode ser a memória de muitos, possibilitando a evidência dos fatos coletivos.
Uma das primeiras experiências com história oral no Brasil ocorreu em 1971, em São Paulo, no Museu da Imagem e do Som (MIS), que tem se dedicado à preservação da memória cultural brasileira. Outras experiências ocorreram no Museu do Arquivo Histórico da Universidade Estadual de Londrina, no Paraná (1972), e na Universidade Federal de Santa Catarina, onde foi implantado um laboratório de história oral em 1975. Porém, a experiência mais importante e enriquecedora tem sido a do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), sediado na Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, que dispõe de um Setor de História Oral desde a sua fundação em 1975. Indubitavelmente, o CPDOC é o exemplo da bem-sucedida experiência com história oral no Brasil, tanto no plano do seu acervo, constituído principalmente de entrevistas com personagens da história política contemporânea do país, como no plano de comunicações, palestras e publicações de sua equipe. Tampouco podemos deixar de destacar os projetos de his­tória oral e história de vida do Centro de Estudos Rurais e Ur­17

bano (CERU) da Universidade de São Paulo, e ainda o trabalho solitário, pioneiro e interdisciplinar de Ecléa Bosi, que em sua obra Memória e sociedade: lembranças de velhos (1979) recons­trói a história da cidade de São Paulo por meio do registro da memória de idosos.


Embora seja inegável o interesse que a história oral vem despertando no pesquisador brasileiro, a literatura disponível é ainda escassa e deixa muito a desejar. Apesar de algumas obras apresentarem bons resultados, elas não problematizam as ques­tões metodológicas, práticas e teóricas, O livro de Paul Thomp­son vem, portanto, preencher essa lacuna.

Um dos aspectos mais polêmicos das fontes orais diz res­peito a sua credibilidade. Para alguns historiadores tradicionais os depoimentos orais são tidos como fontes subjetivas por nutrirem-se da memória individual que às vezes pode ser falível e fantasiosa. No entanto ,a subjetividade é um dado real em todas as fontes históricas , sejam elas orais , escritas ou visuais. O que interessa em história oral é saber porque o entrevistado foi seletivo , ou omisso , pois essa seletividade com certeza tem o seu significado , Além disso, este século é marcado pelo avanço sem precedente nas tecnologias da comunicação. O que abalou a hegemonia do documento escrito.


Paul Thompson se refere a esses temas e conceitos de forma exaustiva em seu livro, que teve na segunda edição de 1988 acréscimo importante ao introduzir um capítulo sobre a subjetivi­dade, a psicanálise e a memória.
Paul Thompson é historiador-missionário que sabe ouvir as pessoas - característica fundamental do historiador oral - e tem o ideal de contribuir com seu trabalho na elaboração de uma memória mais democrática do passado. A história oral, para ele, e também um instrumento de mudança capaz de colaborar na cons­trução de uma sociedade mais justa.
A história oral possibilita novas versões da história ao dar voz a múltiplos e diferentes narradores. Esse tipo de projeto pro­picia sobretudo fazer da história uma atividade mais democrática,

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a cargo das próprias comunidades, já que permite construir a his­tória a partir das próprias palavras daqueles que vivenciaram e participaram de um determinado período, mediante suas referên­cias e também seu imaginário. O método da história oral possibi­lita o registro de reminiscências das memórias individuais; enfim, a reinterpretação do passado, pois, segundo Walter Benjamin, qual­quer um de nós é urna personagem histórica.


A publicação do presente livro é um passo decisivo para a consolidação da história oral no Brasil, considerando-se a diver­sidade temática e o número de projetos aqui existentes. Seria oportuno, a exemplo das experiências norte-americana e inglesa, entre outras, temios em perspectiva a criação de uma entidade que congregasse os historiadores orais no plano nacional, possi­bilitasse o aprofundamento de questões teóricas e metodológicas e a troca de experiências por meio de encontros e publicações. Enfim, a organização de um movimento que visasse principal­mente contribuir na recuperação e na preservação da memória nacional e, conseqüentemente, contribuir para a criação de uma consciência histórica.
Nosso passado é nossa memória, disse Borges.
Sônia Maria de Freitas

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HISTÓRIA E COMUNIDADE
Toda história depende, basicamente, de sua finalidade so­cial. Por isso é que, no passado, ela se transmitia de urna geração a outra pela tradição oral e pela crônica escrita, e que, hoje em dia, os historiadores profissionais são mantidos com recursos pú­blicos, as crianças aprendem história na escola, florescem socie­dades amadoras de história, e os livros populares de história estão entre os mais vigorosos best-sellers. Por vezes, a finalidade so­cial da história é obscura. Há acadêmicos que continuam fazendo pesquisa factual sobre problemas remotos, evitando qualquer en­volvimento com interpretações mais amplas ou com questões contemporâneas, insistindo apenas na busca do conhecimento pelo conhecimento. Possuem algo em comum com o ameno tu­rismo contemporâneo que excursiona pelo passado como se fosse mais um país estrangeiro para onde se evadir: uma herança de edifícios e de paisagens tão temamente apreciada que chega a ser quase desumanamente confortável, expurgada do sofrimento so­cial, da crueldade e do conflito, a ponto de transformar em verda­deiro prazer o trabalho dos escravos numa fazenda. Tanto este quanto aqueles cuidam de sua remuneração livre de interferência e, em troca, não estimulam qualquer tipo de contestação ao sis­tema social. No outro extremo, a finalidade social da história pode ser bastante espalhafatosa: utilizam-na para justificar a guerra e a dominação, a conquista territorial, a revolução ou a contra-revolucão, o domínio de uma classe ou raça por outra.

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Quando não existe história alguma disponível, ela é criada. O governantes brancos da África do Sul separam seus negros urbanos em tribos e homelands; os nacionalistas do País de Gale reúnem-se nos eisteddfods, congressos anuais de bardos galeses os chineses da revolução cultural foram obrigados a arquitetar a novas “quatro histórias” da luta popular; as feministas radicai ocuparam-se da história da ama-de-leite em sua busca de mãe sem instinto maternal. Entre esses dois extremos, há muitas outras finalidades, mais ou menos óbvias. Para os políticos, o passado é uma fonte de símbolos em que se apóiam: vitórias imperiais, mártires, valores vitorianos, marchas da fome. E quase igualmente notáveis são as lacunas na apresentação pública c história: os silêncios da Rússia sobre Trotski, da Alemanha Ocidental sobre a era nazista, da França sobre a guerra da Argélia.


Por meio da história, as pessoas comuns procuram compreender as revoluções e mudanças por que passam em suas próprias vidas: guerras, transformações sociais como as mudança de atitude da juventude, mudanças tecnológicas como o fim energia a vapor, ou migração pessoal para uma nova comunidade. De modo especial, a história da família pode dar ao indivíduo um forte sentimento de uma duração muito maior de vida pessoal, que pode até mesmo ir além de sua própria morte. P meio da história local, uma aldeia ou cidade busca sentido para sua própria natureza em mudança, e os novos moradores vindo de fora podem adquirir uma percepção das raízes pelo conhecimento pessoal da história. Por meio da história política e soei ensinada nas escolas, as crianças são levadas a compreender e aceitar o modo pelo qual o sistema político e social sob o vivem acabou sendo como é, e de que modo a força e o conflito têm desempenhado e continuam a desempenhar um papel nessa evolução.
O desafio da história oral relaciona-se, em parte, com essa finalidade social essencial da história. Essa é uma importai razão por que ela tem excitado tanto alguns historiadores e amedrontado tanto outros. Na verdade, temer a história oral como

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não tem fundamento. Veremos mais adiante que a utilização de entrevistas como fonte por historiadores profissionais vem de muito longe e é perfeitamente compatível com os padrões acadêmi­cos. A experiência norte-americana mostra muito claramente que o método da história oral pode ser perfeitamente utilizado de maneira social e politicamente conservadora; ou, até mesmo, levado aos li­mites da simpatia pelo fascismo, no retrato que John Toland fez de Adolf Hitler (Nova York, 1976).A história oral não é necessariamente um instrumento de mudança; isso depende do espírito com que seja utilizada. Não obs­tante, a história oral pode certamente ser um meio de transformar tanto o conteúdo quanto a finalidade da história. Pode ser utilizada para alterar o enfoque da própria história e revelar novos campos de investigação; pode derrubar barreiras que existam entre pro­fessores e alunos, entre gerações, entre instituições educacionais e o mundo exterior, e na produção da história - seja em livros, mu­seus, rádio ou cinema - pode devolver às pessoas que fizeram e vivenciaram a história um lugar fundamental, mediante suas pró­prias palavras.


Antes deste século, o enfoque da história era essencialmente político: uma documentação da luta pelo poder, onde pouca aten­ção mereceram as vidas das pessoas comuns, ou as realizações da economia ou da religião, a não ser em tempos de crise, como a Reforma, a Guerra Civil inglesa, ou a Revolução Francesa, O tempo histórico dividia-se segundo reinados e dinastias. Até mesmo a história local preocupava-se mais com o governo do distrito ou da freguesia do que com o dia-a-dia da vida da comu­nidade e das ruas. Isso se devia, em parte, porque os historiado­res, eles mesmos pertencentes às classes que administravam e governavam, consideravam ser isso o que mais importava. Não haviam desenvolvido qualquer interesse pelo ponto de vista do trabalhador, a menos que este fosse especialmente importuno; nem - sendo homens - tinham vontade de investigar sobre as experiências da vida, então em mudança, das mulheres. Porém, mesmo que tivessem desejado escrever um tipo diferente de his­22

tória, isso não teria sido nada fácil, pois a matéria-prima a partir da qual a história era escrita, os documentos, haviam sido preser­vados ou destruídos por pessoas que tinham as mesmas priorida­des. Quanto mais um documento fosse pessoal, local ou não-ofi­cial, menor a probabilidade de que continuasse a existir. A própria estrutura de poder funcionava como um grande gravador, que modelava o passado a sua própria imagem.


Isso continuou sendo assim mesmo após a instalação de re­partições locais de registro. Os registros de nascimentos e casa­mentos, as atas de conselhos e a administração de ajuda e assis­tência social aos pobres, jornais de âmbito nacional e local, diários escolares dos professores - registros legais de todo tipo são preservados em quantidade; muito freqüentemente, há também arquivos de igrejas e balanços e outros livros de grandes firmas privadas e de propriedades rurais, e até mesmo correspon­dência particular da classe fundiária dominante. Porém, onde quer que seja, muito pouco foi preservado dos inúmeros cartões-postais, cartas, diários e outros registros do dia-a-dia de homens e mulheres da classe operária, ou dos documentos de pequenos ne­gócios, como lojas ou propriedades agrícolas de pequeno porte, por exemplo.
Em conseqüência, mesmo com a ampliação do campo de interesse da história, permaneceu igual o enfoque político e ad­ministrativo original. Nos casos em que as pessoas comuns foram consideradas, isso em geral ocorreu sob a forma de agregados estatísticos provenientes de alguma investigação administrativa anterior. Assim, a história econômica construiu-se em torno de três tipos de fonte: taxas agregadas de salários, preços e desem­prego; intervenções políticas nacionais e internacionais na econo­mia e a informação decorrente destas; e estudos sobre determina­dos ramos do comércio e da indústria, que dependiam das firmas maiores e mais bem-sucedidas para os registros de empresas in­dividuais. Analogamente, a história operária consistiu, durante muito tempo, de estudos, por um lado, sobre a relação entre as classes trabalhadoras e o Estado em geral e, por outro, sobre de23

terminados relatos, essencialmente institucionais, de sindicatos e de organizações políticas da classe operária; e, inevitavelmente, são as organizações maiores e mais bem-sucedidas que normal­mente deixam registros ou encomendam suas próprias histórias. A história social tem continuado a ocupar-se especialmente dos (acontecimentos administrativos e legislativos, como o surgi­mento do welfare state; ou dos dados agregados, tais como popu­lação total, taxas de nascimento, idade de casamento, estrutura doméstica e familiar. E dentre as especialidades históricas mais recentes, a demografia tem-se ocupado quase que exclusivamente de agregados; a história da família, a despeito de alguns ensaios ambiciosos e malvistos para partir para uma história da emoção e do sentimento, tendeu a seguir as linhas da história social tradi­cional; enquanto, pelo menos até pouco tempo atrás, a história das mulheres se centrava, em muito grande medida, na luta polí­tica pela igualdade civil e, sobretudo, pelo voto.


Por certo, há exceções importantes em cada um desses cam­pos, que demonstram serem possíveis abordagens diferentes mesmo com as fontes de que se dispõe. E há quantidade conside­rável de informação pessoal e comum inexplorada, até mesmo em registros oficiais - tais como documentos judiciários -, que pode ser utilizada de novas maneiras. O padrão que persiste na produção de textos históricos reflete, provavelmente, as priorida­des da maioria dos historiadores profissionais - ainda que não mais pertencentes á classe dirigente propriamente dita - numa. era de burocracia, poder estatal, ciência e estatística. Não obs­tante, continua sendo verdade que escrever qualquer outro tipo de história a partir de fontes documentais continua a ser tarefa muito difícil, que requer especial criatividade. Esclarece bem essa situa­ção o fato de que The Making ofEnglish Working Cla.ss (1963), de E. P. Thompson, e The First Shop Stewards’ Movement (1973), de James Hinton, dependeram ambos, em grande medida, de relatos de informantes governamentais pagos do início do sé­culo XIX e da Primeira Guerra Mundial, respectivamente. Se his­toriadores socialistas são constrangidos a escrever história a par24

tir de registros de espiões do governo, fica bem evidente que as restrições impostas são extremas. Infelizmente não podemos en­trevistar as lápides dos túmulos, mas, pelo menos para o período da Primeira Guerra Mundial e, ainda antes, até fins do século XIX, a utilização da história oral fornece imediatamente uma fonte rica e variada para o historiador criativo.


No sentido mais geral, uma vez que a experiência de vida das pessoas de todo tipo possa ser utilizada como matéria-prima,. a história ganha nova dimensão. A história oral oferece, quanto a sua natureza, uma fonte bastante semelhante à autobiografia pu­blicada, mas de muito maior alcance. A maioria esmagadora das autobiografias publicadas são de um grupo restrito de líderes po­líticos, sociais e intelectuais e, mesmo quando o historiador tem a grande sorte de encontrar uma autobiografia exatamente do local, época e grupo social de que esteja precisando, pode muito bem acontecer que ela dê pouca ou nenhuma atenção ao tema objeto de seu interesse. Em contraposição, os historiadores orais podem escolher exatamente a quem entrevistar e a respeito de que per­guntar. A entrevista propiciará, também, um meio de descobrir documentos escritos e fotografias que, de outro modo, não teriam sido localizados. A fronteira do mundo acadêmico já não são mais os volumes tão manuseados do velho catálogo bibliográfico. Os historiadores orais podem pensar agora como se eles próprios fossem editores: imaginar qual a evidência de que precisam, ir procurá-la e obtê-la.

Para a maior parte dos tipos existentes de história, provavel­mente o resultado crítico dessa nova abordagem será propiciar evidência vinda de uma nova direção. O historiador de política da classe operária pode justapor as afirmações do governo ou dos dirigentes do sindicato e a voz das pessoas do povo - sejam elas apáticas, ou militantes. Não há dúvida alguma de que isso deve contribuir para uma reconstrução mais realista do passado. A rea­lidade é complexa e multifacetada; e um mérito principal da his­tória oral é que, em muito maior amplitude do que a maioria das fontes, permite que se recrie a multiplicidade original de pontos

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de vista. Mas essa vantagem não é importante apenas para escre­ver história. Em sua maioria, os historiadores fazem julgamentos implícitos ou explícitos - o que é muito certo, uma vez que a finalidade social da história requer uma compreensão do passado que, direta ou indiretamente, se relaciona com o presente. Os his­toriadores profissionais modernos são menos francos quanto a suas mensagens sociais do que Macaulay ou Marx, uma vez que se considera que os padrões acadêmicos conflitam com um viés declarado. De modo geral, porém, a mensagem social está pre­sente, ainda que dissimulada. É bastante fácil a um historiador dedicar a maior parte de sua atenção e de suas citações aos lide­res sociais que admira, sem emitir diretamente nenhuma opinião pessoal. Uma vez que é da natureza da maior parte dos registros existentes refletir o ponto de vista da autoridade, não é de admi­rar que o julgamento da história tenha, o mais das vezes, defen­dido a sabedoria dos poderes existentes. A história oral, ao con­trário, torna possível um julgamento muito mais imparcial: as testemunhas podem, agora, ser convocadas também de entre as classes subalternas, os desprivilegiados e os derrotados. Isso pro­picia uma reconstrução mais realista e mais imparcial, do pas­sado, uma contestação ao relato tido como verdadeiro. Ao fazê­lo, a história oral tem um compromisso radical em favor da mensagem social da história como um todo.


Ao mesmo tempo, a história oral implica, para a maioria dos tipos de história, uma certa mudança de enfoque. Assim, o historiador da educação passa a preocupar-se com as experiên­cias dos alunos e estudantes, bem como com os problemas dos professores e administradores. O historiador militar e naval pode olhar, para além da estratégia em nível de comando e do equipa­mento, para as condições, recreações e moral dos soldados rasos e do convés inferior. O historiador social pode passar dos buro­cratas e políticos para o mundo dos pobres, e aprender como o pobre via o funcionário da assistência social e de que modo so­brevivia a suas negativas. O historiador político pode abordar o eleitor cm casa ou no trabalho; e pode esperar compreender até

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mesmo o operário conservador, que não criou nem jornais nem organizações que possam ser investigados. O economista pode observar tanto o empregador quanto o operário como seres so­ciais e em seu trabalho costumeiro e, desse modo, chegar mais perto da compreensão do processo econômico típico e de seus êxitos e contradições.


Em alguns campos, a história oral pode resultar não apenas numa mudança de enfoque, mas também na abertura de novas áreas importantes de investigação. Os historiadores do movimento operário, por exemplo, estão pela primeira vez capacitados a empreender estudos convincentes sobre a maioria não-sindica­lizada dos operários, e sobre a experiência normal de trabalho e seu impacto sobre a família e a comunidade. Já não estão mais confinados às categorias sindicalizadas, ou àquelas que, em sua época, mereceram publicidade e investigação devido às greves que fizeram ou à extrema pobreza em que viviam. De modo se­melhante, os historiadores urbanos podem deixar as áreas proble­máticas já bem estudadas, como as favelas, para olhar para outras formas típicas da vida social urbana: a pequena cidade industrial ou comercial, por exemplo, ou o subúrbio de classe média, onde se criam padrões locais de distinção social, de ajuda mútua entre vizinhos e parentes, de lazer e de trabalho. Podem, até mesmo, abordar por dentro a história dos grupos imigrantes - um tipo de história que certamente se tomará mais importante na Grã-Bre­tanha e é principalmente documentado apenas exteriormente como um problema social. Destas oportunidades - e de muitas outras -podem partilhar os historiadores orais: o estudo do lazer e da cultura da classe operaria, por exemplo; ou do crime, do ponto de vista do pequeno ladrão, gatuno ou pé-de-chinelo comuns, muitas vezes não identificados e socialmente semitojerados.
O traço mais surpreendente de todos, porém, talvez seja o impacto transformador da história oral sobre a história da família. Sem a evidência oral, o historiador pode, de fato, descobrir muito pouca coisa, quer sobre os contatos comuns da família com os vizinhos e parentes, quer sobre suas relações internas. Os papéis

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de marido e mulher, a educação de meninas e meninos, os confli­tos e dependência emocionais e materiais, a luta dos jovens pela independência, o namoro, o comportamento sexual dentro e fora do casamento, a contracepção e o aborto - todas essas eram, efetivamente, áreas secretas. As únicas pistas tinham que ser pro­curadas a partir de estatísticas agregadas e de uns poucos obser­vadores - em geral parciais. A pobreza histórica disso resultante estão bem sumariada no estudo especulativo e brilhante, mas abs­trato, de Michael Anderson, Family Structure in Nineteenth Cen­tury Lancashire (1971): uma construção irregular e vazia. Com o uso da entrevista, é possível agora desenvolver uma história muito mais completa da família através dos últimos noventa anos, e estabelecer seus padrões e mudanças principais no correr do tempo, de lugar para lugar, durante o ciclo de vida e entre os sexos. Pela primeira vez, toma-se viável a história da infância como um todo. E, dada a predominância da família na vida de muitas mulheres, pelo trabalho em casa, pelo serviço doméstico e pela maternidade, verifica-se um alargamento quase equivalente do campo de ação da história da mulher.


Em todos esses campos da história, com a introdução de nova evidência antes não disponível; com a mudança do enfoque da investigação e com a abertura de novas áreas para ela; con­testando alguns dos pressupostos dos historiadores e julgamentos por eles aceitos; reconhecendo grupos importantes de pessoas que haviam estado ignoradas, dá-se início a um processo cumula­tivo de transformações. Amplia-se e se enriquece o próprio campo de ação da produção histórica; e, ao mesmo tempo, sua mensagem social se modifica. Para ser claro, a história se torna mais democrática. A crônica dos reis introduziu entre suas preo­cupações a experiência de vida das pessoas comuns. Há, porém, uma outra dimensão igualmente importante dessa mudança. O processo de escrever história muda juntamente como conteúdo. A utilização da evidência oral rompe as barreiras entre os cronistas e seu público; entre a instituição educacional e o mundo exterior.

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Essa mudança brota da natureza essencialmente criativa e cooperativa do método da história oral. Ë claro que, uma vez gravada, a evidência oral pode ser utilizada por estudiosos solitá­rios nas bibliotecas, exatamente como qualquer outro tipo de fonte documental. Satisfazer-se com isso, porém, é perder uma vantagem essencial desse método: sua flexibilidade, a capacidade de dominar a evidência exatamente onde ela é necessária. Assim que os historiadores começam a entrevistar, vêem-se inevitavel­mente trabalhando com outras pessoas - quando menos com seus informantes. E para ser um entrevistador bem-sucedido é necessário um novo conjunto de habilidades, entre as quais uma compreensão das relações humanas. Alguns adquirem quase imediatamente essas habilidades, outros precisam aprendê-las; mas em contraposição ao processo cumulativo de conhecer e reunir informações que tanta vantagem oferece, na análise documen­tal e na interpretação, ao historiador profissional experiente, é possível aprender bem rapidamente a tomar-se um entrevistador eficiente. Assim, os historiadores em trabalho de campo, ainda que mantenham, sob muitos aspectos importantes, as vantagens do conhecimento profissional, vêem-se também longe de sua mesa de trabalho, compartilhando de experiências em nível humano.


Devido a esas características a história oral ajusta-se parti­cularmente ao trabalho por projeto - quer para estudantes em grupo, quer individualmente: em escolas, universidades, faculda­des, na educação de adultos, ou em centros comunitários. Pode ser realizado qualquer parte. Por todo o país, há uni sem-nú­mero de temas que podem ser estudados localmente a história de .uma indústria ou de um ofício local,, relações sociais em determi­nada comunidade, cultura e dialeto, mudança na família, o im­pacto das guerras e das greves, e assim por diante. Um projeto de história oral será certamente viável. Além disso, especialmente se o projeto enfocar as raízes históricas de alguma preocupação contemporânea, demonstrará muito bem a importância do estudo histórico para o meio ambiente imediato

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Nas escolas, têm sido desenvolvidos projetos sobre a história das famílias dos alunos, que oferecem um meio eficiente de vincu­lar seu próprio ambiente a uni passado mais amplo. A história da família possui dois outros méritos educacionais especiais. Contri­bui para urna abordagem centrada na criança, pois utiliza como base do projeto o conhecimento que a própria criança tem de sua família e de sua parentela e o acesso que tem a fotografias, velhas cartas e documentos, recortes de jornais e recordações. A história da família estimula, também, a participação dos pais na atividade escolar.


A história da família de uma criança talvez represente o tipo mais simples de tema para um projeto. Presta-se mais para suge­rir do que para resolver um problema histórico. Grupos mais ve­lhos provavelmente escolherão algum tema de maior interesse coletivo. No Corpus Christi College de Oxford, por exemplo, Brian Harrison conduziu um grupo de seus estudantes em uma pequena pesquisa sobre a história dos funcionários da faculdade, que são um grupo de trabalhadores cuja maneira antiquada de se comportar, com profundo respeito pelos patrões, lealdade e meti­culosidade no trabalho e formalismo nos modos de vestir e na conduta, causa compreensível perplexidade à maioria dos estu­dantes de hoje. Com o projeto, eles passaram a compreender me­lhor os funcionários - e vice-versa - e, ao mesmo tempo, a entender melhor o significado da própria história. Como comen­tou um deles: “Achei igualmente importante e interessante (...) ver o impacto da mudança social de maneira realmente detalhada como as mudanças no ambiente social geral mudaram o es­tilo de vida, os valores e as relações no interior de uma comuni­dade tradicional”.1 Pelo sentimento de descoberta nas entrevistas, o meio ambiente imediato também adquire uma dimensão histó­rica viva: uma percepção viva do passado, o qual não é apenas conhecido, mas sentido pessoalmente. Isto se dá particularmente com alguém que acaba de se mudar para uma comunidade ou bairro. Uma coisa é saber que as ruas ou campos em torno de uma casa tinham um passado antes que ali tivesse chegado; bem diferente é ter tido conhecimento, por meio das lembranças do

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passado, vivas ainda na memória dos mais velhos do lugar, das intimidades amorosas por aqueles campos, dos vizinhos e casas cru determinada rua, do trabalho em determinada loja.


Esses fatos isolados não são simplesmente evocativos por si mesmos, mas podem também ser utilizados como matéria-prima para uma história valiosa. É possível até que um estudante, so­zinho, num projeto de entrevistas durante as férias de verão, con­siga ampliar de maneira útil o conhecimento histórico - bem como criar novos recursos que, posteriomiente, outros poderão utilizar. Com um projeto em grupo, naturalmente as oportunida­des aumentarão. O numero de entrevistas pode ser maior, as bus­cas em arquivos mais amplas, o tema mais ambicioso.
O projeto em grupo possui algumas características peculia­res. Em vez da atmosfera de competição comum na educação, ele requer um espírito de cooperação intelectual. A leitura solitária, os exames e as aulas expositivas cedem lugar à pesquisa histórica em colaboração. A investigação em conjunto também leva pro­fessores e estudantes a um relacionamento muito mais íntimo, menos hierárquico, criando muito mais oportunidades de um contato informal entre eles. Sua dependência passa a ser recí­proca. O professor pode contribuir com a experiência específica na interpretação e no conhecimento de fontes existentes, mas contará com o apoio dos estudantes na organização e no trabalho de campo. Por essa via, alguns dos estudantes provavelmente de­tnonstrarão habilidades insuspeitadas. Não é o que faz as melho­res dissertações, nem o próprio professor, que será necessaria­mente o melhor entrevistador. Cria-se uma situação muito mais - igualitária. Ao mesmo tempo, porém paradoxalmente, ao resolver - ou pelo menos interromper - o conflito entre pesquisa e en­sino, isso possibilita que o professor seja um profissional melhor. O projeto em grupo é ao mesmo tempo pesquisa e ensino, inex­tricavelmente mesclados, em conseqüência do que ambos aca­bam sendo feitos com mais eficiência.
Contudo, o valor essencial dos projetos em grupo e dos pro­jetos individuais é semelhante. Os estudantes podem partilhar

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dos entusiasmos e das satisfações da pesquisa histórica criativa de valor intrínseco. Ao mesmo tempo, adquirem experiência pessoal sobre as dificuldades desse tipo de trabalho. Formulam uma in­terpretação ou teoria e logo descobrem fatos excepcionais que são difíceis de explicar satisfatoriamente. Descobrem que as pes­soas por eles entrevistadas não se ajustam facilmente aos tipos sociais apresentados pelas leituras preliminares. Precisam de fatos, ou pessoas, ou registros que se mostram exasperadoramente esquivos. Vêem-se diante de problemas de vieses, de con­tradição e de interpretação da evidência. Acima de tudo, são trazidos de volta dos modelos grandiosos da história escrita para as vidas humanas, incomodamente individuais, que são a base daqueles.


Ambos os tipos de projeto têm, também, a conseqüência importante de fazer a educação sair de seus refúgios institucio­nais para o mundo. Ambas as partes se beneficiam com isso. O processo de entrevista pode reunir pessoas de diferentes classes sociais e grupos de idade que, de outro modo, raramente se en­contrariam, e muito menos se conheceriam intimamente. Muito da hostilidade generalizada contra os estudantes baseia-se no co­nhecimento deficiente sobre aquilo que realmente são ou fazem, e esses encontros podem resultar numa apreciação da seriedade e do idealismo disseminados entre eles. Podem também mostrar às pessoas comuns que a história não precisa ser irrelevante para suas vidas. Inversamente, professores e estudantes podem tomar-se mais conscientes da imagem que representam para o grande público. E, entrando na vida de seus informantes, adquirem uma compreensão melhor dos valores de que não partilham e, fre­qüentemente, respeito pela coragem demonstrada em vidas muito menos privilegiadas do que as suas.
Contudo, mais fundamental do que isso, a natureza da entre­vista implica uma ruptura da fronteira entre a instituição educa­cional e o mundo, e entre o profissional e o público comum. Pois o historiador vem para a entrevista para aprender: sentar-se ao pé de outros que, por provirem de uma classe social diferente, ou por serem menos instruídos, ou mais velhos, sabem mais a res­32

peito de alguma coisa. A reconstrução da história torna-se, ela mesma, um processo de colaboração muito mais amplo, em que não-profissionais devem desempenhar papel crucial. Ao atribuir um lugar central, em seus textos e apresentações, a pessoas de toda espécie, a história se beneficia enormemente. E também se beneficiam, de maneira especial, as pessoas idosas. Um projeto de história oral, mais do que lhes propiciar novos contatos sociais e, às vezes, levar a amizades duradouras, pode prestar-lhes um inestimável serviço. Muito freqüentemente ignoradas, e fragiliza­das economicamente, podem adquirir dignidade e sentido de fi­nalidade ao rememorarem a própria vida e fornecerem informa­ções valiosas a uma geração mais jovem.


Essas mudanças que a história oral toma possíveis não se limitam à escrita de livros ou projetos. Metam também a apre­sentação da história em museus, arquivos e bibliotecas. Estes pos­suem agora um meio de infundir vida a suas coleções e, com isso, de se pôr em relação mais ativa com a comunidade. Podem elaborar seus próprios projetos de pesquisa, começo de Bimzing­ham a respeito dos banheiros e lavanderias da cidade, e o de Southampton sobre sua comunidade portuária antilhana, ou como os programas do Imperial War Museum a respeito das primícias da aviação e sobre os que se recusam ao serviço militar por ra­zões de consciência. Nos últimos anos, muitos museus britânicos têm estado entre os patrocinadores de projetos de história oral, oferecendo trabalho temporário a jovens desempregados através da Manpower Services Commission, de uma maneira que faz lem­brar os Federal Writers Projects do tempo do New Deal nos Esta­dos Unidos. Iniciativa especialmente notável é o programa do ecomusée realizado na Bélgica por Étienne Bernard, idealizado como um museu sem prédio, atuando pelas comunidades com projetos de gravação e exposições temporárias de fotografias e objetos da vizinhança, que, a seguir, eram devolvidos a seus pro­prietários. É interessante que o Museu Judaico de Manchcster tenha resultado do programa de história oral dos Manchester Studi es, lançado por Bill Williams, da Politécnica, que estimulou

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a comunidade judaica da cidade a preservar uma sinagoga vito­riana fechada. Ela foi reaberta como museu permanente onde, enquanto se olham os objetos em exposição, pode-se erguer um fone de ouvido e escutar as reminiscências relativas a eles. Em Erddig, um estabelecimento do National Trust recentemente aberto em Cheschire, entra-se pelos alojamentos dos criados, ao som das vozes da última geração de criados e de seus senhores.


A pesquisa de história oral pode também levar a própria exposição a se aproximar mais do original histórico. A disposição de objetos por época é substituida pela reconstrução de um apo­sento verdadeiro, com, por exemplo, ferramentas e aparas e ces­tos semifabricados deixados por ali como se o artesão ainda os estivesse usando. Em alguns museus eles serão de fato usados de vez em quando; e há alguns poucos, como o museu de trabalho agrícola de Acton Scott, em Shropshire, em que o trabalho de gravação e o uso diário dos antigos processos são objetivos que fazem parte integrante do empreendimento como um todo. Quando as pessoas mais velhas do lugar vêem esse tipo de museu, prova­velmente têm comentários a fazer, e podem até colaborar para seu aperfeiçoamento cedendo objetos que possuem. Em um museu vivo de East London, há funcionários que, ao ouvir esse tipo de comentário, avisam um curador, e logo se oferece ao idoso uma xícara de chá e a ocasião de gravar algumas de suas impressões ali mesmo. Como na maioria dos projetos comunitá­rios, algumas dessas gravações serão utilizadas para fazer fitas educativas para as escolas locais; e organizam-se fins de semana para que as crianças - normalmente da sexta série - se encon­trem com os idosos. Desse modo, estabelece-se um diálogo ativo entre os idosos, sua história local e um museu que se tomou um centro social. Eis um modelo de papel social da história de grande potencial, que precisa ser difundido para outros lugares.
A utilização da entrevista para apresentações históricas no rádio é, naturalmente, algo que vem de longe. Aí há, de fato, uma bela tradição de técnicas de história oral bastante antiga - na verdade, de bem antes de se ter começado a usar a expressão

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“história oral”. Por certo, os historiadores profissionais tiveram sua chance de fazer apresentações breves nos intervalos entre os programas na Radio Three. Mas a maioria dos que conheço de­monstra muito mais interesse por aqueles programas de rádio e televisão que evocam a história por meio do uso de materiais, alguns datados do período original, outros gravados retrospecti­vamente. Para o historiador do futuro, a preservação de muitos desses programas, juntamente com outros que se encontram nos Arquivos de Som da BBC, propiciará uma fonte preciosa. Em contraposição, é lamentável que, atualmente, apenas pequena parcela do que se transmite por televisão esteja sendo preservada e que, estranhamente, os historiadores venham demonstrando pouco interesse por essa destruição sistemática de registros.


Nas transmissões de caráter histórico, o que toma os progra­mas vivos é a introdução das pessoas, os atores originais. Algu­mas emissoras de rádio locais têm utilizado intencionalmente esse tipo de programa para promover a ligação e o intercâmbio com sua comunidade local, por meio de programas de depoimen­tos que estimulam os ouvintes a enviar seus comentários e a se oferecerem para ser, por sua vez, entrevistados. Uma série sema­nal desse tipo na Radio Stoke-on-Trent teve duração de dois anos. A série “Making of Medem London” na Weekend Televi­sion de Londres esteve ligada a um concurso de projetos dos pró­prios telespectadores, a que concorreram escolas locais e centros de idosos, bem como indivíduos isolados. Para sua série “Maldng Cara”, a Television Histoiy Workshop abriu unia loja próximo àfábrica para arrecadar material e também opiniões sobre os pro­gramas. Mas talvez o experimento mais impressionante de radio­difusão tenha ocorrido na Suécia. Ali, Bengt Jansson teve a opor­tunidade de organizar, pela televisão educativa sueca, uma série sobre mudança social (“Bygd i fõrvardling”), concentrada cm duas regiões do país, onde se instalaram setecentos círculos lo­cais de debates, ligados aos programas, reunindo ao todo 80 mil pessoas no intercâmbio de sua experiência pessoal com a história no correr da vida.

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Têm havido também tentativas de utilizar a história oral no cinema. Na televisão e no cinema, um problema freqüente é que uma série de entrevistas ligadas entre si pode facilmente tornar-se visualmente repetitiva e - apesar de momentos animados - ca­recer de ação dramática. Quando disponíveis, filmes antigos podem proporcionar um contraste satisfatório. Utilizou-se uma aborda­gem alternativa para a filmagem de Akenfield, de Ronald Blythe, com pessoas do lugar reencenando algumas das cenas, com falas não previstas no roteiro. Elas trabalhavam no filme gratuitamente nos fins de semana e, para cada sessão, traziam roupas, acessó­rios e comida. Precisavam apenas ser avisadas com antecedência de que a cena estava para começar, de modo que pudessem pôr­-se nas roupas e no estado de espírito apropriados. O resultado foi um filme certamente notável, ainda que algo confuso. Tem mo­mentos profundamente comoventes exatamente por serem tão co­muns: como a seqüência do funeral, com seus silêncios embara­çosos, a impropriedade das palavras, quando ocorrem, o hino cantado com demasiada lentidão e, depois, as piadas e anedotas grosseiras, contadas repetidas vezes. Porém, alguns que assisti­ram ao filme acharam-no simplesmente aborrecido, medíocre, e sem qualquer atrativo. Sobretudo, falta-lhe um enredo vigoroso.


Por isso é que algumas das experiências no teatro têm resul­tado mais bem-sucedidas. The Dillen, de Angela Hewins, registra de maneira comovente a vida de George Hewins, um homem que escrevia com dificuldade, mas possuía raro dom para as palavras ao contar a própria história, criado como órfão por sua avó numa hospedaria pública, lutando para conseguir viver como trabalha­dor braçal eventual, cruelmente mutilado nas trincheiras da Pri­meira Guerra Mundial. Essa peça foi encenada pela companhia Royal Shakespeare, com ‘um núcleo central de atores profissio­nais apoiados por uns 150 voluntários locais, que fizeram suas próprias roupas e tinham até uma banda; e o espetáculo abando­nava o teatro para circular pela cidade, parando para a repre­sentação de cenas num parque, num prédio em construção, à margem do rio, e numa estrada de ferro desativada. A cada noite,

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juntava-se uma multidão, que logo ultrapassava o público origi­nal e acompanhava o espetáculo; e, na atmosfera descontraída do intervalo ao ar livre no campo, ouviam-se grupos trocando suas lembranças pessoais sobre aqueles mesmos lugares. Depois das cenas violentas da Primeira Guerra Mundial, que se passavam precariamente dentro de uma tenda militar, o espetáculo culmi­nava com os atores, público e curiosos, agora ao todo umas sete­centas pessoas, caminhando em direção à cidade numa silenciosa procissão à luz de tochas. Essa foi uma forma de teatro comunitá­rio inteiramente nova e fortemente tocante. Várias outras compa­nhias, como a Age Exchange, têm desenvolvido, de modo mais modesto, um trabalho baseado em material de história oral, para espetáculos em salas de reuniões e centros comunitários de pe­quenas cidades. Contudo, na maior parte dos trabalhos desse tipo, embora as palavras e até mesmo a atuação venha do povo do lugar, a direção tem permanecido basicamente em outras mãos. Se havia um objetivo comum, ele era imposto de fora.


Uma abordagem alternativa do teatro de reminiscência pode ser encontrada no teatro participativo, como o desenvolvido por Elyse Dodgson a serviço de escolas de Londres, e agora sediado no Royal Court Young People’s Theatre. Ali, as crianças reuni­ram material de suas famílias e a seguir trabalharam conjuntamente na produção de um espetáculo coletivo - de qualidade impressionantemente alta. Há, sem dúvida, dificuldades especiais no teatro e no cinema, devido aos requisitos técnicos e ao custo desses meios, bem como ao domínio exercido sobre eles por um profissionalismo internacional. Problema semelhante se verifica na radiodifusão em âmbito nacional. Não obstante, uma escolha, muitas vezes difícil, deve ser feita em muitos outros tipos de pro­jeto, particularmente em educação. Pois a natureza cooperativa da abordagem da história oral tem levado a um questionamento radical da relação básica entre história e comunidade. A informa­ção histórica não precisa ser levada para fora da comunidade para ser interpretada e apresentada pelo historiador profissional. Por

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meio da história oral, a comunidade pode, e deve, merecer con­fiança para escrever a própria história.


Alguns dos empreendimentos mais interessantes nesse sen­tido têm vindo, uma vez mais, da Suécia, especialmente pelo papel desempenhado pela organização estatal sueca de espetácu­los na promoção de eventos de iniciativa local, e pelo livro de Sven Linqvist, Grav dãr du stár (1978) [Escave onde você vive], que proporcionou um manual prático para os trabalhadores escre­verem as histórias de seu próprio local de trabalho - a partir de seu ponto de vista e não do de seus empregadores e acionistas -associando fontes documentais e orais.
Mas as amplas possibilidades dessa abordagem revelaram­-se de maneira mais marcante na Polônia. É verdade que lá o gra­vador tem tido pouco impacto até agora, de modo que o movi­mento da história de vida, que vem de uma tradição “humanística” da sociologia polonesa, instituída no período entre as guerras, ainda funciona pelo estímulo às memórias autobiográficas escri­tas, e não pelo testemunho oral. O que, sem dúvida, limita quem pode participar disso. Não obstante, desde 1945, escrever memó­rias tornou-se uma forma importante de auto-expressão popular na Polônia, admitindo a discussão não só da sociedade de antes da guerra e da experiência da ocupação nazista, mas também da radical reconstrução social que teve lugar sob o regime comu­nista que veio a seguir. A chave desse êxito tem sido o uso de concursos de memórias, organizados pelos jornais e rádios nacio­nais e por jornais locais de todas as grandes cidades. São propos­tos temas amplos e oferecem-se prêmios consideráveis, duas ou três vezes por ano. Cada concurso atrai em geral mil ou mais inscrições. Os melhores resultados são publicados em folhetins nos jornais e editados como coletâneas sob forma de livro. Até agora, várias centenas de milhares de poloneses já participaram desses concursos e foi organizado um arquivo nacional especial para o material assim coletado. Em suma, a memorialística popu­lar tornou-se parte reconhecida do novo modo de vida nacional, numa medida que quase não encontra paralelo cm outros países

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comunistas ou no mundo ocidental. E esse êxito polonês em pro­duzir uma espécie de entusiasmo democrático pela história levou também à formação de grupos coletivos memorialistas em algu­mas das grandes fábricas, minas e siderúrgicas. Podem ser de iniciativa de um sociólogo a reunião inicial, a ajuda com a suges­tão de temas e com a publicação posterior de livros produzidos pelo grupo; mas a dinâmica essencial é fornecida pela dedicação dos membros do grupo. Onde se poderia encontrar, hoje em dia, grupos cooperativos de operários da indústria, em número supe­rior a duzentos, que se reunem regularmente após o trabalho em encontros de debates que duram duas horas, para colaborar uns com os outros na correção e ampliação das primeiras versões que fizeram de sua história de vida?


Foi um desejo semelhante que inspirou, na Grã-Bretanha, alguns dos grupos locais cooperativos de história oral, relativa­mente pequenos, que têm editado folhetos mimeografados bara­tos com transcrições de gravações, projetos de história local de educação de adultos e projetos conjuntos de historiadores orais e sindicalistas. O florescimento desse tipo de grupo em todas as cidades mais importantes tem sido, na verdade, um dos aspectos mais marcantes do movimento da história oral: somente em Lon­dres, a exposição Exploring Living Memoiy, realizada em 1985 no Festival Hall, atraiu, em duas semanas, 100 mil visitantes que o impregnaram de permanente zoada de conversas enquanto viam e discutiam o trabalho de noventa projetos de grupos edito­riais e de história local, de hospitais e centros de idosos, de esco­las, e assim por diante. Entre eles, o modelo mais radical foi oferecido pela Pcople’s Autobiography de Hackney. Este surgiu de um grupo, originalmente ligado à WEA (Workers’Educational Association), que se reunia num centro local comunitário e de leitura chamado Centreprise. A idade dos membros do grupo ia de menos de 20 a 70 anos, todos moradores de Hackney ou vizi­nhanças, em East London. Eram de profissões muito variadas. O grupo era aberto e se constituíra por meio de notícias nos jornais locais, bibliotecas e outros lugares. Todo membro podia gravar

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qualquer outra pessoa. Nas reuniões do grupo, ouviam e discu­tiam as fitas gravadas - às vezes gravando também essas discus­sões - e planejavam a maneira como compartilhar com um pú­blico de Hackney o que fora coletada. Por esse motivo, deram ênfase especial à publicação e editaram urna série de folhetos baratos, subsidiados por uma biblioteca local, baseados em trans­crições e relatos escritos sobre vidas de pessoas, folhetos esses que tiveram ampla distribuição local. Esses folhetos, por sua vez, provocaram a reação de outras pessoas e levaram a mais debates e gravações. O grupo também recolhia fotografias e montava esse material em fitas e slides para apresentações históricas a certos públicos da comunidade, como pacientes em hospitais e associa­ções de aposentados - mais um meio de devolver às pessoas sua própria história, mostrando a elas que isso tinha valor, e estimu­lando sua colaboração. Assim, a People’s Autobiography visava, por um lado, construir, mediante uma série de relatos individuais, uma história geral da vida e do trabalho em Hackney e, por outro lado, fazer com que as pessoas confiassem nas próprias lembran­ças e interpretações do passado, em sua capacidade de colaborar para escrever a história - e confiar também em suas próprias palavras: em suma, em si mesmos.


Isso não se dá apenas com idosos ainda ativos e interessados pela vida. Outro desenvolvimento recente da história oral muito sur­preendente foi a terapia da reminiscência. Cada vez mais os espe­cialistas em envelhecimento têm reconhecido que entregar-se a reminiscências pode ser uma maneira interessante de os idosos manterem o sentimento de sua identidade em um mundo em mu­dança. Ainda mais notável, isso pode ser utilizado para reanimar o espírito de quem está profundamente alienado e deprimido, e até mesmo uma forma de tratamento de idosos psicóticos ou de­mentes. O Recall, conjunto de fitas gravadas de reminiscências e slides, criado pela historiadora oral Joanna Bornat na Help the Aged, desencadeou um movimento crescente entre os profissio­nais que cuidam de idosos, sobre o qual falaremos mais detalha­damente no capítulo 5.

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A possibilidade de utilizar a história para finalidades sociais e pessoais construtivas desse tipo vem da natureza intrínseca da abordagem oral. Ela trata devidas individuais - e todas as vidas são interessantes. E baseia-se na fala, e não na habilidade da es­crita, muito mais exigente e restritiva. Além disso, o gravador não só permite que a história seja registrada em palavras faladas, mas também que seja apresentada por meio delas. Numa apre­sentação de fitas e slides do Recall, ou numa apresentação de técnicas artesanais num museu, ou numa palestra histórica, o uso da voz humana, viva, pessoal, peculiar, faz o passado surgir no presente de maneira extraordinariamente imediata. As palavras podem ser emitidas de maneira idiossincrática, mas, por isso mesmo, são mais expressivas. Elas insuflam vida na história.


Com elas se aprende algo mais do que o simples conteúdo. As gravações demonstram como é rica a capacidade de expressão de pessoas de todas as condições sociais. George Ewart Evans demonstrou, em seus muitos livros, como o dialeto do agricultor da East Anglia, durante tanto tempo menosprezado pela classe fundiária do condado, traz consigo um vigor gramatical e expres­sivo chauceriano, dificilmente igualado pelo inglês convencional. Descobertas desse tipo têm sido compartilhadas pelos historiado­res orais onde quer que tenham trabalhado. O gravador tem per­mitido que a fala da gente comum - sua habilidade narrativa, por exemplo - seja, pela primeira vez, seriamente compreen­dida. Alguns anos atrás, educadores, sob a influência de Basil Bernstein, presumiam que a fala da classe operária representava urna desvantagem inevitável, uma limitação que impedia todo tipo de pensamento que não fosse o mais simples. Ora, com a ajuda dos gravadores, a revista Language and Class Workshop contesta as teorias de Berstein com as transcrições que publica; e nos Estados Unidos o “folclore urbano” tornou-se um gênero literário reconhecido. Contudo, ainda pode levar um bom tempo antes que esse tipo de reavaliação obtenha aceitação geral. En­quanto isso, uma das contribuições sociais essenciais que pode ser dada pelo historiador oral, quer em projetos, quer introdu­41

zindo citações diretas na história escrita, é ajudar a fazer com que as pessoas comuns confiem em sua própria fala.


Para descobrir uma finalidade como essa, os historiadores caminharam uma longa distância desde seu objetivo inicial - e sem dúvida existe algum perigo de conflito entre este e aquela. No nível da própria entrevista, por exemplo, têm havido críticas vigorosas quanto a certo tipo de relacionamento com informantes, no qual um profissional de classe média determina quem deve ser entrevistado, sobre o que se deve falar e, a seguir, desaparece com uma fita gravada da vida de alguém que nunca mais ouve falar a respeito dela - e, se ouvisse, seria com indignação pelos significados não pretendidos atribuídos a suas palavras. Há van­tagens sociais evidentes no modelo, contraposto a esse, de um grupo auto-selecionado, ou de uma reunião pública aberta, que se centra num debate igualitário e estimula a publicação local de seus resultados; e nas sessões individuais gravadas que são mais conversas do que entrevistas dirigidas. Contudo, também há inconvenientes nesta alternativa.
O grupo auto-selecionado raras vezes será inteiramente representativo de uma comunidade. É muito mais provável que seja composto de seus grupos principais - pessoas de uma classe operária qualificada ou de classe média inferior. A classe mais alta local raramente estar presente, como também não esta­rão os muito pobres, os menos seguros, especialmente entre as mulheres, ou os imigrantes de sua minoria racial. Cria -se -á uma forma de história oral local mais verdadeira e socialmente mais valiosa quando esses outros grupos passarem a participar. Suas publicações serão muito mais ricas se puderem aproximar a patroa da empregada doméstica, o dono da fábrica de seus operá­rios. Aí, sim, revelará a variedade da experiência soçial da comu­nidade os grupos que desfrutam do melhor e do pior dela - e talvez levará a uma reflexão sobre o que pode ser feito a esse respeito. A história local traçada a partir de um estrato social mais restrito tende a satisfazer-se com menos a ser uma reafirmação do mito da comunidade. Por certo isso deve ser registrado, e um

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grupo local auto-suficiente que possa fazê-lo estará, sem dúvida, ajudando muitos outros além dele próprio. Mas para o historiador radical isso dificilmente será o bastante. A história não deve ape­nas confortar; deve apresentar um desafio, e uma compreensão



-que ajude no sentido da mudança. Para isso, o mito precisa tor­nar-se dinâmico. Tem que abarcar as complexidade do conflito. E para historiador que deseja trabalhar e escrever como socia­lista, a tarefa não deve ser simplesmente louvar a classe operária , mas sim elevar sua consciência. Não se trata de substituir um mito conservador da sabedoria da classe superior por um mito da classe inferior. O que se requer é uma história que leve à ação; não

para confirmar, mas para o mundo.


Em princípio, não há razão alguma por que projetos locais não devam ter esse objetivo, ainda que, ao mesmo tempo, cont­iuem a promover a autoconfiança e a a produção da história a par­tir do interior da comunidade . Normalmente a maior a partir dos grupos terão alguns membros com mais. experiência histórica. Pre­cisam certamente ter muito tato; menosprezar mais do salienter essa sua vantagem. A longo prazo, porém, todo mundo sairá Perdendo se eles renunciarem a ela: sua colaboração deve ser ajudar o grupo a caminhar para uma perspectiva mais ampla. Ob­servações semelhantes se aplicam à sessão de gravação, em que a

contribui de modo algum para uma boa entrevista . O historiador oral tem que ser um bom ouvinte , e o informante um auxiliar ativo. Como diz Geoge Ewart Evans “muito em­bora os velhos sobreviventes fossem livros ambulantes, eu não podia apenas folheá-los. Ele eram pessoas”2. Também os historiadores são pessoas. .Eles vieram com um objetivo, obter infor- mação. e se no fundo, estão envergonhados disso, não deviam ter vindo. Um historiador que apenas se envolve com uma reminiscên­cia casual coletará informações interessantes, mas desperdiçará .oportunidade de obter a evidência crítica para a estrutura do debate

e da interpretação histórica.

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A relação entre a história e a comunidade não deve ter mão única em qualquer dos dois sentidos: antes, porém, ser uma série de trocas, uma dialética entre informação e interpretação, entre educadores e suas localidades, entre classes e.gerações. Haverá espaço para muitas espécies de história oral e isso terá muitas conseqüências sociais diferentes. No fundo, porém, todas elas se relacionam.


A história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria história e isso alarga, seu campo de ação. Admite heróis vindos não só dentre os lideres mas a maioria desconhecida do povo. Estimula professores e alunos a se tomarem companheiros de trabalho. Traz a história para dentro da comunidade e extrai a história de dentro da comu­nidade. Ajuda os menos privilegiados, e especialmente os idosos, a conquistar dignidade e autoconfiança. Propicia o contato pois, a compreensão - entre classes sociais e entre gerações. E para cada um dos historiadores e outros que partilhem das mesmas intenções pode dar um sentimento de pertencer a determi­nado lugar e a determinada época. Em suma, contribui para for­mar seres humanos mais completos. Paralelamente, a história oral propõe um desafio aos mitos consagrados da história, ao juízo autoritário inerente a sua tradição. E oferece os meios para transformação radical do sentido social da história. 44
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HISTORIADORES E HISTÓRIA ORAL
O uso difundido da expressão “história oral” é novo, tanto quanto o gravador; e tem implicações radicais para o futuro. Isto não significa que ela não tenha um passado. Na verdade, a histó­ria oral é tão antiga quanto a própria história. Ela foi a primeira espécie de história. E apenas muito recentemente é que a habili­dade em usar a evidência oral deixou de ser urna das marcas do grande historiador. Quando o eminente historiador profissional francês de meados do século XIX Jules Michelet, professor da École Normale, da Sorbonne, e do Collêge de France e curador-chefe histórico dos Arquivos Nacionais, escreveu sua História da Revolução Francesa (1847-53), tinha por certo que os documen­tos escritos deviam ser apenas uma entre muitas outras fontes. Ele podia valer-se da própria memória, pois nascera em Paris em 1798, menos de dez anos depois da queda da Bastilha. Porém, durante dez anos também colheu sistematicamente evidência oral fora de Paris. Sua intenção era contrabalançar a evidência dos docu­mentos oficiais com o julgamento político da tradição oral popular:
Quando digo tradição oral, estou falando de tradição nacional, aquela que permaneceu espalhada de modo geral na boca do povo, que todos diziam e repetiam, camponeses, gente da cidade, velhos, mulheres, até mesmo crianças; aquela que podemos ouvir ao entrar à noite numa taverna de aldeia; aquela que podemos colher se, ao encontrar à beira da estrada um transeunte descansando, começamos a filar com ele da

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chuva, da estação, e do alto preço dos mantimentos, e da época do impe­rador, e da época da Revolução.


Evidentemente, Michelet tinha habilidade para escutar e para puxar pela língua de um informante. Possuía também idéias claras sobre em que áreas a evidência oral era mais, ou menos, confiável. Como estudioso de sua época, foi excepcional; mas certamente não era um caso único. No entanto, antes que se pas­sasse um século, a profissão de historiador se afastara tanto de suas habilidades tradicionais, que o professor James Westfall Thompson comentou essa passagem de Michelet, em sua monu­mental History of Historical Writing (1942), dizendo que “isso pode parecer uma estranha maneira de coletar dados históricos”.’ Como terá ocorrido essa guinada? Quais foram os estágios pelos quais a história oral perdeu sua preeminência original?
Uma das razões básicas logo se evidencia quando examina­mos o campo de ação da tradição oral nas sociedades pré-letra­das. Nesse estágio, toda a história era história-oral. Tudo mais, porém, também tinha que ser lembrado: destrezas e habilidades, o tempo e a estação, o céu, o território, a lei, as falas, as transa­ções, as negociações. E a própria tradição oral era muito variada. Jan Vansina, em seu clássico Oral Tradition: a study in historical methodology (1965),2 dividiu a tradição oral africana em cinco categorias. Em primeiro lugar, há as fórmulas - fórmulas de aprendizagem, rituais, gritos de guerra e outros, os títulos. A se­guir, há as listas de nomes de lugares e de nomes de pessoas. Vem, em seguida, a poesia oficial ou privada - histórica, reli­giosa ou pessoal. Em quarto lugar, há as narrativas - históricas, didáticas, artísticas ou pessoais. Finalmente, há as memórias, le­gais e de outros tipos. Nem todas essas categorias se encontram em todas as sociedades africanas. A poesia oficial e as narrativas históricas, por exemplo, só aparecem quando há um grau relati­vamente elevado de organização política. Não obstante, na maio­ria das sociedades, existe normalmente um leque muito amplo de evidência oral. A importância social de algumas dessas tradições orais resultou também em sistemas confiáveis para sua transmis­46

são de uma geração a outra, com um mínimo de distorção. Práti­cas tais como o testemunho grupal em ocasiões rituais, disputas, escolas para o ensino do saber tradicional e recitações ao assumir um posto podiam preservar por séculos padrões exatos, inclusive arcaísmos, mesmo quando não fossem mais compreendidos. Tra­dições desse tipo assemelham-se a documentos legais, ou livros sagrados, e seus detentores tomavam-se funcionários altamente especializados em muitas cortes africanas. Em Ruanda, por exemplo, genealogistas, memorialistas, rapsodos e abiiru, cada um deles era responsável pela preservação de um tipo diferente de tradição. Os genealogistas, abacurabwenge, tinham que se lembrar das listas dos reis e das rainhas-mãe; os memorialistas, abateekerezi, os acontecimentos mais importantes de cada rei­nado; os rapsodos, abasizi, preservavam os panegfricos aos reis; e os abiiru, os segredos da dinastia. “Sem nós, os nomes dos reis se desvaneceriam no esquecimento, nós somos a memória da humanidade”, proclamavam com razão os cantores de louvores:

‘Ensino aos reis a história de seus ancestrais, de modo que as vidas dos antigos possam servir de exemplo, pois o mundo é an­tigo, mas o futuro brota do passado”.3
Havia também os portadores-de-tradição das aldeias, que, mais freqüentemente do que os especialistas da corte, continua­ram a transmitir as tradições até hoje. Havia equivalentes a eles em muitas outras culturas, como no skald escandinavo ou no rajput indiano. Um dramático encontro com um desses griot da África ocidental foi descrito por Alex Haley no relato que fez da redescoberta de seus ancestrais - mais tarde amplamente divul­gado sob a forma semificcionalizada de Roots (1976). Sua famí­lia tinha uma tradição rara entre negros norte-americanos - a de como seu primeiro ancestral chegara às colônias como escravo
- que incluía alguns detalhes: como fora capturado quando es­tava cortando lenha, que seu nome africano fora Kintay, que cha­mava violão de “ko” e rio de “Kamby Bolongo”; como desem­barcara em “Naplis” e trabalhara com o nome inglês de Toby para seu dono William Waller. No tocante à linhagem dessa famí­47

lia negra nos Estados Unidos, Haley conseguiu obter provas a partir de pesquisas em arquivos, até chegar a um anúncio na Mary­land Gazette, de outubro de 1767, sobre “escravos recém-chega­dos à venda” do Lord Ligonier e sobre urna transferência reali­zada entre os irmãos John e William Waller de “um escravo negro chamado Toby”. Tudo isso, porém, foi posterior ao momento mais alto de sua busca, do outro lado do Atlântico - momento em que, agora nos parece, o entusiasmo talvez tenha ido além do que a evidência permitia. A língua de seu ancestral fora identificada como mandinga e “Kamby Bolongo” como o rio Gâmbia; então, em Gâmbia, ele ficou sabendo que existia um antigo clã familiar chamado Kinte. Até aí tudo bem. A seguir, depois de muito pro­curar, foi localizado, numa aldeia minúscula e distante do inte­rior, um portador-de-tradição do clã, ou griot. Acompanhado por intérpretes e músicos, Alex Haley finalmente chegou até ele: “E, a uma certa distância, pude ver aquele homenzinho de chapéu de copa arredondada e traje de um branco sujo e, mesmo á distância, havia uma atmosfera de ‘importância’ em tomo dele”. As pessoas se juntaram em semicfrculo em tomo de Alex Haley, para con­templar o primeiro negro norte-americano que viam. E depois voltaram-se para o velho:


O velho, o griot, o historiador oral, Kebba Kanga Fofana, de 73 chuvas de idade, começou então a contar-me a história ancestral do clã dos Kinte, do modo como ela tem sido contada através dos séculos, desde a época dos antepassados. Era como se um longo pergaminho esti­vesse sendo lido. Não era apenas uma conversa comum. A ocasião era muito formal. As pessoas ficaram absolutamente silenciosas, imóveis, O velho estava sentado numa cadeira e quando ia falar endireitava-se, seu corpo se enrijecia, os cordões de seu pescoço saltavam e ele emitia as palavras como se fossem objetos materiais que saíssem de sua boca. Falava uma sentença ou duas e relaxava, enquanto faziam a tradução. Da cabeça daquele homem jorravam detalhes sobre a sucessão das gerações, que parecia impossível guardar. De dois, três séculos atrás. Quem se casou com quem, quem teve que filhos, que filhos se casaram com quem e os filhos que tiveram, e assim por diante, simplesmente inacreditável. Fiquei perplexo não só com a profusão de detalhes, como também pelo padrão bíblico em que ele os expressava. Algo assim como: “e fulano

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tomou por esposa sicrana e gerou e gerou e gerou”, e nomeava os espo­sos e seus filhos, e assim por diante. Ao localizar as coisas no tempo, não o fazia com datas do calendário, mas datava as coisas com aconteci­mentos físicos, como... uma inundação.


Assim, passo a passo, o velho relatou a história do clã dos Kinte: como haviam chegado do Velho Mali, haviam sido ferreiros, ceramistas e tecelões, haviam se fixado na aldeia atual, até que, aproximadamente entre 1750 e 1760, o filho mais novo da famí­lia, Omoro Kinte, tomou por esposa Binta Kebba, de quem teve quatro filhos, cujos nomes eram Kunta, Lamin, Suwadu e Madi.
No momento em que chegou àquele nível da família, o griot já havia falado provavelmente durante cinco horas. Havia parado talvez umas cin4ücnta vezes no correr da narrativa... E aí foi feita uma tradu­ção como todas as demais, calmamente, e começava dizendo “Ao tempo em que chegaram os soldados do rei”. Essa era uma daquelas referências para marcar ‘o tempo. Mais tarde, na Inglaterra, procurei ansiosamente descobrir, nos registros parlamentares britânicos sobre o que falava ele, porque eu tinha que ter a data do calendário. Mas naquele momento, no interior da África, o griot Kcbba Kanga Fofana, o historiador oral, con­tava a história do modo como ela fora transmitida durantc séculos, desde a época dos longínquos antepassados do clã Kinte. “Ao tempo em que chegaram os soldados do rei, o mais velho desses quatro filhos, Kunta, saiu desta aldeia para cortar lenha e nunca mais foi visto.” E continuou com seu relato. Eu fiquei imóvel como se estivesse esculpido cm pedra...
Depois de alguns momentos, Alex tirou do bolso seu ca­derno de anotações e mostrou aos intérpretes que essa era a mesma história que, quando criança, ouvira de sua avó no al­pendre da casa dela no Tennessee; seguiu-se, então, uma cerimô­nia espontânea de reconciliação com seu povo, em que ele impôs as mãos sobre as crianças e eles o levaram para dentro da mesquita e oraram em árabe: “Louvado seja Alá, por um dos nossos há tanto tempo desaparecido de entre nós que Alá trouxe de volta “4.
Por inúmeras razões, a identificação de Kinte é muito mais duvidosa do que Alex Haley acreditou naquele momento. Seu griot, que carecia do treinamento tradicional completo, não era

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um portador-de-tradição ideal, mas, como bom griot, buscava no estoque genealógico de sua mente a evidência de que certo pú­blico precisava - e ele pode ter tido, antecipadamente, uma idéia do que Haley queria. Posteriormente, houve variações de detalhes, quando voltou a dar seu testemunho. E, mais importante ainda, as gerações africanas e norte-americanas se ajustam mal - embora isso possa dever-se a uma condensação não incomum em tradição oral - e a referência para a fixação da data é muito frágil para uma região onde os soldados europeus haviam estado presentes durante muito tempo. Porém, se procurarmos em outros lugares, será fácil encontrar outros casos de precisão da tradição oral em sociedades iletradas; na Grécia antiga, por exemplo, onde a exatidão da descrição de detalhes de armaduras obsoletas e listas de nomes de cidades abandonadas, preservadas oralmente por seiscentos anos, até que circulassem as primeiras versões es­critas da Ilíada, tem sido confirmada pelos estudos clássicos e pela arqueologia.


Não obstante, o relato de Haley prova, com grande vigor, o prestígio de que desfrutava o historiador oral, antes que a disseminação da documentação nas sociedades letradas tomasse su­pérfluos esses momentos públicos de revelação histórica. Não pode­mos mais distinguir, como os suaíles, entre os “mortos vivos”, cujos nomes ainda são relembrados na tradição oral, e os inteiramente esquecidos. O genealogista de hoje trabalha em reservado silên­cio no gabinete de um arquivo. A memória foi rebaixada do sta­tus de autoridade pública para o de um recurso auxiliar privado. As pessoas ainda se lembram de rituais, nomes, canções, histó­rias, habilidades; mas agora é o documento que se mantém como autoridade final e como garantia de transmissão para o futuro. Em conseqüência, exatamente aquelas tradições orais públicas e de longo prazo, outrora as de maior prestígio, é que se têm mos­trado mais vulneráveis. Em contraposição, a reminiscência pes­soal e as tradições particulares das famílias, que raramente são postas no papel - exatamente porque a maioria das pessoas não as considera muito importantes para os outros -, é que se toma50

ram o tipo padrão de evidência oral. E, em geral, apenas entre grupos de menor prestígio, tais como as crianças, os pobres da cidade, as pessoas isoladas no campo, é que hoje se coletam ou­tras tradições orais, tais como jogos, canções, baladas e narrativas históricas. E as mais vigorosas recordações comunais são as de minorias perseguidas. As comunidades de lavradores de fala gaélica do Noroeste da Grã-Bretanha lembram-se, como se tives­sem acontecido ontem, dos deslocamentos de rebanhos do século XVIII nas Highlands, que os compeliram a sair de suas antigas cidades para a beira do mar. Na França, as famílias realistas da Vendéia transmitiram durante 150 anos sua narrativa da resistên­cia â República. Ainda mais notável, nos vales protestantes das Cévennes de hoje, as tradições familiares ainda transmitem uma interpretação, mais precisa do que os documentos da época, da guerrilha sem precedentes - e por isso mal relatada - dos camisards (“camisas brancas”), em 1702-4, na qual seus ancestrais camponeses conseguiram deter na baía a armada real de Luís XIV e garantiram a sobrevivência de sua fé. Assim, a. mudança da condição social dos portadores-de-tradição oral está clara­mente relacionada com o prolongado declínio de seu prestígio e, inversamente, com seu radicalismo atual.


Na Europa ocidental isso se deu muito lentamente. Os pri­meiros textos históricos escritos remontam provavelmente a 3 mil anos. Eles fixavam a tradição oral existente sobre o passado distante e, gradualmente, passaram também a registrar as crôni­cas do presente. Exatamente por ter começado tão cedo na Eu­ropa, esse estágio é mais fácil de observar onde aconteceu mais recentemente: na coleta sistemática de tradições históricas dos plebeus pelo historiador real chinês do século III, Sima Qian, e das famílias nobres, determinada pelo imperador japonês no sé­culo VIII; a reunião das memórias dos profetas no mundo muçul­mano do século IX; ou a preciosa documentação sobre a história e a cultura asteca anterior á conquista, feita a partir da memória de velhos por Sahagun e pelos frades franciscanos espanhóis no México, em meados do século XVI. Sabemos, porém, que, a par51

tir de um estágio bastante precoce, houve uns poucos proeminen­tes escritores de história europeus que tentaram avaliar sua evi­dência. O método de Heródoto, por exemplo, no século V a.C., era procurar testemunhas oculares e interrogá-las rigorosa e nu­nuciosamente. No século III de nossa era, encontramos Luciano aconselhando os que tinham pretensões a historiador a buscarem os motivos de seus informantes; enquanto Herodiano cita muitas de suas fontes para indicar a ordem em que as classifica - auto­ridades em coisas antigas, informações palacianas, cartas, atas do Senado e outras testemunhas. E, no início do século VIII, Bede, no prefácio a sua History of the English Church and Peo pie dis­tinguia cuidadosamente entre suas fontes. Para a maior parte das províncias inglesas, teve que se basear em tradições orais a ele enviadas por outros clérigos, mas teve condições de recorrer aos registros de Canterbury, e conseguiu até cópias de cartas dos ar­quivos papais por meio de um sacerdote de Londres que visitou Roma. Porém estava mais seguro da evidência relativa a sua pró­pria Northumbria, onde ‘anão dependo de nenhum outro autor, mas apenas de um sem-número de testemunhas confiáveis que co­nhecem ou se lembram dos fatos, além daquilo que eu mesmo sei”.5


A atitude de Bede em relação à evidência, e seu pressuposto de que podia merecer mais confiança onde tivera a possibilidade de, ele mesmo, coletar evidência oral de testemunhas oculares, teria sido compartilhada por todos os historiadores mais críticos do século XVIII - para não falar nos muitos cronistas e hagió­grafos menos meticulosos que se encontravam entre eles. Nem a difusão da imprensa nem a racionalidade secular do Renasci­mento trouxeram qualquer mudança nesse modo de ser. Isso tal­vez seja menos surpreendente quando nos damos conta de que o estudioso típico antes ouvia do que lia, ele mesmo, os livros im­pressos que se tomavam acessíveis. E nos casos em que a ver­dade era o mais importante, ela tinha que ser falada. Os papas pronunciavam suas palavras finais sobre a doutrina católica ex cathedra: e, quer no inundo cristão quer no muçulmano, os tribu­nais - que muito rapidamente haviam descoberto quão fácil era

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forjar um documento - continuaram a insistir em que as testemunhas deviam ser ouvidas, pois só assim podiam ser interpela­das minuciosamente. Até mesmo registros contábeis deviam ser conferidos em voz alta, ou “auditados”, todo ano. E, na prática, c~ historiadores mais conhecidos continuaram a ser bem menos [Cuidadosos do que Bede. Guiccardini, na Itália do século XVI, por exemplo, evita a citação direta de documentos e tem por certo que sua participação pessoal na época que descreve é sufi­ciente garantia da verdade. A History of the Rebellion and Civil Wars in England (1704), de Clarendon, exibe um tom seme­lhante, embora apenas casualmente se refira à reminiscência, e se tenha dado ao trabalho de examinar as atas da Câmara dos Co­muns relativas aos dez anos em que não fazia parte dela. A history of His Own lIïme (1724), do bispo Burnet, é menos dogmá­fica, mas ainda assim considera fundamenta-lo valor da evidência oral, que manipula com excepcional cuidado. Menciona regularmente os autores de seus relatos e, quando suas testemunhas dis­cordam, coloca uma contra a outra. Em contraposição, considera que as autoridades impressas são inferiores: “Deixei de lado toda interação com os livros comuns. Se alguma vez digo coisas que ocorrem em qualquer livro, é em parte para manter o fio da narra­tiva de um modo menos complicado”.’


Mais surpreendente, talvez, seja encontrar pouca mudança imediata, pelo menos quanto à atitude diante da evidência em relação à história recente, entre os historiadores do Iluminismo do século XVIII. Voltaire era certamente bastante cínico em rela­ção aos mitos “absurdos” da tradição oral vinda do longínquo passado, recitada de uma geração para outra, que haviam sido, originalmente, os “fundamentos da história”: na verdade, quanto mais remota sua origem, menor seu valor, pois “elas perdem um vau de probabilidade a cada uma das sucessivas transmissões”. Rejubilava-se com o fato de que “os augúrios, os prodígios e as aparições estão sendo agora mandados de volta para as regiões da fábula. A história tem necessidade de ser iluminada pela filoso­fia. Dos historiadores modernos, exigia “mais pormenores, fatos

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mais bem comprovados”. Mas, muito embora para as próprias obras recolhesse evidência tanto oral quanto documental, rara­mente citava suas fontes, e seus comentários gerais indicam que não fazia diferença entre elas. Em sua História de Carlos XII (1731), por exemplo, vangloriava-se de não haver “ousado apre­sentar um único fato sem consultar testemunhas oculares de in­dubitável veracidade”. Depois da publicação dessa obra, mencio­nou como indicativa de sua confiabilidade unia carta de aprovação do rei da Polônia, que “fora, ele próprio, testemunha ocular” de alguns dos acontecimentos descritos. Defendeu-se, também, por não haver citado autoridades em A era de Luís XIV (1751), com base em que “os acontecimentos dos primeiros anos, por serem conhecidos por todos, só precisavam ser colocados de uma pers­pectiva correta; e quanto aos de data posterior, o autor fala sobre eles como testemunha ocular”. Em contraposição, sentiu necessi­dade, em sua História do império russo sob Pedro, o Grande (1759-63), de enumerar, pelo menos de início, “seus fiadores, dos quais o principal é o próprio Pedro, o Grande”.8 Para este tra­balho, teve a ajuda de documentos selecionados e copiados pelos funcionários russos e enviados para sua casa em Genebra. Embora mantendo uma consideração especial pelo testemunho pessoal, cu­riosamente Voltaire demonstra ter pouca consciência do possível viés, quer no julgamento de um monarca sobre o próprio reinado, quer num conjunto de documentos conservados e até mesmo se­lecionados pelos próprios funcionários do rei.


Além disso, Voltaire foi um historiador que possuía muitos admiradores eminentes. James Boswell registrou uma discussão, em um café da manhã em 1773, entre Samuel Johnson, que aban­donara o trabalho de codificação da língua inglesa e as delícias de Londres para buscar a experiência direta de unia sociedade primitiva nas ilhas da Escócia, e dois líderes do IIuminismo de Edimburgo, o advogado lorde Elibank e o historiador filósofo William Robertson, reitor da universidade. A conversa recaiu sobre a última grande revolta das Highlands escocesas contra a dominação inglesa, a rebelião de 1745. Jobnson concordava que

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isso “daria uma bela peça histórica”, mas discordou da dúvida de Elibank sobre “se alguém daquela época podia falar sobre ela imparcialmente”, citando o método de Voltaire em seu Luís XIV “Conversando com pessoas de lados diferentes, que tenham sido atores dela, e escrevendo tudo que ouvir, alguém poderá, antes que seja tarde, reunir o material para uma boa narrativa. Você deve considerar que, de início, toda história era oral”. E nisso foi vigorosamente apoiado pelo historiador escocês que também co­nhecia Voltaire: “É mais do que tempo, agora, de se fazer essa coleta sugerida pelo dr. Johnson; pois muitas das pessoas que, na ocasião, estavam em armas, estão desaparecendo; e tanto os whigs quanto os jacobitas teriam condições agora de falar com moderação” .


Não é por acaso que tão precoce convocação para um pro­jeto de “história oral” surgisse naquele momento. Eles estavam no limiar de um período de grande mudança na natureza dos es­tudos históricos. Atrás dele, estavam os efeitos cumulativos de dois séculos de imprensa: uma explosão de recursos históricos, tanto quantitativa, quanto qualitativa. Tomemos, por exemplo, A New Method of Studying History: recommending more easy and complete instructions for improvements in that science, publi­cado por Langlet du Fresnoy, bibliotecário do príncipe da Sabóia, em 1713, e posteriorrnente traduzido para o holandês, alemão e inglês. Acontece que não há nada de muito novo no método que Fresnoy apresenta - ele afirma até que os historiadores que as­sociam “estudo persistente e uma grande experiência de negó­cios” são consideravelmente superiores aos “que se trancam em seus gabinetes para ali estudar, confiando em outros, os fatos sobre os quais não foram capazes, eles próprios, de se infor­mar”.10 De muito maior importância é seu segundo volume, pois ele consiste inteiramente de bibliografia, relacionando ao todo cerca de 10 mil títulos de obras históricas nas línguas européias mais importantes. A produção de urna relação como essa indica a existência de enorme comunidade de estudiosos. Demonstra, também, o desenvolvimento de recursos profissionais básicos.

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Um historiador inglês, por exemplo, podia, naquela época, utili­zar uma série de histórias regionais e locais, biografias e coletâ­neas biográficas e relatos de viajantes. Estavam sendo publicados conjuntos impressos de assentamentos da Igreja, de crônicas ma­nuscritas e de anais públicos medievais. Na English Historical Libraiy do bispo William Nicolson, tinha acesso a uma bibliografia crítica. O equipamento para escrever história a partir do gabinete estava sendo montado: pelo menos para alguns historiadores, tor­nava-se possível dispensar o trabalho pessoal de campo e basear-se em documentos e evidência oral publicados por outros.


Não obstante, o efeito imediato da enorme expansão de fon­tes impressas, que continuou durante todo o século XVIII, foi um enriquecimento positivo da produção histórica. Voltaire insistiu, justificadamente, que um bom historiador moderno dá “mais atenção aos costumes, leis, práticas tradicionais, comércio, finan­ças, agricultura, população. Dá-se com a história o mesmo que com a matemática e a física. Seu campo de ação aumentou prodi­giosamente”.” O impacto da mudança a longo prazo pode ser observado especialmente em Macaulay, cuja História da Ingla­terra (1848-55) foi, provavelmente, em termos de vendas, o livro de história em língua inglesa mais popular do século XIX. Como político militante e mestre do estilo, Macaulay pode ser visto como um herdeiro de Guiccardini e de Clarendon. Mas talvez os trechos mais brilhantes de seu livro sejam aqueles em que apre­senta o ambiente social, desde o modo de vida do fidalgo fundiá­rio até a situação do pobre urbano e do rural. Utiliza como maté­ria-prima levantamentos de sua época, poesia e romances, diários e memórias publicadas. Faz, também, interessante uso da tradi­ção oral. Nas histórias sobre salteadores “que detêm uma posição aristocrática na comunidade dos ladrões”, nos relatos “de sua fe­rocidade e audácia, de seus atos ocasionais de generosidade e boa índole, de seus amores, de suas fugas miraculosas (...) há, sem dúvida, grande mescla de fábula; nem por isso, porém, deixam de ser dignas de registro, pois é um fato ao mesmo tempo autêntico e importante que essas narrativas, sejam elas falsas ou verdadei­56

ras, eram ouvidas por nossos antepassados com grande interesse e fé”. Ele cita por extenso uma canção popular injuriosa de rua que chama de “o brado veemente e amargo do trabalho contra o capital”, e afirma que evidência desse tipo deve ser utilizada na história social. “A gente comum daquela época não tinha o hábito de comícios para discussão pública, ou para fazer discursos de protesto, nem de fazer petições ao Parlamento. Nenhum jornal defendia sua causa... Grande parte de sua história só pode ser conhecida a partir das canções populares.”12


Como historiador geral, Macaulay não só recorreu a um leque muito mais amplo de fontes publicadas, mas também ao desenvolvimento de toda uma série de outras modalidades de produção histórica. Uma das autoridades que ele citava no uso da tradição oral era sir Walter Scott. Quando jovem, antes de come­çar a escrever romances, Scott foi advogado no interior, e uma de suas primeiras publicações foi Minstrelsy of the Scottish Border (1802), conjunto de canções populares que colheu entre os habi­tantes rurais, com seu amigo Robert Shortreed. Esse seu inte­resse, por sua vez, fora despertado em parte por uma coletânea ainda mais antiga, as Reliques ofAncient English Poetry (1765), do bispo Percy. Mas ele pode também ter tido conhecimento de outras. A mais conhecida talvez fosse Britannia (1586), de Wil­liam Camden, que contém capítulos sobre o desenvolvimento da língua inglesa, provérbios, nomes, e também poesia. Essa é urna das obras fundamentais do estudo histórico da língua e do fol­clore. Havia, também, o trabalho acentuadamente radical dos po­pulistas de Newcastle, John Brand e Joseph Ritson, que encara­vam o estudo da cultura popular como um dever dos “amigos do homem”, e associavam a coleta da tradição oral com esquemas para o estimulo da auto-expressão popular numa ortografia simplificada do inglês baseada na língua vernácula falada.13
Scott prosseguiu e deu uma colaboração ainda mais impor­tante para unia segunda forma de texto histórico, o romance his­tórico. Também neste caso, colheu pessoalmente grande parte da evidência oral de que necessitava. Visitou as Highlands, “falando

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com os jacobitas que haviam tomado parte na rebelião de 45”. Pela conversa com esses velhos, Scott ficou sabendo o que real­mente havia acontecido como resultado daquela rebelião. Cullo­den assistiu ao fim de urna cultura; a dispersão ou destruição dos clãs das Highlands, uma sociedade tribal e um modo de vida an­tigo, fundamentalmente diferente. “Os velhos com quem falou eram verdadeiros documentos históricos; e o contato com eles contribuiu para dar a sua escrita aquela veracidade que impregna romances mais antigos como Waverley, The Antiquary, Rob Roy e Guy Mannering.” Para homenagear suas fontes, tanto quanto para zombar de si mesmo, é que ele usou como epígrafe de al­guns de seus romances os versos de advertência de Robert Burns:


Um jovem está entre vocês tomando notas

e creiam que ele vai publicar tudo.t4


Como um tomador de notas, e sob a forma de romance his­tórico, Scott estabeleceu o modelo para algumas das obras de imaginação mais importantes do século XIX. Dickens, por exemplo, situou muitos de seus romances no mundo de Londres de que se lembrava do tempo da infância e, quando não era muito fácil recorrer à memória oral, como para Hard limes, partia para o trabalho de campo. Shirley, de Charlotte Brontê, extrai grande parte de seu drama do conhecimento que ela possuía das recorda­ções locais do levante dos ludistas. Esther Waters, história da vida de uma empregada doméstica, de George Moore, deve seu realismo a seu costume de bisbilhotar nas casas do interior e por toda parte. Foi de modo semelhante que George Borrow passou a compreender os ciganos de East Anglia. Na França, a obra de Émile Zola buscou material para Germinal em suas conversas com os mineiros de Mons. Mais tarde, na Grã-Bretanha, Arnold Bennett foi outro grande ton3ador de notas, e seu Clayhanger foi também a reconstrução de um mundo rememorado. Ainda mais próximo de Scott esteve Thomas Hardy, com sua observação aguda dos costumes rurais tradicionais e sua capacidade de uti­lizá-los corno ilustrações do conflito e da mudança na estrutura

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social como um todo. Mas isso é pensar multo para a frente - e para um estágio em que, em prejuízo próprio, os historiadores estavam menos preparados para aprender com os romancistas.


Um terceiro tipo de obra histórica que se expandiu de ma­neira especialmente rápida a partir de fins do século XVII foi a biografia. Nesta, a utilização da evidência oral continuou a ser, naturalmente, um método tido por certo. A popularidade cada vez maior das memórias trouxe interessantes ampliações de seu campo de ação. Em primeiro lugar, houve inúmeros projetos de coletâneas de biografias que visavam representar grupos sociais inteiros, e não simplesmente indivíduos excepcionais. O mais fa­moso desses projetos, Brief Lives, de Jobn Aubrey, embora fosse conhecido enquanto ele vivia, só foi de fato publicado dois sécu­los depois, em 1898. Aubrey, que escreveu que desde menino “sempre adorou conversar com pessoas de idade, como histórias vivas”, era um fidalgo rural empobrecido, obrigado a fazer de seu hobby um meio de vida, trabalhando para outros como auxiliar de pesquisa de antigüidades.’5 No decorrer dessa atividade, encon­trou tempo para reunir relatos e informações de inúmeras fontes para compor um retrato biográfico de seu círculo social, a intelli­gentsia do século XVII, como um todo. Exemplo menos conhe­cido em nível local foi Human Nature Displayed in the History of Myddle (1833), de Richard Gough, em Sbropshire, escrito em 1700-6, e que recentemente tem despertado o interesse de histo­riadores. No prefácio que fez para a reedição dessa obra, W. G. Hoskins diz ser ele “um livro único. Oferece-nos um quadro da Inglaterra do século XVII em todos os seus pormenores maravi­lhosos e variados de um modo a que nenhum outro livro que conheço sequer remotamente se aproxima”. Gough começou fa­lando sobre os edifícios do distrito; mas, assim que chegou ao da igreja, utilizou seus bancos como moldura para uma investigação social, tomando uma por uma as famílias que ocupavam cada um dos bancos, discutindo suas origens e profissões, e contando de maneira saborosa quer seus êxitos, quer seus deslizes - bebida, suborno e devassidão. Ademais, essa informação não é mera­59

mente ilustrativa; pois seu valor também ficou patente, num estudo histórico moderno, no estabelecimento de fatos demográfi­cos fundamentais e na correção de erros de interpretação que de outro modo teriam sido cometidos a partir de fontes mais con­vencionais, tais como testamentos e registros. 16 Pela franqueza com que documentou o escândalo, talvez Gough seja único; mas o fato de centralizar a atenção sobre pessoas e não sobre institui­ções oferece um dos primeiros casos de valiosa forma minoritária de história local. Um exemplo posterior é a History and Tradi­tions of Darwen and its People que J. G. Shaw, editor de um jornal local, taquigrafou a partir do relato de um homem idoso da cidade, e publicou em 1889.


Ainda mais surpreendente e, sem dúvida alguma, reflexo do início do surgimento da classe operária na Grã-Bretanha, foi o notável florescimento, no século XIX, de grande variedade de autobiografias individuais da classe operária: intelectuais, políti­cas ou pessoais. Isso tinha diversas fontes. Uma era a vida publi­cada como exemplo moral. As biografias religiosas de membros de seitas puritanas de meados do século XVII foram as primeiras originárias de classes inferiores; e entre os grupos de Spirituall Experiences publicados encontravam-se, ainda que mais rara­mente, alguns testemunhos de mulheres. Relatos de conversão e de salvação foram também coletados no século XVIII entre os camisards protestantes da França e os dissidentes e pioneiros me­todistas na Grã-Bretanha: e, na década de 1820, um historiador local do wesleyanismo do Norte não só conseguiu fazer aprovar pela Conferência uma resolução de que devia ser dever de todo superintendente colher testemunhos de fervor e de sofrimentos dos primeiros metodistas, como também escolheu como página de rosto de seu livro um esboço (de sua autoria) de Richard Bra­dley, de 90 anos de idade, que havia sido um de seus ‘oráculos vivos”.17 Outras vidas de meados do século XIX foram publi­cadas por editores de folhetos religiosos, apresentadas por pas­tores, ou com títulos tais como O caminho do trabalhador no mundo. A moralidade foi secularizada por Samuel Smiles, que

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publicou coletâneas biográficas de mecânicos, fundidores e ferra­menteiros, bem como seu clássico Selfhelp: with Illustrations of Character and Conduct (1859). “18 Dentro do mesmo espírito, o divulgador da moral e da educação Charles Knight publicou, em 1845, a biografia, notavelmente completa, do alfaiate autodidata Thomas Carter. Tendência inteiramente diferente foi representada pelas memórias de aventura picaresca. No século XVIII, isso em geral implicava um enredo de jogo ou de sexo, mas podia esten­der-se a outras formas de “vida da plebe”, e, mais tarde, autobio­grafias de gente de circo ou de ladrões apresentavam algo do mesmo sabor.


Em meados do século XIX houve uma convergência dessas duas abordagens autobiográficas, à medida que a classe operária fazia sentir sua presença política e passava a ser encarada como problema. As obras semi-autobiográficas do oficial mecânico Thomas Wright - Some Habits and Customs of the Working Classes (1867), The Great Unwashed (1868) e Our New Masters (1873) - forneciam para a classe média informações tão confor­tadoras quanto pitorescas. Há também sinais de preocupação de alguns autores em manter, na obra impressa, algo da vivacidade das formas de falar do trabalhador. Ao mesmo tempo, o próprio movimento operário começou a produzir autobiografias, com a Memoir of Thomas Hardy (1832), a respeito dos anos revolucio­nários franceses, seguida, após muito tempo, por clássicos como Early Days (1848), de Samuel Bamford, e autobiografias cartistas como The Life and limes of William Lovett (1876); muito embora a biografia política de trabalhadores tenha acabado por assumir uma forma bem mais restrita. O surgimento inicial da autobiografia operária na Grã-Bretanha pode, pois, estar estreitamente vinculada à atividade da classe operária, primeiro na reli­gião e a seguir na política. O mesmo se deu bem mais tarde na França. É surpreendente que, em contraposição, não se tenha es­tabelecido na Alemanha, durante o século XIX, tradição alguma, nem do romance social, nem da autobiografia operária. Apenas em 1904 é que o deputado socialista no Reichstag, Paul Göhre,

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lançou a primeira série de autobiografias, com a intenção delibe­rada de revelar para os leitores de classe média as condições de vida da classe inferior, bem como que as pessoas da classe operá­ria compartilhavam dos “pensamentos e sentimentos humanos e reagiam à alegria e ao sofrimento do mesmo modo que eles”.19


Finalmente, em fins do século XVIII, pode-se ver, entre as novas formas de produção histórica, o início de uma história so­cial independente. Nessa etapa, não havia uma divisão profissio­nal entre os processos de criação de informação, construção de teoria social e análise histórica, de modo que elas caminhavam ora juntas, ora separadas. Não se pode, em conseqüência, separar as origens de um método de “história oral” da evolução geral da coleta e utilização da evidência oral. Duas das mais antigas con­quistas, por exemplo, vieram da Escócia. Em 1781, John Millar publicou seu Origin of the Distinctions of Ranks, que apresentava uma teoria histórica e comparativa da desigualdade. Ele não só se antecipou a Marx, ao vincular as etapas das relações senhor-es­cravo a mudanças da organização econômica, como também, ao discutir “a posição e a condição das mulheres em diferentes ida­des”, elaborou uma das primeiras explicações históricas da desi­gualdade entre os sexos. Esse exercício pioneiro de sociologia histórica dependia de ampla variedade de fontes publicadas, desde histórias antigas até as descrições recentes de costumes sociais locais feitas por viajantes europeus em outros continentes. A se­guir, anos depois, foi dado um passo muito importante na criação de fontes, o primeiro Statistical Account of Scotland (1791-9), uma coleção nacional de informações sociais contemporâneas e históricas levada a cabo pelo clero das paróquias e organizada por sir John Sinclair. Desde o Domesday, não houvera uma in­vestigação em escala semelhante nas ilhas britânicas. Enquanto isso, na Inglaterra, um importante modelo de investigação social foi propiciado pelas viagens de “trabalho de campo” de Arthur Young, que reunia suas observações e entrevistas com outros em seus importantes relatórios sobre o estado da agricultura britâ­nica. Mais tarde, as viagens de William Cobbett, documentando

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as conseqüências muitas vezes devastadoras do progresso econômico da agricultura, utilizaram o mesmo método de Young. Ou­tros, menos vigorosos, planejaram atalhos que iriam mostrar-se instrumentos metodológicos fundamentais para o futuro. O pri­meiro questionário foi atribuído a David Davies, um reitor de Berkshire, que investigava orçamentos de trabalhadores rurais e que enviou resumos impressos a colaboradores potenciais na es­perança de que coletassem informações semelhantes em outros lugares. E foi para uma outra investigação sobre The State of the Poor, também na década de 1790, que sir Frederick Eden enviou um dos primeiros entrevistadores modernos: “pessoa notavel­mente confiável e inteligente, que passou mais de um ano via­jando de um lugar para outro, com o objetivo expresso de obter informações exatas, conforme um conjunto de quesitos que lhe forneci”.20


O século XIX iria assistir ao rápido avanço realizado por esse processo de desenvolvimento no método de trabalho de campo, análise histórica e teoria social - porém num contexto de crescente separação e especialização. Isto sucedeu até mesmo dentro do próprio campo da metodologia do trabalho de campo. A investigação itinerante, por exemplo, tomou-se uma especiali­dade de trabalho de campo do antropólogo colonial, e o levanta­mento (survey), do sociólogo das sociedades “modernas”. E surgiram marcadas diferenças entre a forma ‘do método de levan­tamento utilizado em diferentes países europeus. Na França, Bél­gica e Alemanha, bem como na Grã-Bretanha, o levantamento foi utilizado primeiro por filantropos independentes, reformadores médicos e, por vezes, por jornais, e depois adotados em pesquisas oficiais do governo. Porém, quando os franceses começaram sua primeira enquéte ouvriêre em larga escala, por temor dos levan­tes revolucionários de 1848, eles não buscavam a evidência dire­tamente, mas sim mediante sua burocracia local bem organizada. E os levantamentos sociais alemães, iniciados na década de 1870, eram invariavelmente enviados para funcionários, clérigos, pro­fessores e proprietários fundiários locais, para serem devolvidos

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sob forma de dissertação, segundo o modelo das enquêtes france­sas e belgas.


Na Grã-Bretanha, em contraposição, adotaram-se técnicas para a coleta direta de evidência. Isso começou a ser feito regu­larmente com o lançamento, em 1801, do recenseamento dece­nal, executado, sob instruções centralizadas, por investigadores espalhados por todo o país - instituindo, desse modo, o levanta­mento nacional por entrevista. Só eram publicados os resultados sinópticos do censo. Mas os levantamentos sociais parlamentares e as Royal Commissions que passaram, cada vez mais, a ser pu­blicados como Blue Books eram também, em geral, executados mediante entrevistas, ainda que de tipo diferente. As vezes era feita uma pesquisa in loco, mas normalmente as testemunhas eram convocadas perante a comissão de inquérito e interrogadas por seus membros. O intercâmbio e os debates entre a comissão e as testemunhas eram freqüentemente reproduzidos juntamente com a publicação do relatório oficial. Isso constituía um rico re­positório de evidências orais autobiográficas e de outra espécie. E seu potencial como fonte logo foi reconhecido. Os Blue Books foram a base das descrições da vida da classe operária feitas por Disraeli em Coningsby e Sybil. E mostraram-se igualmente úteis a Karl Marx.
Marx e Engels, em seus textos mais diretamente políticos, em geral recorreram consideravelmente tanto a sua própria expe­riência direta, quanto a relatórios, escritos e orais, provindos de seus inúmeros correspondentes e visitantes. Do mesmo modo, a Condição da classe operária na Inglaterra em 1844, de Engels, associa material extraído de jornais, Blue Books, e outros comen­tários contemporaneos, a seus próprios relatos como testemunha ocular da vida da classe operária. Engels chegara a Manchester em 1842 para trabalhar na filial inglesa da firma de seu pai e, nas horas vagas no cotonifício, teve a possibilidade de estudar as condições industriais da cidade e de encontrar-se, com a ajuda de uma jovem operária, Mary Burns, com alguns dos líderes cartis­tas. Contudo, para sua análise teórica mais elevada, Marx apoiou64
se em fontes publicadas. O capital é solidamente documentado mediante bibliografia e notas de rodapé. Exceto citações casuais de literatura clássica, Marx menciona dois tipos de fonte: teoria e comentários políticos e econômicos da época; e descrições da época, entre as quais, muitas vezes, relatos pitorescos, extraídos de jornais e dos Blue Books do Parlamento. Não há dúvida de que essa decisão de Marx de utilizar apenas material oral já publi-cado, em vez de levar a cabo qualquer novo trabalho de campo, deveu-se em parte ao gosto pessoal e em parte a que isso lhe permitia reforçar seus argumentos com autoridades inatacáveis. Dada, porém, a influência que O capital iria ter no futuro da história social, ele estabeleceu um precedente fundamental.
É igualmente significativo da situação de mudança o fato de que essa escolha estivesse aberta a Marx. Pois ainda não esgota-mos os novos passos mais importantes na criação da fonte oral para e história social. Além das pesquisas feitas pelo governo, o trabalho de levantamento social foi empreendido por organismos voluntá-rios. Em fins da década de 1830, havia sociedades estatísticas em Londres, Manchester e outras cidades, formadas principalmente por médicos, prósperos homens de negócios e outros profissionais, que deram contribuições importantes para as técnicas de coleta e análise -de informações sociais. Elas realizaram investigações locais te condições da classe operária, usando pioneiramente o levantamento por questionário de porta em porta aplicado por entrev-istadores pagos, e publicando seus achados em tabelas esta-cas antecedidas de breve relatório. Dessa forma, a maior das evidências da entrevista original eram eliminadas.
Por outro lado, um modelo alternativo foi criado pela investigação feita por jornais, a qual se desenvolveu na década de e culminou no levantamento feito pelo Morning Chronicle, direção de Hemy Mayhew. Esta investigação, concebida no rastro da grande epidemia de cólera de 1849, tem sido chamada "o primeiro levantamento empírico sobre a pobreza como"21 O objetivo de Mayhew era demonstrar a relação entre os is de salário industrial e as condições sociais. Assim sendo,

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em vez de um levantamento de porta em porta, ele analisou uma série- de ramos de atividade mediante uma amostra estratégica. Em cada ramo, procurou trabalhadores representativos de cada nível de trabalho e, a seguir, colheu informações suplementares de trabalhadores incomumente bem pagos, num extremo, e de trabalhadores eventuais em péssima situação, no outro. Obteve as informações quer por correspondência, quer por entrevista direta, e, para ambos os casos, desenvolveu uma série detalhada de per-guntas. Mais surpreendente foi a técnica de entrevista por ele adotada. Parece que tinha muito respeito por seus informantes, coisa muito rara entre pesquisadores da época. Os comentários que fazia demonstram tanto simpatia emocional quanto disposi-ção para escutar suas opiniões. De fato, suas mudanças de ponto de vista mostram que estava inegavelmente preparado para ser influenciado por eles. Sem dúvida, essa atitude ajudava-o a ser aceito nos lares operários e a que estes lhe confiassem suas histó-rias de vida e sentimentos. E é significativo o fato de que estava preso a uma preocupação incomum com as palavras exatas deles. Em geral, ia para as entrevistas acompanhado de um estenógrafo, de modo que tudo que era dito podia ser diretamente registrado em taquigrafia. E em seus relatos deu considerável espaço à cita-ção direta. Nas páginas de Mayhew, como em nenhum outro lugar, pode-se ouvir a fala das pessoas comuns da Inglaterra dos meados da época vitoriana. Essa é a razão por que continuam a ser lidas.


Apesar de sua popularidade, Mayhew não teve continuado-res diretos. Porém, com o surgimento do movimento socialista, em fins do século XIX, sentiu-se, na Grã-Bretanha como na Alemanha, uma nova preocupação para entender tanto as condições de vida quanto o espírito das classes trabalhadoras. Resultado disso foi o movimento de settlernent que estimulava as pessoas idealistas da classe média a conviver com os pobres, às vezes em grupos, como trabalhadores voluntários, mas também sozinhas e até mesmo disfarçadas. Na Inglaterra, por exemplo, escreveram-se inúmeras "visões do abismo" no interior de albergues e asilos de pobres, além das famosas narrativas de Jack London e, depois,

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de George Orwell. Na Alemanha, em 1890, Paul Göhre, então jovem estudante de teologia, trabalhou incógnito numa fábrica de máquinas-ferramenta de Chemnitz, para escrever Three Montlzs in a Workshop (1895): estudo da cultura da fábrica que repre-sentou uma guinada na investigação social alemã - bem como colocou Göbre na trilha que mais tarde o levaria, como vimos, a lançar as primeiras autobiografias da classe operária. Robert She-rard também se valeu de técnicas clandestinas para elaborar os vivos relatos de seu The White Slaves of England (1897): "as fábricas foram por mim visitadas como um invasor, e correndo os riscos que corre um invasor". Em geral, ele evitava o contato com os patrões, por achar que somente se ririam de suas "histó-rias de injustiças" em seus "luxuosos salões de fumar". De ma-neira semelhante, urna compreensão direta da cultura da classe operária foi procurada abertamente por Alexander Paterson, cujo Across the Bridges (1911) baseia-se nos anos que viveu ~m South Làndon. Nos estudos rurais, essa compreensão se expressa pelo respeito de George Sturt pela gente do campo em Change in tire Village (1912), e mais ainda nos livros de Stephen Reynolds sobre os pescadores de Devon, com os quais compartilhou de uma casa, A Poor Man's House (1909) e Seems So! (1913). A simpatia de Reynolds acabou por levar a um explícito "repúdio pela vida de classe média", com a crença de que a vida mais simples dos pobres era fundamentalmente "melhor do que as vidas da espécie de gente entre as quais fui criado".22 Natural-mente, poucos teriam ido tão longe. Pode-se, porem, encontrar algo dessa nova simpatia e compreensão até mesmo na mais ad-mirável e influente das investigações sociais inglesas de fins do século XIX - Life and Labour of tire People in London (18 89-1903), de Charles Booth. Booth utilizou grande variedade de mé-todos, entre os quais a observação participante, alojando-se in-cógnito numa casa de operários, muito embora para seu principal levantamento sobre a pobreza não tenha usado entrevistas dire-tas, mas se baseado em relatos de inspetores escolares. Colheu grande quantidade de evidência oral para sua investigação sobre



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religião, mas isso principalmente com membros do clero. Apesar de toda a sua riqueza, sua obra-prima de dezessete volumes ca-rece, por isso, da imediatez da fala da classe operária. Seebohm Rowntree, ao desenvolver o método de Booth para o estudo que fez em York, Poverty (1901), realizou entrevistas diretas, muito embora seu relatório fosse feito dentro da tradição estatística, evitando citações. Mais tarde, em seu Unemployment (1911), uti-liza, com muita propriedade, citações diretas das anotações dos entrevistadores e, embora isso se mantenha bem abaixo do pa-drão de Mayhew, ofereceu importante exemplo inicial do levan-tamento sociológico do século XX, com a associação que fez de tabelas e citações de entrevistas. Outro trabalho pioneiro menos conhecido é o estudo cultural sobre Tire Equipment of the Wor-kers (1919), levado a cabo por um grupo altruísta de educação de adultos no St. Philip's Settlement de Sheffield, que utilizou tanto um plano de amostra quantitativa, quanto um certo número de entrevistas qualitativas mais aprofundadas que incluíam histórias de vida. É um livro ímpar, mas ainda assim exemplo de um mé-todo que poderia ter sido - embora no caso não fosse - ado-tado na época pelos historiadores.

Urna segunda linha de influência a partir do levantamento social de Booth leva mais diretamente para o interior da história. De sua equipe de investigadores fazia parte a jovem Beatrice Webb. Suas contribuições a respeito do trabalho nas docas e do explorado ofício de alfaiate constituem as melhores análises in-dustriais em toda a série de Booth. Ela também tinha experiência anterior em coleta de informações de porta em porta corno rece-bedora de aluguéis para Octavia Hill. Assim, quando escreveu seu primeiro estudo histórico independente, Tire Co-operative Movement in Britain (1891), e, posteriormente, em seu clássico History of Trade Unionism (1894), em colaboração com Sidney Webb, realizou, de maneira extremamente sistemática, a coleta de evidência oral, juntamente com a documental. Desde o início, Beatrice associava as buscas mediante registros com visitas a so-ciedades cooperativas e com entrevistas com personalidades proe-68

minentes do cooperativismo. Posteriormente, desenvolveu com Sidney um método de incursões casuais intensivas no trabalho de campo, instalando seu quartel-general em hospedarias de cidades das províncias durante duas ou três semanas, e "trabalhando duro; examinando livros de atas, entrevistando e assistindo a reu-niões de trabalho dos sindicatos". -Embora de início Sidney prefe-risse o trabalho documental, por ser "tímido para interrogar fun-cionários, que geralmente começam como testemunhas relutantes e exigem uma manipulação gentil mas enérgica", parece que in-ventaram uma "técnica devastadora de entrevista conjunta, em que bombardeavam, cada um de seu lado, o objeto de suas aten-ções - às vezes um adversário político, às vezes um funcionário que nunca se preocupara muito com as implicações subjacentes a seus atos oficiais - com um firme pingue-pongue de perguntas, argumentos, afirmações e contestações que o deixava transtor-nado, aturdido ou indignado, conforme o caso".23 Posteriormente, Beatrice pôs em ação essas e outras habilidades menos dúbias de entrevistadora para criar deliberadamente a evidência que dese-java diante da Poor Law Commission, de 1905, quer para conse-guir e instruir testemunhas, quer para interrogá-las rigorosamente.


Em seus textos históricos publicados, os Webb citavam ape-nas as fontes documentais. Porém, dependiam em grande medida de seu trabalho de entrevista para a interpretação global e para o tratamento que davam aos fatos. Cada visita em campo resultava numa avaliação global de determinada organização e num con-junto de retratos muito bem observados das personalidades a ela pertencentes. Os Webb cuidaram de transmitir seu método para a escola britânica de história operária, de que foram fundadores. Page Arnot, por exemplo, seguiu esse método nos trabalhos his-tóricos que realizou sobre os sindicatos de mineiros. As notas sobre a atividade de entrevista que Beatrice Webb publicou em My Apprenticeship (1926) continuam a merecer respeito. E foi por certo seu exemplo que inspirou o importante historiador eco-nômico J. H. Clapham, em 1906, a exigir o treinamento de entre-vistadores para coletar "as lembranças de empresários" que, de

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seu ponto de vista, eram "as melhores autoridades originais" re-lativamente à história econômica recente, e "com eles morrem freqüentemente alguns dos mais importantes registros da histó-ria do século XIX".24 Nada disso, porém, aconteceu; e, na ver-dade, os Webb iriam ter poucos continuadores diretos, até mesmo na história operária.


Contudo, não foi por acaso que essa obra histórica inova-dora realizada pelos Webb fez parte de urna vida inteira dedicada à mudança social e à prática política. Outras notáveis experiên-cias na utilização de material oral por historiadores nesse período se deram em contextos tipicamente excepcionais e, muitas vezes, literalmente nas fronteiras. Assim, à medida que os britânicos ex-pandiram seu controle imperial na África, os missionários e os servidores civis coloniais começaram a registrar as tradições nati-vas locais; e nos anos iniciais deste século, particularmente em Uganda e entre os iorubás nigerianos, prosperaram, entre os pró-prios povos conquistados, textos históricos extraídos em grande parte de sua própria tradição oral. No Pacífico, o missionário norte-americano Sheldon Dibble organizou sua classe de seminário como um grupo de pesquisa de estudantes, enviando-os para "os mais velhos e mais sábios entre os chefes e as pessoas", equi-pados com perguntas que esclarecessem "os fatos principais da história do Havaí", para elaborar sua History of the Sandwich Islands (1843). Na década de 1860, mais ambiciosamente ainda, H. H. Bancroft, cuja firma familiar era a maior proprietária de livrarias, papelarias e editoras do extremo oeste norte-americano, decidiu coletar material em larga escala para seus estudos históri-cos sobre a costa pacífica da Califórnia recentemente colonizada. Por um período de cinqüenta anos, empregou ao todo seiscentos auxiliares que montaram, indexaram e ficharam sua biblioteca. Além de comprar todos os documentos que pudesse encontrar e de enviar seus representantes para importunar famílias e empre-sas em dificuldades financeiras, mobilizou todo um exército de repórteres para obter declarações de testemunhas sobreviventes. O mais hábil desses talvez tenha sido Enrique Cerruti, que falava

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o espanhol. O próprio Bancroft afirmava que sua biblioteca con-tinha "duzentos volumes de narrativas originais de reminiscên-cias de outros tantos antigos californianos, nativos e pioneiros, escritas por eles mesmos, ou recolhidas de seus lábios (...) Havia mil, 5 mil testemunhas ainda vivas da história inicial desta costa, das quais, como antes sugerido, o sr. Bancroft resolveu ver e in-terrogar todos os que fosse possível; mil ele viu e mil seus auxi-liares viram, escrevendo as vívidas nartativas de suas experiên-cias recolhidas de suas próprias bocas"25 Os métodos de Bancroft tinham evidentemente muitas fraquezas, e ele se mostrou incapaz de elaborar o material que colheu de forma suficientemente con-vincente. Porém, com sua disposição de utilizar a evidência oral, estabeleceu um precedente que foi seguido, posteriormente, tanto nos estudos sérios quanto no jornalismo popular local. Em parte, foi desse modo que Frederick Jackson Tumer chegou a sua fa-mosa tese sobre a significação da fronteira aberta. De modo se-melhante, a partir da década de 1920, foi política regular do Re-publican, do Arizona, colher relatos para publicar, entre os "antigos" presentes às reuniões anuais de pioneiros. E certa-mente o próprio Bancroft tivera condições, graças a sua riqueza pessoal, de organizar um dos mais primorosos empreendimentos de pesquisa puramente histórica do século XIX, antecipando al-guns dos gigantescos projetos financiados pública ou privada-mente que ocorreram cem anos depois.


Talvez seja salutar advertir que, muito embora sua biblio-teca constitua hoje em dia o centro do grande campus universitá-rio de Berkeley, Bancroft é muito pouco lembrado como historia-dor. Nisto, difere nitidamente de outro pioneiro da história oral, o historiador francês Jules Michelet. Michelet é lembrado por muito boas razões; e, a esta altura, é preciso que se diga algo mais a respeito do uso que fez da evidência oral. Ele é uma figura notável: não só o principal profissional de sua época, como tam-bém um grande historiador popular; e de grande imaginação para perceber as possibilidades tanto dos arquivos documentais, quanto da tradição oral. Além disso, foi um dos primeiros historiadores a

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introduzir em sua obra uma compreensão da terra e da paisagem. Sua influência foi ampla. Pode-se observá-la em W. G. Hoskins, que acompanha, ao longo das cercas vivas, a formação da paisa-gem inglesa, The Making of the English Landscape (1955); ou, na França, no grande medievalista Marc Bloch, que mescla suas pesquisas nos arquivos com os estudos de padrões, toponímicos e folclore do campo, viajando por toda a zona rural francesa e con-versando com os camponeses que, em inícios do século XX, ainda trabalhavam a terra com alguns dos recursos e com o espí-rito de seus antepassados medievais. O próprio Michelet utilizou a evidência oral, particularmente na História da Revolução Fran-cesa, na qual se deu conta de que os documentos oficiais conser-vavam apenas um dos lados da história política. Em 1846, havia também publicado O povo, notável ensaio sobre o impacto da mecanização sobre as classes sociais da França. O prefácio dessa obra contém uma surpreendente - de fato apaixonada - expo-sição sobre como chegou a seu método e como se beneficiou dele. Estivera colhendo informações fora de Paris durante dez anos, começando em Lyon e, depois, passando a outras cidades das províncias e à zona rural. "Minha investigação entre docu-mentos vivos", escreveu ele, "ensinou-me muita coisa que não se encontra em nossas estatísticas (...) Dificilmente se dará crédito à massa de informação que consegui obter desse modo e que não se encontra em nenhum livro." Foi assim que observou, pela pri-meira vez, o enorme aumento no uso de artigos de linho entre as famílias pobres, e deduziu daí urna importante alteração da estru-tura da própria família:


Esse fato, importante em si mesmo como um progresso no asseio (...) demonstra uma estabilidade cada vez maior nos lares e nas famílias -sobretudo a influência da mulher, que, pouco ganhando por seus pró-prios meios, só pode fazer essa despesa apropriando-se de parte do salá-rio do marido. A mulher, nessas casas, representa a economia, a ordem e a parcimônia (...) Essa foi uma útil indicação da insuficiência dos docu-mentes recolhidos das estatísticas e de outras obras de economia polí-tica, para entender o povo; documentos como esses oferecem resultados

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parciais e artificiais, visões obtidas a partir de um ângulo estreito, que podem ser interpretadas erroneamente.


Michelet sentia-se excepcionalmente à vontade com esse tipo de pesquisa. Isso se deve, em pane, a ter começado a vida na família de um impressor parisiense. Entrevistar levava-o de volta para perto de suas origens sociais, de que se havia afastado pela educação. "Fiz este livro comigo mesmo, com minha vida, e com meu coração. Ele é fruto de minha experiência (...) Ele provém de minha observação e de minhas relações com amigos e vizi-nhos; e o recolhi nas estradas." Aparentemente, sentia-se muito mais feliz conversando com os pobres do que com pessoas da classe a que havia ascendido:
Depois da conversa com homens de gênio e de profunda erudição, a conversa com o povo é certamente a mais instrutiva. Se não se tem possibilidade de conversar com Béranger, Lamennais ou Lamartine, deve-se ir para o campo e bater papo com um camponês. O que há para aprender com a classe média? Quanto aos salons, nunca saí de um deles sem que sentisse o coração apertado e abatido...
Ainda assim, não foi nada fácil para Michelet chegar a uma aceitação franca desse sentimento. Jovem, competitivo, ascendendo socialmente pela educação, tomara-se profundamente fechado. "A experiência feroz na faculdade alterara meu caráter - tomam-me reservado e fechado, tímido e desconfiado (...) Cada vez menos de-sejava a companhia dos homens." Sua redescoberta dos outros e de si mesmo veio com a docência na École Normale:
Aqueles jovens, gentis e confiantes, que acreditavam em mim, re-conciliaram-me com a humanidade (...)

O escritor solitário mergulhava novamente na multidão, escutava seu ruído, e registrava suas palavras. Eram exatamente o mesmo povo (...)

Sem o saber, (meus alunos) haviam me prestado imenso serviço. Se, como historiador, tivesse algum mérito especial que me mantivesse no nível de meus ilustres predecessores, deveria isso à docência que, para mim, foi amizade. Os grandes historiadores foram brilhantes, ponderados e prufundos; quanto a mim, amei mais.

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Os historiadores do século XIX não eram dados á auto-aná-lise. Por isso, Michelet propicia, nos poucos e brilhantes parágra-fos desse prefácio, uma vigorosa indicação de uma barreira cada vez maior para a prática da. história oral: a classe. O século XIX foi, em toda pane, urna época de consciência cada vez maior de classe e de status. Os historiadores, eles mesmos, estavam evo-luindo para uma categoria profissional fechada, recrutada me-diante educação. Os muito raros que, vindos de origens relativa-mente humildes, abriram caminho para o interior dela, muito provavelmente, devido á penosa experiência da mobilidade so-cial, permaneceriam retraídos, como Michelet no início da idade adulta. Dentre esses, Michelet foi excepcional: foram poucos os que tiveram o compromisso político e a personalidade que o fize-ram capaz de voltar a ter contato fácil com o povo. Como vere-mos, o profissionalismo exclusivo, de que foi exemplo a Ale-manha, mostrou ser mais contundente. E exatamente a fecundidade da produção de fontes orais secundárias tomou mais possível, em meados do século XIX, que um grande historiador escrevesse sem utilizar qualquer "documento vivo".


O próprio Michelet sabia disso, como qualquer um de sua época. Em 1831, foi nomeado chefe do setor histórico dos Arqui-vos Nacionais da França, uma coleção imensa que havia sido composta quando a Revolução Francesa "despejou o conteúdo dos mosteiros, castelos e outros locais de guarda em um só local comum". Ele o utilizou para a sua História da França (1833-67), e o posfácio que fez para o segundo volume dessa obra propor-ciona um insight psicológico igualmente notável, desta vez da personalidade do historiador que trabalha com arquivos. É uma espécie de ode fantástica:
A vitória será nossa, pois somos a morte. Tudo gravita para nós e cada giro se faz em nosso benefício. Mais cedo ou mais tarde, conquistado-res e conquistados vêm a nós. Possuímos a monarquia, sã e salva, do alfa ao ômega (...) as chaves da Bastilha, a ata da declaração dos direitos do homem (...)

Quanto a mim, quando entrei pela primeira vez nestas catacumbas de manuscritos, nesta admirável necrópole de monumentos nacionais,

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teria de bom grado exclamado ( Este é meu descanso eterno; aqui habitarei, pois isso é o que tenho desejado!".



Contudo, não tardei a distinguir, em meio ao aparente silêncio destas galerias, um movimento e um murmúrio que não eram os da morte. Estes papéis e pergaminhos, há tanto tempo abandonados, nada mais desejavam do que ser restituídos à luz do dia: pois não são papéis, mas sim vidas de homens, de províncias e de nações (...) Todos viviam e falavam, e rodeavam o autor numa multidão que falava uma centena de línguas (...)

À medida que soprava seu pó, eu os via levantar-se. Erguiam-se do sepulcro, um, a cabeça, o outro, a mão, como no Juízo final de Michelan-gelo, ou na Dança da morte. Essa dança galvânica que realizaram à minha volta foi o que pretendi reproduzir nesta obra.


A idéia de que o documento não é mero papel, mas reali-dade, converte-se aqui num delírio gótico macabro, num pesa-delo romântico. Não obstante, constitui um dos pressupostos psi-cológicos que sustentam a tradição empírica documental na história em geral, e não apenas na França. De forma muito mais cautelosa, mais velada, o mesmo sonho se encontra, por exemplo, naquela antiga obra-prima de erudição profissional inglesa, o Do-mesday Book and Beyond (1897), de F. W. Maitland. "Para que se compreenda a história inglesa é preciso dominar a lei do Do-mesday Book2 Maitland aspira ansiosamente por um futuro em

que os documentos tenham sido todos reorganizados, revistos, analisados. Somente então, escreve ele, "muito gradualmente, se tomará possível que os pensamentos de nossos antepassados, seus pensamentos comuns sobre coisas comuns, sejam pensados uma vez mais...". E, neste caso, o sonho está no próprio título. "O Domesday Book parece-me, de fato, não como o conhecido, mas como o conhecível. Para além, ainda há muita escuridão: mas o caminho para lá é por meio da crônica normanda."26


Foi essa tradição documental que emergiu, durante o século XIX, corno a disciplina fundamental de uma nova história profis-sional. Suas raízes remontam ao ceticismo negativista do Ilumi-nismo, bem como aos sonhos dos românticos relativos aos arquivos. Já estivemos com o historiador escocês William Robertson tomando o café da manhã com o dr. Jobnson. Robertson, em sua

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History of the Reign of Charles V (1769), repreendia publicamente Voltaire por deixar de citar suas fontes. Ele próprio esten-deu-se de maneira incomum para fundamentar sua History of Scotland (1759) em documentos originais, e pôde citar sete ar-quivos dos mais importantes, entre os quais o Museu Britânico, muito embora "aquela Nobre Coleção" não estivesse "ainda aberta ao público.(...) Os arquivos públicos, bem como os repositórios de pessoas privadas, foram esquadrinhados (...) Porém, muitos papéis importantes escaparam à observação de (outros) (...) Era meu dever buscar por eles e julguei essa desagradável tarefa um encargo de imensa utilidade (...) Consultando-os, tive condições, em muitos casos, de corrigir as imprecisões de historiadores ante-riores". Naquele estágio, a pesquisa em arquivos era, pois, enca-rada essência]mente como um dever corretivo desagradável, e não como habilidade criativa. E é esse mesmo ceticismo negati-vista que leva Robertson a rejeitar de saída toda a tradição oral da antiga história escocesa, desprezando-a como "os relatos fabulo-sos de (...) cronistas ignorantes". A história da Escócia anterior ao século X não era digna de estudo. "Para além daquele curto pe-ríodo coberto por crônicas históricas bem comprovadas, tudo é obscuro (...) a região da mera fábula e conjetura, e deve ser intei-ramente desprezado."27


Menos fácil é perceber por que essa abordagem cética teria triunfado no século XIX. Paradoxalmente, o mesmo romantismo que insuflou vida ao método documental pôs em marcha a coleta de folclore por toda a Europa, e recuperou, para as grandes epo-péias e sagas de tradições orais, o respeito que mereciam. Na Grã-Bretanha, o movimento de folclore desenvolveu-se inde-pendentemente da história profissional, em bases literárias ou de estudos de antiguidades, em grande medida de forma amadorís-tica, e adotou, partindo de Darwin, sua própria teoria evolucio-nista particular das "sobrevivências". Na França e na Itália -onde o interesse pode ser localizado no passado pelo menos desde o historiador filósofo Vico, no século XVIII - o folclore tomou-se um ramo de estudo muito mais respeitado. Mas o

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maior apoio que obteve foi na Escandinávia e na Alemanha. Ali, como na Grã-Bretanha, houvera casos anteriores de coleta e pu-blicação, mas a esse interesse inicial pelas coisas antigas sucedeu a elaborada metodologia da etnologia, que utilizava um quadro de referência histórico-geográfico para a documentação e a com-paração sistemáticas. Sob essa forma, como veremos, ela contri-buiu diretamente para o moderno movimento da história oral. Ao mesmo tempo, acabou sendo encarada como um modo impor-tante de recuperar um espirito e uma cultura nacionais perdidos, não só na Escandinávia, mas também na Alemanha.


De igual importância foi o fato de que o movimento român-tico levou, na filosofia da história, a uma aceitação amplamente difundida da importância da história cultural e da necessidade de compreender os diferentes padrões de julgamento de épocas ante-riores e, finalmente, de outras sociedades. Mais uma vez, isto se deu especialmente na Alemanha, onde, quase desde o início, o racionalismo universalista limitadamente ousado do Iluminismo enfrentara resistências, de modo especialmente notável em Her-der, com sua crença de que a essência mesma da história estava em sua plenitude e variedade. Já estavam aí os primeiros passos para um relativismo cultural. E foi de Viena que se originou, em fins do século XIX, a moderna compreensão da personalidade individual por meio da psicologia, acarretando as implicações de uma atitude menos julgadora e mais relativista em relação aos indivíduos na história. Infelizmente, os filósofos da história ale-mães tiveram pouco interesse consistente pela psicologia. Mas certamente já estava ali a possibilidade de uma nova compreen-são do valor histórico das histórias de vida individuais, e pelo menos um filósofo alemão, Wilhelm Dilthey, chegou por vezes muito perto dela, como demonstram algumas de suas reflexões sobre o significado da História:
A autobiografia é a forma mais elevada e mais instrutiva em que nos defrontamos com a compreensão da vida. Nela se encontra o curso exterior, fenomênico, de uma vida, que constitui a base para compreen-der o que a terá produzido no interior de determinado meio ambiente (...)

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Quem busca os fios de ligação na história de sua vida já terá criado, de diferentes pontos de vista, uma coerência naquela vida que agora está pondo em palavras (...) Em sua memória, já terá separado e salientado os momentos que experimentou como significativos; outros, terá deixado perderem-se no esquecimento (...)



Assim, o primeiro problema, de captar e apresentar as conexões históricas, já estará meio resolvido pela vida.28
Como se perdeu essa oportunidade? O que levou o método documental a seu triunfo restritivo, poucas vezes amenizado, exatamente nessas mesmas décadas do exemplo alemão? Eis uma questão que deve ser examinada mais a fundo. Parte da ex-plicação, porém, encontra-se, sem dúvida, na mudança da posi-ção social do historiador. ~O desenvolvimento, no século XIX, de uma profissão académica do historiador trouxe consigo uma po-sição social mais definida e consciente. Isso exigiu também que os historiadores, do mesmo modo que outros profissionais, tives-sem algum tipo de formação diferenciada. E tanto o doutorado em pesquisa quanto o ensino sistemático da metodologia histó-rica tiveram origem na Alemanha. A formação em pesquisa foi iniciada por Leopold von Ranke, após sua nomeação, em 1825, como professor em Berlim. Ranke já tinha 30 anos, mas viveria até os 90 e, no decorrer das décadas seguintes, seu seminário de pesquisa tornou-se o mais importante campo de treinamento em história da Europa. Sob alguns aspectos, ele era uma figura desa-tualizada, um cético, ao mesmo tempo que um romântico, a des-peito de seu fascínio pela Alemanha medieval. A rejeição dos romances de Scott corno não confiáveis fatualmente foi a pri-meira coisa que o levou a decidir que, em seu trabalho, haveria de evitar toda invencionice e ficção, e de apegar-se rigorosamente aos fatos. Mas em sua primeira grande obra-prima, as Histórias das nações latinas e germânicas (1824), apesar da famosa des-truição que ali fez da credibilidade de Guiccardini, e de sua má-xima de que a história devia ser escrita wie es eigentlich gewesen ist (como realmente foi), também se declarou contrário á pes-quisa pela pesquisa; apenas na etapa final de sua obra é que re-correra a arquivos em busca de confirmação. E muito embora a

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História dos papas (1837) se baseasse numa abordagem mais ativa, certamente jamais partilhou da indubitável fascinação pelos arquivos de seu contemporâneo Michelet. De fato, em fase mais avançada de sua vida, estabeleceu uma rotina que evitava qualquer contato direto com arquivos. Os documentos lhe eram trazidos em casa por seus assistentes de pesquisa, que os liam para ele em voz alta. Quando instruído por ele nesse sentido, o assistente fazia uma cópia do documento. Ranke trabalhava dia-riamente das 9h30 da manhã até as duas da tarde com seu pri-meiro assistente, e a partir das 7 da noite com o segundo; no intervalo, fazia uma caminhada pelo parque com um empregado, jantava e repousava um pouco. O que mais importava era a inflexibilidade de seu espírito crítico sistemático. Formou diretamente mais de urna centena de eminentes historiadores universitários alemães. Em seu seminário de pesquisa, embora fosse permitido a cada um escolher o próprio tema, ele os instigava ao trabalho documental medieval, simplesmente por ser este o mais difícil de domar. E quando a formação profissional começou a se disse-minar, primeiro para a França, na década de 1860, e a seguir para outras partes da Europa e para os Estados Unidos, ela se baseava nos pressupostos de Ranke. C. V. Lannglois e Charles Seignobos da Sorbonne iniciaram seu manual clássico, introdução ao estudo da história (1898), com esta afirmação sem reservas: "O historiador trabalha com documentos. (...) Não há substituto para os do-cumentos: se não há documentos, não há historia."29


O método documental não só oferecia um campo ideal de treinamento, como também oferecia três outras vantagens essen-ciais para o historiador profissional. Em primeiro lugar, o teste da capacidade de um jovem acadêmico podia passar a ser a redação de uma monografia, o estudo de um recanto do passado, minús-culo talvez, mas baseado em documentos originais e, por isso, pelo menos nesse sentido, original. Em segundo lugar, isso dava à disciplina um método que lhe era próprio, o qual - diferente-mente da utilização da evidência oral - podia afirmar-se como uma especialidade, não partilhado por outros. Essa auto-identifi-79

cação em torno de um método distinto como a escavação ar-queológica, o levantamento sociológico, a viagem de estudos do antropólogo - é típica do profissionalismo do século XIX e possuía a função adicional de tomar assunto interno a avaliação da competência, não sujeita a julgamento de pessoas de fora. Em terceiro lugar, para o crescente número de historiadores que pre-feriam trancar-se em seus gabinetes a misturar-se quer com a so-ciedade dos ricos e poderosos, quer com as pessoas comuns, a pesquisa documental constituía uma proteção social inestimável. Isolando-se, podiam também arrogar-se uma neutralidade obje-tiva e, pois, chegar até mesmo a crer que seu isolamento em rela-ção ao mundo social era uma virtude profissional positiva. Tam-bém não foi por acaso que o berço desse profissionalismo acadêmico tenha sido a Alemanha do século XIX, onde os professores universitários constituíam um grupo aristocrata restrito de classe média que, pelo isolamento em pequenas cidades de província, pela impotência política e pela aguda consciência de hierarquia existente na Alemanha, estavam, de maneira especialmente ní-tida, isolados das realidades da vida política e social.


Na Grã-Bretanha, o pleno desenvolvimento dessas tendên-cias chegou relativamente tarde. Muito embora os documentos da Constituição tenham sido venerados de maneira bastante firme pelo bispo Stubbs, eminentes estudiosos do final do século XIX, como Thorold Rogers e J. R. Green, não se preocuparam em co-locar notas de rodapé em suas principais obras, e até mesmo a Cambridge Modern History, publicada por lorde Acton em 1902, como "o estágio final na situação do estudo histórico", foi pro-gramada para não ter notas de rodapé30. A instituição acadêmica ainda estava amplamente ligada, por parentesco e carreiras pes-soais, á sociedade londrina e ao mundo político. Assim, Beatrice e Sidney Webb, em meio a seu trabalho político em favor da Poor Law Commission, também estavam escrevendo o capítulo sobre movimentos sociais para a Cambridge Modern History; enquanto R. C. K. Ensor, que escreveu o volume de Oxford, de grande êxito, sobre England 18 70-1914 (1936), passou a maior parte da

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vida no jornalismo, na política e no trabalho social. A famosa destruição da antiga escola whig de história por Lewis Namier em The Structure of Politics at the Accession of George II! só foi publicada em 1929. Somente após a expansão das universidades, posterior à Segunda Guerra Mundial, é que o doutorado em pes-quisa se tomou o método padrão para ingressar na carreira de historiador. Suas grandes vantagens e desvantagens constituem, pois, relativa novidade para os historiadores britânicos.


Neste estágio, o momento ideal do método documental já havia passado. Ele sempre teve seus críticos. Até mesmo Lan-glois e Segnobos advertiram contra as "deformações mentais" a que os estudos críticos haviam levado na Alemanha: uma crítica textual, perdida em minúcias insignificantes, separada por um abismo não só da cultura geral, como também das questões mais amplas da própria história. "Alguns dos críticos mais consuma-dos meramente fazem de sua habilidade um negócio, e jamais refletiram sobre os fins para os quais sua arte é simples meio." Comentaram também sobre a facilidade com que se pode desen-volver uma "credulidade espontânea" em qualquer coisa docu-mentada (muito caracteristicamente apresentando as memórias como um tipo de documento merecedor de "desconfiança espe-cial") e argumentaram em favor da crítica analítica e da evidên-cia comparativa para o estabelecimento de fatos: "Mediante a as-sociação de observações é que se constrói qualquer ciência: um fato científico é o centro para o qual convergem várias observa-ções diferentes". A primeira tese deles foi repetida por R. G. Col-lingwood em The Idea of History (1946), que condena uma for-mação que "tinha como corolário que nada era um problema legitimo de história a não ser que fosse ou um problema micros-cópico, ou então passível de ser tratado como um grupo de pro-blemas microscópicos"; dá como exemplo Mommsen, que "era

capaz de compilar, com precisão quase inacreditável, um corpus de inscrições ou um manual de legislação constitucional romana (...) mas sua tentativa de escrever uma história de Roma sucum-biu exatamente no ponto em que suas próprias contribuições para

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a história romana começavam a ser importantes . Se esses co-mentários eram vigorosos naquele momento, são ainda mais nos dias de hoje, num mundo em rápida mudança, que exige explica-ções para sua própria instabilidade. É cada vez mais injustificado que se fuja aos mais importantes problemas de interpretação his-tórica para a investigação microscópica. A tradição documental tem, pois, estado cada vez mais na defensiva em face do cresci-mento das ciências sociais, com sua reivindicação de maiores po-deres de interpretação e teoria.


Mais criticamente ainda, a escola documental enfrenta uma alteração de seus próprios fundamentos, pois o próprio docu-mento vem tendo mudanças em sua função social de duas manei-ras. Primeiro, as comunicações mais importantes entre as pessoas não se fazem mais por meio de documentos (se é que algum dia se fizeram) mas sim oralmente, em contato direto ou por tele-fone. Em segundo lugar, os registros perderam sua inocência (se é que algum dia tiveram); sabe-se, agora, que eles têm um valor potencial como propaganda futura.

As etapas dessa mudança foram discutidas sagazmente por A. J. P. Taylor, o principal mestre da moderna escola documental inglesa. Elas se manifestaram, em primeiro lugar, na documenta-ção da história diplomática:


O historiador da Idade Média, que trata com superioridade o his-toriador "contemporâneo", tende a esquecer que as fontes que tanto es-tima constituem uma coletânea casual, que sobreviveu à devastação do tempo e que o arquivista lhe permite ver. Todas as fontes são suspeitas; e não há razão alguma por que o historiador diplomático deva ser menos crítico do que seus colegas. Nossas fontes são, primordialmente, os re-gistros que os ministérios de Relações Exteriores conservam dos princi-pais entendimentos que mantiveram entre si; e o autor que se baseia unicamente nos arquivos provavelmente pretenderá ser possuidor de vir-tudes acadêmicas. Porém, a política exterior tem que ser definida, bem como executada (...) A opinião pública devia ser considerada; o público devia ser instruído (...) A política exterior devia ser justificada tanto antes quanto depois de elaborada. O historiador jamais esquecerá que o material assim propiciado foi concebido para fins de defender uma causa, e não como contribuição para a ciência pura; seria tolo, porém, se

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o recusasse como não valioso (...) O mesmo se dá com os livros de memórias, nos quais os estadistas buscam justificar-se aos olhos de seus concidadãos ou da posteridade. Todos os políticos possuem memórias seletivas; e isso ainda é mais verdadeiro em relação a políticos que, ori-ginalmente, atuaram como historiadores, O registro diplomático é, cm si mesmo, produzido como um mecanismo de publicidade. Nisto a Grã-Bretanha está na dianteira (...)


com os Blue Books parlamentares, seguida, na década de 1860, pela França e Áustria e, mais tarde, pela Alemanha e Rússia. Cer-tos historiadores, particularmente privilegiados, também tinham acesso aos arquivos para escrever seus textos históricos. A seguir, passou a ser feita, pelos governos, a publicação integral dos arquivos, em geral para justificar ou para desacreditar seus antecessores. A primeira dessas grandes coletâneas foi a série francesa sobre as origens da guerra de 1870, publicada a partir de 1910; porém, 'a verdadeira batalha de documentos diplomáticos" teve início no final da Primeira Guerra Mundial, com a publicação, pelos russos, dos tratados secretos e, depois, por séries sucessivas Idas a público pela Alemanha, França, Grã-Bretanha e Itália.32
Assim sendo, a partir da década de 1920, nenhum diplomata podia, de modo algum, esquecer que qualquer documento que eventualmente preservasse podia, mais tarde, ser usado contra ele. O registro original devia, pois, ser tão prudente quanto possí-vel um expurgo periódico dos arquivos era sempre desejável. Nesse ínterim, processo semelhante de mudança teve inicio em relação a documentos guardados em casa. Papéis confidenciais do ministério eram guardados por políticos e alguns destes pude-ram utilizá-los em suas memórias. Por muito tempo combateu-se essa tendência, mas o reconhecimento efetivo de que documento algum podia ser encarado como permanentemente confidencial (exceto, talvez, pela polícia ou pelos serviços secretos) veio com redução para apenas trinta anos do período de espera para o Ocaso normal para estudiosos. A conseqüência disso pode ser vista no comentário que Richard Crossman, antigo ministro, fez para A. J. P. Taylor: "Ao ler todos os documentos do Ministério relativos às reuniões de que eu havia participado, descobri que,

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freqüentemente, os documentos não tinham praticamente relação alguma com o que realmente acontecera. Agora sei que as atas do Ministério são escritas por Burke Trend (secretário do Ministé-rio), não para dizer o que de fato aconteceu no Ministério, mas o que a administração pública quer que se acredite que aconteceu, de modo que se possa traçar uma diretriz clara". Nas décadas que antecederam à Primeira Guerra Mundial, porém, essa adulteração apenas começava. Igualmente importante é o fato de que essa foi a era de ouro da correspondência pessoal. Ao tratar do período pós-Primeira Guerra Mundial, o próprio Taylor defendeu o uso de "fontes não bibliográficas (...) Quanto mais evidência temos, mais questionadores nos tomamos. Hoje em dia, possuímos ins-trumentos para registrar tanto a imagem quanto o som". Mas ele via essas necessidades em contraposição a um período anterior:


Os setenta anos cobertos por este livro são um campo ideal para o historiador da diplomacia. Faziam-se registros completos, sem pensar que algum dia seriam publicados, a não ser, vez por outra, pela resolução que algum estadista britânico redigisse "para o Blue Book". Foi a grande era da escrita. Até mesmo amigos íntimos escreviam um para o outro, às vezes duas ou três vezes por dia. Bismarck elaborava sobre o papel todo pensamento, e não estava sozinho nisso. Só Napoleão III manteve para si mesmo seus segredos pessoais e frustrou a posteridade. Hoje em dia, o telefone e o encontro pessoal deixam lacunas cm nosso conhecimento que jamais serão preenchidas. Embora a diplomacia tenha se tomado maios formal, escapa-nos o verdadeiro processo de decisão.33
Em suma, chegamos à era do telefone e do gravador: uma mudança de métodos de comunicação que, a seu tempo, acarreta-rão alteração tão importante no caráter da história quanto fize-ram, no passado, o manuscrito, a imprensa e o arquivo.
Parece, também, que pode haver urna mudança mais veloz. A base tecnológica certamente se desenvolveu com grande rapi-dez. A primeira máquina de gravar, o fonógrafo, foi inventada em 1877, e o gravador em fio de aço, pouco antes de 1900. Na dé-cada de 1930, uma versão consideravelmente melhorada já era bastante boa para uso na radiodifusão. Na década seguinte, já se

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dispunha da fita magnética e foi posto à venda o primeiro grava-dor de rolo (de dois carretéis). Os gravadores de cassete, muito mais baratos, apareceram no começo da década de 1960. Hoje é possível a todo historiador cogitar do uso de um gravador para colher evidências. Essa transformação tecnológica oferece uma das razões por que o moderno movimento da história oral, na maioria dos países, tem sua origem em empreendimentos que re-cebem financiamento substancial, muitas vezes financiamento nacional, ainda que mais recentemente tenha crescido com igual velocidade como uma forma de história local e popular ampla-mente difundida.


Examinemos, agora, como se deu o reflorescimento da his-tória oral, tendo em mente as restrições impostas pelos recursos. Onde a história oral cresceu mais vigorosamente? De que modo têm variado, de lugar para lugar, as contribuições intelectuais para o renascimento do uso da evidência oral, e os padrões de patrocínio? É conveniente iniciar pela América do Norte, que foi onde se assistiu ao crescimento mais explosivo de todos.
Ali, os antecedentes do movimento vêm de muitos anos. A atividade de entrevistas de H. H. Bancroft foi seguida de outros trabalhos intermitentes nas colônias de fronteira; e a American Folldore Society data de 1888. Mais importante ainda foi a grande arrancada da sociologia urbana norte-americana, desde suas ori-gens de influência britânica até os estudos de Chicago da década de 1920, corno o Gold Coast and Slum (1929) de Harvey Zor-baugh, vibrantes com a observação direta e a interpretação da vida na cidade, e essência]mente preocupados em documentá-la e explicá-la. Naqueles primeiros anos, os sociólogos de Chicago foram notavelmente inventivos em seus métodos, fazendo uso da entrevista direta, da observação participante, da pesquisa docu-mental, do mapeamento e da estatística. Desenvolveram interesse especial pelo método de história de vida para o estudo de dois aspectos dos problemas sociais urbanos.
O primeiro foi urna contribuição prática à criminologia. As obras-primas de Clifford Shaw, tais como The Jack Roller: a De85

linquent Boy's Own Story (1930) ou Brothers in Crime (1938), utilizaram apenas algumas das muitas centenas de histórias de vida que ele colheu entre os jovens dos bairros pobres da zona central da cidade de Chicago. A técnica de Shaw pode ser ras-treada não só até as vidas de criminosos londrinos, de Henry Mayhew, como também à tradicional busca de confissões de con-denados sobre o cadafalso ou - como os reformadores rebatiza-ram a cadeia - na penitenciária. Na Grã-Bretanha, John Clay, capelão da prisão de Preston, estimulava os internos a escrever ou a ditar "narrativas curtas de suas vidas, seus atos criminosos, suas convicções pessoais e sua penitência", acreditando que esses relatos ilustrariam "uma história de que ainda somos por demais ignorantes - o atual estado social e moral de nossos pobres compatriotas". Clay publicou algumas das narrativas que colheu em seus relatórios de prisão a partir da década de 1840, utili-zando-as para argumentar em defesa do sistema de celas separa-das. Analogamente, na década de 1900, nos Estados Unidos, o juiz Ben Lindsay, de Denver, utilizava confissões de "relato de vida" como um meio de tratar dos jovens em seu tribunal juvenil modelo, e o dr. Williatn Healey, fundador do Institute for Juve-nile Research, dirigido mais tarde por Shaw, e criador da confe-rência de caso psiquiátrico, utilizava uma técnica paralela de "história pessoal", tanto para terapia, quanto para procurar com-preender as atitudes dos delinqüentes. A influência crucial dessa abordagem de história de vida sobre o estudo social de caso e sobre a terapia é, hoje, tão fundamental que é vista como algo comum, mas naquela época era novidade. Do mesmo modo, os livros de Shaw, ao situar as histórias de vida, com muito cuidado, dentro de seu contexto familiar e social, mostrava tão convincen-temente que a delinqüência não era apenas resultado de um caracter patológico, mas também reação à privação social, que acaba-vam por parecer redundantes: o ponto estava ganho.34


O segundo aspecto, a mudança social a longo prazo, sobre-põe-se de maneira mais óbvia à história oral, ao recorrer a in-formantes mais idosos: mas tanto convencendo-os a escrever au86

tobiografias ou diários ou a emprestar cartas, quanto por meio de entrevista de história de vida. Assim, W. I. Thomas e F. Zna-niecki, em seu vasto relato pioneiro sobre a imigração, The Po-lish Peasant in Europe and A,nerica (19 18-20), dedicaram todo um volume ao registro da vida de um imigrante, Life Record of an Immigrant, autobiografia escrita por especial solicitação, que fornece um vinculo entre os estudos sobre a desorganização so-cial na Polônia e as origens da emigração e os estudos sobre a comunidade polonesa em Chicago. Znaniecki continuou a traba-lhar na Polônia e nos Estados Unidos. Fundou a bem definida "tradição humanista" dentro da sociologia polonesa, que utiliza sistematicamente concursos públicos para coletar "memórias" es-critas sobre determinados ternas. Ela foi desenvolvida pelos co-mentaristas sociais radicais que a utilizaram para demonstrar a situação difícil do campesinato polonês e dos desempregados na década de 1930 (e inspirou urna obra britânica semelhante de Memoirs of the Unentployed, colhidas por meio de urna convoca-ção pelo rádio em 1933) 35. No pós-guerra, os concursos polone-ses de memórias tornaram-se uma forma de cultura popular sur-preendentemente viva. Pode-se observar uma continuação desse interesse no antigo estudo de John Dollard, Criteria for Lfe His-tory (1935). Porém, são surpreendentemente raros os vínculos di-retos com a sociologia da história de vida mais recente. Esse tra-balho polonês é pouco conhecido no Ocidente; enquanto a escola de Chicago, a despeito daquele começo promissor, tomou-se, há muito tempo, vítima da profissionalização dos sociólogos, e reti-rou-se da imediatez da cidade que a circunda para a segurança dos doutorados de pesquisa baseados em análise estatística e na teoria geral abstrata.


Mas seu legado não foi esquecido. Continua vivo na obra do jornalista e historiador oral de Chicago, Studs Terkel. O próprio instituto de Shaw deu início a uma fecunda revitalização das his-tórias de vida na sociologia do comportamento desviante com a publicação de The Fantastic Lodge: the Autobiography of a Girl DrugAddict (1961), a partir de gravações feitas por Howard Bec

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ker. Outro vínculo com o presente é por meio da antropologia norte-americana. Os anos entre as grandes guerras foram um pe-ríodo em que a tendência geral na antropologia foi fortemente influenciada pelo argumento de Malinowski de que a tradição oral, exatamente por ter como função essencial a justificação e a explicação do presente, não tinha praticamente valor algum como história: o mito não era "nem uma história fictícia, nem um relato de um passado morto; ele é uma constatação de uma realidade maior em parte ainda viva". Muito embora suas opiniões se apli-cassem mais à tradição oral do que à evidência pessoal direta da história de vida, sem dúvida inibiu também qualquer movimento nesta direção. Os antropólogos europeus que se haviam espa-lhado, para o trabalho de campo, pelos mais remotos cantos dos impérios coloniais, raramente mostraram qualquer preocupação pelas palavras textuais de seus informantes. Nos Estados Unidos, porém, os antropólogos que trabalhavam entre os índios norte-americanos e no México também estavam em contato com o de-senvolvimento da psicologia e da sociologia e adotaram o mé-todo da história de vida. Assim, a obra de Oscar Lewis e Sidney Mintz, a partir da década de 1950, pode ser rastreada, através de Sun Chief (1942), de Leo Simmons, projeto de história oral pa-trocinado conjuntamente pelos antropólogos, psiquiatras e soció-logos de Yale, até Crashing Thunder (1926), de Paul Radin, história de vida de um índio norte-americano inspirada pela necessidade "de obter uma visão interior da cultura deles, de sua própria boca e por sua própria iniciativa". Entre esses antecedentes encontra-se o admirável retrato feito por Ruth Landes do povo indígena canadense nômade e caçador em The Ojibwa Woman (1938), que contém uma excelente coletânea de histórias de vida femininas.36
Mais surpreendente do que tudo foi o experimento desenca-deado sob patrocínio governamental para o combate ao desem-prego no New Deal: o Federal Writers' Project da década de 1930. Foi colhida, em todo o país, uma série extraordinária de entrevistas de histórias de vida com antigos escravos negros, ope-rários e sitiantes, cuja riqueza só agora está sendo plenamente

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apreciada. Grande parte desse material permaneceu inédito, mas unia seleção feita naquela época, publicada na Carolina do Norte, organizada por W T. Couch sob o título These Are Our Lives (1939), mostra uma compreensão notável do potencial radical da história oral. A sociologia, dizia Couch, tem em geral "se contem lado em tratar os seres humanos como abstrações" ou, quando se utilizaram histórias de casos, em dissecá-los como "segmentos de experiência" na análise de determinados problemas, como o de-4ajustamento social. Mas seria possível, "por meio de histórias de vida selecionadas de modo a representar os diferentes tipos que existem no seio do povo" - em proporções apropriadas -, fazer um retrato de toda a comunidade. A coletânea de histórias de vida que ele próprio fez pretendia representar, para a região em que foram colhidas, "um retrato imparcial da estrutura e do funciona-mento da sociedade. Ao que eu saiba, esse método de retratar a qualidade de vida de um povo, de revelar o verdadeiro funciona-mento das instituições, costumes, hábitos, nunca foi utilizada antes em relação ao povo de qualquer região ou país".37


Apesar desses prenúncios, de outra direção é que veio o passo essencial na direção do movimento moderno: a história política. "A história oral", declarou a Oral History Association (norte-americana), "foi instituída em 1948 como uma técnica moderna de documentação histórica, quando Allan Nevins, histo-riador da Universidade de Colúmbia, começou a gravar as me-mórias de personalidades importantes da história norte-ameri-cana." A abordagem de Colúmbia, o projeto de gravação com os "grandes homens", com financiamento privado, mostrou-se ex-tremamente atraente para fundações nacionais e para financiado-res locais, especialmente para políticos que se aposentavam. De fato, durante duas décadas pelo menos, isso foi a "história oral" nos Estados Unidos - e somente a partir da década de 1970 o método foi vigorosamente revivido em relação à história dos ín-dios, à história dos negros e ao folclore, e estendido a novos cam-pos, tal como a história das mulheres. O panorama da América do Norte apresenta, hoje, variedade e vitalidade, especialmente

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se se inclui a Canadian Oral History Association, constituída em 1974, que possui sua própria revista especializada. Só essa asso-ciação de história oral possui 1 500 membros e seu anuário de 1982 relacionava quinhentos projetos em andamento. Nos dois países em conjunto já havia, em 1971, 100 mil horas gravadas de entrevistas realizadas, e mais de um milhão de páginas de trans-crições. Essas cifras refletem claramente os recursos que torna-ram possível o trabalho de campo nessa escala. Uma das conse-qüências disso é que proporção extremamente alta de historiadores orais norte-americanos são documentalistas. Porém, paralelamente ao trabalho comunitário, há também uma corrente acadêmica cada vez mais forte, que se espelha com nitidez nos artigos e bibliog-rafias da Oral History Review da associação na década de 1980; e, particularmente pela influência de Ron Grele - atualmente dirigindo o programa de Colúmbia e fundador do International Journal of Oral History em 1980 -, que introduziu perspectivas da antropologia e da história oral européia, essa corrente tem se tomado mais reflexiva e mais aberta.


A segunda maior concentração é na Europa ocidental. É aqui que, iniciadas em Bolonha, em 1976, e em Colchester, em 1979, se realizam as conferências bienais internacionais de histó-ria oral. Mas como demonstram essas conferências, há também considerável atividade em outras partes. Na América Latina, o cenário vivo e variado recebe diversas influências: a escola de história de vida da antropologia norte-americana; o impressio-nante programa nacional de história oral do México, desenvol-vido desde 1959, que registra movimentos sociais, políticos e cultu-rais; a pesquisa sobre mobilidade social dos sociólogos argentinos Jorge Balan e Elizabeth Jelin, que analisou estatisticamente his-tórias de vida com base em amostras, no estudo que fizeram em Monterrey, no México, na década de 1960; e os programas con-temporâneos de história política, como no Rio de Janeiro, Brasil, todos possuindo uma urgência adicional num continente em que seguidas rebeliões políticas destroem regularmente a documenta-ção escrita. Na Austrália, a história oral possui sua associação e

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revista especializada, e reuniu historiadores locais e de movimentos operários com antropólogos dos povos indígenas. Na Ásia, Cingapura possui seu arquivo oficial, em chocante contraste com a Índia, onde a maior parte do trabalho ainda depende de estudio-sos e radialistas britânicos. No mundo comunista, tem havido muito pouca história oral gravada; porém, além da Polônia com seus concursos populares de autobiografia e grupos de memória de fábrica depois do horário de trabalho, tem havido, na China, um interesse oscilante pela história oral. A coleta nacional de memó-rias revolucionárias teve início na década de 1950, logo depois da vitória comunista; em 1958, com a primeira onda da Revolução Cultural, a ênfase desviou-se para os grupos de história de orga-nizações de base, fábricas, brigadas e aldeias, incluindo velhos operários analfabetos, que investigam a "tortuosa e complexa", "dura e gloriosa luta das classes trabalhadoras"; porém, ambas as campanhas desapareceram com o antiintelectualisrno e com o caos final dos anos da Revolução Cultural.38 Em meio a suas desastro-sas conseqüências, coube a um norte-americano, William Hinton, voltar e dar-lhes sentido numa obra-prima de história oral, Shen-fan: the continuing revolution in a Chinese village (1983).


Na África, e também em Israel, as influências norte-ameri-casas e européias combinaram-se de modos diversos com o na-cionalismo renascente. Na era pós-colonial, a história da África, que antes era a dos poderes imperiais, mudou bruscamente seu foco para as nações africanas amplamente não-documentadas. Por ironia, a nova escola que surgiu, utilizando cada vez mais e de maneira refinada como fonte a tradição oral, foi predominan-temente anglo-norte-americana; e com exceção de alguns proje-tos muito recentes na África do Sul, inclui pouca história social que registre a experiência da gente comum africana. Quanto a Israel, em contraposição, após a sistemática destruição das comu-nidades israelitas sob o fascismo, a evidência oral de testemunhas de toda espécie passou a fazer parte essencial da luta nacional e cultural pela sobrevivencia.
Na Europa, observa-se algo semelhante, mais remotamente

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no vínculo que existe entre o nacionalismo do século XIX e a coleta de folclore, mas também diretamente. Na Itália, unia das origens da história oral contemporânea foi a rede de centros lo-cais para o estudo dos guerrilheiros antifascistas do tempo da guerra. Posteriormente, os resultados políticos e sociais descon-certantes da expansão do pós-guerra, com a migração camponesa para as grandes cidades e a mudança da consciência da classe operária, deu origem, na década de 1970, a um modelo de histó-ria oral interdisciplinar, bem como estimulou a continuidade da pesquisa: de modo admirável, pelo sociólogo Franco Ferrarotti, a respeito dos cortiços e favelas de Roma, pelas interpretações cul-turais de Sandro Portelli sobre os metalúrgicos de Temi, e pelo grupo de estudos de história social de camponeses, operários e mulheres em Piemonte e Turim. Foi a partir deste último círculo que o jornal especializado em história oral da Itália, Fonti orali, foi editado por Luisa Passerini; e dele faz parte Nuto Revelli, o mais amplamente lido dos historiadores orais italianos, cujos vi-gorosos livros de testemunhos se deslocaram, significativamente, da guerra e resistência para a miséria no campo e, finalmente, para as memórias de mulheres camponesas das montanhas.39 Do-cumentar o fascismo foi também um objetivo de primeira impor-tância na Holanda, onde, desde 1962, a história oral tem crescido, a partir de uma cooperação bem organizada entre historiadores políticos contemporâneos, o Instituto Internacional de História Social e a rádio holandesa, ampliando-se posterioremente para a história social.


Inversamente, o desenvolvimento da história oral na Es-panha teve que esperar pelo fim do longo regime de Franco, tendo o caminho sido aberto pelo historiador oral inglês Ronald Fraser. O começo tardio de um movimento de história oral na Alemanha explica-se, também, pelo impacto do nazismo, que, ao encampar o movimento de folclore, desacreditou-o e, ao mesmo tempo, destruiu os germes de unia abordagem mais fecunda dos levantamentos sociais que, no inicio da década de 1930, se havia manifestado num estudo como Marienthal. Ainda pior que isso, o

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nazismo deixou uma geração envergonhada com a própria experiência e uma nação ansiosa por enterrar seu passado mais do que cm investigá-lo. Não obstante, na década de 1980, a pesquisa de história social sobre a classe operária do Ruhr, conduzida por Lutz Niethammer, colocou-se entre urna série cada vez maior de projetos de história locais e uma rede organizada de sociólogos história de vida teoricamente conscientes.


Muito menos claro é por que a França, com um interesse do pela história da guerra e da resistência, e tendo como cerce o exemplo não só de Michelet, mas também da escola sociológica de Durkheim (que reuniu material antropológico e folclórico), e ate mesmo o notavel trabalho pioneiro de Maurice Halbwachs sobre a natureza social da memória, também se retar-dou desenvolvimento de atividade em história oral. Uma das razões disso pode ser a extrema concentração da pesquisa académica francesa em institutos especializados em Paris, carentes de vínculos com comunidades locais. Até hoje, a maior parte do tra-balho comunitário de história oral em língua francesa encontra-se fora da França, na Bélgica, embora a pesquisa pioneira provenha dos sociólogos Daniel e Isabelle Bertaux e de Philippe Joutard e seu grupo interdisciplinar de lingüistas, etnólogos e historiadores, em Aix-en-Provence, no Sul do país. 40
Contudo é na Escandinávia e nas ilhas britânicas que se encontram os avanços europeus mais solidamente firmados. Na Escandinava as raízes se encontram na coleta sistemática de foi- o século XIX. Os primeiros arquivos para trabalho de direto foram instituídos na Finlândia já na década de 1830. O exemplo Finlandês foi seguido principalmente na Suécia.

Na década de 1870, estudantes. da Universidade de Uppsala for-maram sociedades de estudo de dialetos, para colher palavras expressões das províncias que se temia estarem ameaçadas de extinção.Já na década de l890 essa coleta havia sido sistematizada levantamento nacional de entrevistas com questionários resp-ondidos em milhares de locais diferentes por todo o

País, e, em 1914, foi fundado o Instituto de Pesquisa de Dialeto e

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de Folclore, com o apoio financeiro do Parlamento sueco. O campo de ação de sua_coleta ampliou-se gradua1mente, chegando a un1 estudo nacional sobre a sociedade1 a cultura e a economia rurais. E a partir de 1935 o instituto tem utilizado regularmente grava-dores em seu trabalho de campo provavelmente a primeira organização a fazê-lo para fins de pesquisa histórica. Em estreita ligação com esse trabalho de campo esteve o desenvolvimento especial da etnologia na Escandinávia como disciplina acadêmica central das ciências sociais, fundindo a história social e a sociolo-gia. Na década de 1950 sob a liderança do historiador norueguês Edvard Bull, a coleta etnológica de campo estendeu-se às populações urbanas e industriais e na década de 1970 etnólogo os como Orvar Löfgren e Sven Ek_utilizaram esse trabalho anterior para estudar a mudança social a longo prazo. Também houve expe-riências notáveis de história popular, por meio do museu imagi-nativo e de serviços de radiodifusão, e também a campanha da história da fábrica pelos trabalhadores, desencadeada pelo escri-tor sueco Sven Lindqvist em seu polêmico livro Grav där du stdr (1978) e a exposição itinerante em barracas, de mesmo título -"Escave onde você vive".


Esse exemplo inicial sueco mostrou-se de particular impor-tância para o desenvolvimento da história oral na Grã-Bretanha. Aqui também se havia desenvolvido um forte interesse por fol-clore, principalmente em bases amadorísticas. Na Irlanda e no País de Gales, porém, e um pouco menos na Escócia, isso foi reforçado pela associação com movimentos nacionalistas. O go-verno irlandês começou a apoiar a coleta em 1930, e em 1935 criou o Irish Folklore Institute. Este, desde o início, manteve vín-culos diretos com estudiosos suecos e também utilizou gravado-res. No País de Gales o centro principal passou a ser o Welsh Folk Museum, em St. Fagans; na Escócia, a coleta sistemática foi dirigida a partir da School of Scottish Studies da Universidade de Edimburgo, cujo arquivo teve início em 1951, originalmente de uma perspectiva gaélica e literária, mas rapidamente passando a lidar também com material social e de lingua inglesa. Final-94

mente, na Inglaterra, os empreendimentos comparáveis mais im-portantes foram o Dialect Survey, iniciado por volta de 1950 na Universidade de Leeds, e o subseqüente Centre for English Cul-tural Tradition and Language, em Sheffield.


Contudo, foi a mudança política do pós-guerra que, também na Grã-Bretanha, esteve por trás do renascimento da história oral. Á medida que a África colonial caminhava para a independência, suas novas nações tinham necessidade de uma história própria. A partir da década de 1950, liderados pelo estudioso belga Jan Van-sina - posteriormente de Wisconsin - e por John Fage e Ro-land Oliver da Grã-Bretanha, os historiadores começaram a coletar em campo seu próprio material oral, juntamente com antropólo-gos, com eles trocando experiências de métodos e de interpretação.
A chegada ao poder do movimento operário, com o governo trabalhista de 1945, e a segurança popular provinda dos longos anos de expansão pós-guerra acarretaram, mais lentamente, uma mudança paralela interna: um excitante interesse na história ope-rária, pela expansão da história social da década de 1960, acompanhado de um novo entusiasmo pela autobiografia da classe trabalhadora e, mais tarde, pelas séries de televisão que utilizavam

de gente comum corno "Yesterday's Witness ". Alguns historiadores também se deram conta, por meio de suas ativida-des no rádio, dos notáveis recursos dos Arquivos de Som da C, que foram fundados na década de 1930. Contudo, a influência fundamental veio mediante uma nova sociologia da década de 1950, preocupada não só com a pobreza, mas também a cultura da classe operária e com a comunidade em si mesma. Alguns desses estudos clássicos, como The Family Lzfe OkI People (1957), de Peter Townsend, e Education and the Working Class (1962), de Brian Jackson e Dennis Marsden, utiliza-ram de maneira eficiente memórias individuais da classe ope-enquanto o semi-autobiográfico The Uses of Literacy (1957), de Richard Hoggart, procurava interpretar as formas de pensamento da classe operária na fala e na "tradição oral". Com Making of the English Working Class (1963), de Edward

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Thompson, essa nova afinidade foi contraposta a urna história que buscava "resgatar o pobre fazedor de meias, o lavrador lu-dita, o operador de tear manual 'obsoleto', o artesão 'utópico', e até mesmo o iludido seguidor de Joamma Southcott, do enorme des-dém da posteridade", encarando, ao contrário, suas idéias como "válidas em termos de sua experiência pessoal".4'


Essa convergência da sociologia e da história foi estimulada pela instalação das novas universidades da década de 1960, com suas experiências interdisciplinares e com a rápida expansão de uma sociologia que demonstrava crescente interesse pela dimen-são histórica na análise social. O potencial da história oral foi demonstrado pelo êxito popular de Akenfield: Portrait ofan En-glish l4llage (1969), de Ronald Blythe, mescla de literatura, his-tória e sociologia, baseada em gravações de gente do campo de Suffolk. E não é por acaso que um dos recentes livros mais signi-ficativos que utilizou a evidência oral é um estudo histórico das relações entre religião, economia e consciência de classe, feito por um sociólogo - Pit-Men, Preachers and Politics (1974), de Robert Moore. Thea Vigne e eu começamos nosso levantamento nacional sobre vida familiar, trabalho e comunidade anterior a 1918, a partir do departamento de sociologia da Universidade de Essex, em 1968. Valemo-nos da experiência sociológica de Peter Townsend e tivemos o apoio financeiro do recém-instalado So-cial Science Research Council.
De lá para cá, a história oral tem crescido rapidamente na Grã-Bretanha. A Oral History Society constituiu-se em 1973 e, em menos de seis anos, tinha perto de seiscentos membros. Atuou em cada uma dessas Unhas de desenvolvimento e também em outras. Os novos projetos maiores tendem a ser em história social, financiados pelo Research Council governamental e so-frendo alguma influência sociológica. Outros, porém, foram mi-ciados sobre história colonial e militar. Houve também uma reati-vação naqueles ramos da história que, por diversas razões, detinham pelo menos uma tradição minoritária de trabalho de

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campo oral: história política recente, história da classe operária e história local.


Na história política recente, a mudança tem sido menos óbvia, porque, embora freqüentemente não citado, tem havido um uso constante da entrevista como método de investigação, de descoberta de documentos e de controle de interpretação. Um biógrafo político moderno sempre procurará aprender com a con-versa com um sujeito, como fez John Morley, por exemplo, com o idoso Gladstone. David Butler pôde até escrever que seu Elec-toral Sysrem in Britain 1918-Si (1953) "deve mais às recorda-ções pessoais dos protagonistas sobreviventes do que a qualquer 'biografia publicada ou a qualquer historiador".42 Mas o advento 'do gravador propiciou um método mais sistemático de coletar evidências de entrevistas.
Em relação à história operária, a linha de desenvolvimento a partir dos Webb é mais evidente. Hoje em dia, Irá muita atividade nesse campo, que inclui projetos de grande porte; e, desde o iní-cio, a evidência oral tem sido uma das marcas distintivas do mo-vimento History Workshop que começou a partir de uma história social e do trabalho da classe operária no Ruskin College, Oxford. e, ampliou seu campo de ação para dedicar-se, segundo pa-lavras de sua revista especializada, "aos elementos fundamentais da vida social - trabalho e cultura material, relações de classe e política, divisões por sexo e casamento, família, escola e lar".
Finalmente, houve um grande crescimento da história local. De início, ela era especialmente rural, onde o método possuía raízes mais profundas. Gough tem sido mencionado como um tipo dessa história; a coleta de folclore oferece outro; e um exemplo

notável também foi dado pelos textos históricos do Women's Lis-te a partir da década de 1920. Estes eram levantamentos em delas, baseados em parte no exemplo dos Scottish Statistical ccounts, mas também - pela influência de C. V. Butler - nos levantamentos sociais de Rowntree. How lo Compile a History and Present Day Record of Village Life (1925), de Joan Wake, foi escrito para os levantamentos do Women's Institute, e oferece

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excelente informação sobre pesquisa documental e sobre o uso de entrevistas para a coleta de informações de pessoas idosas: a respeito de métodos agrícolas, arrendamentos, salários, comércio e indústria, transporte, migrantes, escolas, clubes, sociedades be-neficentes, sindicatos, saúde, alimentação, religião e crime; histó-rias antigas, folclore, canções e jogos; e reminiscências pessoais. "Por que não fazer 'festas de reminiscências' - em que cada um por sua vez recordaria e contaria suas experiências, enquanto al-guém as taquigrafaria?", sugeriu ela. Depois da Segunda Guerra Mundial, Women's Institutes ou Old People's Welfare Councils de muitos condados patrocinaram concursos de redação; excertos delas foram publicados, como I Remember (1970), de Pat Barr, bem como em folhetos locais. Foi em parte dessa forte tradição de história local, bem como da compreensão que ele tinha do folclore e da experiência de trabalho, que teve origem a obra de George Ewart Evans, especialmente em seu primeiro livro Ask the Fellows who Cut the Hay (1956). Pelo título e pela introdu-ção, esse estudo de aldeia constitui, de fato, o primeiro apelo em favor do atual movimento inglês de história oral. Porém, em anos mais recentes, houve um florescimento ainda maior de projetos locais de história de comunidade nas cidades do interior, alguns auto-sustentados, outros financiados por meio de ajuda do governo local ou, com o desemprego crescente da década de 1980, por meio da Manpower Services Commission.


Em suma, a história oral cresceu onde subsistia uma tradi-ção de trabalho de campo dentro da própria história, como com a história política, a história operária, ou a história local, ou onde os historiadores têm entrado em contato com outras disciplinas de trabalho de campo, como sociologia, antropologia ou pesquisa sobre dialetos e folclore. Sua distribuição geográfica reflete tam-bém a disponibilidade de dinheiro para a pesquisa de campo: daí a alta concentração na América do Norte e no Noroeste da Eu-ropa. Pela mesma razão, o patrocínio governamental tem sido de importância essencial na maioria dos países, particularmente na coleta de folclore, mas também mediante esquemas de desem-98

prego, arquivos de rádio e conselhos de pesquisa de ciência social Nos Estados Unidos, existem alguns importantes projetos go-vernamentais, mas dizem respeito principalmente às Forças Arma-das e à experiência de guerra. Em conseqüência, o financiamento privado tem sido preponderante, com ênfase no registro exata-mente daquelas pessoas que mais provavelmente deixarão registros escritos, as elites nacionais e locais. Existem até mesmo projetos de história oral sobre as próprias fundações financiadoras. Assim, os padrões de patrocínio - e, pode-se afirmar, os pressupostos polí-ticos a eles subjacentes - também têm sido fatores fundamentais na forma assumida pelas diferentes evoluções em cada país.


Há, contudo, mais um fator: a natureza da oposição encon-trada. O sistema de financiamento privado nos Estados Unidos tem tido, quanto a isso, a feliz conseqüência de permitir que os

- historiadores orais sigam seu caminho com ligações frouxas com universidades, faculdades e bibliotecas locais; embora, menos fe-lizmente, tenha levado o típico historiador oral norte-americano a ser principalmente um documentalista e coletor de dados do que propriamente um historiador. Na Grã-Bretanha, ao contrário, foi inevitável urna luta mais acirrada por recursos e reconhecimento. Com a recessão econômica e os cortes de gastos públicos a partir de meados da década de 1970, cada novo solicitante de recursos públicos escassos estava fadado a encontrar oposição. Até mes-mo o Social Science Research Council passou, em 1976, do apoio cauteloso a urna política francamente hostil de "conten-ção".'43 E se, no mundo da pesquisa, isso mostrou ser um retro-cesso muito passageiro, não há dúvida alguma de que, com os cortes na universidade, que vieram a seguir, na década de 1980, os avanços mais inovadores foram os mais vulneráveis, e quem foi capaz de melhor se defender foi a tradicional história política e econômica do passado seguramente remoto.


Nos casos em que essa oposição é bem-sucedida, o dano principal será dos próprios historiadores profissionais. A história oral será desenvolvida principalmente por sociólogos, antropólo-gos e folcloristas dentro das instituições educacionais e, na co99

munidade, pelo historiador leigo. Os historiadores profissionais deixarão de ter o estímulo do trabalho interdisciplinar e do con-tato com seu público básico; e permitirão que a história oral se desenvolva sob formas que não atendem a suas próprias necessi-dades e padrões. Por exemplo, é provável que se continue a ob-servar a atual inadequação das instalações de arquivo, e a conse-qüente destruição de grande proporção da evidência oral atualmente coletada, até que a categoria dos historiadores admita que os re-gistros orais têm tanto valor quanto os documentos escritos. Assim, enquanto em países adiantados como Canadá, Austrália e Estados Unidos os arquivos federais e estaduais têm coletado material de história oral como parte de seus programas regulares desde a década de 1950, apenas na década de 1980 é que a Grã-Bretanha instituiu seu National Sound Archive, como parte da British Library, e só então seu trabalho em história oral começou a se desenvolver.


Não obstante, a longo prazo - e talvez muito rapidamente - é possível que se desfaça a atual hostilidade, e os historiadores profissionais voltem a sua antiga posição sobre a aceitabilidade da evidência oral como uma das muitas espécies de fonte histó-rica. A mudança nos métodos de comunicação, que retirou do documento escrito seu papel central, torna isso finalmente inevi-tável. E, a um exame mais cuidadoso, a oposição passa a unir-se em torno de sentimentos mais do que de princípios. Os princípios são mencionados, mas eles são contraditórios e procedem de dois extremos da categoria profissional.
Em primeiro lugar, principalmente em história econômica e demografia, há os historiadores que menosprezam toda evidência qualitativa que não seja passível de análise estatística. Como es-cola, podemos identificá-los desde a década de 1920, quando a história econômica firmava sua autonomia, e a história social passava da elegância impressionista de G. M. Trevelyan para os padrões mais rigorosos de Georges Lefêbvre, com seu lema Ii faut compter. Mais tarde, tiveram o reforço da hostilidade neopo-sitivista à história tradicional de Popper e, a seguir, uma vez

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mais, das expectativas exageradas da década de 1960 vindas da ciência social em geral e do computador em particular. Muito provavelmente, como sugeriu George Ewart Evans,
esse reducionismo esteve tanto em moda devido ao desejo inconsciente de obter um pouco da glória e da respeitabilldade que as ciências natu-rais conseguiram para si no correr deste século; e isso ganha um pode-roso apoio do pressuposto amplamente disseminado de que a ciência moderna possui a resposta para tudo quanto o homem realmente precisa saber.44
Porém, esses reclamos tão extremados causaram, eles pró-prios, a desilusão. A história estatística não é capaz de, sem ajuda, desenredar o passado mais do que a sociologia é de ofere-cer respostas para todos os problemas sociais da atualidade. Claro que os melhores historiadores econômicos e demógrafos sempre reconheceram isso: como na escola dos Annales, na França, ou, na Grã-Bretanha, K. H. Connell que, em sua impor-tante exposição sobre a transformação demográfica da família ir-landesa após a grande fome, utilizou a tradição oral recolhida pela Irish Folldore Commission como uma das fontes fundamen-tais de evidência. Nesse meio tempo, houve uma reação, dentro da própria sociologia, contra uma metodologia predominantemente estatistica na análise de levantamentos, e urna volta às en-trevistas de história de vida em campo, que aproximou a sociolo-gia da história oral. Assim, as esperanças mais extravagantes da escola estatística neopositivista parecem cada vez mais datadas. Pode-se perceber mais claramente o quão distorcida é a análise que faz Michael Anderson em Family Structure in Nineteenth Century Lancashire, ao se prender a um modelo rigidamente eco-nômico da família, que não permite levar em conta, em relação a uma cidade semicatólica da década de inquietação cartista, fato-rei políticos, ou religiosos, ou psicológicos. E as ousadas acroba-cias de um historiador econômico como R. W Fogel - que inven-tará dados quando não consegue encontrá-los e pretende reavaliar a experiência global da escravidão com conjuntos de tabelas - pa-recem agora investidas que revelam mais sobre as armadilhas do

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método do que sobre sua força. É difícil acreditar que a história econômica e a demografia, que, por sua proximidade com as ciências sociais, estio naturalmente mais familiarizadas com o método de entrevista do que a maioria dos ramos da história e que, de fato, já produziram alguns admiráveis defensores da his-tória oral, continuem a ser, a longo prazo, obstáculos ao pro-gresso desta última.45
A velha guarda profissional parece, à primeira vista, mais amedrontadora. A. J. P. Taylor, por exemplo, apesar de consciente a respeito da queda de valor do documento escrito, mantém sua resistência contra o método de entrevistas. "Quanto a este as-sunto, sou quase inteiramente cético (...) Pessoas idosas falando bobagens sobre sua mocidade - Não."46 E se é plausível que o historiador documental ao velho estilo considere a história cada vez mais difícil de ser reconstituída do século XX em diante, só lhe resta manter-se sobre o terreno mais firme de antigamente, ao qual já está bem preso. Na prática, porém, a situação é menos firme do que parece. O historiador tradicional, em parte por des-confiar das teorias e preferir construir sua interpretação a partir de peças individuais de evidência colhidas onde quer que as possa localizar, é no fundo um eclético. Se desconfia da evidên-cia oral, isto se dá principalmente porque, até muito pouco tempo atrás, ela estava, num grau que hoje parece difícil lembrar, ou escondida dele ou não reconhecida por ele. Arthur Marwick em seu The Nature of History, publicado em 1970, incluiu uma expo-sição muito aberta sobre as fontes históricas, no capítulo sobre "O historiador em ação", desde a hierarquia consagrada de fontes escritas primárias e secundárias até a estatística, os mapas, edifí-cios, a paisagem, literatura de ficção, arte, os costumes e "a cul-tura popular do período". Chega a afirmar que "um texto histó-rico baseado exclusivamente em fontes não-documentais, digamos a história de uma comunidade africana, pode ser mais superficial, menos satisfatório do que outro, extraído de documentos; mas é história do mesmo jeito". Contudo, não inclui referência alguma à evidência oral como tal. Parece pouco provável que, hoje, uma

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passagem como essa não discutisse o método de entrevista e a tradição oral.47 Atualmente, está amplamente difundida a noção de que existem essas fontes potenciais e, por si só, essa noção leva a certo grau de aceitação. Além disso, os projetos de história oral têm dado origem a grande número de arquivos que estão sendo utilizados por estudantes de pós-graduação e citados em suas teses, frequentemente com o estímulo de seus orientadores. Para essa geração, pois, a evidência oral volta a ser considerada entre as fontes admissíveis. E urna vez que podem ser citadas em suas teses, tem se generalizado entre eles, quando pareça poten-cialmente valiosa, a tendência a considerar a possibilidade de eles próprios colherem esse tipo de evidência em trabalho de campo.
O fato é que a oposição à evidência oral baseia-se muito mais em sentimentos do que em princípios. Os historiadores da geração mais antiga, que detêm as cátedras e as chaves do cofre, ficam instintivamente apreensivos com o advento de um novo método. Isso implica que não dominam mais todas as técnicas de profissão. Daí os comentários despropositados a respeito de jovenzinhos perambulando pelas ruas com um gravador na mão, a preocupação com detalhes insignificantes para justificar seu ceticismo: geralmente, uma (note bem) reminiscência a respeito imprecisão da sua memória ou da de alguma outra pessoa. disso, existe - e não só entre os estudiosos mais velhos -medo da experiência social da entrevista, da necessidade de do gabinete e de falar com gente comum.48 Mas o tempo a maioria desses sentimentos: o antigo será substituído; e um número cada vez maior desejará conhecer pessoalmente a social e intelectual positiva da história oral.
Portanto, a descoberta da história oral pelos historiadores, agora em andamento, provavelmente não será ignorada. E ela não uma descoberta, mas também uma reconquista. Oferece à um futuro livre da significação cultural do documento escrito. E devolve também ao historiador a mais antiga habili-de seu ofício.

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A CONTRIBUIÇAO DA HISTÓRIA ORAL


Como avaliar a contribuição da história oral? Pela lista dos que encontramos em seu longo passado: Heródoto, Bode, Claren-don, Scott, Michelet, Mayhew...? Ou por suas ambições e diversi-dade de hoje? Não é possível fixar uma fronteira nítida em torno do trabalho de um movimento que reúne tantas espécies diferen-tes de especialistas. O método da história oral é utilizado também por muitos estudiosos, particularmente sociólogos e antropólo-gos, que não se consideram historiadores orais. O mesmo se diz com jornalistas. Contudo, todos eles podem estar escrevendo his-tória; e, sem dúvida, estão provendo á história. Por motivos dife-rentes, também os historiadores profissionais provavelmente não pensam em seu trabalho como "história oral". Muito acertada-mente, seu enfoque é sobre um problema histórico que escolhe-ram e não sobre os métodos utilizados para resolvê-lo; e geral-mente optam por utilizar evidência oral juntamente com outras fontes, e não sozinha. A própria expressão "história oral" contri-bui para essa confusão:
(...) ela implica uma analogia enganosa com aspectos já diferenciados da história - econômico, agrícola, médico, legal, e assim por diante. Ao passo que a história oral não pode nunca ser um compartimento da história, propriamente; é uma técnica que, presumivelmente, pode ser utilizada em qualquer ramo da disciplina. Sua denominação também su-gere - na verdade requer - uma área de trabalho diferenciada, quando de fato, para quem quer que tenha coletado evidência oral em campo,

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durante qualquer espaço de tempo, é evidente que compilar fontes orais é uma atividade que aponta para a conexão existente entre todos os as-pectos da história e não pata as divisões entre eles.1
Se se concretizar todo o potencial da história oral, disso re-sultará não tanto uma lista específica de títulos relacionados numa seção das bibliografias históricas, como uma mudança fun-damental no modo pelo qual a história é escrita e estudada, cm suas questões e julgamentos e em sua natureza. O que se segue é uma exposição sobre apenas uma das dimensões da história oral - o impacto da nova evidência oral nos campos existentes do estudo de história - e os exemplos citados limitam-se delibera-damente a obras modernas. Mesmo assim, é difícil fazer urna escolha equilibrada satisfatória entre, por um lado, o enorme nú-mero de artigos muitas vezes breves, particularmente a respeito de pesquisas em andamento, de que se toma conhecimento pela publicação em revistas especializadas e bibliografias do movi-mento formal de história oral e, por outro lado, as publicações, em número ilimitado, mas freqüentemente importantes, em sociologia, antropologia, folclore, história contemporânea, política biografia, que se situam nas fronteiras da história oral. Por sua vez, um levantamento completo de cada um desses campos seria, i verdade, insuportavelmente longo, e esta será uma exposição apenas ilustrativa.
Comecemos com a história econômica. Poucos precisarão competir com a ousadia - em mais de um sentido - de historia-da África central pré-colonial explorando os afluentes do Congo em sua própria canoa, como Robcrt Harms, os quais reuniram os padrões emergentes de produção, comércio e mer-cado em suas regiões, principalmente a partir de tradições orais

- comunidades e das famílias. O papel da evidência oral na econômica tem sido, em geral, relativamente modesto: como um corretivo e um suplemento às fontes existentes e -, segundo, na proposição de novos problemas a serem consi-derados. Para alguns aspectos da história econômica, tais como as do governo, comércio exterior, ou atividade bancária e

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de seguros, a documentação existente é abundante, ainda que às vezes de enfoque restrito. Porém, alguns dos mais importantes índices estatísticos históricos agregados, por exemplo, de salários reais, de horários e de produtividade, são compilações que se ba-seiam, em grande parte, ou em documentação inadequada, ou em simples conjetura, apesar da segurança com que em geral são apresentados. Constituem a base, por exemplo, dos grandes deba-tes sobre o padrão de vida na Grã-Bretanha industrial: mas Eliza-beth Roberts, a partir de entrevistas com famílias operárias de duas cidades de Lancashire, demonstrou como muitos fatores têm sido mal interpretados ou excluídos dos cálculos dos índices estatísticos de padrão de vida. As fontes também têm mostrado ser insatisfatórias para o estudo da história de muitas atividades importantes: a mineração, por exemplo. Christopher 'Storm-Clark demonstrou quão insuficientes e enganosos são os registros docu-mentais existentes. A atividade de mineração, antes do final do século XIX, consistia principalmente de poços locais pequenos, pouco profundos e muitas vezes de vida curta; contudo, a evidên-cia remanescente não só é escassa e fragmentária, mas também fortemente enviesada na direção dos atípicos poços de grande porte, intensivos em capital, e instalações a eles associadas. O fechamento de poços e a conseqüente destruição de seus regis-tros, a partir dos anos de depressão entre as Grandes Guerras, a relutância de seus proprietários em permitir que sejam examina-dos e, a seguir, temores semelhantes por parte do National Coal Board em nada melhoraram sua disponibilidade, nem seu con-teúdo informativo. Por isso, em sua pesquisa, Storm-Clark utili-zou entrevistas, em parte para colher informações básicas sobre a tecnologia e a organização do trabalho do tipo de poço sobre o que não havia registros. Mas as entrevistas também fornecem evidência sobre os processos de recrutamento para os poços e da migração para os distritos mineiros, muito mais completa do que qualquer outro tipo de registro sobre as minas de carvão. Mais surpreendente ainda, porém, talvez tenha sido seu valor para a elucidação e correção das próprias informações que, pelo menos



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quanto a certos poços, os Colliery Wage Books fornecem a res-peito de horários de trabalho e salários. As entrevistas indicam que, para os mineiros, o horário continuava a ser muito flexível; enquanto o sistema de pagamentos por empreitada, divididos entre grupos de trabalho de mineiros, era tão complexo e variá-vel, que o conceito de uma taxa de salário para o período anterior a 1914 é "quase inteiramente sem sentido".2


O mesmo tipo de argumento em favor do valor da evidência oral em relação a documentos aplica-se a outras atividades eco-nômicas. Assim, a vasta biografia social e industrial de Henty Ford, sua empresa e a indústria automobilística, escrita por Allan Nevins, demonstra como a evidência oral pode expor, com muito mais clareza do que documentos, os métodos de trabalho de um grande inovador. E quanto ao nosso Living the Fishing (1983) -a respeito de uma atividade em que predominam as pequenas empresas e o trabalho sazonal -, o processo de entrevistas mos-trou ser. o modo mais rápido de construir um esboço de história econômica local de cada comunidade e de cada empresa familiar, e também nos ajudou a perceber alguns dos erros das abundantes documentação e estatística governamentais, que, ao fornecer in-formações para os registros oficiais, haviam refletido o orgulho local, a dissimulação, ou a conjetura; mais importante ainda, porém, propiciou-nos a informação essencial a respeito dos con-trastes entre a cultura empresarial das comunidades, que ajuda-ram a explicar por que algumas delas haviam perecido, enquanto outras continuavam a prosperar. De modo mais geral, na verdade também é importante conhecer, em contraposição à história do êxito, a pequena firma - como a fundição de ferro de pequena cidade do interior - que mio chegou a ser uma companhia; e, retrocedendo um pouco mais, os artífices - os que consertam rodas, os que, fazem telhados de os ferreiros, e assim por diante - em relação aos quais a

ação escrita é ainda mais escassa, mas a respeito dos existe atualmente abundante literatura que se abebera em medida de fontes orais. E muitas vezes somente a evidên-107

cia oral é que permite o estudo adequado de uma atividade eco-nômica transitória que pode ser parte essencial do quadro mais amplo. Assim, não há praticamente registro escrito algum a res-peito de profissões itinerantes - mascateação, armarinho, feira, e assim por diante - e, até mesmo para a indústria de bebidas fermentadas, extremamente organizada, só havia a mais pobre do-cumentação a respeito da habitual migração sazonal organizada de trabalhadores rurais da East Anglia para Burton-on-Trent.
Contudo, o trabalho de história oral mais sistemático, de decisiva importância para a história econômica, tem sido a res-peito da agricultura. Também aqui, registros, livros de salários e diários só se encontram em geral para as fazendas maiores, tec-nologicamente mais avançadas. A existência mesma desses regis-tros denota um grau incomum de eficiência. Mesmo onde exis-tem registros, as informações oferecidas sobre taxas de salários ou técnicas de trabalho, por exemplo, são em geral inadequadas e, freqüentemente, incompreensíveis ou enganosas. Para garantir alguma indicação confiável dos padrões normais de trabalho ou das variações em nível tecnológico num determinado distrito, a evidência oral é essencial. A coleta desse material tem sido le-vada a cabo de maneira mais sistemática no País de Gales e na Escócia, antes porém como sociologia, antropologia ou folclore, do que como história econômica. Mais recentemente, David Jen-kins e Eric Cregeen realizaram um trabalho notável sobre a eco-nomia social dessas regiões. Porém, a demonstração da relevân-cia do trabalho de campo oral para a história econômica agrícola foi feita por George Ewart Evans, em seus estudos sobre a agri-cultura de East Anglia, The Horse in the Furrow, The Farm and the l4llage e, especialmente, Where Beards Wag Ali: seus méto-dos, desde a grande fazenda com energia a vapor até a pequena propriedade; economia pecuária e cerealista; arrendatários, fa-zendeiros e trabalhadores rurais.
Vários desses estudos aludem a uma outra forma em que a evidência oral começa a contribuir para a história econômica: o estudo do empresário. Muito embora haja abundante material au108

tobiográfico sobre a inteiligentsia da classe superior e da classe média, é extraordinariamentre escasso esse tipo de informação sobre as classes manufatureira e do comércio. Sem isso, não é possível responder a questões tais como qual o papel da firma familiar e da socialização e atitudes dos empresários na decadên-cia econômica britânica. Porém, é muito visível que os historia-dores econômicos não têm seguido o exemplo dos sociólogos na coleta de histórias de vida de gerentes industriais e de pequenos empresários. Estes estudos têm resultado em novas e Importantes descobertas: por exemplo, a falta de ambição do pequeno nego-ciante inglês em comparação com os gerentes e o papel econô-mico absolutamente essencial desempenhado por suas esposas. Mas continua a ser um paradoxo o fato de sabermos mais a res-peito de por que os padeiros franceses ou os pescadores escoce-ses se empenham até o limite de suas forças em troca de benefí-cios econômicos tão pequenos, do que sabemos a respeito dos mais importantes financistas, industriais e empreendedores; e provavelmente a mais reveladora história de vida de homem de . negócios de que dispomos é a de um receptador ítalo-norte-ame-ricano que negociava com mercadorias roubadas, registrada para um estudo de comportamento desviante. É evidente que se está perdendo aí uma grande oportunidade.


Há também um vínculo potencial entre a história econômica a de descobertas tecnológicas e científicas, embora atualmente os estudos de história oral que existem na história da ciência se ocupe mais de suas formas de maior prestígio social. Há proje-tos história da medicina e da psiquiatria. E, em seu Astronomy Transformed: The Emergence of Radio Astronomy in Britain (1977), David Edge ofereceu uma análise penetrante do cresci-, no pos-guerra, da "grande ciência" mais espetacular, dispendiosa e, talvez, socialmente menos relevante, a rádio-astronomia. Em parte por sua própria experiência prévia nessa ciência, percebeu que a pobreza de registros deixados pelos cientistas era casual; eles não encaravam suas tentativas e erros iniciais relevantes para a história da ciência, a qual, segundo acre109

ditavam, caminha numa seqüência racional de descobertas. Me-diante a evidência obtida em entrevistas, ele teve condições de mostrar que o quadro verdadeiro é muito diferente: uma história de becos sem saída, de mal-entendidos e de descobertas aciden-tais, dentro de um cenário social de rivalidades agudas, em parte provindas de especializações de grupo, mas que, por vezes, levam á ocultação deliberada de informação. Assim, essa constitui impor-tante contribuição para o estudo histórico do método científico, no qual o próprio cientista, de super-homem frio e racional, se transforma em animal mais humano e mais político.


A história ciência é claro, não é senão um dos ramos da história intelectual. Área particularmente interessante é a história da religião, pois, neste caso, as fontes orais podem ser utilizadas para distinguir as crenças e práticas dos adeptos comuns das de seus líderes. Até que ponto, por exemplo, a religião terá moldado os valores do auxiliar de escritório de classe média baixa? É possível também, estudar a "religião popular", as supertições e os rituais de nascimento, casamento ou morte dos não-religiosos - áreas essas, pela própria natureza, em sua maior parte fora do alcance da documentação institucional religiosa recente. E uma vez que a relação entre desenvolvimento econômico e as ideolo-gias religiosas dos empresários e de sua mão-de-obra têm sido há muito tempo um tema fundamental de debate histórico, isso ofe-rece outro item em que a evidência oral pode vincular-se à histó-ria econômica. Uma reavaliação dos argumentos de Weber, Halévy e E. P. Thompson sobre essa questão foi a preocupação central de Pit-men, Preachers and Politics, de Robert Moore. Esse estudo, sobre um campo de mineração de Durham, mostra o papel que o metodismo primitivo, com sua ênfase no auto-aper-feiçoamento individual e apoiado pelo paternalismo dos proprie-tários de minas locais, desempenhou na inibição do crescimento da consciência de classe militante entre os mineiros, até que sua influência, juntamente com o paternalismo dos proprietários, ti-vesse entrado em colapso diante da crise econômica dessa ativi-dade no século XX. O relato sobre a religião, inclusive a identifi-110

cação dos que eram adeptos locais mas não frequentadores das igrejas, apóia-se fortemente na evidência oral, e a combinação de uma esmerada reconstrução local com um argumento teórico geral faz desse livro um marco de importância.


Ele nos leva também a uma área dependente da história eco-nômica, mas de especial significação para a história oral propria-mente dita - a da história operária. Aqui, o montante de trabalho realizado já foi suficiente para justificar um estudo bibliográfico em separado. Ele vai desde folhetos locais e artigos em periódi-cas, tais como o Bulletin of the Society for the Study of Labour History ou Radical America, até livros de vulto e coleções de - arquivos das dimensões da South Wales Miner's Library. A con-tribuição da evidência oral pode ser vista sob várias formas dife-rentes. A mais simples é a biográfica. Em geral, nem mesmo líde-res operários deixam registros pessoais de importância, de modo que a evidência oral tem mostrado ser da maior valia num em-preendimento como o de John Saville e Joyce Bellamy no Dictio-nary of Labour Biography, bem como em estudos individuais. Mas ela tem também transformado o caráter da autobiografia Apesar de muitas exceções, a autobiografia operária típica era escrita, até muito recentemente, por um secretário de sindicato, ou por um parlamentar a respeito de sua vida pública, peecedida, quando muito, de algumas poucas páginas sobre sua infância e seu primeiro emprego. Pela influência conjunta de his-toriadores orais, especialmente em projetos de história de comu-nidade, e também do rádio, temos agora histórias de vida de uma gama muito mais ampla de autores: de líderes locais e nacionais,

do povo, e também de trabalhadores não-sindicalizados; tanto de mulheres quanto de homens; de operários, empregados domésticos, biscateiros e trabalhadores subpagos, bem como de mineiros e sindicais. Fato igualmente importante é que o conteúdo e a linguagem se deslocaram da vida pública para experiência comum do trabalho e da família. Surgiu um tipo íntimo e anedótico de autobiografia, que marcou a história de vida dada a público. Pode-se perceber claramente sua influên -111

cia nos excertos de autobiografias manuscritas recentes, incluí das por John Bumett em sua ótima coletânea Useful Toil. Um número enorme de autobiografias orais como essas estão atualmente dis-poníveis nos arquivos. Até agora, foi publicada uma seleção delas, o mais das vezes como pequenos folhetos locais, mas também em coletâneas como Rank and File: Personal Histories by Wor-king Class Organizersfrom America, de Alice e Staughton Lynd, ou Working Lives, 1905-45, da People's Autobiography de Hack-ney. Há também um número cada vez maior de notáveis autobio-grafias impressas desse novo tipo, que começaram como recorda-ções orais, como Fenland Railwayman, de Arthur Randell, The Furrow Behind Me, de Angus Maclellan, e Below Stairs, de Mar-garet Powell. Ainda mais vigorosa, porém, é The Dillen, de An-gela Hewins, uma obra-prima de autobiografia gravada direta-mente de um homem que jamais poderia tê-la escrito, mas que possuía raro dom para a palavra falada. Órfão, criado num cor-tiço de Stratford-on-Avon, entre miseráveis e prostitutas, foi em-pregado como aprendiz por um construtor local por determinação de sua tia-avó, mas deixou-se seduzir por um casamento prema-turo e não completou o aprendizado. Sua vida tomou-se uma luta sem tréguas para alimentar a família cada vez maior, trabalhando como biscateiro, e se transformou em amargura pela violenta mu-tilação que sofreu como soldado da Primeira Guerra Mundial: uma vida de trabalho desconhecida e, no entanto, inesquecível, que de nenhum outro modo teria chegado até nós.
A evidência oral também pode ser utilizada para ampliar a informação sobre acontecimentos específicos da história operária como a evolução de uma organização, ou o decorrer de uma greve. Exemplo excepcional disso, a que voltaremos depois, é o estudo de Peter Friedlander, The Emergence of a UAW Local 1936-1939 - a sindicalização de uma fábrica de automóveis em Detroit -, que foi elaborado quase que inteiramente a partir de uma forma muito rigorosa de entrevista. De modo mais geral, os benefícios conseguidos têm sido tanto no maior número de in-formantes, quanto na ampliação da informação para cobrir maior

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número de experiências comuns; e para a maioria dos historiado-res da vida operária importará mais o modo como ela é utilizada do que se ela vem num texto escrito ou numa gravação. Pode-se perceber isso comparando as memórias bastante desordenadas de conflitos industriais em Strike: a Live History, 1887-1971, de R. Leeson, com as reminiscências escritas mais premeditadas que concluem The General Strike, de Jeffrey Skelley. Ainda melho-res, porém, são nesse mesmo livro os artigos de Peter Wyncoll e de Hywel Francis, e o livro de Anthony Mason, The General Strike in the North-East, que constrói uma narrativa a partir de evidência oral e escrita. Uma série de greves pode ser estudada desse mesmo modo, como as greves dos trabalhadores rurais de NorfolK, por ocasião da colheita; ou o começo da sindicalização de mulheres nos lanifícios ou nas fábricas de automóveis; ou uma campanha prolongada como a reação dos mineiros galeses à Guerra Civil Espanhola. Uma outra abordagem é a da urgente operação de salvamento para a recuperação de material, muitas vezes diretamente na esteira de uma disputa, como a ocupação dos Estaleiros Upper Clyde, ou o relatório de A. Lane e K. Ro-berts, Strike at Pilkingtons. Essas duas abordagens podem ter valor diferente, mas há duas forças específicas na evidência oral desse tipo. Em primeiro lugar, indo além das formalidades e dos exageros de lideranças conflitantes, apresentados pelos jornais e documentos, ela pode chegar à realidade mais trivial e confusa e posições divergentes entre as pessoas comuns, inclusive a dos fura-greves. A análise feita por Sidney Pollard e Robert Tumer, mão-de-obra participante dos lucros de um lanifício de Yorkshi-re e de suas atitudes, trata de um assunto que de outro modo se impenetrável. E algumas das obras mais interessantes têm sido feitas a respeito dos trabalhadores que estavam desem-pregados: tanto de suas organizações quanto de sua experiência vida fora do trabalho - a longa e infrutífera busca de tra-balho, o furto de alimento, a humilhação da assistência social -, experiência tão deprimente nos Estados Unidos, quanto na Austrália -ou na Grã-Bretanha. As coletâneas mais completas desse

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tipo de evidência encontram-se em Hard limes, de Studs Terkel, e em Ten Lost Years, de Barry Broadfoot; mas uma análise mais rica e mais reflexiva, que mostra o que há de melhor na utiliza-ção da história de vida, é oferecida pelo estudo contemporâneo de Dennis Marsden e E. Duff, Workless.
Uma terceira forma de história operária oral, que também caminha paralelamente à pesquisa sociológica, é o estudo de co-munidade, a que voltaremos mais tarde. Nesse caso, o impacto da história oral se mostra pela contraposição entre o antigo clássico sociológico Coal is our Life (1956), de Norman Dennis, E Henri-ques e C. Slazughter, baseado em entrevistas, mas que, em grande medida, deixou de lado o material histórico colhido, e a obra histórica e sociológica mais recente de Robert Waller e Robert Moore, na qual a reconstrução retrospectiva das relações entre as classes e o sentido de comunidade foi a preocupação primordial. Esse método também tem permitido estender o estudo histórico de comunidade a ocupações muito mais escassamente documen-tadas, tais como os biscateiros, os carroceiros, os cavouqueiros e as lavadeiras do Quarry Roughs, de Raphael Samuel.
Finalmente, a evidência oral é de particular valor para o his-toriador da vida operária preocupado com o processo de trabalho propriamente dito - não simplesmente sua tecnologia, que dis-cutimos anteriormente, mas a experiência de trabalho e as rela-ções sociais que desta resultam. A experiência de trabalho é a preocupação da obra-prima clássica de Studs Terkel, Working. Como em todos os seus livros, a impressão que ele causa não provém de uma argumentação explícita, mas da acumulação de fragmentos de entrevistas. É um livro volumoso: são seiscentas páginas, em que 130 norte-americanos despejam as histórias sobre seu trabalho; velhos e moços; mulher dona de imóveis, sa-cerdote, dono de fábrica, espião industrial, aeromoça, cabelei-reira, pianista de bar, mineiro, funileiro de carros, chofer de ca-minhão, policial, lixeiro, limpador de banheiros... Não conheço outro livro que transmita tão vividamente o sentimento de tantas espécies diferentes de trabalho: as tensões incessantes e inexorá -114

veis da telefonista; a solidão de um consultor executivo lutando para sobreviver na selva da administração; o metalúrgico que gostaria que os nomes dos operários fossem gravados sobre aquilo que fazem ("Alguém construiu as pirâmides...") e que, isso não sendo possível, deixam aqui e ali "um pequeno amas-sado (...) um erro, meu erro (...) minha assinatura neles, tam-bém".3 Cada um pode elaborar suas próprias interpretações, muito embora não haja dúvida alguma de que Studs Terkel pos-sui uma idéia muito clara de quais elas deverão ser.

Atualmente, têm sido publicados estudos desse tipo de his-tória operária, muito mais bem sistematizados: sobre trabalhado-res na Fiat e metalúrgicos de Temi, na Itália, trabalhadores têx-teis, em Manchester, telefonistas da Nova Inglaterra, da França e da Espanha, construtores de navios e tanoeiros do Tâmisa, em-pregados domésticos e mineiros ingleses e alemães - e muito mais. Na Itália, a busca da compreensão da consciência da classe operária mediante os sentimentos dos próprios trabalhadores tem conduzido, por um lado, a estudos históricos notavelmente pene-trantes, tais como Torino Operaia e Fascismo, de Luisa Passe-rini, e, por outro, à coleta e publicação de entrevistas, canções e poesias coletadas na fábrica - feitas por revistas como I Giorni Cantati e por organizações tais como o Istituto Ernesto di Mar-tim, de Milão, bem como por grupos autônomos de operários.
Uma vez mais, dois dos melhores estudos dizem respeito à mineração. Pit Life in County Durham, de David Douglass, ba-seado numa combinação entre pesquisa documental e sua própria experiência, e a de outros, como mineiros, mostra de que modo o método peculiar de escolher os companheiros e os locais de trabalho nas minas de Durham contribuiu para o controle pelos trabalha-dores e para sua militância. George Ewart Evans descreve o sis-tema da área de antracito da jazida carbonífera do Sul do País de Gales, onde o carvão estava perto da superfície, de modo que era relativamente fácil a qualquer um começar com sua mina superfi-cial, embora a geologia irregular tomasse especialmente impor-tante a habilidade do mineiro. Proprietários e trabalhadores vi115

viam e trabalhavam estreitamente unidos. A seguir, mostra o im-pacto da mecanização sobre o sistema social local como um todo, não só destruindo o status dos operários qualificados, mas tam-bém o estreito vínculo - às vezes paternal, às vezes de explora-ção - com os rapazinhos que antes trabalhavam com eles em suas galerias, mas que agora passavam a constituir um grupo fora do controle da geração mais velha. Temos aqui um excelente exemplo de como o estudo de uma determinada reorganização técnica pode esclarecer as ligações dela com outros processos importantes de mudança social.


Ao examinar as bases da alteração das relações de classe, já tocamos num aspecto essencial da história política; e a biografia dos líderes sindicais pode ser considerada um outro aspecto. Mas as fontes orais têm importância muito mais geral para a história política. Defende-se com muito vigor sua utilização mais ampla no estudo histórico das atitudes políticas da maioria desorgani-zada e inerte da população. O menosprezo por isso tem resultado em que ainda só compreendemos de maneira a mais superficial o conservadorismo da classe operária na Grã-Bretanha, apesar de seu papel essencial na história política. Analogamente, a evidência oral pode oferecer muita informação de que carecemos sobre as atitudes dos militantes dos partidos; suas leituras, seus antecedentes sociais e ocupações, e assim por diante.
É possível a reconstrução das organizações políticas no nível das bases, mesmo onde a documentação, por definição, em grande medida não existe: isso pode ser observado, de maneira excepcionalmente esclarecedora e descomplicada, em Shenfan, de William Hinton, por meio do testemunho retrospectivo que os moradores da aldeia do Grande Arco deram sobre as disputas complexas e o caos devastador da revolução cultural chinesa. Há estudos comparáveis sobre a longa e confusa revolução do Mé-xico e, também, sobre a resistência européia ao fascismo e os movimentos políticos clandestinos durante a Segunda Guerra Mundial. Os exemplos mais notáveis são os estudos sobre os guerrilheiros do Norte da Itália, e a pesquisa internacional sobre a

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resistência dos judeus sob os regimes nazistas, agora centraliza-dos em Yad Washem, em Jerusalém. Esses empreendimentos têm sido, porém, realizados em resposta a desastres nacionais inco-muns, que transformaram todo o significado da história política. As narrativas sobre os campos de concentração, sejam elas de sobreviventes, de colaboradores, ou de filhos das vítimas, conti-nuam a ser pungentes tanto para os que as fazem quanto para os que as ouvem. Há coisas equivalentes nas recordações dos sobreviventes da bomba atômica de Hiroshima. E só um pouco menos penosa é a história da Espanha sob o fascismo, o temor que levou as pessoas a passarem a melhor parte de suas vidas escondendo- se, e a experiência multiforme, confusa e ambivalente da guerra civil para a gente comum das pequenas cidades e do campo, ho-mens e mulheres, vencedores e vencidos, que Ronald Fraser tão brilhantemente nos transmitiu, por meio da história oral, em Blood of Spain.
As fontes orais têm sido utilizadas mais comumente para duas finalidades muito mais limitadas. Em primeiro lugar há estudos sobre acontecimentos políticos muito recentes e não é possível analisar satisfatoriamente por meio de registros escritos. Esta tem sido uma modalidade típiça da história oral norte-americana como, por exemplo, The Death of a President, de William Manchester, que se valeu de mais de 250 entrevistas, ou violence in Ulster: an Oral Documentary, de W H. Van Voris. Mesmo nos casos em que essas obras não sejam mais do que um jornalismo de alta qualidade elas fornecem um material essencial para historiadores futuros. Em segundo lugar está a biografia. Aqui, tam-bém os exemplos mais surpreendentes vêm das Américas, tais como Huey Long, de Harry Williams, ou Getúlio, um retrato por colagem desse líder político brasileiro, feito por Valentina da Rocha Lima, cada um deles elaborado a partir de mais de duzentas entrevistas. Mas o método ainda que com menor divulgação é utilizado normalmente por biógrafo e político britânico: caracteristicamente, de modo informal e exploratório. Os volume de Martin Gilbert sobre Churchill oferecem exemplo re117

cente excepcional dos frutos dessa abordagem. E urna vez ou outra algum biógrafo político britânico sente necessidade de aprofundar- se na utilização de fontes orais. Bernard Donoughue e George Jones entrevistaram mais de trezentas pessoas para seu Herbert Morrison: Portrait of a Politician. "Fomos obrigados, desde o início1 a recorrer à entrevista devido à falta de determina-das outras fontes documentais. O próprio Morrison deixou muito poucos documentos,. tendo queimado a maioria deles quando se mudou de casa no final da_vida. Os papéis oficiais relativos ao período de governo de 1945-5 1, em que teve papel predominante. também não são acessíveis devido à regra dos trinta Apelando para a entrevista "como último recurso (...}. passamos logo a apreciar seu enorme valor. Elas mostraram ser não apenas um recurso substitutivo de fontes melhores,. mas, em si mesmas, uma fonte muito nitidamente valiosa". De modo especial. isso mos-trou ser possível elaborar uma série muito mais. Completa de- perspectivas e insights sobre o homem (...) suas virtudes e seus- vícios, e até que ponto aquelas eram,. muito frequentemente, o reverso destes". O início de uma vida política, tantas vezes omi-tida por um biógrafo, pôde ser reconstruído com extraordinário detalhe. E por toda sua carreira Morrison pôde ser mostrado em ação, como ministro ou no governo local, por meio dos "diversos grupos de pessoas sobre as quais ele teve algum impacto: seus correligionários políticos, seus adversários políticos, os funcioná-rios públicos que trabalharam com ele, as pessoas das bases que o apoiaram ou que foram receptores finais de suas políticas 4. Pode-se acrescentar que o resultado disso é uma biografia não apenas incomumente bem acabada, mas que também criou uma nova fonte histórica de importância para o futuro.


Os interesses da história política vão além dos acontecimen-tos internos e das biografias - o que é muito evidente no caso da Grã-Bretanha que, no início do século XX, era urna potência im-perial que controlava urna quarta parte da superfície do mundo e urna população colonial de perto de 400 milhões de pessoas. Há diversos projetos norte-americanos e britânicos de coleta de evi-118

dência oral no campo da história militar. Ainda uma vez, eles são especialmente importantes no esclarecimento da experiência comum, como "a vida no convés inferior" da Marinha, nos aloja-mentos de soldados do Exército, ou do soldado negro nos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial. Analogamente, podem propiciar informações impossíveis de obter de outro modo a res-peito de atividades antibélicas realizadas por motim declarado no - seio da tropa, sabotagem, resistência passiva, ou pelos que se re-cusam ao serviço militar por razoes de consciência. Empreendimentos paralelos de história colonial ocupam-se da administra-ção civil. O Cambridge South Asian Archive concentrou-se na Índia, o Oxford Colonial Records Project, na África. O fascínio desse tipo de história social colonial tomou-se amplamente conhecido pelos programas de rádio de Michael Mason sobre os britânicos na Índia, e por sua seqüência impressa, os Piam Taies from the Raj, de Chanles Allen. Por meio deles, como de nenhum outro modo, pode-se ingressar no estranho mundo da elite branca imperial dominada por castas e classes: os refeitórios e as casas dos oficiais e dos soldados do Exército indiano, os pilotos do rio Calcutá, os "de origem divina" do serviço público indiano, seus bordéis, concubinas e memsahib: as esposas e filhas do Raj.

Este é apenas um lado da história. O outro diz respeito aos povos que eram colonizados. A ausência quase total de depoi-mentos individuais provindos de seu seio continua a ser surpreen-dente. Os antropólogos europeus que acompanharam os coloniza-dores não tinham nada do interesse norte-americano em histórias de vida, e autobiografias orais, tais como Untouchabie, de James Freeman, índio proscrito, operário e cáften, ou, do mesmo autor,

Kiki, criança de uma aldeia de canibais da Nova Guiné, ou, de Mary Smith, Baba of Karo, história pessoal de uma mulher haussá muçulmana reclusa e seus casamentos, divórcios e co-esposas , continuam a ser tão raras quão importantes. Contudo, par-ticularmente na África, sobretudo em história política, mas tam-bém potencialmente, em relação à história social, as fontes orais desempenham papel fundamental. A documentação escrita, ainda



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que por certo presente, é muito menos rica do que a de socieda-des que se tomaram letradas mais cedo, enquanto o material de fontes orais é abundante. Ele tem sido sistematicamente utilizado por historiadores da África desde a década de 1950, com uma metodologia cada vez mais elaborada, inclusive com o desenvol-vimento de técnicas especiais para fixar as cronologias das tradi-ções orais, que muito freqüentemente remontam ao século XVI e, em alguns casos, até mais longe. De início, essas tradições foram entendidas como sendo essencialmente documentos transmitidos oralmente, mais valiosos quando houvessem sobrevivido intactos desde o passado longínquo, de modo que o método exigia tradi-ções históricas formais e era utilizado mais eficazmente em rela-ção á história política de remos africanos de organização relati-vamente sólida, especialmente no período anterior a sua colonização no século XIX. Progressivamente, o interesse deslocou-se para o processo pelo qual as tradições orais variaram e se re-constituíram com o passar do tempo e, pois, para os sistemas políticos locais mais difundidos, onde as próprias contradições nas tradições orais de diferentes comunidades ou famílias forne-cem as pistas a partir das quais se pode conceber as lutas políti-cas e os movimentos migratórios do passado. Womunafii 's Bo-nafu, de David Cohen, e The Traditionai History of the Jie, de John Lamphear, constituem histórias notáveis de pequenos povos da floresta e dos montes de Uganda reconstruídas desse modo, enquanto Liptako Speaks, de Paul Irwin, estuda também, habil-mente, as contradições que existem naquilo que aprendeu no seio de um povo da savana do Alto Niger. A interpretação simbólica e social dos mitos de origem tem trazido novos significados a par-tir deles também, não só a partir de um antropólogo como Steven Feierman, em seu The Shambaa Kingdorn, como também a partir de historiadores corno Roy Willis que, em seu A State in the Ma-king, atribui o mito de Fipa ao momento em que esses tanzanra-nos montanheses passaram da agricultura nômade para a agricul-tura sedentária. Ironicamente, a pura criatividade exigida para estabelecer os modelos elementares de povoamento e de poder

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político na África pré-colonial, a partir de fontes orais, parece ter impedido que se apliquem energias na exploração de potencial equivalente que elas possuem para o desenvolvimento da história social africana, particularmente associada à evidência direta da história de vida no passado mais recente, o qual já tem sido utili-zado para a história polftica dos movimentos nacionalistas.
Pois é na história social, de que passamos a tratar, que menos se pode fugir à relevância da evidência oral. The Edwar-dians: the Remaking ofBritish Society, de minha autoria, foi con-cebido originalmente como unia reavaliação global da história social do período, mais do que como uma especulação em tra-balho de campo. Porém, bem cedo descobri que, muito embora houvesse grande riqueza de publicações impressas a partir do iní-cio do século XX, entre as quais inúmeros documentos oficiais, e alguns estudos sociológicos pioneiros, a maior parte do que eu desejava saber ou era tratado de uma única e insatisfatória pers-pectiva, ou inteiramente ignorado. Não era possível preencher essas lacunas com material manuscrito porque, onde acessível, ele simplesmente discorria mais longamente sobre as perspectiva burocráticas já disponíveis nas fontes impressas. O período ta muito recente para que uma série satisfatória de documentos pessoais houvesse chegado às repartições oficiais de registro. queria saber como era ser criança ou pai naquela época; como jovens se encontravam e namoravam; como conviviam como indo e mulher; como encontravam emprego e como mudavam de emprego; como se sentiam em relação ao trabalho; como encaravam seus patrões e seus companheiros de trabalho; de que modo sobreviviam e como se sentiam quando desempregados; variava a consciência de classe entre a cidade e o campo e as ocupações. Não parecia possível responder a nenhuma perguntas a partir de fontes históricas convencionais, mas o Thea Vigne e eu começamos a colher a evidência das entrevistas que, no fim, foram cerca de quinhentas, a riqueza de ação que se podia obter por esse método tomou-se imedia-tamente patente. Na verdade, colheu-se muito mais do que podia

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ser utilizado para um só livro, de modo que, finalmente, The Ed-wardians tomou-se tanto um ponto final quanto um ponto de par-tida, e as entrevistas coletadas para sua elaboração já serviram de base para outros estudos históricos. Não obstante, isso sugere algo a respeito do alcance mais geral das fontes orais para a história social. As entrevistas ofereceram um pano de fundo que permeou as interpretações do livro; foram citadas em todos menos dois dos 22 capítulos; e algumas seções, especialmente sobre a famí-lia, baseiam-se abundantemente em citações diretas. De igual im-portância é ter sido possível apresentar, como um antídoto contra as simplificações de um esboço geral da estrutura social, catorze relatos de verdadeiras famílias edwardianas, obtidas numa varie-dade de classes e locais da Grã-Bretanha, porém irredutivelmente individuais - "a realidade desordenada sobre que (...) se alicer-çam tanto a sociologia teórica quanto o mito histórico".5
O trabalho de campo para The Edwardians foi em escala até então incomum e singular para aquela época sob um aspecto: a escolha dos informantes foi orientada por uma "amostra por quo-tas", de tal modo que os homens e as mulheres entrevistados repre-sentam amplamente as regiões, a zona urbana e a rural, e as clas-ses sociais ocupacionais da Grã-Bretanha do começo do século XX como um todo. Evidentemente, os recursos de um pesquisador isolado não comportam um plano de pesquisa desse tipo. Por isso, a contribuição característica da evidência oral tem sido, não o ensaio em história social geral, mas sim a monografia, em di-versas áreas distintas.
A primeira delas é a história social rural. Já vimos como, neste caso, o caminho foi aberto por George Ewart Evans. Seus livros são, à sua maneira peculiar, insuperáveis: entrelaçamentos inequívocos, ainda que sutis, de história agrícola e econômica com estudos culturais e de comunidade, retratos individuais e narrativas. Numa das seções, ele estuda o contraste entre a estru-tura social de uma aldeia "aberta" de Suffolk, como Blaxhall de Ask the Fellows Who Cut the Hay, com a Helmingham patema-lista de Where Beards Wag Ali. Em outra, com a visão de um

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antropólogo, indicará o significado de alguma superstição ou lenda relativa a animais, ou um costume excêntrico de vestir-se, como a drástica mudança dos meninos ao deixarem para trás o cabelo comprido e as camisolinhas da infância. Talvez o melhor de tudo seja a percepção que demonstra ter da vida e da fala do trabalha-dor rural de East Anglia. Aqui e ali, assinalará a qualidade muito peculiar de sua sintaxe, de seu humor, de sua franqueza; e o mesmo cuidado sempre se demonstra nas transcrições que faz. De todos esses modos, estabelece um padrão rigoroso para aquilo que veio a ser uma das áreas mais conhecidas da história oral. Talvez não seja de surpreender o fato de que quando Akenfield: Portrait of an English Vïllage, de Ronald Blythe, transformou em êxito lite-rário internacional a história oral de Suffolk, isso se tenha dado com uma investigação menos bem cuidada. Apesar do título, Aken-field compõe-se de histórias de vida obtidas em várias aldeias, e - não de um retrato de uma só comunidade; enquanto, no detalhe, não se pode confiar nem na linguagem das tianscrições, nem mesmo na atribuição delas a determinados informantes. O censo do "tra-balho na aldeia" também não passa de uma invenção. Porém, se, como modelo para a sociologia ou a história, Akenfield é muito insuficiente, mostrou-se indiscutivelmente bem-sucedido na po-pularização de uma nova forma de literatura rural, cruzamento entre o documentário por entrevistas e o romance. Como também pode haver dúvida alguma de que a evidência oral constitui sua verdadeira força. Assim, muito embora o livro comece com o

bucolismo dos chalés em torno da igreja da paróquia, a dura realidade da vida do trabalhador da aldeia logo irrompe com a primeira seção de recordações de velhos trabalhadores agrícolas. Ele possi-bilitava, também, que se veja a comunidade a partir de pontos de conflitantes, tanto de geração como de classe, uma vez que ouvem sucessivamente o trabalhador agrícola e o fazendeiro, o pároco e o coveiro, o magistrado conservador e o representante Sobretudo, isso se dá mediante a imediatez com que a palavra falada põe o leitor na presença das próprias pessoas.


Assim, Akenfield, apesar de determinados defeitos - evitá-123

veis- apresenta-se como um estimulo à história oral essencialmente pelas razões corretas. Mais recentemente, por meio da- apresentação das autênticas vozes do campesinato italiano e fran-cês, Nuto Revelli, em Il mondo dei vinti, e Pierre Jakez Hélias em Le cheval d'orguei incendiaram do mesmo modo a imagina-ção nos respectivos países. A Akenfield seguiram-se outros estu-dos de comunidade1 freqüentemente levando a história rural para muito além das preocupações que era possível ter quando se empregava apenas a evidência documental. O excelente estudo de Raphael Samuel sobre Headington Quarry refere-se a um vilarejo sem um proprietário que o comandasse, composto de trabalhado-res agrícolas migrantes, cavadores de valas, pedreiros, mascates, caçadores e lavadeiras, o qual não possui quase nenhuma docu-mentação, exatamente por ser tão igualitário e mal controlado, mas que era, afirma ele, um elemento fundamental e nada inco-mum na economia social rural do século XIX. Fenwomen, de Mary Chamberlain, é um estudo de aldeia, influenciado por Akenfield, mas inteiramente obtido mediante evidência fornecida por mulheres e revelando, também, uma realidade muitas vezes t dura numa comunidade em que "os homens eram os donos": na s família e na escola, no namoro e no nascimento das crianças, - na capela e na sociedade da aldeia, no trabalho, quer nas cozinhas, quer no trato dos campos de terra negra varridos pelo vento. Neste caso mais uma vez , a utilização de fontes orais dá imediatamente uma nova dimensão á história.


Todos esses exemplos vêm da zona rural do Sul e do Leste do da Inglaterra: a região de terra fértil e de trabalhadores assalariados. As regiões de fazendas familiares do Norte e do Oeste atraí-ram muito antes os estudiosos envolvidos com a evidência oral: coletores de literatura e de folclore, especialmente no País de Gales, na Escócia e na Irlanda, mas também sociólogos e antropólogos. Resultado disso foi uma série de importantes estudos de comunidade, desde o Family and Community in Ireland (1940), de C. M. Arensberg e S. T. Kimball, todos eles baseados em trabalho de campo oral. Dois dos mais interessantes são os succssi-

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vos livros de W. M. Wihiams sobre The Sociology ofan English l'2llage: Gosforth na Cúmbria e a aldeia de Devon, Ashworthy. No primeiro, ele enfatiza a recente erosão de um sistema social tradicional e estável; no segundo, porém,, afirma que a sociedade rural estava sempre se modificando, reajustando-se a partir de pressões externas, econômicas, tecnológicas ou políticas, bem como a partir da ascensão e queda de indivíduos e de suas famí-lias. Westrigg, de James Littlejohn, também é especialmente im-portante, por oferecer um modelo bem-sucedido de história oral de comunidade, como alternativa a Akenfield: uma análise muito eficaz das mudanças ocorridas na estrutura de classe local no cor-rer dos últimos sessenta anos, à medida que os agricultores com-praram suas próprias terras da antiga classe fundiária e que o antigo predomínio da economia da ovinocultura das fronteiras es-cocesas deram lugar ao avanço da silvicultura. E num outro estudo, Ian Carter procura explicar por que os trabalhadores agrí-colas do Nordeste da Escócia, ao contrário de seus congêneres ingleses, não eram respeitosos em suas atitudes sociais - e con-tudo deixavam de sindicalizar-se. Atualmente, os historiadores sociais dessas regiões também estão utilizando fontes orais. Nas Highlands escocesas, para uma história social da ilha de Tiree,

Eric Cregeen utilizou fontes orais não só como a evidência mais importante relativa às crenças e costumes das pessoas, e para os relatos que faziam dos conflitos do proprietário de terras e de seu feitor com a comunidade de Lavradores, e para contrabalançar os

documentos de um proprietário de terras agricolamente "progres-sista" com o sistema de trabalhar a terra, que continuava o mesmo; mas também, mais surpreendentemente, para traçar um retrato de personalidades, relações familiais, ocupações e migrações desde os meados do século XIX, disso resultando que as Itagens áridas do censo de 1851 não só se enriqueceram e se terligararn, como ainda ganharam uma dimensão temporal, su-perando assim uma de suas limitações mais graves como evidência -histórica. David Jenkins também teve acesso à informação ml, notavelmente pormenorizada para o seu The Agricultural

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Comntunity in South West Wales at the Turn of the Twentieth Cen-tury, o que lhe permitiu elaborar um relato meticuloso e atraente de um sistema social de divisão de trabalho e status que abrangia, além das relações salariais normais entre fazendeiros e empregados, um tipo de "dívida de trabalho" ou prestação de serviço na colheita do milho em troca do fornecimento de terra para a cultura de batata.
O impacto potencial da evidência oral é igualmente forte se passamos da história rural para a história urbana. Neste caso, porém, ela em geral produz primeiro novas fontes e não novas formas de análise. Exceção a isso foi o estudo clássico de Richard Hoggart sobre o impacto das revistas, filmes e outros meios de comunicação de massa sobre a cultura e o relaciona-mento moral da comunidade operária da cidade. The Uses of Li-teracy vale-se largamente das próprias recordações de Hoggart de uma infância no Norte da Inglaterra, quarenta anos antes. Esse estudo é mais explicitamente história oral - um de seus capítu-los se intitula "Uma tradição oral: resistência e adaptação: um modo de vida formal" - quando procura estudar as convenções de fala da classe operária em relação à mudança social. Quanto a isso, porém, a influência de Hoggart, ao dar muita ênfase ás limi-tações da fala da classe operária, mostrou-se mais uma desvanta-gem do que uma ajuda, e continua a ter ramificações na história oral. Isso ofereceu um tema explanatório para os estudos desalen-tadores de Jeremy Seabrook sobre o preconceito e a visão limi-tada das classes trabalhadoras urbanas, The Unprivileged e City Close- Up. Ambos são parcialrnente históricos, o primeiro, uma visão familiar autobiográfica de Northampton, o último, de Blackburn, cidade manufatureira do Norte; e ainda que repre-sentem um contragolpe ao romantismo cômodo, parecem por demais moldados por comentários amargos e entrevistas tendenciosas do autor. O tema de Hoggart foi adotado também por educadores e nele se baseou Basil Bernstein para desenvolver a doutrina de que a fala da classe operária era um empecilho esmagador para a capacidade de compreender. Mais típica, porém, foi . a história de comunidade, tal como os folhetos pioneiros do Cen-

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treprise, do East London, e a coleta conjunta de memórias orais e fotografias de família para as histórias de bairro como Trafford Park, realizada pelos Manchester Studies. Dois exemplos muito bons são norte-americanos: Steveston Recollected, relato de uma cidade pesqueira nipo-canadense às margens do Vancouver, pu-blicado pelos British Columbian Provincial Archives, e a Boston Bicentenary Neighbourhood History Series, produzida por um grupo de quinze comissões de bairro por toda a cidade, que com-binou pesquisa bibliográfica com a localização de fotografias e entrevistas de moradores. Ambos os trabalhos ilustram o valor característico da evidência oral quando oferece urna fonte de his-tória urbana de um outro ponto de vista: no caso de Steveston, a de um grupo étnico minoritário da cidade; no de um bairro de como The South End, um registro de como uma comunidade viu a luta por ela travada - e finalmente vitoriosa - para conseguir uma prorrogação da remoção e da renovação indiscriminadas de uma área favelada. Ali há imagens vívidas dos por-menores da vida urbana - cortiços, botequins, pugilistas e bêba-dos - e os fios de ligação essenciais entre migração e trabalho.
A riqueza dessa evidência, tanto em relação a cidades britâ-nicas quanto norte-americanas, passaria a ser disputada por uns poucos historiadores urbanos. De fato, a grande summa em dois volumes, The Victorian City, de Michael Wolff e H. J. Dyos, com capítulo de retratos de quatro cidades britânicas extraídos entrevistas que fiz para The Edwardians, significativamente do "Voices from Within". Essa evidência foi utilizada de a particularmente eficaz por Steve Humphries na série Making of Modern London", como ilustração e por vezes contrapeso da evidência documental: desse modo, os lon-drinos passam a ser vistos como muito mais apavorados com a Blitz que se supunha. Não obstante, a passagem da ilustração análise tem provado ser mais difícil. Isso se deve em parte de a história urbana se haver concentrado nas grandes e aí os estudos de comunidade fazem menos sentido, esmo quando um bairro pode ser identificado por fron-127

teiras bem definidas, as pessoas que nele moram invariavelmente buscam, para além dele, trabalho, serviços e definições da posi-ção que ocupam na estrutura social da cidade. Tomar uma única quadra ou rua, e acompanhar os movimentos de todos os seus moradores para dentro e para fora dela, foi uma solução adotada por Jeny White com êxito notável em dois livros, Rothschild Buildings e The Worst Street in North London, um deles sobre um prédio de apartamentos de judeus no East London, o outro sobre uma rua de biscateiros e pequenos ladrões, famílias muito pobres e cortiços. Ele possui um senso de espaço físico e social raro entre historiadores, que garante uma sólida fundamentação para cada livro; e mediante a moldura da economia, da atividade política, da assistência social e da cultura locais, compõe habil-mente as vidas dos indivíduos e das famílias de cada um desses pequenos recantos da cidade grande. O resultado é um micro-cosmo da metrópole: um novo modelo irresistível para a história urbana. Uma abordagem alternativa, porém mais ilustrativa, é o retrato de um bairro, de que o exemplo mais convincente é o clássico de Studs Terkel, dentro da tradição sociológica de Chi-cago, Division Street: America. Esse estudo foi concebido em torno da meninice do próprio autor na zona meio-Norte de Chi-cago, onde sua mãe dirigia uma pensão para homens solteiros. Mas ele achou que sua busca de uma "seção transversal da men-talidade urbana" não podia ficar limitada a um único bairro e ela evoluiu para uma caça por toda a cidade: "com a dispersão da espécie, ela tinha que ter a natureza do jornalismo de guerrilha". As pessoas que entrevistou falam sobre seu passado e sobre o presente; família, ambições, trabalho, política; e são homens e mulheres de toda idade: donos de casa e empregados domésticos negros e brancos, do lavador de janelas ao aristocrata; arquitetos e publicitários, artífices, o vendedor de cachorro-quente, as garo-tas de revistas masculinas, o motorista de táxi dirigente do diretó-rio republicano, as donas de bar e a polícia; e os migrantes - os apalaches, o guarda-noturno porto-riquenho, o grego dono da confeitaria, Jesus Lopez, o metalúrgico. Division Street, palpi-128

tante da variedade cultural, racial e de classe daquela cidade em luta, é sem dúvida uma das obras-primas da história oral.
As grandes cidades têm atraído a atenção, quando menos porque seus problemas sociais têm sido os mais agudos: mas a maioria das pessoas continua a morar nas cidades menores. Em-bora estas sejam sujeitos muito mais manipuláveis para estudos de comunidade, os sociólogos e os historiadores sociais têm, até agora, manifestado pequeno interesse por elas. Os mais brilhan-tes insights têm ocorrido como subprodutos casuais: a descrição

uma fábrica, como Amoskeag, também nos oferece uma cidade norte-americana que vive em torno de uma empresa, e a vida de uma pessoa, como The Dillen, o submundo de Stratford-Avon. Porém, a série pioneira de estudos sociológicos dos na década de 1920, sobre a middletown norte-americana e, bem depois, Tradition and Change: A Stud of Banbury, de Mar-Stacey, tiveram poucos seguidores; e embora existam histó-rias de pequenas cidades que recorrem à evidência da entrevista, muito recentemente poucas delas mereciam menção. Só isso um marco importante a Speak for England, história oral de Wigton, na Cúmbria, de Melvyn Bragg. A mudança social nessa cidade meio agrícola, meio industrial, é mostrada por meio dos depoimentos de um corte transversal de seu povo: mineiros e fa-zendeiros, criadores de cães e de pombos, vereadores, professores , donas-de-casa e lojistas. Há seções de miscelânea sobre de-períodos: a época edwardiana, dominada, do alto da colina , pela Casa Grande com seus pavões; os jovens que foram na Primeira Guerra Mundial sob as ordens de coronéis que o chamavam de "refugo", e que voltaram para a desilusão e o desemprego desnorteantes da década de 1920; o início de melho-res para muita gente comum no final da década de 1930 e, posteriormente, depois da Segunda Guerra Mundial, o avanço

maior conforto, segurança e lazer. Uma outra seção focaliza fábrica de Wigton, desde seus primeiros pioneiros entusiasmados até a atualidade, quando o capataz se transformou rente de pessoal e o desiludido trabalhador comum vocifera

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contra a "raça de traidores" dos "fura-greves", enquanto um apren-diz promovido descobre o jeito de contornar os problemas de comer sua primeira lagosta como gerente. Há também um con-junto de oito vidas individuais mais completas. Entre elas, figu-ras como Dickie Lowther, um ex-camareiro de aristocratas, alei-jado, criador de cães griffon, chefe de escoteiros e ritualista. Porém, de maneira signifrcativamente diferente da história oral da cidade grande, as tendências de Wigton são em geral menos espetaculares. O avanço discreto dos membros da classe operária rumo a uma melhora de situação, por elas documentado, talvez seja, pois, a coisa mais significativa para o historiador urbano.
Algumas das seções mais vigorosas de Speak for England dizem respeito à história social da cultura - religião, educação e lazer. Esta é uma outra área em que a utilização da evidência oral já teve um impacto considerável. Referimo-nos antes a trabalhos sobre a história social da religião. Na história da educação, as contribuições mais importantes têm sido dadas até agora pelos. sociólogos, tais como Brian Jackson e Dennis Marsden, em seu clássico Education and the Working Class, baseado em entrevis-tas de histórias de vida em sua cidade de Huddersfield. Os estu-dos orais lingüísticos relacionados com a educação também têm ajudado a preencher as lacunas deixadas, até pouco tempo atrás, pelos estudos de dialetos, que freqüentemente coletam material de valor histórico considerável, mas que se concentram em co-munidades rurais. Mais recentemente, particularmente nos Esta-dos Unidos, há um interesse crescente pela linguagem e pelas modalidades orais urbanas. Em conseqüência, estudos sobre len-das populares e folclore urbanos e até mesmo sobre pregação religiosa popular têm se somado às já inúmeras publicações rela-tivas a superstições, lendas e oficios rurais. Desses estudos rurais, The Leaping Hare, de George Ewart Evans e George Thomson, apresenta uma mescla de história social, folclore e antropologia particularmente convincente e imaginativa. Um clássico mais an-tigo, também muito peculiar, é The Lore and Language of School Children, de lona e Peter Opie, que revelou uma surpreendente

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profundidade histórica da tradição oral que sobrevive nos pátios de recreio das escolas contemporâneas.
Há também um ramo acadêmico bem desenvolvido no es-tudo da música e da canção folclórica. Neste caso, especialmente graças ao trabalho de Edward Ives na Nova Inglaterra, dispomos agora não só de estudos sobre a canção tradicional e seu contexto histórico geral, mas também de biografias sociais e musicais de cantores. Ao mesmo tempo, tem havido grande empenho em favor da utilização tanto da música folclórica, quanto de sua su-cessora nos auditórios urbanos, para a compreensão da ideologia da classe operária como, por exemplo, em atitudes em relação ao casamento, ao sexo ou à classe. Vem ocorrendo também um afas-tamento da preocupação, outrora avassaladora, com o elemento "tradicional" na cultura da classe operária. Também neste caso, os sociólogos tiveram muita influência, com seus estudos sobre as formas de lazer da classe operária como, por exemplo, as ban-das industriais do Norte descritas por Brian Jackson e Dennis Marsden em Working Class Community. Uma vez que essas ati-vidades de lazer raramente deixam muitos registros, só podem ser seriamente estudadas com o uso da evidência oral. Estudos recentes de história oral vêm se realizando sobre determinadas formas de lazer, como bandas de jazz, bandas de kazoo, feiras e beisebol, e também sobre o papel, de maior amplitude em suas ramificações históricas, do botequim.
O lazer, quer como um recurso dos solteiros para namorar, is ou dos casados para fugir de casa para o botequim, leva na dire-i- ção da história da família. Nesta área da história social, o im-pacto da evidência oral é especialmente importante, pois permite que o historiador examine questões críticas que anteriormente eram restritas. Os exemplos recentes mais notáveis foram dados pelo antropólogo Oscar Lewis, cujas descrições profundamente

comoventes de famílias mexicanas, como The Children of San-chez (1961), são muito justamente famosas. Porém, muitos dos mais notáveis estudos de comunidade têm muito a ver com a família, como demonstram títulos como Family and Community

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in Ireland, Family and Kinship in East London, ou The and Social Change: a Study of Family and Kinship in a Wales Town; e esses estudos, assim como a sociologia da família dos relatos de Lee Rainwater sobre o casamento na classe ria norte-americana, em And the Poor Get Children, também pendem da farta evidência das histórias de vida.


A ausência quase completa de testemunhos antigos espécie relativos à gente comum é que permitiram que eminentes historiadores da família propagassem a idéia de que o amor pais e filhos, ou entre casais, foi um desenvolvimento novo, demo", dos últimos dois séculos. Dispomos de uma visão das intimidades da vida familiar quotidiana na Idade Média, construídas por Le Roy Ladurie em Montaillou (1975), a da evidência de famílias dedicadas ao pastoreio nesse dos Pirineus, que estavam sendo investigadas por heresia: depois

desse trabalho, quem poderia ainda sustentar aquelas suposições? De maneira semelhante, em sua tentativa questionada de desenredar as causas do tamanho decrescente famílias de classe média nos fins do século XIX, na Grã-Bretanha - Prosperity and Parenthood (1954) -, J. A. Banks podia mencionar as opiniões de médicos especialistas, romancistas e outros escritores, mas, a despeito da evidência por eles oferecida, continuou sem "idéia alguma" sobre se ela podia aceita como "especificamente representativa das ações e palavras" de grupos sociais mais amplos, ou "como a maioria membros das classes médias (...) teriam começado a pensa"6 Não havia, em relação à Inglaterra, evidência oral acessível, como a de que se utilizaram K. H. Connell e Segalen para estudar a sexualidade e o casamento na Irlanda e França. Mas a recente obra de Diana Gittins, Married Life Birth Control between the Wars, mostrou ser possível, com vistas, descobrir por que os pais decidem ter ou não ter filhos, de que modo ficam sabendo dos métodos contraceptivos que utilizaram; e ela demonstra que a teoria da difusão, segundo a se sustentou que a limitação de filhos havia se disseminado para

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as classes trabalhadoras por influência da classe média, é seria-mente equivocada.


Suas conclusões apareceram de início numa edição especial sobre história da família da Oral History, que incluía também artigos sobre a criação de filhos e sobre os jovens. Depois disso, ambos esses aspectos da história da família têm sido desenvolvi-dos mais amplamente, como no relato de John Gillis sobre as cerimônias de namoro e de casamento e na instigante explicação de Steve Humphries sobre a delinqüência da classe operária como uma forma de ajuda familiar em Hooligans or Rebels?. Porém, o impacto da nova evidência talvez seja mais vigoroso do que os demais em dois livros: o de Elizabeth Roberts, a respeito de três pequenas cidades de Lancashire, e o de Tamara Hareven, sobre a outra Manchester, Nova Inglaterra, ambos investigando o ciclo completo da família, da infância á velhice. A exposição que Elizabeth Roberts faz sobre o cuidado da família com os velhos refuta definitivamente indicações sociológicas anteriores de que o intercâmbio de ajuda possa ser explicado como uma reação interesseira. Uma outra suposição sociológica ainda mais disse-minada, a de que a família nuclear corresponde às necessidades das economias industrializadas, é destruída por Tamara Hareven, quando mostra a permanente eficácia da família extensa, tanto corno instrumento para a migração, como para o suprimento de mão-de-obra a longa distância, e corno um amortecedor em pe-ríodos de crise. Mas ela elabora outras teorias para explicar o modo complexo como interagem família e economia, e de que modo a relação entre a estrutura familiar, as tensões entre gera-ções e a consciência de classe é continuamente refeita pelo mo-mento do ciclo de expansão e de colapso econômicos em que cada geração se inicia no trabalho remunerado: pela intersecção entre Family lime and Industrial lime. Seu livro constitui um marco conceitual. E a influência recíproca entre família e economia é um tema que tem sido proposto por outros historiadores quando estudam a criação de filhos, o casamento, e também o trabalho fe-minino. Isso nos leva diretamente á história das mulheres.

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Também neste caso é enorme o potencial da evidência oral, e suas possibilidades mal começam a ser exploradas. Até bem pouco tempo, a história das mulheres foi ignorada pelos historia-dores, em parte porque a vida delas, ligada ao lar ou ao trabalho desorganizado ou temporário, muito freqüentemente transcorreu sem ser documentada. As primeiras contribuições mais notáveis foram, pois, tipicamente biográficas ou documentais, como From Parlor to Prison, de Sherna Gluck, sobre as vidas das sufragistas norte-americanas, Fenwomen, de Mary Chamberlain, ou a coletâ-nea menos bem amarrada em Dutiful Daughters, de Sheila Row-botham e Jean McCrindle. Mas têm havido também importantes pesquisas na Grã-Bretanha sobre a liderança e as militantes do movimento feminista no início do século XX, bem como sobro mulheres na política trabalhista e socialista e no movimento pacifista, especialmente as de Jill Liddington; e de ambos os lados do Atlântico, toda uma série de estudos sobre as mulheres no trabalho - no campo, nas fábricas, no serviço doméstico, na guerra, na fronteira - e também, ainda que com menos freqüência, em casa e na família. O descaso total por esse campo faz com que entrar nele cause a emoção de uma viagem de descoberta. Mas como demonstram certos ensaios como Our Work, Our Lives

Our Words, ou os textos de Anna Bravo sobre a solidariedade e solidão entre mulheres camponesas, essa nova história também põe em xeque pressupostos básicos sobre estrutura social e desigualdade, a "natureza" de homens e mulheres, as raízes do entre eles, e a modelação da consciência tanto pelo lar como trabalho. Certamente, muito mais está por vir.
As 1imitações da documentação escrita aplicam-se igualmente a outros grupos sociais ~ margem do poder. Isso evdente em relação subculturas desviantes, que os sociólogos estudaram durante muito tempo por meio da coleta de história de vida. O trabalho norte americano mais recente nessa área ampliou-se para abranger os viciados em drogas e os travestis sexuais,. enquanto, na Grã-Bretanha_Tony Parker passou, de modo semelhante, do ladrão profissional de The Courage of His Con134

viction para o incompetente ex-soldado incapacitado de The Unknown Citizen e os agressores sexuais de the Twisting Lane. E os insights históricos e se pode conseguir por meio .dessa abordagem estão agora demonstrados vivamente pelo extraordinário registro feito por Raphael Samuel sobre a_infância na favela e a idade adulta violenta e criminosa de Arthur Harding, em East End Underworld.


Outras minorias são os sobreviventes de conquista, ou párias sociais tradicionais.Os índios norte-amençanos, os aboríge-nes australianos e os ciganos da Europa são minorias perseguidas, documentadas de maneira enganosa por uma maioria hostil, mas que preservaram sua própria tradição oral vigorosa .mediante a qual se torna possível uma abordagem mais compreensiva de seu passado. De modo semelhante, as fontes orais estão sendo utili-zadas para dar nova dimensão à história de comunidades chine-sas: japonesas e de outras s comunidades minoritárias norte-ameri-canas; e também para a história dos judeus , tanto europeus quanto norte-americanos.
Houve especialmente duas formas pelas quais história dos grupos minoritários foi influenciada pela evidência oral. A pri-meira é o estudo da imigração. Nesse caso, o exemplo foi propor-cionado- pelo trabalho de campo de entrevistas feito por sociólo-gos a partir da escola de Chicago em diante, mas que em geral consistia em estudar os problemas da imigração como forma de patologia social. Mais recentemente, tanto sociólogos como historiadores que utilizam fontes orais caminharam na direção de uma abordagem mais equilibrada de trabalho histórico, estu-dando a experiência comum de imigração, o processo de busca de trabalho, a ajuda de familiares e vizinhos, a criação de institui-ções comunitárias da minoria e a permanência de costumes culturais anteriores, bem como problemas de tensão discriminação racial. Ela pode também indicar particularmente comparando a evidência direta da experiência pessoal com a mensagem generalizada da própria tradição oral da comunidade - como são distorcidas algumas das explicações que comumente se sustentam

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sobre os padrões sociais de imigrantes em termos de herança ra-cial ou cultural, e não dos simples fatores de economia de classe.
A segunda forma é a história do negro: na Grã-Bretanha, talvez ainda urna ramificação da forma anterior, mas nos Estado. Unidos algo totalmente diverso. Ela apresenta um conjunto de obras notáveis com que concluiremos nosso levantamento explo-ratório sobre a contribuição da história oral. A esta altura, é opor-tuno darmos um passo atrás e indagarmos: o que há nelas que as distingue como história? O que fazem elas que não pudesse ser feito de outro modo? Três coisas. Em primeiro lugar, penetram aquilo que, de outro modo, seria inacessível. Duas delas provêm, de guetos de grandes cidades da América do Norte urbana. Watts, the Áftermath, de Paul Bullock, é o relato de um confronto popu-lar em Los Angeles; enquanto pouca coisa iguala a Autobiography of Malcolm X, de Alex Haley, na transmissão da amarga riqueza da vida citadina ou como vigoroso retrato de um líder. As comu-nidades negras rurais analfabetas também não deixaram registros para historiadores futuros. The Saga of Coe Ridge, de William Montell, é o principal exemplo norte-americano de um sério es-tudo de comunidade perfeitamente documentado por seu tema amplamente dependente da evidência oral: relato sobre uma colônia negra, instalada no alto de um morro longínquo, depois libertação dos escravos, que de início sobreviveu da agricultura de subsistência e da extração de madeira, mas que se devido a lutas mortais com os brancos da vizinhança por de mulheres e, à medida que se esgotaram os recursos naturais, foi levada ao fabrico e à venda ilegal de bebidas, até que mente foi dissolvida pelos fiscais de renda da polícia local. E segundo lugar, onde existem registros, a evidência oral oferece um corretivo fundamental a eles. Isso se dá especialmente cai relação à antiga zona rural do Sul onde a história só interessa como em nenhuma outra parte dos Estados Unidos, porque é usada para justificar ou negar os reclamos da supremacia doe brancos. Assim, não foi por mero acaso que o abundante material de entrevistas com antigos escravos das grandes fazendas e com

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seus dependentes, colhido nas décadas de 1920 e de 1930, fica-ram sem ser utilizados pelos historiadores por mais de três déca-das. Isto se corrigiu agora, não só pela publicação integral das narrativas dos escravos, em dezoito volumes organizados por George Rawick - constituindo, assim, a autobiografia coletiva mais importante até hoje publicada -, mas também pelo admirá-vel ensaio interpretativo From Sundown lo Sunup, The Making of lhe Black Community, que constitui um volume introdutório. E analogamente - para concentrar a atenção num mico estudo de caso a que deveremos voltar mais tarde -, só pela evidência oral Lawrence Goodwin teve condições de descobrir a história verda-deira, deliberadamente oculta pelos jornais e documentos da época, de como a classe alta branca usou de violência sistemática para destruir o populismo racial de uma localidade do Texas na década de 1890.
Finalmente, a evidência oral pode conseguir algo mais penetrante e mais fundamental para a história. Enquanto os historiados estudam os atores da história a distância, a caracterização

que fazem de suas vidas1 opiniões e ações sempre estará sujeita a ser .descrições defeituosas projeções da experiência e da imaginação do próprio historiador: uma forma erudita de ficção. A evi-dência oral, transformando os "objetos " de estudo em "sujeitos", contribui para uma História e não só é mais rica, mais viva e mais comovente, mas também. mais verdadeira. E essa é a razão por que é justo que terminemos mencionando Ali God's Dangers,de .Theodore Rosengarten, a autobiqgrafia de Nate Shaw, um lavra-dor analfabeto do Alabama, nascido na década de 1880, baseada em 120 horas de conversas gravadas: urna das histórias de vida mais comoventes, e certamente a mais completa, de urna pessoa

"insjgnificante", conseguida a partir da história oral. Gostaríamos ..muito que o método fosse julgado por frutos como esse.

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EVIDÊNCIA
Quão fidedigna é a evidência da história oral? Essa pergunta há de ser familiar a todo historiador oral atuante. Nossa principal tarefa aqui será tomá-la em seu sentido literal e verificar como s~ sustenta a evidência oral quando "apreciada e avaliada exatamente do mesmo modo como se avaliam todos os outros tipos d evidência histórica". Porém, como veremos, a pergunta propõe uma falsa escolha. Se as fontes orais podem de fato transmiti informação "fidedigna", tratá-las simplesmente "como um documento a mais" é ignorar o valor extraordinário que possuem come testemunho subjetivo, falado.' Voltaremos a esse ponto. De início, porém, vamos tomar a pergunta como havíamos pretendido.
Podemos começar observando "O historiador em açào como o descreve Arthur Marwick em The Nature of History (1970). Primeiro, ele relaciona a "hierarquia aceita" de fontes: cartas contemporâneas, relatórios de informantes, depoimentcm relatórios parlamentares e da imprensa; investigações sociais, diários e autobiografias - estas últimas "devendo [em geral] sq tratadas com cautela ainda maior" do que as demais. Ao examinar essas fontes, o historiador deve, em primeiro lugar, assegurar- se de que o documento é autêntico: que é aquilo que parece ser, não uma falsificação posterior. A seguir, vem o problema crucial: "Como o documento passou a existir inicialmente? Quem é exatamente seu autor, ou seja, fora seu nome, que papel despenhava na sociedade, que tipo de pessoa era ele? Qual seu ob~

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tivo ao escrevê-lo? Por exemplo, o relatório de um embaixador (...) pode levar para o país a espécie de informação que ele sabe que o seu governo deseja ouvir (...) Uma declaração de imposto de renda fornece um registro correto da verdadeira riqueza, ou haverá, por parte do indivíduo, uma tendência a ocultar o mon-tante de suas posses (...)?". Ou, utilizando "um excitante relato in ioco" tirado de um escritor ou de um repórter de jornal, "como podemos ter a certeza de que, na verdade, ele deixou em algum momento seu quarto de hotel? Estas, e muitas outras, são o tipo de perguntas que os historiadores devem fazer o tempo todo sobre suas fontes primárias: fazem parte do domínio básico da area"' Note-se que a suposição é que os autores de documentos, assim como os historiadores, são do sexo masculino. O que é

importante é que muitas das perguntas que se devem fazer sobre os documentos - se podem ser falsificações, quem era seu autor e com que finalidade social foram compostos - podem ser res-pondidas com muito mais confiabilidade em relação á evidência oral do que em relação a documentos, particularmente se aquela provier de um trabalho de campo do próprio historiador. Porém, não é dada quase nenhuma indicação sobre como se poderá res-ponder a qualquer dessas perguntas, seja de identificação, seja de viés. Apenas no caso de falsificação medieval é que se menciona uma determinada forma de perícia. Quanto ao mais, os recursos do historiador são as regras gerais para o exame de evidências: buscar a consistência interna, procurar confirmação em outras fontes, e estar alerta quanto ao viés potencial.


Na prática, essas regras são menos observadas do que deve-riam. Quanto a isso, o historiador oral leva grande vantagem, por ter a possibilidade de se valer da experiência de uma outra disci-plina. Há muito tempo os pesquisadores sociais utilizam entrevis-tas, de modo que existe farta discussão sociológica sobre o mé-todo de entrevista, as fontes dos vieses que aí podem ocorrer, e como estes podem ser estimados e minimizados. Comparativa-mente, é escassa a discussão sobre os vieses que, de modo seme-lhante, são inerentes a toda documentação escrita. Pouca orienta-139

ção se encontra a respeito dessas falhas em qualquer uma da5 fontes de informação favoritas dos historiadores modernos.


Os jornais proporcionam um exemplo característico. Poucos historiadores negariam o viés existente nas reportagens contem-porâneas, ou aceitariam literalmente o que a imprensa oferece; porém, ao utilizar jornais para reconstruir o passado, mostram-se em geral muito menos cautelosos. Isto se dá porque raramente têm condições de destrinchar as possíveis fontes de distorção em jornais antigos. Podemos saber quem era o proprietário do jorna] e, talvez, identificar seus vieses políticos ou sociais; nunca, porém se poderá mais do que conjeturar sobre se o colaborador anônimo que redigiu determinada matéria partilhava daqueles vieses. Assim a imprecisão de sua fonte, geralmente o relato de uma testemunha ocular, ou uma entrevista feita pelo jornalista, não é a mica de que padece a evidência que os historiadores citam a partir de jornais. Ela é também selecionada, moldada e filtrada por um determinado viés, a respeito do qual, no entanto, o historiador não está seguro. Por exemplo, quando Bonar Law pronunciou sei célebre discurso num gigantesco comício dos conservadores, no Palácio de Blenheim, em julho de 1912, declarando que apoiaria a Irlanda do Norte na resistência pela força à Irish Home Rule houve ligeiras diferenças entre as transcrições das palavras exatas por ele escolhidas para compor as principais frases que utilizou. Essas diferenças de transcrição podem ter sido acidentais, ou intencionais. Nem todos os historiadores modernos utilizam a versão que The Times publicou na manhã seguinte. Contudo, também não é hábito indicar essas variantes, nem mesmo num livro de "documentos", ou num a biografia de Bonar Law? Esse caso revela-nos mais sobre o modo como atua normalmente o historiador do que sobre suas conseqüências, porque o efeito histórico das palavras de Bonar Law deu-se mais por meio das notícias jornais do que de seu impacto direto em Blenheim. Mas há outro exemplo que talvez nos mostre como a evidência jornalística pode ser sistematicamente enganosa, tanto quanto imprecisa Lawrence Goodwin utilizou jornais e outras fontes escritas em

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combinação com entrevistas para um estudo político sobre um condado do leste do Texas, no qual, na década de 1890, um par-tido democrata, exclusivamente de brancos, expulsou do poder os populistas, que eram inter-raciais. A partir da imprensa demo-crata local, era impossível dizer quer como isso aconteceu, quer, na verdade, como os populistas haviam, de início, conseguido apoio, e quem havia sido a maioria de seus líderes políticos. Good-win conseguiu descobrir três tradições orais distintas, oriundas de posições políticas diferentes na comunidade, as quais, quando liga-das às notícias da imprensa, mostraram que o contragolpe demo-crata se baseara numa campanha sistemática de assassinato e inti-midação. Não só o jornal omitira deliberadamente a significação política do que noticiava, como também alguns dos "eventos" noticiados não haviam ocorrido e foram publicados como parte da intimidação. Por exemplo, um determinado político, cuja morte foi noticiada, na verdade escapou de seus assassinos e viveu por mais trinta anos.4 Mas a recusa de Goodwin em basear-se na evi-dência dos jornais é rara entre historiadores - e ela tem um funda-mento curioso, visto que, anteriormente, ele próprio fora jornalista.
A maioria dos historiadores se sentiria mais próxima do cerne das coisas com a correspondência. Certamente, as cartas têm a vantagem de constituir, muitas vezes, a própria comunica-ção original. Isso, porém, não as livra do problema do viés, nem garante que o que as cartas dizem seja verdade, ou transmita os verdadeiros sentimentos de quem as escreve. De fato, elas estão sujeitas ao mesmo tipo de influência social que tem sido obser-vada em entrevistas, porém de forma exagerada, porque rara-mente se escreve uma carta a um destinatário que esteja tentando ser neutro corno um entrevistador. Contudo, raramente os histo-riadores param para pensar até que ponto determinada carta foi formulada por quem a escreveu para atender às expectativas de seu imaginado destinatário, fosse este um inimigo político ou um amigo político, ou um amante, ou, talvez, até mesmo, o fiscal do imposto de renda. E se isso é verdade em relação a cartas, ainda é mais verdadeiro em relação a outras fontes primárias, tais como

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relatórios de informantes pagos, ou depoimentos - declarações de evidência feitas na expectativa de urna possível audiência judicial.
Autobiografias publicadas são outro tipo de fonte muito co-mumente citada. Neste caso, os problemas de fidedignidade são mais geralmente reconhecidos. Alguns deles são partilhados com a entrevista oral de história de vida. Na opinião de A. J. P. Taylor, "As memórias escritas são uma forma de história oral feita para enganar os historiadores" e são "inúteis, exceto no que diz res-peito à atmosfera".5 Carecem de algumas das vantagens da entre-vista e pouco oferecem em compensação. O autor não pode ser interrogado, nem se pode pedir-lhe que se estenda sobre algum assunto de especial interesse. A autobiografia publicada é uma comunicação de mão única, cujo conteúdo é positivamente sele-cionado tendo em mente o gosto do público leitor. Não se pode considerar reveladora de segredos. Se parece expor intimidades1 ela o faz consciente de um público, do mesmo modo que um ator sobre o palco, ou num filme. Como confissão pública, é contida, e raramente inclui algo que o autor perceba ser realmente desabonador. Nos casos em que é possível cotejar uma entrevista confidencial com uma história de vida escrita para ser publicada, parece uniforme a tendência a omitir alguns dos detalhes na íntimos, a esquecer o aborrecimento que causavam aquelas crianças malcriadas da rua, por exemplo, o que seria muito mais esclarecedor do que a generalização "cor-de-rosa" de que "naquele tempo, as crianças tinham mais respeito pelos mais velhos". Não obstante, exatamente por ser impressa e não gravada em fita muitos historiadores se sentiriam mais felizes citando uma auto biografia publicada do que uma entrevista.
Muitas das fontes clássicas para os historiadores sociais tais como o censo, os registros de nascimento, casamento morte, as Royal Commissions e os levantamentos sociais, como os de Booth e Rowntree, são, elas mesmas, baseadas em entrevistas feitas na época. Os volumes das Royal Commissions, que desfrutam de tanta autoridade, apóiam-se num método que era duvidoso, mesmo quando um Francis Place ou uma Beatrice Webb

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ainda não atuavam nos bastidores na manipulação de testemu-nlias. Eles empregavam uma forma particularmente intimidativa de entrevista, em que o informante era posto sozinho diante de toda a comissão - tal como se uma viúva em busca de ajuda tivesse de enfrentar o Board of Guardians.
A maioria das estatísticas sociais básicas também procedem de interações humanas e, em conseqüência, raramente oferecem uni simples registro de meros fatos. Ao escrever seu estudo clás-sico sobre o Suicídio, Émile Durkheim acreditava ser possível tratar "os fatos sociais como coisas": como verdade imutável e absoluta. Atualmente, porém, admite-se que as estatísticas de sui-cídio que utilizou variam tanto com o grau em que o suicídio era encarado como vergonha social a ser encoberta, quanto com a proporção em que as pessoas se matavam.6 Analogamente, temos conhecimento - a partir de outras entrevistas, retrospectivas -de que os registros de casamento de fins do século XIX e come-ços do século XX subestimavam grosseiramente as taxas de casa-mento dos grupos etários mais jovens, que tinham que obter con-sentimento dos pais para casar-se. Os que julgavam que os pais poderiam opor-se, simplesmente falseavam a declaração de idade para os escrivães. Cifras posteriores demonstram que as verda-deiras taxas dos mais jovens eram o dobro das que se registraram na época.7 Estatísticas relativas a alimentação, tais como as sobre o consumo de diferentes espécies de peixe, eram distorcidas pela necessidade de vender novos tipos de peixe sob velhos nomes: constituía prática habitual, por exemplo, vender bagre ou ca-brinha como hadoque, ou filé de hadoque. Cifras relativas à pro-porção da mão-de-obra que era qualificada apresentam discre-pâncias assustadoras, só explicáveis como sendo pontos de vista sociais: assim, as estatísticas do censo, baseadas na declaração do próprio indivíduo, mantiveram-se elevadas e ligeiramente ascen-dentes, enquanto as dos informes dos empregadores caíram rapi-damente. Problemas semelhantes atingem até mesmo o registro de fatos físicos, como moradia. A definição de "um cômodo", dada pelo censo, utilizada para medir a superlotação, foi uma

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definição social, o que determinou a exclusão das copas e a soli-dez que deviam ter os tabiques para que um cômodo fosse com-putado como dois. Os historiadores sociais, porém, talvez por se terem aproximado dos dados estatísticos relativamente há pouco tempo, caem com demasiada facilidade na armadilha de Durk-heim de tratá-los como "coisas
Isto é verdade até mesmo em relação aos demógrafos histó-ricos. Neste caso, seguramente, poderia esperar-se encontrar his-toriadores lidando com fatos rigorosos. Tome-se, porém, a tabela de "Tamanho completo de família por ano de casamento" de 1860 a 1960, publicada com toda a segurança por E. A. Wrigley em seu Population and History. Ela se baseia em diversos con-juntos de entrevistas retrospectivas com mães, presumindo que elas sejam precisas ao lembrar-se do número de partos de crian-ças vivas que tiveram. Porém, não se leva em consideração quantas foram as crianças nascidas vivas que morreram na primeira infância ou no início da meninice, de modo que a tabela não mede o numero. médio de crianças realmente criadas - o "tamanho completo" de família como o percebem seus membros Devido á mortalidade infantil elevada, o tamanho médio de família antes de 1900 foi muito menor do que sugere a tabela, e nunca realmente tão elevado quanto o chamado tamanho completo m' de família da tabulação. Em outros termos, "tamanho completo família" é uma abstração do demógrafo, não um fato social histórico. Os historiadores e sociólogos de mentalidade estatísticas têm ignorado esse fato. Não têm mostrado possuir qualquer consciência de que, enquanto a tendência na tabela é indiscutível, cifras reais - por mais fundamentais que sejam para os estudos populacionais - não o são. Elas são estimativas que, nos últimos anos, têm sido, ocasionalmente, objeto de revisões significativas pelo Registrar-General, mesmo para os anos anteriores a 1914- de tal modo que se podem encontrar justapostos (sem qualquer explicação) conjuntos mutuamente contraditórios de tabelas na recente coletânea estatística de A. H. Halsey, Trends in Briti Society Since 1900.

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Em suma, as estatísticas sociais não representam fatos abso-lutos mais do que notícias de jornais, cartas privadas, ou biogra-fias publicadas. Do mesmo modo que o material de entrevistas gravadas, todos eles representam, quer a partir de posições pes-soais ou de agregados, a percepção social dos fatos; além disso, estão todos sujeitos a pressões sociais do contexto em que são obtidos. Com essas formas de evidência, o que chega até nós é o significado social, e este é que deve ser avaliado.


Exatamente a mesma cautela deve experimentar o historia-dor que, em algum arquivo, se vê diante de urna coleção de docu-mentos empacotados: escrituras, contratos, livros de registro de empregados, cartas, etc. Certamente não é por acaso que esses documentos e registros vieram a estar ao dispor do historiador. Houve um objetivo social por trás de sua criação original, tanto quanto de sua posterior preservação. Os historiadores que tratam esses achados como depósitos inocentes, como objetos lançados numa praia, estão simplesmente enganando a si próprios. Nova-mente, é necessário cogitar de como se terá constituído determi-nada evidência. Assim, por exemplo, a informação oficial tirada de registros do School Board e do County Council não indica que fosse exigido das professoras que se demitissem ao se casar, antes da década de 1920, ocasião em que esta se tornou urna política oficial; dessa data em diante, porém, registra isso como prática constante. Contudo, histórias de vida individuais documentam pedidos de demissão bastante freqüentes por ocasião do casa-mento antes de 1914, bem como nomeações de mulheres casadas para o cargo durante a vigência desse impedimento. Analoga-mente, pode-se mostrar também, recorrendo a fontes alternativas, que os relatórios oficiais dos membros da Poor Law Comissio-ners do Labour Migration Scheme exageraram enormemente as cifras relativas ao número de pobres demitidos e afirmaram falsa-mente que todos os demitidos haviam encontrado emprego, para fazer pensar que o plano estava sendo bem-sucedido. Em outro nível, até mesmo documentos sociais aparentemente casuais, como fotografias e filmes, são na verdade muito cuidadosamente

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montados. Tanto assim que, por exemplo, quase toda a sonoriza-ção de filmes da Segunda Guerra Mundial é simulada. E, ocasiões especiais, pode-se descobrir que, para um instantâneo "casual" de família, todos os que aparecem na fotografia fo obrigados a trocar de roupa, abandonando seus trajes habituais. não apenas isso, mas decisão semelhante é tomada quanto a com que fotos ficar para pôr no álbum. A mesma espécie de expurgo dá forma ao arquivo público. O processo de descartar e de confundir as memórias para ajustar-se a necessidades modernas, q tem sido identificado como uma forma de conquista genealógica na tradição africana, possui seu equivalente, nos países ocidentais, na prática de adulteração sistemática, ainda que semiconsciente, das coleções de registros. Não se pode senão refu tar como inteiramente equivocada, a afirmação de Royden Harris de que as fontes escritas de arquivos, "o tipo de evidência a q os historiadores dão maior valor", possuem particular superioridade sobre o material oral, por constituírem "uma espécie evidência primária que toma a forma de pedaços de papel q nos foram legados não intencionalmente, inconscientemente; guardados por instituições ou por pessoas no correr de suas atividade práticas". Contrariamente ao que ele afirma, esta é "uma questão de um certo preconceito supersticioso em favor da palavra escrita sobre a palavra falada"8
O que verdadeiramente distingue a evidência~ procede de razões bastante diferentes. A_primeir~i que ela ~apresenta sob forma oral. Como forma imediata çkregistro

o tem tanto vantagens quanto desvantagens. Leva-se muito tempo para escutar do que para ler, e se o que foi gravado que ser citado num livro ou artigo, é preciso primeiro fa transcrição. Por outro lado, a gravação é um registro muito fidedigno e preciso_de um encontro do que um r~istro &. niente escrito. Todas as palavras empregadas estio ~ali~ ,.mente como foram faladas; e a elas se somam pistas soc nuances da incerteza, do humor ou do fingimento, bem como

- textura do dialeto. Ela transmitç todas as qualidades distintj~
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da.comunicação oral em vez da escrita - sua empatia ou-combatividade humana, sua natureza essencialmente tentativa inacabada. Por continuar sendo sempre exatamente o mesmo texto não pode ser definitivamente refutado; essa a razão por que se queimam livros. Um falante, porém, pode sempre ser imediata-mente_contestado; e, à diferença do texto escrito, o testemunho -falado jamais se repetirá exatamente do mesmo modo. Essa autêntica ambivalência o aproxima muito mais da condição humana. Paradoxalmente em certo sentido, algo dessa qualidade se perde , pela cristalização da fala numa fita gravada. Não obstante, a fita registro muito melhor e mais. completo do que jamais- se encontrará nas anotações rascunhadas ou no formulário preenchido pelo mais honesto entrevistador , e menos ainda- nas atas oficiais de uma reunião. Vimos anteriormente quão aceita se tomou a "adulteração" de- registro oficiais a .ponto de que até mesmo as atas de reuniões do Ministério documentam menos o que aconteceu na reunião do que "o que a administração pública quer que se acredite que aconteceu". Isso é igualmente- verdadeiro no nível mais humilde de uma câmara de vereadores. George Ewart Evans come ou a ficar "cético a respeito de registros oficiais" durante o tempo em que, ele próprio, foi vereador. "Não que houvesse alguma imprecisão gritante (...) Mas, desde o momento em que a

era assim registrada, passara a funcionar uma inteligên-cia seletiva que omitia quase tudo que não contribuísse para reforçar as decisões -principais a que se havia chegado." Disso resultava um conjunto de atas "a tal ponto 'maquiladas' que pareciam o registro de uma reunião diferente"9 Do mesmo modo, as anotações do entrevistador procuram colaborar com a hipótese do levantamento, preencher as lacunas do formulário. Ou o registro

de uma "troca de opiniões" entre políticos é expurgada de suas pas-sagens e escorregadelas prejudiciais. A precisão excepcionalmente eficaz da fita gravada, como evidência, já não exige mais tanta defesa, desde Nixon nela tropeçou no caso Watergate.


Nesses casos, uma vez que a comunicação original foi oral, o registro oral propicia o documento mais preciso. Inversamente,

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quando a comunicação original foi, ela mesma, escrita, como numa carta, esta deve continuar a ser o melhor registro. Contudo, a distinção em geral é menos clara, porque nos comunicamos por ambos os meios. Por vezes, um momento "sagrado" define uma determinada forma como a de mais autoridade: o juiz pronuncia a sentença, mas a condenação à morte é assinada; o sacerdote reza a missa a partir do livro, mas o acordo internacional é assinado como um tratado. Como classificar, porém, uma carta, original mente ditada a uma secretária, conferida pela leitura, descoberta por um historiador entre os papéis pessoais do destinatário, e citada em voz alta aos estudantes que assistem a uma aula de história? Ou as recordações pessoais de alguém que conhece muito história recente, registradas numa entrevista gravada, de que feita uma transcrição que é devolvida com comentários escritos? Ou as práticas especialmente intrigantes dos tribunais, onde prova se faz por meio de testemunhos e debates orais, e documentos escritos são lidos em voz alta; mas onde, muito incoeretemente, processos jamais são gravados, mas sim parafraseados por escrito por um funcionário, e os juízes tendem a levar em conta a evidência escrita do que a oral, como se a manifestação oral não passasse de um teatro retórico que justifica as verdades transpostas para o papel? 10 Certamente, em cada caso, há ei orais e escritos na corrente de transmissão; e tanto uns quanto outros podem modificar ou corromper o original. E em nenhum caso fica evidente qual é o original.
Em relação a algumas eras históricas pode-se estar mais seguro. Assim, mesmo depois da Reforma, o principal meio de comunicação na Europa era oral. De modo geral, as pessoas percebiam o mundo pelo som, e pelo cheiro, de seus parceiros ou animais, tanto quanto com os olhos. Em relação a essa era, o documento é em geral um registro subsidiário. Com a disseminação da alfabetização, e com o uso crescente da carta, do jornal e do livro, o meio de comunicação predominante passou a ser pela palavra escrita ou impressa. O documento escrito pode ser então primário; e a palavra falada uma forma subsidiária. Hoje a pa148

lavra impressa está novamente cedendo lugar a um meio mais poderoso de comunicação audiovisual, na televisão e no cinema. Assim, a forma visual-verbal tornou-se por sua vez subsidiária; e, à medida que o telefone cada vez mais substitui a carta, a comu-nicação original no intercâmbio entre indivíduos torna-se mais uma vez a comunicação oral. Naturalmente, em cada uma dessas etapas, há diferenças entre as classes sociais e entre os temas da comunicação. O ponto principal, porém, é que o original da evi-dência é por vezes oral, e por vezes não, e, igualmente, pode ou não apresentar-se, após transmutações, sob a mesma forma; e nem da evidência oral, nem da escrita, se pode dizer que seja de modo geral superior: isso depende do contexto.


Contudo, a evidência da história oral caracteriza-se também por ser geralmente retrospectiva por um intervalo de tempo mais longo. Isto não se deve a que suas fontes sejam faladas. Ao con-trário, o gravador possibilita tomar declarações durante ou ime-diatamente após um evento, enquanto o texto escrito quase sempre exige um intervalo. E a maioria das fontes escritas - quer de jornais, audiências judiciais, entrevistas de Royal Commissions, ou atas de comissões - também são retrospectivas. Nem a evi-dência contemporânea nem a histórica constituem reflexo direto de fatos materiais ou comportamentos. Fatos e eventos são relata-dos de um modo que lhes atribui um significado social. Pode-se supor que a informação oferecida pela evidência da entrevista sobre eventos recentes, ou situações em curso, situa-se em algum ponto entre o comportamento social concreto e as expectativas ou normas sociais da época. Porém, quanto a entrevistas que re-montam a muito tempo atrás, existe a possibilidade adicional de distorções influenciadas pelas sucessivas mudanças de valores e normas que podem, talvez, inconscientemente, alterar as percep-ções. Seria de esperar que, com o passar do tempo, esse perigo aumentasse. Do mesmo modo, com o correr do tempo, a con-fiança na memória parece tornar-se mais acentuada. Para com-preénder a dimensão desses problemas, podemos felizmente bus-149

car a ajuda da literatura da psicologia social da memória e, tam-bém, da gerontologia.


Admite-se em geral e o processo da memória depende do da percepção. Para aprendemos alguma coisa, .temos . que compreendê-la. Nós a aprendemos em categorias, perce-bendo como as informações se ajustam, e isso nos possibilita construí-la numa ocasião futura, ou reconstruir alguma aproxima-ção daquilo que compreendemos. Na verdade, como afirmou Bartlet em seu trabalho pioneiro Remembering (1932) , apenas por meio desse processo básico de ordenação é que a mente humana tem vencido a tirania da sujeição à memória cronológica.. Se não pudéssemos organizar nossas percepções, só teríamos consciència daquilo que nos tivesse acontecido mais recente-mente. Imediatamente após um evento, parece de fato que pode-mos lembrar muito mais coisas do que mais tarde. Por um muito curto temos algo próximo a uma memória fotográfica . Isso porém só dura alguns minutos._ É de importância crucial o fato de que essa primeira fase é extremamente breve . A seguir , o processo de seleção organiza a memória e estableece alguma es-pécie de marca duradoura mediante um processo químico. Infe-lizmente, o conhecimento bioquímico do cérebro,. Apesar dos rápido progressos ocorridos ultimamente, não consegue ainda -responder às perguntas específicas que um dentista social gostaria de fazer sobre o processo da memória. Contudo 'dá-se uma alteração na microestratura do cérebro, a qual, certamente é capaz de resistir a supressões completas de atividade mental, como a anestesia. Depois, quando o material é. Recuperado tem lugar alguma espécie de processo inverso: uma outra situação

reconhecida e o cérebro retoma o material e, em certa medida, o reconstrói.


De fato, o processo de descarte, que constitui a contrapartida da seleção, continua pelo tempo afora. Evidentemente, isso representa um problema para a história oral. Porém, o descarta inicial é, de longe, o mais drástico e violento, e afeta todo tipo de testemunho contemporâneo. Isso pode ser demonstrado pelos

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poucos estudos longitudinais que existem. Consideremos pri-meiro um experimento artificial de laboratório realizado por Dai-lenbach com figuras, em 1913. Por ser artificial, ele oferece, como a maioria dos testes de laboratório, um indicador insatisfa-tório da fidedignidade da memória social. Não obstante, é sur-preendente que o número de erros permaneça mais ou menos es-tável depois dos primeiros dias. Isso indica o que pode ser uma "curva de esquecimento" bastante típica.
O experimento de Dallcnbach com figuras, 1913"
Quinze estudantes convidados a examinar detalhadamente a figura e a responder a sessenta questões a respeito de detalhes dela.
Número de dias desde que viu a figura O 5 15 45

Número de perguntas respondidas (média) 59 57 57 57

Número de respostas erradas (média) 8 10 12 133
Há resultados, comparáveis a esses, de pesquisas noruegue-sas e norte-americanas mais recentes sobre padrões de criação de filhos, para as quais as mães foram reentrevistadas durante períodos de até seis anos. Em cada um desses estudos, a memória mostrou-se o menos fidedigna na recordação de atitudes passa-das, e o mais fidedigna no que diz respeito a questões práticas, tais como métodos de alimentação (95% de precisão após três anos). Mesmo após poucos meses, a descrição feita por uma mãe sobre o parto e os primeiros tempos do bebê será um pouco dife-rente do relato que fez inicialmente. Mas quando se aumenta o período de tempo para seis anos, as imprecisões não mostram aumento significativo. Analogamente, para um estágio mais avançado na vida, é possível agora justapor informações que uma mesma pessoa deu a historiadores orais com intervalo de até vinte anos e, embora possa haver diferenças de ênfase, o grau de consistência constitui o traço mais notável.12 Mais significativa, porém, é a conclusão de um experimento recente projetado para

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testar, após um período de quase cinqüenta anos, a memória de 392 norte-americanos, formados numa escola secundária, relativa a nomes e fisionomias de seus contemporâneos em classes de noventa ou mais alunos. Em primeiro lugar, foram dados oito minutos para que listassem, "de pura memória", sem ajuda, os nomes de todos os que pertenciam a suas classes. A seguir, foi-lhes solicitado que escolhessem, num prazo de oito segundos a cada vez, primeiro, de entre uma série de nomes, aqueles de cole-gas seus; e, depois, do mesmo modo, fotografias de seus rostos; e a seguir, também com limite de tempo, que fizessem correspon-der nomes a fotografias e fotografias a nomes. Os resultados estão na tabela a seguir.
Nomes e rostos de colegas dc classe lembrados: porcentagem'3
Anos desde Lembrança Reconheci Reconheci- Correspon- Correspona formatura livre mento de mento de dência com dencia com

nome retrato nome retrato

3 meses 52 91 90 89 94

9 meses 46 91 88 93 88

14 28 87 91 83 83

34 24 82 90 83 799

47 21 69 71 56 58
Fica evidente que, tudo considerado, a perda de memória no decorrer dos primeiros nove meses é tão grande quanto a que se observa durante os 34 anos seguintes. Apenas além desse ponto é que os testes indicam uma queda mais rápida da memória média; e mesmo isso pode ser devido mais a velocidades decrescentes na execução de testes com duração de segundos, como também ao efeito, sobre o desempenho médio, de "alterações degenerativas" entre alguns daqueles com mais de 70 anos. Igualmente impor-tante é o resultado em relação aos colegas considerados amigos: não se identifica nenhum decréscimo de precisão na lembrança, nem mesmo depois de um intervalo de mais de cinqüenta anos. Quanto mais significativo um nome ou um rosto, maior a probabilidade de

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que seja lembrado;- os outros é que são gradualmente descartados da memória por um "processo muito lento de esquecimento".
O processo da memória depende, pois não só da capaci-dade de compreensão do indivíduo mas também de seu interesse. Assim, é muito mais provável que uma lembrança seja precisa quando corresponde a um interesse e necessidade social. Demonstrou-se que os suazis analfabetos, que se poderia pensar ti-vessem memória particularmente boa por não poderem escrever nada, não são mais capazes de se lembrar de recados para os europeus do que os próprios europeus; porém, se indagados sobre a descrição exata e o preço dos bois que venderam no ano ante-rior, são capazes de relacioná-los, enquanto o europeu que com-prou os bois e anotou os preços em seus livros não consegue fazê-lo. Analogamente, em 1960, foi pedido a um galês de 80 anos que desse os nomes dos que, em 1900, ocupavam as 108 propriedades de seu distrito; e, quando suas respostas foram con-feridas com a lista eleitoral do distrito, viu-se que 106 dos nomes estavam corretos. A fidedignidade depende em parte inte-reresse intrínseco é o invalida muitos dos primei-ros experimentos com memória em laboratório - bem como al-guns fora dele. Por exemplo, Ian Hunter relata um experimento em que uma reunião da Sociedade de Psicologia de Cambridge foi secretamente gravada em fita. Quinze dias depois, pediu-se a todos os participantes que escrevessem o que se lembravam de ter acontecido. Na média, lembraram-se de uma entre cada dez das decisões tomadas e, das que se lembraram, perto da metade estava incorreta. Incluíam decisões de outras reuniões e ocasiões em outros Lugares. Porém, o experimento demonstra não tanto a não-confíabilidade normal da memória, quanto o fato de que esse grupo de estudiosos, que para seu progresso científico se baseava em material escrito, reunia-se principalmente em função dos be-nefícios sociais do debate, da interação e da auto-exibição.14
Recordar é um processo ativo. Bartlett escreveu, talvez com algum exagero: "Num mundo em que o meio ambiente está em

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constante mudança, a lembrança literal é extraordinariamente de-simportante. Dá-se com a lembrança o mesmo que com o lance num jogo de destreza. Cada vez que o fazemos ele tem suas ca-racterísticas peculiares" ~ O que tinha em mente, particularmente, era como urna história pode ser contada de novo de ma-neira diferente a públicos diversos em situações diferentes, e como a lembrança dela pode ser estimulada pelo reencontro de um velho conhecido, ou por urna nova visita ao cenário de algum acontecimento passado. Essencial, também, é que haja urna dis-posição para lembrar: esse traço da memória é especialmente im-portante para o processo de entrevista. Inversamente, a lem-brança pode ser inibida pela relutância: quer uma fuga consciente a fatos desagradáveis, quer uma repressão inconsciente. Natural-mente, é de especial interesse da psicologia fazer reviver essas lembranças reprimidas mediante a entrevista terapêutica.
Muito embora os experimentos de laboratório tenham sido bem-sucedidos em estabelecer os elementos principais do pro-cesso da memória, eles oferecem urna orientação insuficiente quanto a sua fidedignidade, porque têm lugar mim vazio social isolado das necessidades e interesses que normalmente estimu-lam o ato de lembrar e recordar. Um dos experimentos clássicos de Bartlett, por exemplo, foi pedir a um grupo de dez estudantes de Cambridge que repetissem um para o outro, em seqúência, uma lenda indígena, "A guerra dos fantasmas". A versão final não continha mais do que alguns fragmentos do original. Porém, esses estudantes não tinham nenhum interesse especial numa nar-rativa de outra cultura; para eles, tratava-se apenas de um experi-mento, cujo resultado mostrou-se mais interessante, como acon-teceu, devido exatamente à falta de precisão deles. Porém, há narrativas épicas entre os povos iletrados da África que têm pas-sado de geração para geração, oralmente, por pelo menos seis-centos anos. Essas narrativas estão sujeitas a variações quando mudam as necessidades sociais de seus narradores ou ouvintes, mas são consistentes o bastante para que se possa identificar os elementos originais mediante o estudo da estrutura das diferentes

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versões. E mais próximos de nós, lona e Peter Opie descobriram cadeias de transmissão muito notáveis em seu estudo sobre The Lore and Language of School Children. Devido à rápida rotativi-dade das crianças na escola, os elos das cadeias de transmissão são muito mais curtos do que se dá com as tradições orais adul-tas, de modo que uma cantiga escolar, em 130 anos, terá sido transmitida através de vinte gerações de crianças, talvez trezentos narradores - o que equivale a mais de quinhentos anos entre adultos. Em vista disso, é extraordinário o quanto ela sobrevive. Por exemplo, em seu London Street Games in 1916, Norman Douglas registrou 137 canções infantis; quarenta anos depois, os Opie encontraram 108 delas que ainda eram cantadas. E entre as expressões de pedido de trégua usadas pelas crianças - cuja pre-cisão é supostamente de particular importância para elas - há palavras como barley e fain que remontam à Idade Média. Elas se originaram do vocabulário adulto, mas só foram preservadas entre as crianças. "Tiddly Winks the Barber" é um poema que as crianças ainda recitam do modo como foi composto original-mente, em 1878. Os Opie apresentam muitos exemplos excelen-tes tanto de sobrevivência quanto de mudança.
Em raras ocasiões, pode-se mostrar numa história de vida comum de que modo uma frase de efeito foi preservada. Uma das primeiras entrevistas que fizemos foi com Bob Jaggard, um tra-balhador rural de Essex, nascido em 1882, que começou a traba-lliar numa fazenda em 1894, cuidando de cavalos. Logo no início da entrevista, ele disse:
Os homens ganhavam treze shillings por semana e quando come-cei a trabalhar eu ia sete dias por semana por três shillings.

Você se lembra se, naquele tempo, você achava que isso era pouco ou muito dinheiro?

Eu sabia que era pouco dinheiro. Sim, eles enganavam a gente.

Você achava, naquele tempo, que havia alguma coisa que você pudesse fazer quanto a isso para ganhar mais dinheiro?

Não, a gente não podia, era aquilo mesmo. Posso repetir para você, o velho fazendeiro para quem eu trabalhava, ele dizia que um homem leva um saco de trigo para casa todo sábado à noite, eram treze shillings...

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Mais tarde, em Rural England de Rider Haggard, descobri que ele havia visitado a aldeia de Bob Jaggard, Ardleigh, em 1901. Nessa data, o salário semanal havia subido dezoito pence. Em Ardleigh, ele visitou um certo sr. T. Smith, que arrendava 240 acres, morador ali há 51 anos. "Como é que os fazendeiros podem ir bem", perguntou ele a Ridder Haggard, "se um homem ganha o valor de uma saca de trigo; ou seja, quatorze shillings e seis pence por semana?"t~ Setenta anos depois da visita de Haggard, ainda era possível registrar a queixa do fazendeiro de Ardleigh, gravada na cabeça de Bob Jaggard.


Claro que se pode contrapor, aos exemplos de recordação, casos de esquecimento; e não há dúvida de que os indivíduos diferem entre si quanto à capacidade de lembrar. Mas voltemos ao processo normal da memória. Em que medida a memória, de modo geral, é afetada pelo avanço da idade? As crianças peque-nas, do nascimento até os 4 anos, têm muito pouca memória de longo prazo.. A isso se segue um estágio de transição até os 11 anos. Muitas crianças - mais da metade delas - conservam um tipo de memória fotográfica, e também grande capacidade para decorar de espécie muito incomum em anos posteriores, muito embora haja urna minoria de adultos que ainda mantém essa capacidade. Alguns psicólogos afirmam que o desaparecimento da memória fotográfica está ligado ao surgimento do raciocínio "lógico", embora seja difícil demonstrar que isso acontece. Contudo, depois dos 11 anos, mais ou menos, e especialmente depois dos 30, a memória imediata começa a decair progressivamente de modo que se torna cada vez mais difícil, por exemplo, reter n mente todo um conjunto de numerais complexos. Por outro lado o armazenamento total de lembranças está crescendo; é como s cada urna delas expulsasse as outras. Estudos sobre retenção d vocabulário têm demonstrado que, enquanto para os grupos mais inteligentes quase não há declínio algum, para a média do grupo testado um declínio da memória se instala por volta dos 30 ano e prossegue muito lentamente, mas não chega a ser drástico antes que se atinja uma doença terminal ou a senilidade. Assim, o

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blema do poder da memória não é muito mais grave para entre-vistas com pessoas idosas gozando de boa saúde do que com adultos mais jovens.
Com esse processo de decadência da memória em todos os adultos, a que é atingida em primeiro lugar é a memória recente. Hunter escreve: "Se, na pessoa de mais idade, houver uma debili-tação do funcionamento nervoso central, isso favorece a recorda-ção de acontecimentos mais antigos em oposição a acontecunen-tos mais recentes. Com danos progressivos de tipo neurológico geral, as atividades de recordar sofrem uma desorganização pro-gressiva. Ou seja, a recordação de acontecimentos recentes é pre-judicada primeiro". Na verdade, houve testes estatísticos de me-mória que, ainda que duvidosos sob alguns aspectos, de fato indicam que, se se estudarem associações de palavras, quase me-tade delas remontam à infância ou juventude, e somente uma proporção mínima é recente.
A etapa final do desenvolvimento da memória segue-se, em geral, à aposentadoria, ou a algum outro processo traumático, como a viuvez. Esse é o fenômeno que os psicólogos identificam como "revisão de vida": súbito surgimento de lembranças e do desejo de lembrar, e uma franqueza toda especial que acompanha uma sensação de que a vida ativa terminou, que o que era para ser feito já se completou. Assim, nessa etapa final, há uma com-pensação importante para o intervalo mais longo e para a seletivi-dade do processo da memória, com um aumento da disposição de lembrar e também, em geral, uma menor preocupação em adequar a nastativa às normas sociais de quem escuta. Desse modo, o viés proveniente da repressão e da distorção passa a ser uma dificuldade menos inibidora, tanto para o narrador como para o historiador.
Em suma, a entrevista com pessoas idosas não suscita ques-tôes metodológicas fundamentais que não se apliquem também àentrevista em geral - e conseqüentemente a toda uma série de fontes históricas familiares, tanto quanto às do historiador oral. Para essas questões é que devemos agora nos voltar. Em capítulo posterior, examinaremos de maneira mais completa as aborda157

gens da atividade de entrevistar. Aqui, nossa preocupação é o grau de influência que a entrevista, como relação social, inevitavelmente, sobre o material colhido por seu intermédio.


A minimização da variância de respostas devida a difeiças de estilo entre entrevistadores tem sido, há muito temp alvo do método social. Nos manuais de sociologia, essa pre pação muitas vezes chega a extremos que levam ao próprio casso. Ken Plummer, após catalogar todos os possíveis erros rolados, conclui que "expurgar a pesquisa de todas essas fontes de viés' significa expurgar a pesquisa da vida humana". O verdadeiro objetivo dos sociólogos da história de vida, ou do historiador oral, deve ser revelar as fontes de viés, mais do que pretende que elas possam ser eliminadas, por exemplo, com "um pesqu dor sem um rosto que exprima sentimentos".18 Porém, exatamente nesse sentido, temos muito que aprender com a experiência pesquisa por levantamento. A questão básica é como introduzir padronização suficiente, sem romper a relação da entrevista inibição da expressão pessoal. Urna das abordagens tem sido meçar com urna forma mais livre de entrevista, a fim de investigar a variedade de respostas que se pode obter e, a seguir, prosseguir com um levantamento padronizado, em que as palavras exatas e a seqüência das perguntas sejam predeterminadas. Urna alternativa é mesclar os dois métodos em cada entrevista, estimulando informante a expressar-se livremente, mas introduzindo gradativamente um conjunto padronizado de perguntas na medida que não tenham ainda sido respondidas. Isso preserva a relação entrevista, mas toma o material menos rigorosamente comparável.
Uma vez que, em contraposição à história oral, muito poucas dessas entrevistas de levantamento social são gravadas, é difícil saber com que exatidão os entrevistadores normalmente seguem esse tipo de instruções do levantamento. Os raros te que têm sido relatados indicam que um terço das perguntas pode ser habitualmente modificado de modo inaceitável. É certamente óbvio que os entrevistadores levam para a entrevista tanto expectativas quanto um estilo social que afeta suas descobertas

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Por exemplo, num levantamento por questionário, as entrevista-doras indagavam das mulheres se seus maridos ajudavam a fazer as compras da casa. Os resultados foram diferentes dependendo de se o marido da própria entrevistadora a ajudasse ou não. As que eram ajudadas por seus maridos verificaram que isso tam-bém se dava com 60% de suas informantes, enquanto as do outro grupo, cujos maridos não ajudavam, verificaram que aquilo se dava com apenas 45%o19 Algumas das pressões e dos erros de interpretação que integravam esses resultados teriam sido revela-dos em entrevistas gravadas. Não parece haver muita dúvida de que grande parte da fidedignidade "preditiva" do levantamento social contemporâneo baseia-se nas manipulações informais de entrevistadores e de analistas, que buscam ajustar os resultados que encontram ao que eles próprios percebem como conclusões verossímeis. Quando quase todos erram de maneira semelhante em suas expectativas, como no célebre caso da vitória eleitoral de Truman, em 1948, o que ocasiona o erro de predição são essas manipulações informais, mais do que defeitos do próprio método.
A gravação pode auxiliar a desmascarar e a avaliar essa es-pécie de viés social. Contudo, o entrevistador tem uma presença social, mesmo quando não demonstre nenhuma opinião explícita que possa influenciar o informante. Há uma imagem amplamente aceita da entrevistadora como urna mulher de classe média; e a maioria dos informantes têm alguma idéia de quais serão prova-velmente suas opiniões. Isso tem alguma vantagem, porque se pode mais facilmente dar o desconto do viés resultante nas res-postas; e também pode ser facilmente contrabalançado pela de-monstração de respeito pelas opiniões dos informantes. Mas há conseqüências interessantes quando a imagem é alterada de ma-neira inequívoca. Por exemplo, um levantamento norte-ameri-cano verificou que os informantes negros davam respostas consi-deravelmente diferentes a algumas questões, quando perguntados por entrevistadores negros ao invés de por brancos.20

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Levantamento NORC 1942 - 1000 entrevistas com respondentes negros; metade dos entrevistadores negros, metade brancos
Pergunta Resposta % quando
o entrevistador negro branco
É suficiente o que tem sido feito em seu bairro

para proteção das pessoas em caso de ataque Sim 21 40

aéreo?

A quem recorre um negro para reclamar seus Á justiça 2 15



direitos? Á polícia 3 12

Que jornal negro você lê habitualmente? Nenhum 35 51

Quem você acha que devia comandar Oficiais

os soldados negros? negros 43 222


Cautela análoga entre raças foi assinalada na África, onde, conta-nos Vansina, a expectativa é de que os missionários bran-cos se interessem por tradições. Porém, não se deve contar-lhes as tradições que contrariem seus ensinamentos, porque aí eles as criticarão, o que prejudicará o prestígio dos narradores, e lutarão contra elas, o que prejudicará toda a comunidade.21 Na Europa, um entrevistador com maneira de falar acentuadamente de classe operária, ou um homem em vez de uma mulher, pode ter a expec-tativa de alterar o efeito social de um modo menos violento -espera-se - porém comparável.
Deve-se salientar que não é necessariamente verdade que um entrevistador do mesmo sexo, classe ou raça obtenha infor-mações mais precisas. Se a relação social numa entrevista é, desde o inicio, ou passa a ser um vínculo social, aumenta o pe-rigo na direção da conformidade social das respostas. Como tam-bém maior intimidade nem sempre acarreta menos inibição. Énotável, por exemplo, como muitas pessoas, quando abordadas anonimamente na rua por pesquisadores de opinião e perguntadas

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a respeito de sexo, se dispõem a responder com uma franqueza que não é comum na entrevista mais reservada feita em casa.
A presença de outras pessoas numa entrevista também pos-sui efeito marcante. A jactância e o exagero podem reduzir-se, mas aumentará em muito a tendência á conformidade. Ao entre-vistar grupos de estudantes de medicina norte-americanos, Ho-ward Becker verificou que o cinismo era a norma; privadamente, porém, a maioria dos estudantes expressaram sentimentos idea-listas.22 Às vezes, um encontro em grupo pode ser útil, por exemplo, para fazer aparecer os conflitos quanto à tradição a res-peito de determinadas figuras do passado de urna comunidade, segundo informantes com pontos de vista diversos. E numa en-trevista mais pessoal, o marido, ou a esposa, pode estimular a memória do outro, ou corrigir um engano, ou oferecer uma interpretação diferente. Numa situação como essa, porém, um relato sobre a divisão das responsabilidades domésticas seria em geral, por parte de cada um deles, muito menos crítico a respeito do outro. Pode-se observar, também, que um grupo de pessoas ido-sas muitas vezes enfatizará uma opinião comum sobre o passado, mas se, em seguida, são contatadas separadamente, é possível que surjam descrições muito mais individualizadas.

Mesmo quando outras pessoas não estejam presentes à en-trevista propriamente dita, sua presença exterior invisível pode ter influência. Isso é particularmente importante em toda comuni-dade em que os vínculos são muito estreitos. Nela, os de dentro, os íntimos, e os de fora, os estranhos, enfrentam dificuldades de tipo diferente. O íntimo sabe corno são as coisas, é enganado menos facilmente, compreende as nuances, e começa com conta-tos muito mais úteis e, é de se esperar, como alguém considerado de boa-fé. Tudo isso tem que ser aprendido e construído pelo estranho que, no caso extremo de um estudante europeu de histó-ria da África, pode, inicialmente, não conhecer a língua, a etno-grafia ou a geografia da comunidade. Nisto, porém, pode haver também um benefício, pois o estranho pode pedir que lhe seja explicado o óbvio; enquanto o íntimo, que na verdade pode se

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equivocar ao presumir a resposta, não pergunta por temer ser to-mado por tolo. O estranho também tem a vantagem de estar de fora da teia de relações sociais local e de manter uma posição de neutralidade e, assim, podem falar-lhe de maneira realmente re-servada, com menos ansiedade subseqüente. A situação social do íntimo é revelada pela experiência de um estudante coletando informações em sua própria aldeia em Suffolk. Um tratador de ca-valos aposentado, explicando como as coisas eram difíceis na-quele tempo", contou como, ao morrer um filho seu de poucos dias de idade, carregou sozinho o caixão até o cemitério, bem cedo de manhã, mas teve que pagar a um homem para que enter-rasse a criança, pois tinha que começar a trabalhar às seis horas. Devido à caminhada extra que fez, chegou ao serviço às seis e meia,


e em seu pagamento, no fim da semana, fora descontado o dinheiro por causa da meia hora que estivera ausente. O filho do fazendeiro que des-contou esse dinheiro de seu pagamento trabalha ainda hoje na mesma fazenda na aldeia e, alguns dias depois da entrevista com o cavalariço, mandou-me um recado dizendo que esperava que ele não me tivesse deixado com uma impressão desfavorável do atual fazendeiro, pois "Os tempos eram difíceis naquela época, logo após a (Primeira Grande) guerra, não havia na verdade nada que ele pudesse fazer, não se podia esperar que pagasse a alguém por um trabalho que não havia feito".23
Andrew Roberts salientou as desvantagens paralelas de per-tencer a uma comunidade africana:
As relações com as pessoas do lugar podem ser mais difíceis do que as de um estudante branco. Na medida em que os estudantes africa-nos tiverem mantido vínculos com a terra de seus pais, voltam para lá como uma personalidade social plena, muito mais sujeitos, do que um estrangeiro, às coerções morais da sociedade. Se desconsideram os cos-tumes locais em razão da pesquisa, eles (ou seus parentes) terão que arcar com as consequências. Por meio da rede de parentesco, podem ser envolvidos em conflitos que levam as pessoas a sonegar informações que forneceriam prontamente a um visitante branco de passagem. Além disso, da independência para cá, é mais provável que se suspeite q~1e estudantes africanos, e não brancos, sejam agentes do governo central.

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Essa é a situação extrema do problema, mais próxima da situação de trabalho de campo do antropólogo. No caso deste, desconfia-se que, a longo prazo, as desvantagens do estranho eu-ropeu podem mostrar-se decisivas. Os códigos e as camadas de significado social terão que ser dominados tanto quanto a própria linguagem formal. Até mesmo a própria estrutura de conceituali-zação pode ser fundamentalmente diferente, e enganosas as no-ções ocidentais de tempo e espaço. "O estudioso que luta por compreender uma cultura estrangeira", diz Elizabeth Tonkin, "pode acabar se dando conta de que o que parecem ser respostas à pergunta 'de onde viemos?' estão realmente explicando 'por que estamos aqui "25. Por outro lado, a desvantagem do íntimo quanto à interpretação está mais na facilidade com que um mito da comunidade pode ser aceito literalmente. Os demais, muitas vezes no extremo superior ou inferior da escala social, que têm sobre ele um ponto de vista diferente, passam despercebidos. Como também a função social do mito pode não ser detectada. Para a interpretação, como veremos depois, isso pode se mostrar muito mais revelador do que as mensagens explícitas que transmite.


A mensagem também pode variar, dependendo de onde exa-tamente ela é ouvida. Assim, uma entrevista em casa aumentará as pressões dos ideais "respeitáveis" centrados no lar; uma entre-vista num bar mais provavelmente enfatizará atrevimentos e brin-cadeiras; e urna entrevista no local de trabalho apresentará a influência das convenções e atitudes ligadas ao trabalho. Juntamente com essas mudanças de ênfase, haverá mudanças na linguagem.

Uma gravação num bar, por exemplo, muitas vezes estará ornada de palavrões; transponha-se a soleira da casa e o vocabulário se transformará. Tanto a ênfase quanto a linguagem também varia-riam, caso a entrevista se transformasse de uma relação confiden-cial em, no outro extremo, uma gravação de televisão, com técnicos, luzes ofuscantes e um auditório cheio de gente.


São essas, pois, algumas das principais influências devidas à situação em que transcorre a entrevista. Elas são cruciais, pois são subjacentes às dificuldades que todo historiador ou sociólogo

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tem para penetrar a realidade social, passada ou presente. É quase impossível ao historiador medir a extensão dessas dificuldades, a não ser quando vêm à luz erros do passado. Mas há inúmeras réplicas de levantamentos sociológicos que indicam até que ponto deve ser tratada com cautela toda evidência histórica ou contemporânea originária de entrevistas. Em estudo levado a cabo por G. L. Palmer na Filadélfia, em 1943, verificou-se que, depois de apenas dez dias, 10% dos respondentes informaram a própria idade com diferença de um ano. Outra vez, o Opinion Research Center, em 1949, realizou em Denver uma comparação entre o material de um levantamento por entrevistas e os registros oficiais locais. Descobriu-se, também aqui, que eram incompatí-veis 10% das respostas sobre a idade; 10 a 15%, sobre a posse de objetos, como cartões de biblioteca, automóveis e sobre a marca do automóvel; e 5% até mesmo sobre a posse de um telefone. Esse estudo também põe em questão a fidedignidade das estatís-ticas oficiais. Um terceiro exemplo talvez seja mais encorajador para o historiador oral do que para o organizador de levanta-mento por questionário não gravado.

Fez-se um experimento em Nova York, durante um levanta-mento sobre atitudes raciais. Dos cinqüenta respondentes, oito eram "comparsas", e suas entrevistas foram secretamente grava-das em fita. Foram utilizados quinze entrevistadores, nenhum dos quais profissional em tempo integral. Quando se analisaram as entrevistas gravadas, descobriu-se que, nas cinqüenta perguntas que deviam ser feitas, cada entrevistador cometia em média ca-torze erros ao perguntar - isto é, alterava ou omitia as pergun-tas; treze erros ao aprofundar a questão; oito erros ao registrar as respostas no formulário; e ainda quatro meras "trapaças" (isto é, registrava urna resposta que não havia sido dada). Um dos res-pondentes "comparsas" atuou como um "intolerante hostil", tipo que se pode esperar que apareça na maioria das amostras aleató-rias. Diante do intolerante, metade dos entrevistadores inventa-ram metade do que puseram no questionário. Se essa é a espécie de matéria-prima que compõe o típico levantamento por questio-164

nário com amostra aleatória, podemos corretamente achar que as entrevistas gravadas de um historiador honesto, em comparação com grande parte da evidência convencionàl, provavelmente serão de rara fidedignidade.26
Com isso em mente, vejamos alguns casos em que se pode avaliar a precisão do material retrospectivo coletado em levanta-mentos em grande escala. De início, há o estudo sociológico de P. M.Blau e O. D. Duncan sobre The American Qccupational Structure (1967). Os autores realizaram um pré-teste de 570 ho-mens em Chicago e procuraram fazer corresponder seus nomes com o censo. Só conseguiram fazer isso com 137, e em menos da metade destes encontraram perfeita concordância entre ocupação e ramo de atividade entre as duas fontes. Relegando a um apên-dice essa avaliação bastante danosa dos fundamentos de sua so-fisticada análise estatística, afirmam os autores que essas discre-pâncias se devem em parte à elevada mobilidade profissional nos Estados Unidos (em 1945-46 ela chegou a 12% de todos os traba-lhadores que mudaram de emprego), e em parte - pobre consolo para os historiadores - às imprecisões de um censo pelo menos tio carente de fidedignidade quanto seu próprio levantamento. Eles citam um levantamento pós-censo, realizado pelo Bureau do Censo para conferir seus próprios resultados, que verificou que 17% das pessoas se classificaram num grande grupo ocupacional diferente nos dois levantamentos. Este é um achado que devia ser mais bem conhecido dos historiadores de orientação estatística. Blau e Duncan também tiveram condições de mostrar que as di-ferenças entre o censo e seu levantamento eram sistemáticas. Havia uma tendência a que trabalhadores não qualificados que apareciam no censo fossem descritos, no questionário deles, como oficiais ou técnicos, mas não se verificava erro semelhante em sentido contrário. Por outro lado, foi tranqüilizador descobrir que as discrepâncias e, assim, a presunção de imprecisão na en-trevista retrospectiva tomavam-se menores à medida que aumen-tava o intervalo de tempo. Era mais provável que as pessoas des-crevessem corretamente a ocupação de seu pai há cinqüenta anos

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do que há 25 anos. Por exemplo, segundo o censo, Blau e Dum-can deveriam ter descoberto que, em 1940, 12% dos pais ocupa-vam cargos de profissões superiores ou de gerência, e que 17% dos pais eram agricultores; mas, na verdade, foram registrados muito mais de profissões superiores e muito menos agricultores - 20% e 13%, respectivamente. Em relação a 1910, porém, em que o censo registrara 11% e 40%, seus resultados estavam muito mais próximos: 14% e 33%. 27 A razão desse aumento retrospec-tivo de fidedignidade é que urna pessoa mais velha possui menos motivos sociais para querer descrever erroneamente a ocupação do pai do que uma pessoa mais nova. É possível, pois, que sobre determinados temas o historiador obtenha informações mais fide-dignas do que o investigador sociológico contemporâneo.
Um segundo levantamento retrospectivo em grande escala é proporcionado pelo estudo da Political Change in Britain (1969), de David Butler e Donald Stokes. Neste caso, as informações históricas são analisadas com menos detalhes, mas suas tabelas a respeito de como cada geração se recordava das opiniões políti-cas dos pais são claramente compatíveis com a descrição mais ampla de que, a partir de outras fontes históricas, dispomos sobre um partido trabalhista que crescia rapidamente em fins do século XIX, a ponto de expulsar os liberais da posição de principais concorrentes com os conservadores na disputa pelo poder. Assim também são outras cifras que mostram que os conservadores con-tavam principalmente com o apoio das classes médias e da Igreja anglicana, enquanto seus adversários dependiam dos não-confor-mistas e das classes trabalhadoras. Igualmente tranqüilizadoras são as pormenorizadas comparações estatísticas feitas por Charles More, entre entrevistas de história oral, relatos de época e cifras do censo a respeito de qualificação e aprendizagem profissionais na virada do século7' Esse tipo de confirmação de relatos históricos tidos como verdadeiros indica claramente que o levantamento re-trospectivo em uma outra área proporciona informações sociais que, em suas amplas divisões, são fidedignas.
Se admitimos que a memória não é tão sujeita a erros a

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ponto de invalidar a utilidade das informações colhidas a partir de entrevistas retrospectivas, como superar uma outra crítica, bastante diferente - a de que nossos informantes não podem ser tomados como típicos ou representativos? Os levantamentos so-ciais baseiam-se em geral em amostras cuidadosamente escolhi-das, planejadas para garantir o quanto possível a representatividade de dado grupo de informantes. Isso coloca o historiador oral diante de um dilema. Um levantamento em que os informantes são pre-determinados, e entrevistados segundo um esquema inflexível, coletará um material de qualidade intrinsecamente inferior. Al-guns dos informantes potencialmente melhores serão deixados de lado, e outros, freqüentemente com menos boa vontade, serão escolhidos em vez deles; ao mesmo tempo que a própria entre-vista pode não ser suficientemente flexível para extrair o máximo deles. Por outro lado, uma das grandes vantagens da história oral é que ela possibilita ao historiador compensar o viés presente nas fontes históricas habituais; por exemplo, a tendência de a auto-biografia publicada provir das classes superiores ou dos profis-sionais de nível superior, que formulam e ordenam melhor as idéias, ou de líderes operários, e não de pessoas comuns do povo. Por isso, é importante considerar até que ponto o historiador oral poderia valer-se de algumas das técnicas de amostragem repre-sentativa desenvolvidas pelos sociólogos.
O historiador começa com uma dificuldade não compartilhada pelo sociólogo. Se as pessoas idosas que ainda hoje estão vivas representassem, elas mesmas, um corte transversal equili-brado de sua geração no passado, em princípio só precisaríamos extrair uma amostra aleatória de uma relação de seus nomes. Restaria apenas a dificuldade prática de conseguir uma relação inteiramente fidedigna de que, à diferença dos registros eleitorais, raramente se dispõe. Mas estamos certos de que uma "amostra aleatória" desse tipo, ainda que proporcionando a forma mais se-gura de representatividade presente, distorceria o passado. Ela não levaria em conta a migração local ou nacional, ou a mortali-dade diferencial. Sabemos que as pessoas morrem muito mais

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depressa em algumas profissões do que em outras. As taxas d mortalidade também podem ser afetadas por perdas pessoais como a viuvez; por hábitos pessoais, como o fumo ou a bebida talvez pela própria personalidade. Enquanto não se tiver estudado toda uma coorte de pessoas, desde a juventude até a velhice, não estaremos seguros sobre em que medida o efeito cumulativo d todos esses fatores distorce a representatividade do grupo sobre vivente. Dispomos, porém, de medidas de algumas das diferença mais importantes entre o presente e o passado, tais como a distribui-ção ocupacional e populacional. Isso toma possível que um grande projeto de história oral se baseie num esquema que, pelo menos em algumas de suas dimensões fundamentais, seja fidedigno.


Para nosso projeto de pesquisa sobre The Edwardians, gra-vamos entrevistas com cerca de quinhentos homens e mulheres, todos nascidos até 1906, o mais velho dos quais era de 1872. Thea Vigne e eu pretendemos selecionar um grupo o quanto possí-vel representativo da população edwardiana como um todo, e então planejamos urna "amostra por quotas" - uma lista de categorias de diversas proporções em que as pessoas tinham que se ajustar a fim de serem computadas. A amostra baseou-se no censo de 1911 e totalizou 444 pessoas. A proporção de homens e de mulheres correspondia à de 1911; assim também as proporções dos que, na época, viviam no campo, nas cidades e nas conurbações; e tam-bém o equilíbrio entre as principais regiões da Inglaterra, do País de Gales e da Escócia. Procuramos garantir uma distribuição ade-quada entre as classes, dividindo a amostra em seis grandes grupos ocupacionais, extraídos das categorias retificadas do censo em Occupation and Pay, 1906-65 (1965), de Guy Routh. Os informantes que não trabalhavam em 1911 entraram como dependentes do arrimo principal da família, em geral o pai ou o marido. Tivemos que realizar mais entrevistas do que o total de 444, a fim de preen-cher as quotas, em parte porque algumas pessoas acabavam perten-cendo a uma classificação diferente da que se esperava, e em parte porque nem todas as quotas estavam suficientemente completas.

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Amostra por ocupação e por sexo

Homens empregados


Desempregados
Mulheres

desempregados empregadas


Desempregadas

Desempregadas

Profissões

superiores 18


Empregadores e

gerentes 54


Escriturários e

capatazes 28


Ocupações

manuais


qualificadas 142 Ocupações

manuais semi-qualificadas 160

Ocupações

manuais


fio-qualificadas 42

142 172 58 172

214 230
Nosso objetivo era apresentar as pessoas da Grã-Bretanha edwardiana que estavam vivas em 1911, em parte por intermédio dos que sobreviveram, em parte por meio de seus filhos. No geral, o levantamento teve êxito quanto a isso, pois os padrões a que deu origem por região e por classe fazem sentido. Alguns dos defeitos no planejamento das quotas puderam, em outra ocasião, ser corrigidos. Por exemplo, deixamos de início de levar em conta o fato de que, devido ás mulheres edwardianas em geral pararem de trabalhar quando se casavam, as proporções de mu-lheres que trabalhavam era muito maior em alguns grupos etários adultos do que em outros.

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Amostra geográfica
Rural
144
Urbana

200
Conurbação

100

Londres


Sudeste

East Anglia

Oeste

Sudoeste


Sul do País de Gales

Norte do País de Gales

Midlands

Lancashire

Yorkshire

Noroeste e Nordeste

Baixa Escócia

Alta Escócia


É perfeitamente possível preencher uma categoria deu esquema, localmente, a partir de uma única rede social que ria, por exemplo, excluir os menos "respeitáveis". Por isso utilizamos grande variedade de meios para encontrar os informantes contato pessoal, cadastros médicos, centros de serviço concursos de redação, jornais e, até mesmo, o encontro Procuramos observar o viés social que cada um desses m de contato poderia apresentar, e compensá-los. E não há alguma de que a existência mesma do esquema de amos ajudou a levar a busca de informantes bem mais longe do outro modo, teria parecido suficiente. Os inteiramente sem qualificação, os "rústicos" e os 'não-respeitáveis", por exemplo ficaram socialmente invisíveis quase até o último momento.
A amostra por quotas tem, sobre o método aleatório vantagem inegável. Uma vez que a escolha de cada um formantes não é predeterminada, deixa de existir qualquer

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sidade de impor uma entrevista a um respondente que se man-tenha relutante mesmo depois de se haver explicado o objetivo da pesquisa e o valor potencial de sua colaboração. Só se tem a ganhar evitando uma entrevista que provavelmente gerará um material falso. Porém, embora seja evidentemente desejável gra-var apenas informantes de boa vontade, há um outro perigo que é o de ir longe demais no sentido oposto, e gravar apenas os espe-cialmente seguros e bem articulados. Mesmo dentro de determi-nado grupo social ou ocupação, estes podem ser um estrato dife-renciado de líderes, com cultura e atitudes intelectuais peculiares. Informantes desse tipo não só não são representativos, como podem mostrar-se muitas vezes menos fidedignos. Quanto mais uma pessoa esteja acostumada a apresentar uma imagem profis-sional pública, menos provável será que suas recordações pes-soais sejam honestas e francas; por isso é que os políticos são testemunhas particularmente difíceis. Assim também os que, por meio da leitura, optaram por uma visão do passado que propa-gam profissionalmente - os historiadores e os professores. Eles podem ser as fontes mais ricas de sugestões, mas também as mais enganadoras. Na verdade, na história da África, Vansina sugere que o testemunho de coletores amadores de tradições orais deve sempre ser evitado como "totalmente sem valor, por serem de segunda mão... 'Ouçam as palavras do ferreiro, não o que tem a dizer o homem que aciona o fole', como dizem os Bushongo". O informante ideal, para ele, é uma pessoa que vive ainda a vida de todo dia, de meia-idade ou idoso, "que relata as tradições sem muita hesitação, que compreende o conteúdo delas, mas não é muito bri-lhante - pois, se fosse, poder-se-ia suspeitar que introduzisse dis-torções".29 Essa questão - ainda que não seu ar indulgente -pode ser tida como relevante também na Grã-Bretanha. Para que a história oral seja efetivamente representativa, em todos os níveis sociais, justamente não serão os incomumente articulados e clara-mente reflexivos que devem ser gravados. A essência dela está em transmitir as palavras e os sentimentos da gente comum. A escolha ideal é uma escolha ampla, mas firmemente baseada no centro.

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Podemos estar seguros ao desejar evitar entrevistas com informantes relutantes. Mas e quanto àqueles que não são tanto relutantes, quanto lacônicos e retraídos? Eles proporcionarão um entrevistador simpático o esqueleto de uma história de vida, nunca, porém, o material mais compensador. Embora devam, evidentemente, ser incluídos em todo levantamento representativo, que se perderá se, deliberadamente, não os procurarmos? Ei parte, pode-se verificar isso, observando se suas histórias se deviam, em alguma direção consistente, das dos informantes comuns. Podemos obter uma indicação muito vaga a partir de um projeto de pesquisa norte-americano que estudou até que ponto personalidade se altera, à medida que as pessoas se aposentam envelhecem - o "Kansas City Study of Adult Life", de B. L Neugarten. Esse estudo classificou 59 respondentes antes e depois da aposentadoria, como se segue:30


Estudo sobre a vida adulta em Kansas

Antes da aposentadoria Depois

(a) 19 bem integrados 16 socialmente ativos

3 socialmente não engajados, porém

calmos, autônomos, satisfeitos
(b) 16 de tipo de personalidade 11 mantendo-se firmes - "Vou

"blindada", "defensiva", ambiciosos trabalhar até cair"

com alto grau de defesa 5 fechados em si mesmos, fugindo a

qualquer experiência


(c) 13 do tipo passivo dependente; 8 satisfeitos

buscam apoio emocional em uma ou 5 apáticos, prostrados (viúvos etc.)

duas pessoas
(d) 11 do tipo desintegrado 7 isolados

4 senis
Muito embora devam ser tratados com bastante cautela esses achados indicam que nem o informante retraído nem o relutante são essenciais para garantir um quadro representativo de

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experiências anteriores de vida. O primeiro grupo, dos bem inte-grados, não apresentaria dificuldade alguma. Quanto ao segundo e terceiro grupos, pouco se perderia em fazer uso de informantes de apenas urna das duas subcategorias pós-aposentadoria em cada caso. A incidência da viuvez, por exemplo, não se relaciona de maneira consistente com a experiência anterior de vida. E o último grupo produziria em geral informações não-fidedignas. Claro está que esse estudo tentativo não oferece a medida de mu-danças semelhantes de personalidade durante a infância, a juven-tude e o início da idade adulta. Se buscamos evidências desde a infância, podemos supor, com alguma segurança, que não existe nenhum tipo de vida familial que produza exclusivamente um único tipo, não entrevistável, de personalidade e que, portanto, seja inacessível ao historiador oral. As diferenças de tipos de per-sonalidade precisam ser levadas em conta, talvez com uma espe-rada sofisticação maior da medida das distribuições normais, mas não apresentam uma dificuldade insuperável.


Para enfrentar os diversos problemas propostos pela repre-sentatividade retrospectiva, o historiador oral tem que desenvol-ver, em vez da amostra aleatória padronizada, um método de amostragem estratégica: uma abordagem mais tática, tal como a "amostragem teórica" defendida por Glaser e Anselm Strauss, em seu Time Disco very of Grounded Theory. Vale a pena considerar várias abordagens diferentes. Para muitos projetos, como a res-peito de um evento, ou de um grupo pequeno de pessoas, a ques-t~o não é de representatividade, mas de quem sabe mais. Como diz o sociólogo Herbert Blurner, a busca deve ser mais de vali-dade do que de fidedignidade: "uns poucos indivíduos com esse tipo de conhecimento constituem uma 'amostra representativa' muito melhor do que mil indivíduos que estejam envolvidos na ação que se articula, mas que não tomam conhecimento dessa articulação". Para outros projetos, o objetivo global pode ser con-centrar a atenção sobre um grupo restrito: por exemplo, entrevis-tar membros de urna mesma família; ou entrevistar casais e es-tender-se investigando mais profundamente seus vizinhos e

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amigos. Isso permitiria criar um quadro de suas interações, atitudes, mitos e memórias sociais, relativamente aos quais a circularidade mesma do grupo fechado seria uma força e não uma fraqueza: como, por exemplo, no estudo sobre a memória coletivados metalúrgicos de Givors, ás margens do Reno, realizado por Yves Lequin.31 Para um estudo local mais abrangente, o método mais adequado poderia ser a "amostra estratificada de comunidade", na qual o objetivo não é obter um espelho de suas distribuições amplas, mas garantir a representação de todas as cair das sociais significativas em seu interior. Ou então, ambos objetivos podem ser conseguidos, trabalhando simultaneamente com duas amostras distintas, a segunda delas projetada pelo ir todo da "amostra por quota" que utilizamos para nosso levani mento nacional. Não há método de amostragem que possa arvorar-se no melhor para todas as situações.
A preocupação com a representatividade é fundamental para que a história oral realize seu potencial. A pior espécie de história oral é a que começa e termina com a empregada doméstica. Porém é igualmente importante não se deixar obcecar por essa questão perder de vista as questões substantivas no desenvolvimento metodologia. E também perder de vista a ocasião em que é melhor que estas sejam simplesmente esquecidas. Uma das nu profundas lições da história oral é a singularidade, tanto quanto a representatividade, de cada história de vida. Há algumas delas que são tão excepcionais e vivas que têm que ser gravadas, qualquer quer que seja o plano. Podemos, num átimo, ser transportados um outro mundo, normalmente para além até mesmo do pesquisador mais meticuloso: corno nas experiências de uma moça de Gla gow, filha de um orgulhoso artesão, um caldeireiro que fazia esboços de projetos sobre o piso de linóleo, mas que também obrigava e a seu irmão - quando tinham menos de 4 e 7 anos idade - a irem dormir na rua para agradar a madrasta deles:
Ela simplesmente nos dizia para dar o fora, só isso. É, sim, batia porta atrás de nós. Não nos dava nada (...) (para comer), primeiro a gente costumava roubar dinheiro dos trabalhadores. E daí, outras vez
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quando ficamos conhecidos demais (...) a gente costumava catar coisas no lixo e ir para o ferro-velho, conseguir umas moedas e então ir naque-les restaurantes e pegar, quem sabe uma gamela de sopa (...) e daí, outras vezes, Tomy e eu costumávamos ir numa confeitaria ou padaria e eu perguntava que horas eram, enquanto ele roubava bolinhos de aveia de cima da mesa. Era assim que a gente vivia. Entre isso e mendigar de porta em porta (...) (quanto a roupas e sapatos), a gente roubava no ves-tiário da escola (...)


Eu dormi embaixo das pontes, dormi na entrada das casas, com os tapetes, e o gatos na soleira, e dormi em guaritas dos guardas. Dormi nos abrigos da escola (...) Nas docas, eu dormia nos barracões, com os ratos andando em volta (...) Por pouco não fui jogada no porão de um navio. Num vagão de carvão (...) eu puxei a lona em cima de mim, sabe (...) Eles iam justamente despejar o carvão no porão de um navio -quando o homem do guindaste me viu (...)
Daí, aquela tia velha (...) ela costumava implicar com minha ma-drasta por causa do que ela fazia comigo (...) Ela conseguiu pegar a gente e levou a gente embora e lavou nossa cara e ensaboou a gente inteiro e fez o que pôde por nós. Mas ela tinha que trabalhar. E sempre que voltava de noite, não achava a gente, sabe (...)
E então naquela noite, eu estava dormindo na entrada da casa dela (...) Mas chegou uma senhora e eu estava dormindo fundo ali na soleira. Ela me acordou e fez uma porção de perguntas (...) me levou para a casa dela, me carregou para cima, e me lavou, me limpou e me pos na sua própria cama (...) Ela me fez sair na manhã seguinte, tinha me dado comida, pôs tantas roupas bonitas em mim (...) E ela me deu acho que foi um penny (...) Meu pai estava num pátio, numa entrada, bem ali em frente (...) Ele assobiou e eu olhei (...) Achei aquilo legal. E vou para o meu papai. Você não adivinha o que aconteceu. Ele arrancou de mim tudo que eu tinha (...) Foi para a primeira loja de penhores, pôs tudo no prego. Pôs no prego. E lá estava eu na rua de novo (...) Voltei para aquela mulher. Contei que meu pai tinha tirado tudo de mim (...) Depois, o que lembro é que estava no tribunal (...)
No fim - embora não tivesse nem oito anos - foi levada para um asilo da igreja, e seu irmão foi mandado para um navio-escola.32
Exatamente do mesmo modo que, na seleção de informantes, não existem regras absolutas, mas antes um certo número de fa-tores a considerar, assim também no final há apenas orientações úteis para indicar quando as fontes orais podem ser utilizadas

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fidedignamente, exatamente como há para outras fontes históri-cas. Os testes básicos de fidedignidade, que examinaremos por-menorizadamente no capítulo final - busca de consistência in-terna, conferência cruzada de detalhes de outras fontes, confronto da evidência com um contexto mais amplo -, são exatamente os mesmos que para outras fontes. Todas elas são falíveis e sujeitas a viés, e cada uma delas possui força variável em situações dife-rentes. Em alguns contextos, a evidência oral é o que há de melhor, em outros, ela é suplementai; ou complementar, à de outras fontes.
No campo da história da família, por exemplo, os padrões internos de comportamento e de relações são geralmente maces-síveis sem a evidência oral. O mesmo também ocorre, ao estudar urna greve, quanto aos detalhes da organização formal local, ou do comportamento desviante como o do fura-greve, ou os recur-sos comuns, como furto de combustível, que ajudavam as famí-lias a sobreviver sem renda nenhuma. O caso extremo é a história do movimento subterrâneo, como as organizações judaicas secre-tas em território nazista, no tempo da Segunda Guerra Mundial. Yad Washem, o grande Arquivo do Holocausto, em Jerusalém, além de perto de 30 milhões de documentos escritos relativos a perseguição e ao extermínio de comunidades judaicas durante o período fascista, coletou mais de 25 mil testemunhos orais. A coleção teve início já em 1944 e, logo depois do fim da guerra, foram instalados escritórios em muitos locais da Alemanha, e em outras partes do mundo, para a coleta de evidência. Vários desses centros ainda estão em atividade. Eles coletaram uma série enorme de material sobre a vida social e cultural, em parte para preservar algum registro sobre comunidades cuja história, se não fosse assim, teria morrido com elas. Muito mais notável foi a capacidade de reconstruir os relatos, tanto da perseguição quanto da resistência a ela; e isso passo a passo, com a exatidão e a paciência exigidas pela evidência que pode precisar ser provada diante de um tribunal - e ela foi regularmente testada desse modo. Quando, posteriormente, grande parte da evidência do jul-gamento de Nuremberg foi perdida pelos russos, Yad Washem````

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teve condições de reconstruir três quartas panes dos documentos faltantes. Como um dos pioneiros desse arquivo, Ball-Kaduri sabia, a partir de uma experiência de primeira mão em Berlim, que a documentação oficial não podia proporcionar um registro adequado da atividade dos líderes judeus e seus simpatizantes, os quais, para escapar à investigação da Gestapo, eram obrigados a encontrar-se sempre em segredo e a usar apenas a comunicação falada. Yad Washem foi de fato bem-sucedido na preservação de uma história que, como afirma ele, documentos escritos jamais poderiam representar - "Was nicht lii die archiven steht".33
O mais das vezes, o papel da evidência oral é menos sensa-cional, é complementar suplementar na reinterpretação de do-cumentos e no preenchimento de suas lacunas e fraquezas. O censo de ocupações profissionais, por exemplo, constitui um re-gistro muito insatisfatório sobre ocupações secundárias e de tempo parcial. Mediante entrevistas, é possível descobrir como um negociante combinava seu trabalho com a gestão de uma hos-pedaria, ou como um trabalhador biscateiro tinha uma série de ocupações sazonais, ou corno muitas mulheres, descritas como donas-de-casa, executavam certos trabalhos remunerados em casa, ou saíam para empregos de tempo parcial. O ajudante, "esse título vale-tudo preferido pelos recenseadores, acaba, em muitos casos, não tendo sido absolutamente um ajudante, mas alguém com profissão bem definida - um vigia nos estaleiros, um operador de guincho nas docas, um poceiro ou encanador na zona rural, um carregador ou um abridor de valas". Inversa-mente, como observou, em 1912, um inspetor de minas: "Você pode ter um cavouqueiro perfeitamente bom trabalhando por três semanas ou um mês mima pedreira, e em outro momento ele é lavrador numa fazenda, ou está trabalhando num serviço inteira-mente diferente".34 Essas complexidades não poderiam ser capta-das por um único item do formulário do censo, mesmo que o recenseador fosse sensível a elas. E uma vez que, para períodos mais recentes, os registros individuais não são acessíveis de modo algum, nesse meio tempo pode também ser mais necessá-177

rio, tanto em sentido quantitativo quanto qualitativo, utilizar a evidência oral:


Qual o valor de se saber que 30% dos trabalhadores de determi-nada fábrica eram poloneses, se sabemos, por investigações anteriores, que essa unidade geográfica era grande demais para ser significativa? Por outro lado, a resposta de um informante de que um único departa-mento, digamos o de polimento, possuia uma mão-de-obra que era 90% polonesa, podia estar errada de alguns pontos, ou mesmo de 10% ou 15%, mas estaria muito mais próxima da verdade do que a estimativa do censo, a qual não teria condições de ir além de especificar que 30% dos trabalhadores da fábrica eram poloneses.35
Analogamente, enquanto os arquivos judiciários e os jornais podem oferecer a melhor evidência relativa a uma disputa sobre direito de servidão, ou ao número de ladrões sentenciados mês a mês, as fontes orais podem ser fundamentais para descobrir de que modo as servidões eram em geral utilizadas, ou como de fato se organizava o sistema de roubos, com seus receptadores, regu-lares ou ocasionais. Em seu estudo sobre Headington Quarry, Ra-phael Samuel achou a história oral mais útil para explicar a estru-tura social e o padrão de vida quotidiana, e menos útil para a compreensão de uma crise, tal como um tumulto político, e uma prolongada controvérsia a respeito da disciplina escolar, em rela-ção aos quais a documentação escrita da época era mais com-pleta. Não obstante, as entrevistas provavelmente proporcionam o melhor método para avaliar os meios comumente utilizados pelos professores de todo o país para manter a disciplina em sala de aula. Um crítico de The Edwardians, argumentando que "re-miniscências interessantes não devem ser apresentadas como substituto para uma compreensão clara das coisas", afirmou que "é muito equivocado dizer que os professores primários edwar-dianos recorriam en masse à punição corporal. O debate sobre a punição corporal nas escolas do Estado havia começado na dé-cada de 1890, se não antes, e muitos Conselhos Escolares haviam começado a restringir seu uso, ainda que o NUT (National Union of Teachers) reclamasse contra sua completa abolição. O conhe178

cimento da revista do NUT, The Schoolmaster, teria indicado isso". Realmente, essa revista mostra que existia o debate. E tam-bém se pode ficar sabendo, pelo School Board Chronicle, que os professores exigiam o direito de empregar a vara como punição. Porém, certamente não é possível obter, desses documentos, ne-nhuma espécie de evidência da proporção em que a punição cor-poral era normalmente tolerada por toda parte, como se pode conseguir a partir dos testemunhos das próprias crianças. 36


Contudo, como sabe qualquer historiador experiente, a sim-ples afirmação ou contra-afirmação de que as fontes da história oral são fidedignas ou não, verdadeiras ou falsas, para este ou aquele fim, obtidas desta ou daquela pessoa, encobrem as ques-tões de real interesse. A natureza da memória coloca muitas ar-madilhas para os incautos, o que freqüentemente explica o ceti-cismo daqueles menos informados a respeito das fontes orais. Porém, oferecem também recompensas inesperadas para um his-toriador que esteja preparado para apreciar a complexidade com que a realidade e o mito, o "objetivo" e o "subjetivo", se mes-clam inextricavelmente em todas as percepções que o ser humano tem do mundo, individual e coletivamente.
O lembrar, numa entrevista é um processo recíproco, que exige compreensão de parte a parti.. O historiador precisa sempre perceber como uma pergunta está sendo respondida da perspectiva de uma outra pessoa. Por exemplo, indagação genérica a respeito daqueles bons - ou maus - velhos tempos estimula mitos e impressões subjetivos e coletivos; enquanto perguntas de pormenor podem conseguir os fatos específicos da vida quotidiana que o historiador pode estar procurando. Porém isto não significa que os mitos e impressões careçam de qua1quer validade. O mal-entendido provém, em parte, exatamente do fato de que o historiador está tentando enxergar mudança de um outro ângulo geração após outra, em vez da de um 'único ciclo de vida. Quando os idosos dizem que se divertiam mais quando crianças, ou que os vizinhos eram mais amigos na-quele tempo, podem perfeitamente estar avaliando de maneira

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adequada sua própria vida, quer as crianças de hoje achem, ou não, os vizinhos igualmente amigos. De maneira semelhantes historiadores se esquecem com muita facilidade de que a maioria das pessoas está menos interessada nos anos do calendário do. que em si mesmas, e que não organizam suas memórias demarcadas por datas.
De modo geral, uma das chaves disso está no interesse comum. Assim, um homem podia estar fascinado pela evolução tecnológica do motor de explosão, durante os anos em que foi mecânico de automóveis, mas consideravelrnente menos infor-mado a respeito da criação de seus filhos. Mas também é verdade que o superinteresse pode também apresentar problemas. Uma preocupação demasiada em justificar o papel por eles desempe-nhado, bem corno um excesso de conhecimento de segunda mão, constitui, sem dúvida, urna das razões por que os políticos são capazes, principalmente se não forem interrogados rigorosamente, de fornecer relatos de certa forma banais sobre incidentes da maior importância. "Minha experiência é de que as memórias são, regra geral, muito falíveis quanto a acontecimentos específi-cos", comenta R. R. James, "e muito iluminadoras quanto ao ca-ráter e à atmosfera, coisas em relação às quais os documentos são inadequados".37 Porém, se o orgulho pessoal e o interesse político tornam necessária cautela na avaliação das recordações dos polí-ticos, com as pessoas comuns é provável que a mera falta de interesse afete suas recordações de acontecimentos nacionais. Melvyn Bragg, por exemplo, descobriu que era inútil tentar cole-tar informações sobre acontecimentos importantes mas históricos, corno leis do Parlamento, ou incidentes internacionais, dos quais o povo de Wigton estava completamente afastado:
Alguém falará da Segunda Guerra Mundial, não em termos de Rommel ou Montgomey ou Eiscnhower, mas de um modo que todos os que serviram sob as ordens desses generais entenderiam. E a pobreza na década de 1930, para uma mulher com seis filhos, não seria em termos dc governos de coalizão e de legislação social e reivindicações sindicais, mas sim de sopa-dos-pobres, sapatos para a família, a lembrança de um dia que foram à praia - o que há de mais comum na vida quotidiana.38

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Deve-se em parte a um menor interesse, mas também a muito menor ensejo de incorporá-los á memória, o fato de que se observa uma tendência geral de se lembrar muito melhor de pro-cessos recorrentes do que de incidentes singulares. Assim, um lavrador, ao se lembrar de um desentendimento com o fazen-deiro, pode achar difícil situar o acontecimento no tempo, e tal-vez confunda os detalhes com os de outra situação semelhante. Mas se se perguntar a ele exatamente como manejava os cavalos quando arava a terra, será muitíssimo raro que se engane. As lembranças infantis do dia da coroação do rei Eduardo VII serão provavelmente muito menos fortes do que as dos locais e dos companheiros de brinquedos costumeiros. Em relação a muitos eventos, as pessoas não sabiam, na ocasião, o que estava aconte-cendo, de modo que seus relatos retrospectivos se basearão, não tanto em sua própria participação, mas no que ficaram sabendo pelos jornais ou por outras pessoas. De fato, justamente por serem essas impressões de segunda mão mais fortes do que sua experiência direta do incidente efêmero original, especialmente se este se tornou um pedaço tradicional da memória da comuni-dade, é que algumas pessoas acabam acreditando que realmente assistiram ao incidente, como um ataque aéreo, que, de fato, ape-nas vivenciaram de segunda mão, por meio dos jornais ou das conversas locais. Como observa David Jenkins sobre as comuni-dades de aldeias do Sudoeste do País de Gales, "o que é lem-brado com maior precisão é o que foi periodicamente relembrado e, em geral, isso é um material que diz respeito às pessoas; a memória é muito menos fidedigna quando relativa a eventos que não se repetiram nem foram constantemente relembrados".39


Certamente é possível reconstruir um evento com evidência oral. Mas provavelmente se mostrará tarefa mais difícil e, a menos que se compreenda essa tendência geral, isso pode levar a graves equívocos. No estudo que realizou sobre o desenvolvi-mento do automóvel popular, produzido em série, de Henry Ford, Allan Nevins teve condições de fazer um uso precioso de evidên-cia oral para dar substância à história que encontrou nos docu181

mentes da companhia. Nevins comenta, como historiador oral veterano, que "toda recordação por alguém de acontecimentos passados não é digna de confiança". Mas ele sabe como utilizar a evidência eficientemente. Por exemplo, pôde utilizá-la para esta-belecer os métodos pessoais de trabalho de Ford na fábrica, como o fato de esquivar-se ao trabalho burocrático e a responder cartas; e para distinguir os diversos papéis dentro da equipe de trabalho que levaram ao projeto fundamental do Modelo T. Contudo, ao datar a introdução da linha de montagem móvel, descobriu que alguns dos trabalhadores da Ford confundiam a primeira "verda-deira tentativa" de 1912 com um "episódico (...) experimento com tração por corda" de quatro anos antes. Outros confirmaram, acer-tadamente, que não houvera urna linha de montagem móvel regu-lar antes da data mais tardia.40


Essa condensação na memória de dois eventos distintos em apenas um constitui fenômeno muito comum. Para alguns fins, a tarefa do historiador será tentar separá-los, levando sutilmente o interrogatório mais a fundo; para outros, porém, justamente essa reorganização da memória será urna indicação preciosa de corno se constrói a consciência de uma pessoa. Assim, quando Sandro Portelli entrevistou Dante Bartolini, veterano militante da cidade industrial de Temi, ao norte de Roma, este lhe contou como, em 1943, os trabalhadores derrubaram os portões da fábrica de muni-ções, pegaram todas as armas e fugiram para as montanhas para juntar-se aos guerrilheiros. De fato, muitos dos trabalhadores ha-viam se juntado aos guerrilheiros, onde instalaram sua própria zona libertada, mas eles não saquearam a fábrica em 1943; muito embora o próprio Bartolini tenha sido um dos que tomaram as armas na fábrica, depois da prisão do líder comunista italiano Togliatti, em 1949. Para Bartolini, a resistência e a luta industrial do pós-guerra fazem ambas parte de urna só história, que se transmite de maneira eloqüente em sua narrativa simbólica. Dentro de um espírito semelhante, quase metade dos metalúrgicos que Portelli entrevistou contaram a história das greves do pós-guerra, localizando a morte de um trabalhador pela polícia

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em 1953, e não em 1949; e também deslocaram o contexto desse incidente de urna manifestação pela paz para os três dias de barri-cadas e de combates nas ruas que se seguiram à demissão de 2 700 homens das usinas metalúrgicas. Na verdade, ninguém foi morto naqueles três dias de 1953. Contudo, como afirma Portelli, os fatos não são o que interessa a respeito do episódio. "A morte de Luigi Trastulli não significaria tanto para o historiador se fosse lembrada 'corretamente'. Afinal de contas, a morte de um trabalhador nas mãos da polícia na Itália do pós-guerra não cons-titui evento tão incomum (...) O que o torna significativo é o modo como ele funciona na memória das pessoas." Trinta, qua-renta anos depois, na longue durée da memória, a morte de Tras-tulli ainda repercute na imaginação popular. "Os fatos de que as pessoas se lembram (e se esquecem) são, eles mesmos, a substân-cia de que é feita a história." A mesma subjetividade que alguns vêem como urna fraqueza das fontes orais pode também fazê-la singularmente valiosa. Pois "a subjetividade é do interesse da história tanto quanto os 'fatos' mais visíveis. O que o informante acredita é, na verdade, um fato (isto é, o fato de que ele acredita nisso) tanto quanto o que realmente' aconteceu."41
Podemos ilustrar isso com urna lembrança da história do mo-vimento operário britânico que, uma vez mais, é "falsa", mas não obstante significativa. Lindsay Morrison e Roy Hay estavam in-vestigando uma greve que ocorreu em 1911 na fábrica da Singer, em Glasgow. Com a ajuda do único trabalhador sobrevivente do operariado da época (com mais de 100 anos de idade) e de seu filho,
montamos uma narrativa sobre como a Singer tentou acabar com a greve. Segundo a versão deles, que ouvimos depois de outras fontes in-dependentes, a companhia pagou aos correios para que fizessem uma entrega especial de cartões-postais a todos os que estavam em greve. A entrega foi feita no domingo á tarde e os cartões comunicavam que se consideraria que todos os que deixassem de se apresentar ao trabalho na segunda-feira de manhã haviam abandonado o emprego na companhia...

Ora, conferimos essa história o mais que pudemos com fontes es-critas, jornais, uma história manuscrita da companhia e relatos da época. Descobrimos que houve uma remessa de cartões-postais, mas que fora

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feita de modo normal e que a mensagem que continham era algo dife-rente. A companhia dizia que quando 60% dos cartões fossem devolvi-dos, significando a disposição dos trabalhadores a voltar ao trabalho nas condições anteriores, então a fábrica seria reaberta. Obviamente, neste caso também existia a pressão, e a firma fazia uma clara tentativa de passar por cima do sindicato. Mas talvez de modo menos desleal. Não obstante, e esse é o ponto que quero acentuar, depois disso, as relações de trabalho na Singer parecem ter ficado condicionadas mais pela pri-meira versão, que parece ter tido ampla circulação e merecido crédito, do que pela segunda. Para algumas finalidades, a ficção captada na evidência oral pode ser mais importante do que "a verdade".42


Os boatos não sobrevivem, a menos que façam sentido para as pessoas. Olhando deste ângulo, como diz Portelli, "não há fon-tes ora is 'falsas'. Uma vez que se haja conferido sua credibili-dade factual com todos os critérios tradicionais da crítica filoló-gica histórica que se aplica a todo documento, a diversidade da história oral encontra-se no fato de que constatações 'não-verda-deiras' continuam a ser psicologicamente 'verdadeiras' e que esses 'erros' anteriores são mais reveladores, por vezes, do que rela-tos factualmente precisos (...) A credibilidade das fontes orais é uma credibilidade diferente (...) A importância do testemunho oral pode estar, muitas vezes, não em seu apego aos fatos, mas antes em sua divergência com eles, ali onde a imaginação e o simbolismo desejam penetrar".43 Em suma, a história não é ape-nas sobre eventos, ou estruturas, ou padrões de comportamento mas também sobre coma são eles vivenciados e lembrados na. imaginação. E parte da história, aquilo que as pessoas imaginam que aconteceu, e também o que acreditam que poderia ter acon-tecido - sua imaginação de um passado alternativo - e pois de um presente alternativo -, pode resultar fundamental quanto aquilo que de fato aconteceu. A construção de uma memória co-letiva pode resultar numa força histórica por si só de imenso poder; como, de maneira tão eloqüente e trágica,, atestam as .lutas épicas dos mineiros, ou as sucessivas perseguições dos judeus, ou a obstinação dos bôeres, ou os três séculos de luta religiosa na Irlanda do Norte

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A construção e a narração da memória do passado, tanto coletiva quanto individual, constitui um processo social ativo que exige ao mesmo tempo engenho e arte, aprendizado com os ou-tros e vigor imaginativo. Nisto, as narrativas são utilizadas, acima de tudo, para caracterizar as comunidades e os indivíduos e para transmitir suas atitudes. Como observou Jobn Berger, a função das narrativas sobre passado e presente, que são contadas numa pequena comunidade, "esse mexerico que é, de fato, uma história fechada, oral e diária", é a de definir a si mesma e a seus membros. "Toda imagem que uma aldeia tem de si mesma é construída (...) de palavras, faladas e lembradas: de opiniões, nar-rativas, relatos de testemunhas visuais, lendas, comentários e boatos. E é uma imagem sempre em elaboração; jamais se pára de trabalhar sobre ela." 44 A autobiografia individual é menos rica de recursos. Ela recorre, dentro de um intervalo de tempo finito, àquilo que alguém vivenciou e aprendeu; e o cerne dela deve ser a experiência direta. As narrativas, porém, em geral são também utilizadas para contar vidas individuais, visando transmitir valo-res; e o que elas transmitem é a verdade simbólica e não os fatos do incidente descrito, que é o que menos importa. A encapsula-ção de antigas atitudes dentro de uma narrativa constitui uma proteção que as torna menos passíveis de representar uma refor-mulação presente e, por isso, faz delas uma evidência especial-mente boa de valores passados. E isso continua a ser assim quando - como ocorre muito comumente na tradição oral cole-tiva e também, por vezes, na narração de vidas individuais - a narrativa recorre não só à reconstrução da experiência imediata, mas também a lendas e narrativas mais antigas. Uma de minhas primeiras entrevistas foi com um morador de Shetland, nascido em 1886, Willie Robertson. Perguntei-lhe quanto de contato ti-nham as pessoas com os lairds (os proprietários de terra) - per-gunta relacionada com o grau de consciência de classe delas. Ele me contou, como se fosse uma história verdadeira, nomeando um determinado proprietário, um conto popular de sepultamento am-plamente difundido na Escócia:

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Ele era Gifford of Busta. Era um dos proprietários de terra do condado - o laird. E antes de ele morrer, deixou instruções de que não devia haver ninguém para assistir seus funerais que não fosse de sua classe, os lairds. Pois bem, toda essa gente tinha que vir de muito longe para os funerais e não havia transporte a menos que viessem a cavalo. E eu tinha estado num funeral no meu tempo, onde eles davam um lanche para a gente: davam uísque, um copo de uísque, ou você podia tomar um copo de vinho. Ora, esses lairds que vieram para o funeral de Gifford ganharam lanche, bebidas; talvez alguma outra coisa também. Daí, ti-nham que levar os restos mortais, o funeral, por quatro ou cinco milhas até o cemitério. Bem, eles sempre paravam e tomavam mais bebida. Daí, um caiu; dois caíram; até que, no fim, só ficaram dois; e eles deitaram ao lado do caixão. Então eles estavam acabados. Daí, um velho lavrador se aproximou e viu os restos mortais do sr. Gifford no caixão largado ali no chão, e aqueles dois homens. Voltou em casa e pegou uma grande corda; ergueu uma das pontas do caixão e pôs a corda cm volta dele; e levou-o até a sepultura e o enterrou sozinho. E os de sua classe não estavam autorizados a comparecer ao funeral. E foi ele que enterrou o laird.
Willie Robertson pode ter se enganado ao acreditar que sua história fosse literalmente verdade; isto, porém, não diminui sua força simbólica como resposta. Os funerais nas comunidades das ilhas de pequenos agricultores (lavradores) e pescadores eram normalmente ocasiões para a demonstração da igualdade funda-mental de todos perante Deus, e, na longa caminhada para o ce-mitério, cada um teria sua vez de carregar o caixão. Em alguns, era mesmo convenção que, nisso, os mais ricos deliberadamente fizessem par com os mais pobres. Porém, ao contar a história, ele não recorre apenas a uma tradição folclórica, mas a suas próprias idéias políticas e religiosas. Willie Robertson era um presbítero da Igreja Nacional da Escócia, com forte crença na abstinência. Era também um sapateiro socialista: um membro da SDF (Social Democratic Federation), convertido pelos oradores de rua que chegavam ao norte com os barcos de arenque de East Anglia. Assim, sua narrativa é também uma parábola do Bom Samari-tano, mesclada de um sabor de consciência de classe marxista.

Muito embora um caso complexo como esse seja relativa-mente raro numa história de vida comum, ele indica a necessi-186

dade de compreender as diferentes formas e convenções que mo-delam não só as narrativas, mas também quaisquer comunicações entre pessoas. Assim como, num livro, as necessidades da expo-sição, de formato e de extensão pressionam no sentido da inclu-são de alguns detalhes e da supressão de outros, assim também se dá com a narração de uma história comum: o significado simbó-lico e os detalhes factuais devem depender de uma forma. "Ne-nhuma expressão humana, seja qual for, fica de fora de um gê-nero literário", insiste Vansina: estude "primeiro a forma e a estrutura, porque elas influem na expressão do conteúdo". Essas formas nas fontes orais têm sido analisadas principalmente por antropólogos e por folcloristas interessados na literatura oral, mais do que por historiadores. Em "literatura" oral, fazem-se dis-tinções entre gêneros característicos mais importantes, tais como a lenda grupal, a narrativa individual, a saga familiar e o conto popular. Assim, existe uma relação de tipos de contos populares, com várias centenas deles, que permite que os documentalistas no mundo inteiro reconheçam um conto, e verifiquem de que modo a versão que tenham coletado diverge do tipo básico e que influências contribufram para essas mudanças. Vansina pode não só isolar os estereótipos familiares, "recheios" e "fórmulas" das partes da narrativa que transmitem mensagens significativas, mas também afirmar com toda a segurança, por exemplo, a partir da análise sistemática de narrativas de toda uma região, que "todas as migrações no Alto Nilo são causadas por uma briga entre ir-mãos a respeito de um objeto de pequeno valor." 45 A maioria dos historiadores orais europeus têm que trabalhar sem contar com a ajuda de um acúmulo de experiência desse tipo. A narrativa indi-vidual e a história de família podem ser submetidas à mesma análise formal - mas, na prática, isso tem sido feito com muito menos freqüência.

O modo como se aprende uma narrativa também precisa ser mais rigorosamente estudado. Na França, por exemplo, as crian-ças de aldeia são levadas ao cemitério por seus pais ou avós para lhes ser ensinada a história da família. Uma fotografia de casa-187

mento pendurada na parede, ou uma reunião de veteranos de guerra ou de colegas de trabalho são todos mecanismos de re-construção da memória. Mas esses mecanismos variam significa-tivamente entre grupos sociais e localidades diferentes. No seio da minoria protestante francesa nas encostas do Drôme, nos Alpes, a memória do passado não é, como para seus vizinhos católicos, uma cadência interminável de vida e de trabalho, mas uma história longa e trágica, uma história de luta e perseguição, clandestinidade, êxodo e resistência. Ali, mostram-se às crianças os lugares secretos de assembléias nas florestas, os galhos em que os mártires foram enforcados. "Um protestante - não tinha o direito de nascer, de casar-se, nem mesmo de morrer." 46 E foi tão profunda a marca deixada pela perseguição dos séculos XVII e XVIII, que o passado mais recente acaba sendo lembrado exa-tamente dentro de mesmo modelo: a insurreição de 1851, não por suas marchas e embates, mas pela repressão sofrida; e assim tam-bém a Segunda Guerra Mundial.
O estudo dos processos diferenciados de transmissão tem sido levado mais a fundo entre os antropólogos e historiadores da África, pelo fato de dependerem de modo muito especial das fon-tes orais. Deve-se distinguir claramente entre histórias orais pes-soais - relatos de testemunhas oculares -, relativamente fáceis de avaliar, e tradições orais - que são passadas de viva voz para as gerações seguintes. Este último processo pode ser bastante di-ferente em duas sociedades vizinhas. Ao norte de Gana, Jack Goody encontrou marcante contraste entre uma sociedade tribal centralizada, na qual um mito relativamente curto e cristalizado é transmitido de uma geração para outra por narradores oficiais, e uma outra sociedade, descentralizada, na qual a apresentação do mito coletivo (o Bagre) é deliberadamente local e criativo, de modo que se altera continuamente, e versões diferentes provindas de grupos diferentes têm espantosamente pouco em comum. Ou-tros africanistas têm procurado desenredar o processo pelo qual a memória imediata se transforma em tradição formal. Ás vezes isso pode se dar muito rapidamente: as vidas dos profetas africa-188

nos, por exemplo, podem transformar-se em mitos no prazo de dois ou três anos. Mas Joseph Miller, com base em trabalho de campo em Angola, sugere que, em algumas sociedades, pode haver um certo momento, á medida que os eventos saem do al-cance da memória de primeira e de segunda mãos, em que as recordações sofrem acentuada mudança. Relatos da guerra de Angola de 1861 (que também se conhece a partir de documentos. portugueses) são por vezes relativamente precisos, com detalhes sobre armas de fogo, etc., sem muito comentário moral, pare-cendo mais uma documentação escrita; mas às vezes são apre-sentados como um evento mítico, estilizado, á maneira tradicio-nal de narrativa de guerra - o estilo dos portadores-de-tradição oficiais, os historiadores orais profissionais da sociedade ango-lana, cuja tarefa era coletar informações orais e apresentá-las em espetáculos públicos. Possivelmente a guerra angolana está so-frendo uma transição á medida que escapa à memória informal. Uma vez que nenhum dos membros de dado público pode lem-brar-se de detalhes de um evento, ou possui suas percepções e opiniões pessoais a respeito dele, o que se necessita é um relato simplificado, estilizado, que se concentre no significado da histó-ria. Assim, o limite de tempo assinala um importante processo de seleção, no qual algumas narrativas são descartadas e outras, sin-tetizadas, reestruturadas e estereotipadas. Os portadores-de-tradi-ção oficiais preocupam-se extremamente com padrões de preci-são profissional, mas que não são os padrões dos historiadores ocidentais. Assim, além daquele limite de tempo, os historia-dores de Angola podem utilizar melhor as tradições orais como evidência de valores, mais do que de fatos; e, ao fazê-lo, levam em conta as percepções completamente diferentes de tempo e da natureza da mudança, dos africanos, nelas incorporadas.47


Uma vez que as datas raramente são o forte nem mesmo da memória imediata, não é nada de admirar que se descubra que "a fraqueza na cronologia é uma das maiores limitações de todas as tradições orais". Nem sempre tudo está perdido: Paul Irwin pôde demonstrar, por exemplo, que os Liptako sub-saarianos do Alto

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Volta lembram-se corretamente de seus emires, e também das guerras de sucessão havidas entre eles, pelo menos até a década de 1820. Tanto neste caso, como em outras comparações feitas no Pacífico entre registros escritos e tradição oral, as imprecisões estão longe de ser num só sentido. Porém, de igual interesse são as distorções: a incorporação de motivos europeus na história tra-dicional, como a "imagem do negro selvagem" de um passado livre que é agora relatado pelos aborígenes Ngalakan do Norte da Austrália, a defesa de falsas reivindicações de diferenças de cos-tumes em relação a povos vizinhos, a eliminação de governantes indesejáveis das listas dos reis e a manipulação de genealogias para reivindicar terras ou propriedades, o que constitui "utiliza-ção muito comum das genealogias em todo o mundo".48
Acima de tudo, consciente ou inconscientemente, o mais provável é que memórias que são desabonadoras, ou positiva-mente perigosas, sejam tranqüilamente enterradas. "Esqueça essa história; se a narrarmos, nossa linhagem será destruída", excla-mou um tanzaniano na capital real Nango, em Vugha: sua família tinha uma história de conflitos com os governantes. São poucos os alemães que desejam pesquisar a contribuição da própria fa-mília para a eliminação dos judeus. Até mesmo os sobreviventes daqueles massacres muitas vezes querem esquecer, suprimir as próprias lembranças, tanto quanto contar o que haviam sofrido; como disse Quinto Osano, metalúrgico da Fiat, sobrevivente do campo de concentração de Mauthausen: "É, sempre queremos que isso seja contado, mas, dentro de nós, estamos tentando es-quecer; bem dentro, no mais profundo da mente, do coração. É instintivo: tentar esquecer, mesmo quando estamos fazendo os outros se lembrarem. É uma contradição, mas assim é que e". Talvez seja por isso que as tradições orais dos Ngalaka australia nos omitam toda menção à dizimação que deles fizeram os mas sacres europeus. Analogamente, em Turim, bastião do movi mento operário italiano, a fase humilhante do domínio fascista tipicamente omitida das histórias de vida espontâneas de operários: um silêncio de autocensura que Luisa Passerini vê com

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uma profunda "cicatriz, uma violenta supressão de muitos anos de vidas humanas que dá testemunho de uma profunda ferida na experiência quotidiana". Lucien Aschieri, de modo menos dra-mático, demonstrou de que modo as mesmas pressões para es-quecer modelaram a memória local de Allauch,, uma pequena co-muna na periferia de Marselha, antigamente independente, mas ultimamente absorvida pela cidade grande. Apesar do indubitável impacto que ali tiveram, a Revolução Francesa, a prolongada luta local entre os radicais e a Igreja, as greves de 1936 e as duas Guerras Mundiais dificilmente merecem alguma atenção: por-que, para uma comunidade ameaçada, a memória deve, antes de mais nada, servir para acentuar um sentimento de identidade comum, de modo que episódios de divisão e de conflito caem no esquecimento.49
De modo muito semelhante podem ser vistas as tradições de família. Carolyn Steedman nunca soube que seus pais não eram casados e que ela era ilegítima, até a morte do pai. Jan Vansina, oriundo de uma aldeia belga rica de tradição oral cujo valor co-meçou a impressioná-lo quando descobriu que os aldeões rejeita-vam a versão oficial da história ensinada na escola, veio a desco-brir, mais tarde, depois de dezesseis anos de verificação consistente, que a história de sua própria família era fidedigna apenas pela metade. A história econômica básica de como seu avô, numa si-tuação de industrialização em desenvolvimento, chegou para cul-tivar couve-flores, é bastante correta. Mas há certos trechos mais periféricos que ou foram esquecidos como menos abonadores ou, como as longínquas origens da família em Milão, foram criados a partir de memórias equivocadas de uma visita ao Norte da Itália. "Metade dessas histórias não são verdadeiras. São um cenário inventado. Elas são necessárias para o orgulho de alguém."50
A descoberta de distorção ou de supressão numa história de vida, uma vez mais é preciso ressaltar, não é puramente negativa. Até mesmo uma mentira é uma forma de comunicação; e pode proporcionar uma pista importante para a psicologia ou as atitu-des sociais da família. Porém, para podermos ler essas pistas,

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temos que desenvolver uma sensibilidade às pressões sociais relacionadas com elas. Uma história de vida espontânea e não contestada, afirma Vansina, tenderá a apresentar uma auto-imagem coerente ou um autodesenvolvimento lógico, e os eventos serão "preservados e reordenados, remodelados ou corretamente lembrados, segundo o papel que desempenham na criação desse auto retrato mental. Certas partes desse retrato são por demais íntima ou por demais contraditórias para que sequer sejam revelada Outras são privadas, mas, dependendo do estado de espírito, poder ser contadas aos mais próximos ou aos mais queridos. Outras sã para consumo público". Assim, uma autobiografia típica pode se bastante franca a respeito das tensões familiares na infância, ma muito raramente revelará dificuldades no casamento do próprio autor; menos marcadamente, esse mesmo contraste se encontra na entrevista. É especialmente provável que a experiência sexual seja censurada, ou de modo algum relatada. Um bom entrevista dor, porém, provavelmente não se satisfará nem um pouco com relato meramente público, e provavelmente só em casos excepcionais encontrará verdadeira dificuldade de ir além desse ponto. Um estudo sobre famílias pobres, por exemplo, descobriu que era preciso várias entrevistas para que seus informantes deixasse de dar a resposta que julgavam ser socialmente aceitável a alguém que representava suas próprias opiniões. "Quando se perguntou a Elsie Barker quantos irmãos e irmãs tinha, sua resposta na segunda entrevista, foi que ela era a terceira de seis filhos." Só muito mais tarde é que explicou que as três crianças menores eram, de fato, filhas de uma irmã mais velha, Brenda, que si havia suicidado. Por terem sido criadas com ela, sempre pensar nelas, e continuava a pensar nelas como irmãs e não como sobrinhas. De início, Elsie "omitira qualquer menção a Brenda".5' 1 história completa não apenas era complicada demais para uma resposta simples, como também introduzia uma lembrança familiar dolorosa e vergonhosa. Contudo, ela estava oculta, mas não ir recuperável. A combinação de fatos acontecidos em diferente épocas, mediante esse processo de recuperação, oferece-nos

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informações muito mais significativas do que os próprios fatos manifestos.
A possibilidade de recuperação, de ir erguendo gradual-mente as camadas da memória e da consciência, constitui uma diferença essencial entre a memória pessoal imediata e uma tra-dição oral que vem de várias gerações. Um bom número de an-tropólogos tem afirmado que as tradições orais são tão maleáveis sob pressões sociais, tão seguidamente modeladas e remodeladas pelas mudanças de estruturas e de consciência, que seu valor não só é meramente simbólico, mas isso apenas em relação ao pre-sente. Jack Goody, por exemplo, interpretaria as tradições por meio de uma teoria de "homeostase dinâmica", em que toda alte-ração da organização ou da prática social imediatamente se re-flete numa tradição remodelada. Vansina rejeita vigorosamente um funcionalismo tão extremado como esse: embora seja ver-dade que "todas as mensagens possuem alguma intenção que tem a ver com o presente, pois, de outra forma, não seriam relatadas no presente e a tradição feneceria", a idéia de que as tradições não conservam mensagem alguma vinda do passado é absoluto exagero. As mudanças sociais freqüentemente levam tanto a acréscimos, deixando intactos variações e arcaísmos mais anti-gos, quanto a supressões; e os temas suprimidos geralmente dei-xam sinais. Se nada do passado fosse deixado, "onde a imagina-ção social encontraria a substância a partir da qual inventar? Como se explicam as continuidades culturais?". O que é um fun-cionalismo como esse, senão a analogia com uma máquina, le-vada mecanicamente ao absurdo lógico de uma falsa analogia? E ainda menor é a simpatia que ele dedica à "falácia do estrutura-lismo", que se baseia em outras analogias com leis humanas uni-versais de pensamento não comprovadas e que, na prática, produ-zem um número infinito de interpretações para o mesmo mito: "a despeito de sua apresentação pseudológica, essas análises são, de fato, discursos inventivos, válidos apenas na mente de quem os inventa, visando à persuasão e não à prova". Como ele resume convincentemente:

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Sim, .tradições orais são documentos do presente, porque são narradas no presente. Contudo, trazem também em si, ao mesmo tempo, uma mensagem do passado. Não se pode negar que haja nelas quer o presente, quer o passado. Atribuir todo o seu conteúdo ao evanes-cente presente, como fazem alguns sociólogos, é mutilar a tradi-ção; isto é reducionista. Ignorar o impacto do presente, como tém feito alguns historiadores, é igualmente reducionista. As tradições devem ser sempre compreendidas como refletindo simultaneamente o passado e o presente.52


Uma defesa tão enérgica como essa dificilmente será neces-sária em relação à memória pessoal imediata, muito embora o argumento também se aplicasse neste caso; o equilíbrio de in-fluências é nitidamente diferente. Muito freqüentemente, os cria-dores de mito passam a ser, não os participantes diretos, mas. sim os que o relatam, até mesmo os historiadores. Foi demonstrado por Jerome Mintz, a partir do testemunho direto dos próprios ha-bitantes - com quem ele viveu durante três anos -, que o "clás-sico" levante anarquista do Sul da Espanha, na aldeia de Casa Viej as, encarado por Eric Hobsbawm e por outros historiadores como uma reação revolucionária à fome, "utópica, milenarista, apocalíptica", foi uma insurreição consciente, mas mal planejada, atendendo à convocação dos militantes de Barcelona, durante as greves gerais de 1933 nas cidades. A aldeia não havia sido um bastião anarquista bem organizado; o levante foi brutalmente li-qüidado antes que o povo tivesse tempo sequer de dividir as ter-ras, quanto mais de inaugurar uma sociedade utópica; e quem resistiu por mais tempo não era seu líder carismático, mas sim um carvoeiro heróico e apolítico. O mito de Casa Viejas sobrevi-veu porque se ajustava bem às crenças tanto das autoridades fas-cistas quanto da esquerda, fornecendo bodes expiatórios e heróis, E no correr de todas as décadas do regime de Franco, os sobrevi-ventes também precisaram manter-se silenciosos: "É certo e na-tural que, não conhecendo bem as pessoas, tinha-se que mentir. Cada um tem que se proteger".53 Porém, eles ainda sabiam.
Em relação à memória imediata, o passado está muito mais perto do que na tradição. Para cada um de nós, nosso modo de

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vida, nossa personalidade, nossa consciência, nosso conheci-mento constroem-se diretamente com nossa experiência de vida passada. Nossas vidas são a acumulação de nossos passados pes-soais, contínuos e indivisíveis. E seria meramente fantasioso su-gerir que a história de vida típica pudesse ser em grande medida inventada. Uma invenção convincente exige um talento imagina-tivo muito excepcional. O historiador deve enfrentar esse tipo de testemunho direto não como uma fé cega, nem um ceticismo arrogante mas com uma compreensão dos processos sutis por meio dos quais todos nós percebemos, e recordamos, o mundo a

nossa volta e nosso papel dentro dele. Apenas com um espírito .sensível assim é que podemos esperar aprender o máximo da-quilo que é relatado.


O valor histórico do passado lembrado apóia-se em três pontos fortes. Primeiro, como demonstramos, ele pode propor-cionar, e de fato proporcionas informação significativa e, por vezes, única sobre o passado. Em segundo lugar, pode também transmitir a consciência individual e coletiva que é parte inte-grante desse mesmo passado.
Mais do que isso, a humanidade viva das fontes orais atri-bui-lhes uma terceira força que. é exeepcional. Pois as intuições reflexivas da retrospecção de modo algum constituem sempre -desvantagem. É "precisamente essa. perspectiva histórica. que nos permite avaliar o significado a longo prazo da história", e só podemos fazer objeção a receber essas interpretações retrospectivas de outros- considerando que os distingamos como tais - se

Quisermos excluir os que viveram através. da história de toda e qualquer participação em sua avaliação. Se o estudo da memória "nos ensina que. todas as fontes históricas estão impregadas de subjetividade desde o início", a presença viva das vozes subjetivas do passado também nos limitam em nossas interpretações, e nos permitem, na verdade obrigam-nos,a testá-las em confronto o com. a opinião daqueles que sempre, de maneira fundamental

saberão mais do que nós.54 Simplesmente não somos livres para inventar aquilo que .é possívelao arqueólogos de antigas eras, ou

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até mesmo aos historiadores da família moderna em seus primei-ros tempos. Só porque a morte das crianças era tão comum, não poderíamos presumir que os pais não sofriam profundamente com a morte de seus filhos, sem lhes perguntarmos a respeito.
Em suma, estamos lidando com fontes vivas que, exatamente por serem vivas, são capazes, á diferença das pedras com inscrições e das pilhas de papel, de trabalhar conosco num processo bidire-cional. Até aqui, concentramo-nos sobre aquilo que podemos aprender com elas. Mas a narração de sua história pode também ter um impacto sobre elas. A isto deveremos voltar em seguida.

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A MEMÓRIA E O EU


Toda fonte histórica derivada da percepção humana é subje-tiva, mas apenas a fonte oral permite-nos desafiar essa subjetivi-dade: descolar as camadas de memória, cavar fundo em suas sombras, na expectativa de atingir a verdade oculta. Se assim é, por que não aproveitar essa oportunidade que só nós temos entre os historiadores, e fazer nossos informantes se acomodarem rela-xados sobre o divã, e, como psicanalistas, sorver em seus incons-cientes, extrair o mais profundo de seus segredos?
Eis um convite sedutor. A psicanálise é a magia de nossa época. O estranho poder dos psicanalistas - de ouvir e curar, de libertar a angústia e a culpa dos grilhões de um passado de que havíamos esquecido e, por meio de sua expressão, fazer com que repousem; de, por nos escutar, conquistar nosso amor para a se-guir devolvê-lo a nós como uma força nova em nossa própria autoconfiança; em suma, de, penetrando na mais profunda intimi-dade que nunca havíamos partilhado com ninguém mais, mudar nosso eu mais interior e mais secreto - não pode, pela própria natureza, ser plenamente imaginado ou logicamente compreen-dido. Isso basta para torná-lo tão ameaçador quanto irresistível. Acrescente-se uma teoria misteriosa sobre o inconsciente cons-truída em torno de nossa sexualidade pessoal, tabu e altar de nossa cultura, e não é de admirar que o poder de que dispõem os psicanalistas - e mais ainda os psiquiatras, com suas baterias de drogas no armário para transtornar a mente - faça deles os bru-197

xos também os oráculos do século XX. E especialmente para os historiadores, eles apresentam o duplo desafio, profissional e pes-soal, de profissões alternativas que manipulam o passado se-gundo regras diferentes.


Porém, queira-se ou não, serão poucos os historiadores orais capazes de praticar a psicanálise. Isso requer muitos anos de uma formação diferente. Igualmente importante é que as entrevistas de história oral têm como pressuposto outros objetivos: não se pode pedir a nossos informantes que se deitem no divã, que abram suas mentes em associação livre, que falem enquanto o entrevistador fica em silêncio, ou que apresentem anotações diá-rias de seus sonhos e fantasias. Porém, há muita coisa que os historiadores orais podem certamente aprender com a psicanálise a respeito do potencial de seu próprio ofício - em relação tanto a si mesmos quanto a seus informantes. Na verdade, refletir a respeito das implicações da psicanálise tem, sem dúvida, propor-cionado, ao longo dos últimos dez anos, um importante estímulo para o progresso de nossa compreensão da memória oral como evidência.
O modo mais direto pelo qual tem surgido esse interesse tem sido, freqüentemente, uma experiência pessoal de terapia. Temos a sorte de possuir um relato disso feito por um eminente historiador oral, em Iii Search of a Past (1984), de Ronald Fraser. É um livro excelente, original e fascinante que, por si só, poderia ser uma obra maravilhosa de história social. Fraser entrevistou os empregados de seus próprios pais. Através dos penetrantes olhos deles, ele reconstrói o mundo social da classe alta dos Home Counties (condados nos arredores de Londres) durante a década de 1930, e a transformação havida quando a caça terminou e as barreiras sociais desabaram na Segunda Guerra Mundial. As pa-lavras dos empregados oferecem-nos, de maneira vigorosa, a complicada mistura de lealdade e hostilidade que une tanto em-pregado a empregado, quanto empregado a patrão; e também, de arrepiar, o vazio emocional no interior da família da mansão se-nhorial - o casal sem amor e seu filho solitário e arrogante. Mas

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a coragem e a originalidade de Fraser é juntar e entrelaçar essas dolorosas memórias da infância com outros dois diálogos: com seu pai, outrora amedrontador, agora patético e desnorteado, a mente reduzida a um borrão em que retalhos de lembranças flu-tuam soltos, chegando ao fim da vida num asilo de velhos; e numa discussão sobre as próprias lembranças com seu psicana-lista. O resultado é uma forma completamente nova de autobio-grafia, pondo em confronto os grandes temas do tempo e da classe, e no entanto intensamente íntima.
E é também uma fuga musical sobre a natureza da memória. Por contraposição, é mostrado que a evidência da história de vida aparentemente franca e honesta dos empregados contém seus si-lêncios e evasões peculiares, por exemplo, quanto ás relações se-xuais entre eles; isso se contrapõe à memória gravemente cor-roída do velho pai, que parece ser também a ruína de suas mentes; e fornece o material para que, pela psicanálise, Fraser levante, uma a urna, as camadas de sua memória inconsciente. Foi sua ama-de-leite, por exemplo, que lhe contou como ele foi alimentado e trocado a horas certas, e colocado no penico desde os quatro meses de idade: "Mais tarde, eu amarrava você sobre o penico nos pés da cama até que você fizesse". E por meio de sua terapia, Fraser não apenas deu vazão a seu ódio contra os pais, mas veio a compreender como a divisão social entre patrões e empregados no lar de sua infância foi também uma ruptura emo-cional que ele trouxe para a idade adulta. Sua ama-de-leite rude e prática foi uma mãe para ele, tanto quanto sua mãe esquiva e bela; enquanto o ressentido jardineiro, que tanto odiava a arro-gância silenciosa de seu pai, foi quem se tomou a companhia diária mais íntima do menino solitário, quem o escutava, quem o

ensinou a plantar, a valorizar o trabalho feito com as mãos - um segundo pai. Foi esse jardineiro que, por tê-lo ligado emocional-mente a um trabalhador, abriu inconscientemente o caminho polí-e tico que Fraser veio a trilhar muito mais tarde, quando rejeitou os

valores de sua classe juntamente com os do pai que o rejeitava.
Assim, embora de início parecesse que o psicanalista bus-199

cava no passado algo muito diferente do interesse pessoal de Fra-ser como historiador, deixando de lado qualquer teorização abs-trata, o mundo material e o que realmente acontecera, para con-centrar-se nos sentimentos a respeito do passado e nas relações entre as pessoas, ao final de sua "viagem de descoberta interior", por meio da análise, as duas dimensões da compreensão haviam se tomado parte de uma única interpretação.' Isto não significa, porém, que só se pudesse chegar a uma interpretação como essa por meio da psicanálise. Teria sido um resultado igualmente tí-pico da discussão em grupo que ocorre na terapia familiar, que traz à tona sentimentos subjacentes por meio do confronto direto com outros membros da família, numa situação em que expressa-los é seguro e de fato esperado. As técnicas específicas de livre associação e de análise de sonhos não fazem parte desta aborda-gem terapêutica. Não obstante, ela é igualmente eficiente para revelar a complexidade de emoções contraditórias, do amor e ódio entrelaçados, típicas dos relacionamentos íntimos e, mais ainda, para indicar as influências intergeracionais igualmente ca-racterísticas dos padrões emocionais, mediante os insights pro-vindos de urna teoria de sistemas familiais que busca a estrutura-ção das relações.


Tomemos o caso de uma bela filha adolescente de um pe-queno negociante do Norte da Itália, que estava se matando aos poucos por não comer. Contra o que estava protestando? A famí-lia não conseguia compreender, e a escola, onde ela era muito esforçada e ia bem, não conseguia dar nenhuma pista. Desespera-dos, buscaram a ajuda de um terapeuta familiar carismático da cidade grande. O que de início cada um contava sobre os outros era tipicamente restrito: os filhos achavam que a mãe podia tal-vez ser um pouco mais independente, enquanto esta falava do marido como um homem bom cujo único problema era que nunca ria, estava sempre sério e triste. Mas levou menos de uma hora no consultório para que se erguesse o véu de sobre os segre-dos da família, que os haviam paralisado a todos. O marido vinha de uma família próspera, mas havia casado com um das empre-200

gadas do pai depois de a haver engravidado. Para ele, o caso fora uma rebelião contra o próprio pai, que dominava sua "santa" mãe deprimida; para ela, uma libertação da pobreza familiar. Mas ao invés de se libertarem dos problemas dos avós, deixaram-se pren-der por eles, impingindo-os aos próprios filhos. Ele havia agido honradamente, mas nunca perdoara a esposa por havê-lo sedu-zido e estragado sua vida. Preferia passar seu tempo livre com os pais, compartilhando de um desprezo comum por la serva. A mulher achava que ele era sempre severo, duro com ela, incapaz de dar ouvidos a seus problemas, e seu ódio mal disfarçado levara-a a uma depressão que ia e voltava; o marido a considerava intole-ravelmente superemotiva, e estava cheio dos problemas familia-res dela; os filhos se queixavam de seu choro e de seus gritos. Emocionalmente, em vez de se envolverem um com o outro como um casal, tanto o marido como a mulher continuavam ape-gados principalmente a suas famiias de origem. A família dela não só era socialmente inferior à dele, como continuava sendo muito mais pobre, e a queixa mais sentida que ela fazia era de ele se negar a dar dinheiro para ajudar suas irmãs; enquanto ele enca-rava a família dela como um escoadouro permanente de seus re-cursos, sempre querendo mais. No entanto, fazia questão de que, todo domingo, ela preparasse uma refeição familiar para os pais, que participavam de seu ressentimento contra ela e sua gente. Nesse beco sem saída de antagonismo emocional e de classe, o almoço de domingo era uma forma de ódio. Muito embora ne-nhum dos dois houvessem compreendido antes, agora ficava bem claro que a recusa de comida pela filha era um brado contra o conflito oculto, mas intolerável, entre os pais. Sua ação era como o reflexo no espelho: ao invés de alimento como ódio, a inanição como amor.


A terapia familiar é uma outra situação especial em que as verdades interiores muito freqüentemente emergem mais rapida-mente do que na psicanálise. Tem a vantagem de interpretar as necessidades individuais não isoladamente, mas dentro de um contexto social. Por meio de sua perspectiva, podemos examinar

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exatamente por que, numa família, cada geração de filhos briga com o pai, enquanto outra passa de pai para filho tanto as habili-dades quanto a ambição de ser bem-sucedido exatamente na mesma profissão da família; por que, numa família, nem o pai, nem os filhos se envolvem numa única relação amorosa cons-tante, mas sempre mantêm amantes, enquanto em outra são as mulheres fortes que dão o tom, e ainda em outra, a uma mãe deprimida seguem-se filhas deprimidas. Esse exame da diversi-dade da experiência comum é muito mais compensador do que as aplicações grosseiras da teoria psicanalítica individual a culturas inteiras que, infelizmente, têm caracterizado a "psico-história". E está também muito mais próximo da variedade extraordinária das 1 vidas individuais que os historiadores tipicamente descobrem e precisam explicar. Uma das principais lições que se deve extrair de ambas essas espécies de terapia é a necessidade de maior sen-sibilidade histórica ao poder da emoção, do desejo, rejeição e imita-ção inconscientes, como parte integrante da estrutura da vida social comum e de sua transmissão de uma geração para outra.
Analogamente, não são as técnicas específicas da psicaná-lise na interpretação de sonhos o que mais importa, mas sim ter ela chamado a atenção para o fato de quão impregnado de simbo-lismo está nosso mundo consciente. Poderíamos perguntar pelos sonhos de nossos informantes, por seus pesadelos, ou por suas fantasias enquanto sonham acordados na linha de montagem; e para aprender o máximo com essas expressões de seus desejos e angústias interiores, evidentemente precisaríamos identificar os ardis característicos do "trabalho do sonho", sua condensação de mensagens, inversões, substituições, metáforas, jogos de palavra e imagens visuais, por meio dos quais os sonhos transmitem suas mensagens simbólicas. Esses ardis são uma das razões para o poder aterrador da fantasia e do pesadelo. Mas é igualmente compensador saber que esses recursos também constituem pistas comuns para o significado simbólico de mensagens transmitidas conscientemente: de costumes sociais como cantoria barulhenta, ou de piadas, ou de mitos tradicionais e de narrativas pessoais.

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De modo menos ambíguo, a reinterpretação da psicanálise freudiana por Jacques Lacan chamou especial atenção para o papel fundamental da linguagem como parte do simbolismo. Ele acredita que o inconsciente está estruturado como uma linguagem e vê a aquisição da identidade sexual e pessoal como um processo si-multâneo e sempre precário, cujos alicerces são lançados à me-dida que a criança pequena ingressa na linguagem quando se co-meça a falar com ela e ela começa a escutar e a aprender a falar. A masculinidade e a feminilidade são, pois, impostas à psique mais profunda da criança pequena, muito antes que as diferenças entre os sexos tenham qualquer significado imediato, por meio do simbolismo cultural inconsciente do gênero embutido na lin-guagem. A reformulação que Lacan faz da perspectiva essencialmente masculina de Freud sobre o desenvolvimento da personali-dade humana é menos radical do que as anteriores, de Klein e Chodorow; e, em parte, por ele a ter proposto numa linguagem simbólica tão intencionalmente incompreensível, ela resiste muito menos bem à crítica lógica.


Não obstante, sem dúvida alguma tem ajudado as feministas a mostrar as inadequações de deduções diretas a partir das dife-renças entre o desempenho masculino e feminino, e a vacuidade de políticas de igualdade de oportunidade que ignoram o peso da cultura. Imediatamente a partir desses momentos iniciais do de-senvolvimento da consciência social, a menina pequena aprende que é uma fêmea que ingressa numa cultura que privilegia a mas-culinidade e, por isso, privilegia os homens, exatamente como na linguagem a forma masculina tem sempre prioridade como regra, e a forma feminina só entra como exceção. Para assumir um lugar positivo no mundo da cultura, ela tem que lutar desde o início; mas é uma luta desigual. Em culturas de escrita pictórica, as mes-mas lições serão internalizadas por uma segunda vez, à medida que ela aprende a ler: urna menina chinesa irá descobrir que o s caráter que designa homem é formado pelos símbolos de campo e força, enquanto o que designa mulher, pelos de tear ou útero.
A internalização dessas atitudes revela-se com igual clareza,

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como têm descoberto os historiadores orais, nas diferentes ma-neiras pelas quais homens e mulheres mais idosos utilizam a lin-guagem. Isabelle Bertaux-Wiame observa como, entre os migrantes vindos da zona rural francesa para Paris, "os homens consideram a vida que viveram como sua", como uma série de atos conscien-tes, com metas bem definidas; e ao narrar sua história usam o "eu" ativo, tendo como certo serem eles mesmos o sujeito de suas ações por meio das formas de falar que utilizam. As mulhe-res, em contraposição, falam sobre as próprias vidas tipicamente em termos de relações, incluindo em sua história de vida partes de histórias de vida de outras pessoas; e muito freqüentemente falam como nos ou "a gente" (on em francês), simbolizando as relações subjacentes àquela parte de sua vida: "nós" como "meus pais e nós", ou como "meu marido e eu", ou como "eu e meus filhos".2 Lidas desta perspectiva, as histórias de vida revelam novas mensagens insuspeitadas e importantes.
Finalmente, podemos compreender mais daquilo que não édito. Ainda uma vez, não são tanto as teorias específicas da psi-canálise que se mostram mais úteis, quanto uma nova sensibili-dade, uma capacidade de perceber o que pode ter faltado. A pró-pria crença original de Freud na memória total agora parece mais um desejo fantasioso do século XIX de recapturar o passado e não tem, certamente, base científica alguma, muito embora tenha tido tanta influência que a maioria das pessoas parece "acreditar que todas as lembranças são potencialmente recuperáveis".3 É quase certo que Freud estava errado ao explicar a ausência de lembranças da primeira infância pela repressão: é muito mais provável que a experiência do bebê seja esquecida por não se haver ainda organizado a memória de longo prazo, do que elimi-nada por ser vergonhosa. Como também não nos ajudará muito considerar que a "resistência" típica do analisando - dissimu-lada, oculta, obstinada - pode, ou não, ser entendida pela analo-gia com as recusas infantis a alimentar-se, a ser desmamada, ou a defecar no lugar certo. A lição importante é aprender a estar atento áquilo que não está sendo dito, e a considerar o que slgni-204

ficam os silêncios. Os significados mais simples são provavel-mente os mais convincentes.


Em suma, o que podemos esperar ganhar pela influência da psicanálise é um ouvido mais perspicaz para as sutilezas da me-mória e da comunicação, mais do que a chave de um quarto se-creto. O que é tipicamente reprimido também está tipicamente presente - tal como o sexo. O que o inconsciente conserva pode diferir em proporção e em poder, mas não em espécie: trata-se simplesmente de experiência humana, acidental ou ativamente esquecida por todas as razões que estivemos vendo. Os sobrevi-ventes de campos de concentração sonham com comida e com tortura. O mundo real modela até mesmo as alucinações do intei-ramente louco. Os esquizofrênicos vitorianos teciam suas fanta-sias em tomo de religião, enquanto os esquizofrênicos de hoje fantasiam a respeito de sexo; ambos, porém, partem das preocu-pações quotidianas de sua época. A fantasia e o inconsciente não passam, afinal, da reordenação de vidas. Ás vezes, podem apre-sentar o mundo de cabeça para baixo; e certamente têm o poder de alterar a maneira como as pessoas atuam na realidade. O in-consciente é como uma força por trás de toda história de vida. Porém o molde da civilização e de suas insatisfações é bastante evidente, seja qual for o lado da consciência do qual o percebamos.
Há, contudo, urna outra dimensão da psicanálise que exige igual atenção dos historiadores orais. Trata-se de seu processo terapêutico original mediante a liberação da memória. Muitos historiadores orais têm chegado a dar-se conta disso por acaso, pela própria prática. Ficarão sabendo - muitas vezes por meio de uma terceira pessoa - como o fato de ser entrevistado deu a uma pessoa idosa um sentimento renovado de importância e de finalidade, algo por que esperar, até mesmo a força para lutar contra uma doença e para conquistar novas esperanças. Podem também ter descoberto que nem sempre isso é tão simples.
A maioria das pessoas conserva algumas lembranças que, quando recuperadas, liberam sentimentos poderosos. Falar sobre uma mãe ou pai que se perdeu pode provocar lágrimas, ou ódio.

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Em geral, tudo de que se necessita nessa situação é uma reação simples e de solidariedade: expressar os sentimentos terá sido, por si só, positivo. Porém, algumas lembranças desenterram so-frimentos profundos, não resolvidos, que realmente exigem uma reflexão mais prolongada com a ajuda de um terapeuta profissio-nal; evidentemente, nesses casos, o melhor que o historiador oral pode fazer é sugerir onde encontrá-lo. Essas situações surgem, tipicamente, de experiências de família que são violentas, vergo-nhosas, ou particularmente complicadas e desconcertantes; ou dos traumas de guerra e de perseguição.
Donald e Lorna Miller gravaram as lembranças de sobrevi-ventes do "primeiro genocídio do século XX", o massacre de um milhão de armênios - metade de toda a população deles no Im-pério otomano - nos anos entre 1915 e 1922. Alguns foram queimados vivos; outros usados como animais de carga, mutila-dos, torturados, ou deixados morrer de fome. Os ventres das mu-lheres grávidas eram rasgados e outras mães eram obrigadas a deixar os bebés assim arrancados morrerem nas pedras dos rios, ou a vendê-los a nómades árabes; não foram poucas as mães e famílias que cometeram suicídio juntas. O que ficou desse horror inimaginável na memória dos sobreviventes? Alguns jamais fala-rão sobre isso. Em alguns, o ódio agora cedeu lugar à explicação política, ou à resignação com o fato de que ninguém se preocupa com isso; ou até mesmo ao esquecimento. Em outros, porém, o ódio aos turcos continua ferozmente aceso: sonham à noite que estão sendo caçados - "Acordo suando" - "Eles nos golpeiam pelas costas". E ainda outros têm esperança de vingar-se: em 1973, um sobrevivente de 78 anos, que perdera quase toda a fa-mília no massacre, matou a tiros dois funcionários consulares tur-cos num café em Santa Bárbara, na Califórnia.4 Seu ódio foi uma lembrança que permaneceu viva por mais de cinqüenta anos, em outra cultura e em outro continente.
Igualmente apavorante é a lembrança da degradação, humi-lhação e extermínio ainda mais sistemáticos das vítimas dos cam-pos de concentração nazistas. Duzentos sobreviventes italianos

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testemunharam sobre quantos deles guardavam isso apenas para si mesmos, pois achavam que outras pessoas não iriam acreditar em todo aquele horror, impossível de exprimir em palavras, e doloroso demais para ser ouvido pelos mais próximos deles: a maneira como haviam sido separados de todos os conhecidos, despojados de tudo quanto possuíam, deixados inteiramente nus, a cabeça totalmente raspada, recebendo números em lugar do nome, obrigados a comer com a boca e com as mãos 'come una bestia"; como viveram dia após dia em meio à visão e ao odor da morte, sentindo o cheiro dos corpos queimados, vendo as cinzas dos corpos serem usadas para pavimentar estradas, vendo pilhas de cadáveres; como aprenderam, para sobreviver, a comer capim para minorar a fome, a roubar de qualquer um, a não confiar em ninguém a não ser que fosse muito íntimo, a dormir despreocu-pado ao lado do cadáver de um companheiro de prisão depois de lhe tirar toda a roupa para aquecer-se e, sobretudo, a pensar na morte como algo comum, até mesmo quando os guardas agre-diam outro prisioneiro até a morte diante deles, abrindo-lhe a ca-beça a pancadas... Não é de admirar que, ainda hoje, a narrativa sobre isso custe semanas de pesadelos terríveis que retornam. E essas lembranças podem ser quase tão intoleráveis por reflexo. Claudine Vegh teve análogos temores, pesadelos, crises nervosas, ódio e paralisia quando estava entrevistando judeus franceses cujos pais foram. mortos no período nazista. "Muitos dos que fi-caram órfãos jamais falam sobre o passado, é tabu (...) Não que-rem e, acima de tudo, não conseguem falar sobre isso." Muitos dos que falaram relutavam muito, falavam em sussurros roucos, ou caíam em prantos. Não tinham tido a possibilidade de chorar na época em que se separaram de seus pais, pois não tinha havido tempo, nem cerimônia alguma, e não tinham tido certeza senão muito tempo depois de que seu pai, ou sua mãe, havia morrido. Nenhum consolo fora possível. Haviam arrastado até a idade adulta uma ferida aberta, uma confusão de perda, vergonha, ódio e culpa, tão real hoje em dia quanto antes: "silenciosas agonias" que os haviam "assombrado durante toda a vida, (...) um feri207

mento tão doloroso, tão onipresente, tão totalmente abrangente, que parece impossível falar sobre ele, mesmo depois de toda uma vida".5


Lembranças desse tipo são tão ameaçadoras quanto impor-tantes e exigem uma habilidade muito especial de quem escuta. Ainda bem que são excepcionais. Para a maioria das pessoas, o sofrimento do passado é muito mais suportável, por encontrar-se ao lado de boas lembranças de alegria, afeto e realização, e a lembrança destas e daquelas pode ser uma coisa positiva. Recor-dar a própria vida é fundamental para nosso sentimento de identi-dade; continuar lidando com essa lembrança pode fortalecer, ou recapturar, a autoconfiança. A dimensão terapêutica do trabalho de história de vida tem sido uma descoberta que sempre se re-pete. Assim Arthur Ponsonby, o crítico literário e antologista de English Diaries (1923), assinalou que muitos de seus autores uti-lizavam as páginas de seus diários com a finalidade de "auto-aná-lise, autodissecção, introspecção, (...) para iluminar-se mental-mente, para esgotar problemas humanos, para fazer uma avaliação da situação (...) Talvez até tirassem disso a mesma es-pécie de alívio que outros encontram na oração". Willa Baum achou que a entrevista de história oral "quase sempre tem efeitos benéficos para os narradores". Os sociólogos também assinala-ram a dimensão confessional da entrevista de história de vida e, em parte porque grande parcela de seu trabalho tem sido feito com indivíduos de comportamento desviante que muitas vezes são isolados como pessoas, têm-se defrontado, de modo especial, com reações inesperadamente calorosas dadas a um "ouvido soli-dário". Annabel Faraday e Ken Plummer ilustram esse fato muito claramente a partir de uma série de cartas que receberam:
Se minhas reações foram impulsivas, isto se deu porque você rompeu inesperadamente o muro de meu isolamento e não posso deixar de pensar em você como um amigo de tipo muito especial. Espero que você pense em mim de modo semelhante.

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E de uma carta posterior:
Senti hoje grande alívio cm conversar com você. Sou grato por você ser um ouvinte tão solidário e por me fazer sentir tão à vontade.
E novamente, vários meses depois:
Acho que estou sobrecarregando você e usando-o como um es-cape para meus problemas pessoais, mas aconteceu que abriu-se uma válvula...
Como pesquisadores, eles de fato achavam que terem mu-dado de observador solidário, "passando por caixa de ressonân-cia, e chegando a confessor e arrimo emocional" era uma carga que podia ter consumido uma energia infindável, dados os graves problemas de muitos dos desviantes sexuais que estavam gra-vando. Porém, as mudanças positivas que percebiam em alguns dos informantes eram igualmente surpreendentes: por exemplo, o homossexual que declarou que, agora, ele estava "suficiente-mente forte para 'mostrar-se' publicamente - ação esta que ele sentia que inevitavelmente resultaria no rompimento final de seu casamento já abalado, o que, sugeria ele, poderia ser feito me-diante a publicação de sua história de vida".6 É certo que as mu-danças que podem ser percebidas pelos historiadores orais em seus sujeitos provavelmente não serão tão pitorescas, mas é pos-sível que sejam igualmente importantes. O fato de cada vez mais se darem conta, não só de que as pessoas eram úteis à história, mas que também a história podia ser útil para as pessoas, foi uma das origens principais do movimento de terapia da reminiscência que se tem difundido tão surpreendentemente nos últimos anos.
Seu outro ponto alto foi uma mudança perceptível na ati-tude para com os idosos por parte dos profissionais que cuidam deles. Vinte anos atrás, os gerontologistas reprovavam decidida-mente a reminiscência. Encaravam o "viver no passado" como patológico, urna fuga da realidade presente, uma recusa da passa-gem do tempo e do envelhecimento, até mesmo como evidência de uma lesão cerebral ou de uma "regressão [psicológica] ao es209

tado de dependência da criança". A idéia de que a reflexão sobre o passado pessoal e, por meio dele, a aceitação da mudança podem ser essencial para a preservação da auto-identidade me-diante as transformações características do ciclo vital constitui uma inferência lógica do pensamento psicanalítico básico e já fora afirmada por Erikson; na prática, porém, a psicanálise de idosos não era comum. A mais importante influência veio de um psiquiatra pesquisador norte-americano, Robert Butler, que co-meçou, em 1955, a gravar entrevistas para investigar a saúde mental dos velhos e, mediante as entrevistas, descobriu casualmente a "muito evidente (...) vantagem terapêutica da reminis-cência". Começando com artigo, hoje clássico, sobre "The Life Review" (1963), defendeu a necessidade de encarar a reminis-cência como normal e saudável, parte de um processo universal para a reavaliação de conflitos passados para restabelecer a auto--identidade, e como um meio de ajudar os idosos a se ajudarem a si próprios. Quer mediante entrevista individual, quer mediante discussão em grupo, "eles podem refletir sobre suas vidas com o intento de resolver, reorganizar e reintegrar aquilo que os está perturbando ou preocupando". Tanto quanto o jovem, o idoso precisa ter oportunidade de exprimir seus sentimentos, conversar sobre seus problemas, elaborar suas tristezas; por exemplo, num momento da vida em que desejam transmitir sua experiência moral para uma geração mais jovem, reconsiderar o doloroso aprendizado da paternidade, e "expressar a culpa, o desgosto, a insegurança, o medo e a apreensão que estão ligados a sua preo-cupação de não terem sido pais eficientes".7


A influência de Butler foi difundida por meio de um guia para a Living History (1970), publicado pela Associação Psiquiá-trica Norte-Americana, e por uma série de artigos de pesquisado-res e terapeutas que procuravam testar suas idéias. Em parte de-vido ao desacordo a respeito de o que, exatamente, se entendia por reminiscência normal, e também pela reflexão insuficiente sobre os efeitos desfiguradores da perda da auto-identidade pelo internamento, nada de suficientemente conclusivo surgiu dessas

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pesquisas.8 A arremetida prática final na Grã-Bretanha proveio niais dos assistentes sociais e do pessoal hospitalar que consti-tuíam a linha de frente no atendimento ao número hoje rapida-mente crescente de idosos necessitados.
Já havia alguns precedentes na prática do serviço social, tais como a utilização de "livros de vida",. com documentos e foto-grafias, desenvolvidos inicialmente para o atendimento de crian-ças para ajudá-las a tecuperar um sentido claro identidade, depois de atordoantes transferências de uma instituição para outra, ou ao entregá-las a pais adotivos. Os livros de vida têm sido utilizados, mais recentemente, com adultos mentalmente de-ficientes. Ocasionalmente , houve também casos de utilização da reminiscência no serviço social com idosos. A questão funda-mental, .porém, foi uma tomada de consciência cada vez maior da "enorme arrogância ", como a denominou Malcolm Johnson, de profissionais - de classe geração diferentes, e de experiência de vida diferente - ao supor que podiam definir as necessidades de seus clientes sem primeiro compreender o diagnóstico que eles mesmos faziam da própria condição. Isto significava encarar os problemas da velhice da perspectiva da própria experiência e vida da pessoa idosa: ouvindo-os, "para identificar o caminho trilbado por sua história de vida e o modo como esta modelou seus problemas preocupações atuais". Desse modo, surgiriam as prioridades dos indivíduos para as fases mais avançadas da vidas resultado de toda uma vida de "derrotas, vitórias, temores, satisfações aspirações não realizadas". Muitos assistentes so-ciais viram-se diante dessa relevância do passado quando ele mostrou ser uma pista para um caso particularmente intrigantes por exemplo, o velho incapaz de cuidar-se sozinho e, no entanto, obstinadamente relutante em ir para um asilo. Sua resistência tor-nou-se imediatamente compreensível assim que se soube que, quando criança, estivera num orfanato. Em suma, ouvir era pro-fissionalmente útil.9
Nesse ínterim, Mick Kemp, um arquiteto do governo que trabalhava com alojamentos para idosos, incomodado pela baixa

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qualidade de vida que observara nos muitos asilos que tinha que visitar, fora autorizado a desenvolver experimentos no uso de imagens para estimular idosos retraídos a falar e a responder. As primeiras imagens que usou eram artísticas, mas, depois, desco-briu que figuras antigas de cenas e eventos - como interiores domésticos, a abdicação de Eduardo VIII, o general Strike, ou a Jarrow March - eram ainda mais eficientes. Como também mú-sicas antigas, associadas às figuras. A partir de 1980, o projeto Recall foi dirigido pelo Help the Aged Education Department, onde Joanna Bornat teve condições de contribuir com sua expe-riência pessoal como historiadora oral. No prazo de um ano, foi dada a público uma série de seis fitas gravadas e seqüências de slides, associando música, canto e memórias faladas do passado, para utilização prática com grupos de idosos.
Barato e simples de usar, precisando, de início, apenas de um gravador de fita, um projetor de slides e uma parede branca, os pacotes do Recall tiveram enorme êxito, como demonstração imediata e prática da eficiência das idéias de Butler. Em grande variedade de situações, desde os centros e clubes para os idosos ativos que moram em casa, até o doente crônico em vias de ser internado, os gravemente deprimidos, os dementes, ou até mesmo os pacientes psicóticos hospitalizados, têm sido relatados os admiráveis efeitos obtidos pela reminiscência. Num grupo normal de idosos um tanto aborrecidos e retraídos, haverá uma repentina mudança de atmosfera: à medida que o espetáculo de gravações e slides vai transcorrendo, começam a conversar e a cantar as canções e continuam a conversar depois - e os outros os escutam. Ainda mais notável é que idosos que permaneciam silenciosos há meses subitamente conversam com os outros; um deles, em geral inteiramente imóvel, é visto batendo com o pé no ritmo da música; e uma mulher idosa inteiramente descuidada consigo mesma começa a interessar-se pela própria aparência; um velho, silenciosamente recolhido numa depressão aguda, troca lembranças com um antigo colega de trabalho - e sorri. De igual importância é o impacto dessa mudança de atmosfera

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sobre outras pessoas. Os que cuidam dos velhos vêem que algo pode ser feito; os parentes começam a visitá-los mais vezes e ficam por mais tempo. Em resumo, o Recall desencadeia um tema de conversa; e uma vez reiniciada a comunicação, as pessoas se redescobrem como seres humanos.
A primeira série de pacotes do Recall - sobre "Infância" na década de 1900, "Juventude" nos anos 20, "Os anos 30", as duas guerras, etc. - vendeu 1 500 exemplares em três anos. Atualmente, vários distritos têm produzido seus próprios pacotes locais. Há cursos regulares de treinamento para o uso de reminis-cência para enfermeiras, assistentes sociais, terapeutas ocupacio-nais e outros profissionais e voluntários que trabalham com ido-sos. A terapia da reminiscência tomou-se uma onda revitalizadora, um elemento catalisador de mudança no atendimento das pessoas mais velhas, que pode promover a mudança de atitudes de inú-meras maneiras, modestas mas cumulativamente significativas. John Adams pendurou velhos cartazes num pavilhão de atendi-mento permanente num hospital do Sul de Londres e descobriu que estes também provocavam a conversação entre residentes e visitantes: "Podia-se ouvir os pacientes explicando a seus visitan-tes, com a ajuda de um cartaz do Imperial War Museum, de que modo diferençavam os aviões alemães dos britânicos durante a Primeira Guerra Mundial". Os pavilhões deviam receber nomes que significassem alguma coisa para os idosos, como o de uma artista do teatro de variedades, e não de um santo ou de um pro-prietário fundiário local, e deviam ser decorados com igual inten-ção, de modo que "a reminiscência deixe de ser um evento espe-cial e simplesmente se tome parte da textura geral da vida no pavilhão". Andrew Norris e Mohammed Abu El Eileh, atendendo a uma sugestão feita numa sessão de terapia de grupo, levaram alguns frágeis velhos, pacientes psicogeriátricos de um hospital de Dartford, para um passeio por lugares de interesse que eles haviam mencionado, visitando antigos locais de trabalho, casas, escolas e bares: "A reação de nossos rememoradores foi sur-preendente". A discussão em grupo resultou também na desco-213

berta de três antigos músicos entre os pacientes, para quem con-seguiu-se comprar instrumentos para o entretenimento do pavi-lhão. Grupos mais ativos chegaram a produzir folhetos e espetá-culos locais. Por vezes, um trabalho dessa espécie, como a história de vida de uma mulher branca casada com um nego-ciante de ópio na Chinatown de Londres e, depois, ela própria também negociante, gravada com Annie Lai por Bob e Pippa Little num asilo de velhos em Hackney, não só se mostrou capaz de restabelecer a confiança de uma mulher idosa envergonhada de seu passado, mas também de constituir evidência histórica excepcionalmente valiosa.10


Continua muito pouco claro o quão útil pode ser a reminis-cência em sentido estritamente médico. Por certo, não consegue eliminar condições como a demência: "Simplesmente pode tor-nar um pouco mais suportável e significativa a vida no hospital". Igualmente evidente é que sua aplicação e seus efeitos podem variar, dependendo de se o contexto é o de assistência social com idosos que vivem em suas próprias casas, ou em casas de re-pouso, ou em situações hospitalares diversas; e variar também de indivíduo para indivíduo. Peter Coleman salienta que a reminis-cência não se ajusta igualmente a todo o mundo. Sua própria pes-quisa é excepcional, pois teve a oportunidade de acompanhar os oito sobreviventes de um grupo de 51 idosos que entrevistara dez anos antes, num asilo em Londres. Originalmente, descobriu que 21 deles eram "rememoradores felizes", que gostavam de falar sobre o passado; mas havia também dezesseis que não viam sen-tido em rememorar, pois estavam enfrentando ativamente a vida de outras maneiras. Os "rememoradores felizes" mostraram ser o grupo mais animado, mas entre os não-rememoradores ativos só havia alguns de moral baixo, como um solitário ex-prisioneiro: mais tipicamente, estavam ativamente ocupados e a reminiscên-cia lhes parecia uma perda de precioso tempo. O contraste mais chocante era entre outros dois grupos. Oito eram "rememorado-res compulsivos" cuja "ruminação do passado" estava "dominada por tristes lembranças": eles falavam demais, mas não se sentiam

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bem com isso. Seus prognósticos mostraram-se maus, apresen-tando um aumento de perturbação psicológica. Pessoas como essas podem de fato ser prejudicadas pela terapia de grupo: preci-sam é de aconselhamento pessoal especializado. As perspectivas também foram desoladoras para os seis que evitavam rememorar porque isso os tornava mais deprimidos, uma vez que o presente lhes parecia muito pior que o passado. Tipicamente, estes haviam sofrido alguma grande perda, com a morte de um parente, .pró-ximo, e não conseguiam lidar com a dificuldade de ajustamento a uma vida de viuvez, a uma vida de solidão sem a companhia de toda uma vida. Aqui também, precisavam de uma terapia indivi-dual, que não receberam: os que não haviam morrido, continua-vam deprimidos dez anos depois. Em suma, não há soluções au-tomáticas: "cada pessoa tem que ser considerada de modo especial".11
Aí está exatamente o X da questão. A terapia de reminiscên-cia, tanto quanto a psicanálise, não é uma panacéia. Os funda-mentos de seu poder transformador, como se dá com a própria história oral, são bastante simples: escutar com seriedade o que as pessoas idosas têm para dizer. Por meio disso é que urna pes-soa desprezível, difícil e lamentosa pode se tornar uma pessoa completa, até mesmo alguém com algumas experiências seme-lhantes, aos olhos de urna jovem enfermeira antilhana. Quando o pessoal de atendimento não chega a conhecer seus pacientes, e fácil se tomarem eles meros corpos a quem se deve dar de comer e de beber, controlar e manter vivos. A comunicação pode torná--los gente novamente.
Ao olhar para mim, enfermeira, o que vê?

Ao olhar para mim, o que pensa -você?

Velhinha meio tola, uma velha implicante,

Modo de ser incerto, olhar sempre distante,

Que refuga a comida e não diz sim nem não

Ao você insistir: Trove, faço questão...

Isso é o que você pensa, isso é o que você vê?

Abra os olhos, então, que essa não sou eu...

Com dez anos, não mais que uma menina em flor,

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Tenho pai, mãe, irmãos, irmãs, e muito amor.

Moça, com dezesseis, flutuo leve, leve,

E sonho que um amor vou encontrar em breve...

Aos vinte e cinco, então, filhos para criar.

Que precisam de mim para terem um lar...

Vou chegando aos quarenta, os filhos vão-se embora,

Mas meu marido fica: e o coração não chora...

Mas depois ele morre e tudo se escurece:

Olho para o futuro, o medo me estremece...

Agora já estou velha, e a natureza é má:

Faz que o velho pareça um perfeito gagá...

Mas na velha carcaça a jovem ainda habita,

E o coração sofrido muita vez palpita.

Lembro o que trabalhei, lembro o quanto sofri,

E amo e vivo, outra vez, o que amei e vivi...

Olhe bem! Olhe bem! Só assim você vê

Não a velha implicante: olhe, esta - sou


* What do you see nurses, what do you see,/ What are you thinldng when you look ai me?/ A crabbit old woman, no' veiy wise,/ Uncertain of habüs with far-away eyes/ Who dribbles her food, and makes no reply/ When you say in a loud voice, "I do wish you'd try".../ Is that what you are thinkirg, is that what you see?/ Then open your eyes, you're not looking ai me.../ I'm a small child of ten with a father and mother,/ Brothers and sisters who love one another./ A young girl ai sixteen with wings at her feet,/ Dreaming that soon now a lover she'll mect.../ Ayt twenty-five now l have young of my own,/ Who need me to build a secure happy home.../ At forty my young now will soon be gone/ But my man stays beside me lo see I don't moum.../ Dark days are upon me, my husband is dead:/I look ai the future, I shuddu with dread.../ I'm an old woman now and nature is cniel, / Tis herjest to make old age look like a fool... But inside this old carcase a young girl still dwells,/ And now and again my battered heart swells,/ I remember the jobs, I remember the pain,/ And I'm loving and living life over again.../ So open your eyes nurses, open and see,/ Not a crabbit old woman, look closer - see me.

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PROJETOS
A história oral ajusta-se particularmente bem ao trabalho por projeto. Isso porque a natureza essencial do método é, ela mesma, criativa e cooperativa. É verdade que a evidência oral, uma vez coletada, pode ser utilizada pelo estudioso independente tradicional que trabalha apenas na biblioteca. Isto porém signi-fica perder uma das principais vantagens do método - a capaci-dade de localizar a nova evidência exatamente onde se deseja, saindo para o campo. O trabalho de campo, para ser bem-sucedido, exige habilidades humanas e sociais ao trabalhar com os infor-mantes, tanto quanto conhecimento profissional. Isto significa que os projetos de história oral de qualquer espécie começam com vantagens incomuns. Exigem uma série de habilidades que não serão monopolizadas pelos mais velhos, especialistas, ou que escrevem melhor, e assim permitem a cooperação em base muito mais igualitária. Deles nos vem não apenas estímulo intelectual, mas, as vezes, por ingressar na vida de outras pessoas, uma expe-riência humana, profunda e comovente. E podem realizar-se em qualquer lugar - pois toda comunidade carrega dentro de si uma história multifacetada de trabalho, vida familiar e relações sociais à espera de alguém que a traga para fora.
Os projetos de história oral podem ter lugar em muitos con-textos diferentes, sob a forma de empreendimentos individuais ou em grupo: em escolas, faculdades e universidades; ou em gru-pos de educação ou de alfabetização de adultos, e a partir de

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museus ou de centros comunitários. Podem envolver toda espécie de pessoas: escolares, jovens adultos desempregados, pais que trabalham ou os idosos aposentados. Embora com muitos aspec-tos em comum, cada um desses contextos proporciona urna ên-fase distinta que traz consigo suas vantagens e seus problemas. Por isso, iremos examiná-los um de cada vez. E como esta expo-sição pretende ser prática, vamos relatar a experiência específica de vários projetos executados recentemente. As idéias que se seguem não são apenas sugestões ideais, mas já provaram que funcionam.
Comecemos com as escolas. Urna vez que um projeto de história oral constitui urna operação complexa e que consome muito tempo, é provável que a primeira pergunta de um professor seja: por que lhe dar um lugar no currículo? Os argumentos edu-cativos podem ser resumidos rapidamente. O trabalho por projeto proporciona um objetivo concreto e um produto imediato. Pro-move o debate e a cooperação. Ajuda as crianças a desenvolver suas habilidades lingüísticas, um sentido de evidência, sua cons-ciência social e aptidões mecânicas. Para os professores de Histó-ria, os projetos de história oral têm a vantagem especial de fran-quear para o estudo a história de importância local. Mas também têm sido utilizados com êxito para o ensino do inglês, de estudos sociais, de estudos ambientais, geografia, ou estudos integrados; e, de formas variadas, em qualquer estágio de desenvolvimento social e intelectual entre as idades de 5 e 18 anos.
Todo projeto escolar de história oral deve ajudar as crianças no sentido de uma apreciação muito mais aguda da natureza da evidência, pois estarão diretamente envolvidas em sua coleta. Isso pode parecer uma idéia revolucionária e indesejável a auto-res e editores, a quem não agradam os projetos escolares que criam suas próprias fontes, e até mesmo a alguns historiadores profissionais. Mas num nível simples, ao coletar narrativas e me-mórias sobre como as pessoas viviam no passado, como se ves-tiam, sobre as brincadeiras das crianças e as mudanças da paisa-gem - por mais primitivas que possam ser suas técnicas de

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entrevista e de gravação -, as crianças estão coletando evidên-cia. Ao mesmo tempo, acabam se envolvendo criativamente em sua avaliação. Enfrentam questões fundamentais: quando confiar numa informação ou duvidar dela, ou como organizar um con-junto de fatos. Vivenciam a história, em nível prático, como pro-cesso de recriação do passado. Como jovens arqueólogos, rece-bem pás em vez de aulas - são levados ao filão carbonífero para cavar como pesquisadores de história. E como estão coletando evidência de fontes que profissionais não utilizaram, têm a oportu-nidade de reuni-las em um trabalho pessoal de história - memó-rias de um bisavô sobre a Primeira Guerra Mundial, ou as memó-rias de um vizinho sobre urna rua cinqüenta anos atrás - que é exclusivo, dando-lhe, assim, um sentimento muito especial de realização pessoal.
No decorrer desse processo, podem desenvolver-se vários tipos de habilidade. Em primeiro lugar, habilidades de pesquisa. Assim que os alunos tenham começado a entrevistar, pode ser muito forte o desejo de descobrir mais coisas de outras fontes, levando à procura de livros nas bibliotecas da escola ou da cidade e, por meio desse processo, a técnicas como a utilização dos índi-ces de livros ou do sistema de catalogação da biblioteca. Apren-dem por meio de toda uma série de técnicas e não só da atividade de entrevistar.
A seguir, pode oferecer ajuda importante no desenvolvi-mento de habilidades lingüísticas, tanto em relação à linguagem escrita quanto à falada. Antes das entrevistas, as crianças têm que debater em conjunto qual a melhor redação das perguntas que deverão fazer. Quando ouvirem as fitas gravadas, poderão tam-bém criticar o modo corno as perguntas foram feitas. Quando estiverem entrevistando, têm que aprender a escutar os outros e captar exatamente o que querem transmitir. Isso exige intensa concentração. Sem se dar conta, estarão enfrentando os proble-mas de compreensão e interpretação que os exercícios de com-preensão do manual de inglês procura simular. Ao mesmo tempo, ao entrevistar, ou ao serem elas próprias entrevistadas, as crian-219

ças adquirem confiança em expressar-se por palavras. Isso pode ser transferido da palavra falada para a palavra escrita, por exemplo, fazendo-as escrever aquilo que ouviram numa fita gra-vada; ou, inversamente, utilizando uma versão duplicada da transcrição de uma fita como ponto de partida para debates. Tal-vez possam discutir as diferenças entre linguagem escrita e fa-lada. Num estágio mais adiantado do projeto, podem continuar com leituras na biblioteca, e com a apresentação escrita do pro-jeto, inclusive do material de transcrição de fitas.


Também serão adquiridas habilidades técnicas no manejo de máquinas, ao utilizar os gravadores - embora, sem dúvida, essas habilidades não sejam essenciais em projetos escolares. Elas podem ser levadas mais longe na apresentação do projeto: por exemplo, na edição de trechos de gravações numa só seqüên-cia, ou na associação de slides e som, ou na impressão de um folheto que combine fotografias e transcrições de fitas, ou numa exposição que utilize conjuntamente todos esses meios.
Finalmente, podem ser aprendidas habilidades sociais bási-cas. Por meio das próprias entrevistas, as crianças podem desen-volver algo do tato e da paciência, da capacidade de comunicar-se, de escutar os outros e de fazê-los sentir-se à vontade, o que é tão necessário para conseguir obter informações. Para entrevistar, é preciso comportar-se como adulto; não se pode estar com brin-cadeiras. Pode-se ajudar as crianças a aprender como se movi-mentar num mundo adulto. Ao mesmo tempo, podem ter não só uma visão viva de como era a vida no passado, mas também uma compreensão mais profunda de como é ser uma outra pessoa; e de como a experiência de outras pessoas, no passado e hoje, é diferente da que elas próprias têm - e por que isso é assim. Podem também ser ajudadas a compreender e a sentir-se solidá-rias com outras pessoas, e a enfrentar valores e atitudes conflitan-tes em relação à vida.

Basta de teoria. E quanto à prática? O melhor é recorrermos a alguns exemplos de projetos que deram certo. O primeiro é o de urna escola primária.

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Numa escola primária de um condado de Cambridge, Sallie Purkins utilizou história oral com os grupos de menor idade. Co-meçou com um projeto executado durante metade de um tri-mestre, em duas tardes por semana, com uma classe de vinte crianças de 7 anos de idade. Era um grupo muito variado: algu-mas das crianças vieram do estrangeiro, e enquanto nove delas não sabiam ler, havia outras muito brilhantes. O projeto seria sua primeira experiência no aprendizado de história. Um dos objeti-vos foi tomar esse primeiro encontro excitante e interessante e conseguir que as crianças sentissem que podiam coletar evidên-cia histórica, e que a história era alguma coisa real e importante para seu próprio presente. Uma vantagem do projeto foi ter sido executado numa escola sem fronteiras disciplinares, de modo que Sallie Purkins teve facilidade para entrar na área de artes e de língua inglesa, e para fazer visitas externas.
Como ponto de partida concreto, por sugestão de um biblio-tecário local, ela escolheu uma fotografia da própria escola quando acabara de ser aberta, sessenta anos antes, onde apare-ciam os primeiros alunos de pé no meio do entulho da constru-ção. As crianças logo se interessaram por isso, comentando sobre as roupas dos alunos. Procuraram descobrir de onde havia sido tirada a fotografia e com que idade estariam agora aquelas pri-meiras crianças - na verdade, com a idade de seus avós. Por causa disso, a "vovó" foi escolhida como a figura simbólica prin-cipal do projeto (tias e outros parentes podiam ser postos no lugar) - e aconteceu que este resultou numa experiência nova para avôs e avós sentirem-se envolvidos na vida da escola. Não foram usados gravadores, mas foi enviado um questionário es-crito. Ele foi preparado após discussão com as crianças e, consi-derando retrospectivamente, era longo demais, pois gerou mais material do que se pôde organizar satisfatoriamente -'- teriam bastado algumas poucas perguntas. Não todas, mas a maioria das avós respondeu, e uma das crianças, que no final do projeto se autodenominava "historiador", entrevistou três pessoas. Uma

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outra produziu um texto datilografado. Houve assim abundância de material de boa qualidade.
Sallie Purkins montou um livro de leitura para a classe, se-lecionando trechos sobre determinados temas e ela própria pondo-os por escrito. O primeiro tema era "O que vovó disse sobre as roupas" - roupas masculinas e femininas, e sapatos (o avô de uma das crianças era sapateiro). As crianças fizeram dese-nhos disso. Também trouxeram fotografias, muitas vezes tão pre-ciosas que tinham que ser protegidas em plásticos; elas foram um grande espetáculo e as crianças identificavam-se orgulhosamente com elas. Depois, começaram a ser trazidos objetos - peças de vestuário, ferros de engomar, e assim por diante. Alguns deles eram estonteantes, como "o chapéu que meu pai usou no enterro de meu avô", que veio numa grande caixa marcada com "É PROIBIDO ABRIR". Algumas das crianças apegaram-se à lei-tura (embora fosse difícil encontrar livros apropriados para crian-ças dessa idade). Outras crianças fizeram uma maquete de loja de roupas com caixas de sapato. A classe foi visitar um museu. Todas as crianças fizeram redações - sobre compra de roupas, sobre o dia de lavar roupa; e sobre o "Dia da Vovó". Pois não há dúvida de que o climax do projeto foi o Dia da Vovó: a tarde em que, para sua visível alegria, as aves foram convidadas a vir à escola para tomar um chá e conversar com as crianças.
Outro imaginativo projeto em escola primária - um dos muitos regularmente relatados nas colunas de notícias de Oral History - foi numa escola de Londres, em Notting Hill. Para esta, Alistair Ross escolheu uma história da própria Escola Pri-mária Fox, centrada especialmente na evacuação da escola para a zona rural durante a guerra. Isso possibilitou que o projeto in-cluísse uma viagem com as duas classes de alunos de 7 a 10 anos de idade a Lacock, em Wiltshire, onde entrevistaram moradores que se lembravam da invasão de crianças de Londres vindas de sua escola, há mais de trinta anos. O projeto teve o notável êxito de estimular as crianças a desenvolver uma discussão colabora222

tiva com adultos e também a utilizar o que aprenderam em suas redações criativas.


Vejamos, a seguir, alguns projetos com crianças maiores. Nesse contexto, aumentam tanto as restrições quanto as oportuni-dades. Para poder realizar plenamente o potencial da história oral, sua natureza interdisciplinar e investigativa exige certa fle-xibilidade nos horários escolares, e também a adoção de esque-mas, que já existem, de exames baseados em projetos: mas desde que haja essa liberdade de ação, um projeto com crianças maio-res pode atingir níveis mais ambiciosos. Muitas escolas têm po-dido publicar, sob a forma de folhetos, projetos relativos a seus centenários, ou sobre a história local; outras têm organizado ex-posições locais. Na Thurston Upper School, em Suffolk, Liz Cleaver utilizou alguma forma de história oral com todas as sé-ries: construindo árvores genealógicas com as classes mais novas, e passando depois a comparações sobre o atendimento médico antes e depois do welfare state e, finalmente, a uma série de pro-jetos na sexta série sobre "A vida em Suffolk no período entre as Urandes Guerras". Os alunos da sexta série instituiram uma co-missão para gerirem eles próprios os projetos e os utilizaram para produzir revistas especiais para venda local. Todo ano, uma mi-noria continuou a executar projetos individuais para valer como exame de término de curso.
E também não são apenas as crianças mais brilhantes que têm ganho com o trabalho por projeto. Numa escola compreen-siva de Manchester, Ruth Frow utilizou a história oral com crian-ças da quarta série. Era uma classe de ensino compensatório que estava tendo um curso de história local avaliado em parte pelo trabalho por projeto. Os alunos não mostraram qualquer reação às exposições feitas por especialistas sobre como entrevistar, mas ficaram realmente interessados quando urna velha senhora, muito falante, uma das moradoras pioneiras do distrito, veio para falar com eles - muito embora mesmo assim eles permanecessem mudos. Depois disso, porém, todos trabalharam no projeto com muita dedicação. Um deles realizou uma entrevista gravada com

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a avó, fazendo-lhe perguntas que haviam sido elaboradas numa discussão em classe. E os vadios da classe insistiram em conti-nuar com o projeto mesmo depois de ele ter sido suspenso.
Ela também tocou a fita desse projeto para uma classe espe-cial de primeiro ano, de alunos de 11 anos. Resultado disso foi um êxito inesperadamente surpreendente. Um dos alunos, John Macdonald, ficou tão entusiasmado que iniciou sua própria "Pes-quisa em lares de idosos". Elaboraram juntos uma Lista de per-guntas e ele conseguiu bom resultado escrevendo a história de vida de um morador de 85 anos de idade. A seguir, continuou gravando. Foi bem com sua avó, mas fracassou espetacularmente com um ex-missionário chinês de 102 anos, surdo, apesar de unia heróica persistência em ficar repetindo a mesma pergunta inúmeras vezes. E o projeto chegou a um inesperado final, quando Jobn Mac-donald formou um grupo e pediu para entrevistar a própria Ruth Frow, explicando que pretendiam entrevistar todos os "idosos".
Tem-se desenvolvido também uma forma especial de tra-balho com história de vida para o ensino compensatório de lei-tura e escrita, em escolas e também com grupos de alfabetização de adultos. Para muitos dos adultos analfabetos ou semi-alfabeti-zados hoje estimados em 2 milhões na Grã-Bretanha - e das crianças nessas mesmas condições, a vergonha e o segredo de sua incapacidade é o primeiro obstáculo a superar para que possam ser ajudados. Freqüentemente, enfrentam uma desvantagem a mais que é a de serem imigrantes de primeira geração, buscando comunicar-se numa segunda língua. Partir do trabalho oral habi-lita-os a começar de onde se sentem mais seguros e a desenvol-ver-se a partir desse ponto. Tipicamente, o grupo discutirá pri-meiro algumas experiências pessoais de interesse comum:

família, trabalho, migração, ou coisa assim. O coordenador gra-vará essa discussão e transcreverá algumas partes dela. Na sessão seguinte, os alunos tentarão ler parte da transcrição de suas pró-prias palavras e, a seguir, discutir as idéias, palavras e gramática que utilizaram, enquanto o coordenador faz sugestões de possí-veis mudanças para tornar o trecho mais claro. Gradativamente,

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passam da leitura do que falaram para a escrita independente e para a leitura em geral. Mas, do princípio ao fim, a chave do êxito é começar com sua própria linguagem, como ela é falada, com suas frases e ritmos de fala pessoais, a respeito de pessoas e experiências conhecidas. Isto é o que facilita cada avanço feito. Freqüentemente, o resultado pode ser uma autobiografia, e algu-mas destas têm sido publicadas em folhetos como os da coleção londrina Our Lives, um dos quais contém a história da migração de Mohammed Elbaja, um menino marroquino da Escola Shore-ditch. Muitos mais têm tido a oportunidade de ver suas palavras impressas na revista Write First lime, que desenvolveu seu for-mato especial, com as linhas quebradas de modo a representar os pontos de sentido e as frases rítmicas dentro de cada oração, como no exemplo apresentado na Figura 1. Com urna tiragem de cerca de 6 mil exemplares, ela serve a um movimento educativo funda-mental intimamente ligado à experiência da história oral.


Uma outra forma especializada de trabalho educativo é o teatro de reminiscência, que também é praticado com grupos de idade diversos; e há companhias, como a Age Exchange, que criam teatro a partir de gravações de lembranças de pessoas ido-sas, reproduzidas primeiro para públicos de idosos, em clubes, centros comunitários, ou asilos. Mas o novo Royal Court Young People's Theatre, no mercado de Portobello, trabalha principal-mente com escolas de Londres, e sua diretora, Elyse Dodgson, vale-se de sua experiência notável para a criação e produção de teatro com meninas antilhanas em uma escola compreensiva do Sul de Londres. Três de suas peças foram encenadas em Londres, culminando com Motherland, uma obra profundamente como-vente mas harmoniosamente comedida sobre a experiência dos antilhanos - esperanças e sonhos, realidade e rejeição - ao vir como imigrantes para a Grã-Bretanha. O ponto de partida foi um conjunto de entrevistas com as mães das meninas e outras pessoas de sua geração, em Brixton, coletadas por uma antiga aluna, com o apoio de urna subvenção especial. Esse testemunho pessoal infla-mou a imaginação das meninas e as manteve juntas, trabalhando

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Figura 1 - Este pequeno texto de Teriy Collins, publicado em Write First lIme, foi escrito como uma reação raivosa por ter sido considerado demais. A primeira idéia, com duas orações, foi datilografada e duplicada. A seguir, todos do grupo discuti-ram a questão e Terry acrescentou coisas ao texto. Acima, seu rascunho final. Ele recebeu alguma ajuda sobre ortografia e montagem do texto, antes de ele ser publicado na forma imprema, a seguir .1
em grupo durante seis horas por semana, por vários meses, para a criação da peça. O que se enfatizava era o trabalho em grupo, mais do que o desempenho individual, esperando-se que todas participassem de todos os ensaios, cada uma representando vá-rios papéis, sendo todas as decisões tomadas de comum acordo. A peça foi sendo desenvolvida mediante interpretação experi-mental: em correspondência a temas extraídos dos testemunhos gravados, as meninas desenvolviam mímicas expressivas e escre-viam as letras e músicas de canções que correspondessem às pa-226

lavras do indivíduo. Numa etapa posterior, as mães foram trazi-das para ver os ensaios e dar suas sugestões. No final, Mother-land entrelaçou três níveis de expressão: a experiência real lem-brada, extraída do texto das entrevistas, falada por um narrador ou pelo coro; as canções criadas pelas próprias crianças, como "Procurando" moradia; e o simbolismo da mímica em grupo. Assim, a experiência de pedir alojamento a uma proprietária e ser mandada embora exprimia-se por um ritual de todo o grupo ca-minhando, batendo em portas e tremendo de frio, o que se tomou uma das imagens centrais de toda a peça. Essa combinação de expressão grupal criativa, mas extremamente disciplinada, com as palavras da experiência de vida individual é o que torna esse espetáculo das crianças tão incomumente convincente.


Made redundant

by T.A.P. Collins


This man at work

told the boss that 1 was too slow for him.

He sent my mother and dad a letter

so we went to see the Disabled Resettlement Officer.

I told her that he threatened me with the sack.

She telephoned him as she was very angry about it.


Me and this other boy, we were pushed around, out of the door like criminais

and could not say anything about it.

But according to him, the time and motion man, I was too slow.
He made me redundant

I had been there eleven years and nine months.


*Fiquei sobrando'

Aquele homem no serviço / disse ao patrão que eu era lento para ele. / Ele mandou uma carta para minha mãe e meu pai / e então nós fomos ver a encarregada da Reabili-tação de Deficientes. / Eu lhe disse que ele me ameaçou de demissão. / Ela lhe telefo-nou, pois ficou muito zangada com isso // Eu e aquele outro rapaz, nós fomos maltrata-dos,/ postos porta afora como criminosos! e não pudemos dizer nada sobre isso. / Mas, de acordo com ele, o homem do tempo e movimento, / eu era muito lento. II Ele disse que eu estava sobrando. Estive lá por onze anos e nove meses.

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Contudo, nos Estados Unidos é que iremos encontrar a utili-zação mais disseminada da história oral em escolas secundárias: pois ainda não existe nada na Europa que se aproxime do extraor-dinário êxito obtido pelo projeto Foxfire. ELiot Wigginton - ainda como um simples professor comum, muito embora deva ter algum talento extraordinário - foi diretamente da faculdade para a Es-cola Nacoochee, pequena escola secundária em Rabun Gap, nas montanhas da Geórgia. Logo descobriu que os métodos didáticos que aprendera simplesmente não funcionavam. Na sala dos pro-fessores, a conversa era inteiramente pessimista: aquelas crianças não conseguiam fazer nada, jamais aprenderiam a escrever. Wiggínton percebeu que o problema fundamental delas era o enfado: eram "apenas crianças comuns de ginásio" ansiosas porfazer al-guma coisa. Assim que tiveram a oportunidade de criar seu próprio material, elas se transformaram. Encontraram essa oportunidade no projeto da revista escolar Foxfire. Criado originalmente como um curso opcional de "Escrita Criativa", constitui agora o núcleo de um conjunto de cursos que concedem créditos em cinema, construção e outros ofícios, e até mesmo em ciência. As crianças coletam informações mediante entrevistas, fotografia e desenho téc-nico, e aprendem não só a produzir uma revista, como também ha-bilidades técnicas, desmontando e reconstruindo máquinas e velhas construções, e organizando reuniões informais de pessoas de idade.
A revista foi um tremendo êxito, não só localmente, mas em âmbito nacional, pois atualmente é conhecida por todo o país. Cole-tâneas publicadas em forma de livro, a partir de 1972, como Fox-fire One, Two e Three, já haviam vendido mais de 4 milhões de exemplares em 1978, tendo o primeiro desses volumes sido o maior best-seller jamais publicado pela Doubleday. Em certa medida, por sua própria fundação, com as oficinas de treinamento permanen-tes e o boletim Hands On, o prestígio da Foxfire deu origem a mais de duzentas revistas escolares semelhantes, tais como Sea Chest, publicada pela Escola Secundária de Cabo Hatteras, em Buxton, Carolina do Norte, e Loblolly, da Escola Secundária Gary, na zona rural de atividade pecuária, madeireira e petrolífera do Texas.

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Wigginton é constantemente solicitado como consultor por todo o país, especialmente por escolas secundárias desorientadas de cidades do interior. Eu o ouvi descrever uma visita típica a uma Escola Secundária de Indianápolis, com 5 mil alunos e 350 professores que "simplesmente haviam desistido"; só quem con-seguia manter uma aparência de ordem eram os vinte guardas escolares, armados de revólveres. Sua mensagem ali, como sempre, foi de que a responsabilidade deve ser atribuída não aos alunos, mas aos professores. Se fosse dada às crianças a chance de serem criativas, elas corresponderiam. Se pudesse, ele elimina-ria totalmente os livros didáticos.


Certamente, a localização da escola ajudou a criar o apelo mais amplo da Foxfire. Com o correr dos anos, o projeto consti-tuiu um grupo de informantes confiáveis, a que os alunos da es-cola voltam seguida mente para obter novas informações. Com seu sotaque sulino, falam de ofícios regionais - construção de casas de madeira, cozinha, manufatura de acolchoados, sabão, colchões de palha ("A cama mais cheirosa em que você jamais dormiu. A gente troca a palha todo ano, na época da debulha") -e de costumes e crenças sobre o nascimento, o trabalho, a doença e a morte, que nos levam de volta diretamente ao mundo dos primei-ros puritanos, em que a religião e a feitiçaria estavam inextrica-velmente entrelaçadas. A respeito da cura pela fé de queimaduras e sangramentos, dizem eles: "Estancar o sangue é o mesmo que apagar fogo (...) Você faz isso com os mesmos versos e as mesmas palavras". E a respeito do plantio de acordo com a lua:
Veja as batatas. Com a lua escura ou com a lua velha - ou seja o último quarto, dão menos rama; e com a lua cheia, dá mais rama e menos batata (...) O Senhor pôs os sinais aqui pra gente se guiar por eles. Está tudo na Bíblia; os sinais das estrelas, da lua, do sol e de tudo mais. Pra fazer certo, a gente tem que seguir todos esses sinais. Você não conhece es sinais?*
*Take taters. On th'dark of th'moon or th'old of th'moon - that's th'last quarter, they make less vine, and on th'light of th'moon they males more vine and less tater (...) Th'Lord put th'signs here for us t'go by. lts all ia th'Bible: th'signs of th'stars, mooii, sun, and ali. You've got lo follow ali these signa if you do right. Dont you know the signs?

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Contudo, levar os alunos a reunir material dessa qualidade numa revista trimestral regular, mesmo depois de ter conquistado a confiança das pessoas das antigas comunidades das montanhas, exigiu grande talento de organização e imaginação durante vários anos - especialmente quando isso continua a ser, como deve ser todo projeto de história oral, apenas um dos aspectos dos progra-mas escolares, que estimula alguns alunos, mas de modo algum a todos.


Eliot Wigginton começa com uma preparação relativamente curta para a entrevista, feita em classe:
Ilustramos, por exemplo, a necessidade de um gravador, contando uma pequena história para a classe e, depois, no dia seguinte, sem lhes dizer a razão para contar a história, chegamos na classe e dizemos: "Pe-guem papel e lápis e contem com suas palavras aquela história que lhes contei ontem". Utilizo alguns detalhes; digamos, se for uma história de caça, posso dizer: "Quando peguei aquele urso, peguei um pau de mais ou menos uns dois metros de comprimento, e fiz isso, e então peguei um par de tiras de couro e fiz aquilo, e daí eu..." - esse tipo de coisa. Conto uma história que contenha alguns detalhes que a criança seja obrigada a lembrar. Você se espantaria em ver como as crianças erram na reprodu-ção dessa história.
Isso leva a urna discussão sobre como obter uma boa entre-vista. O essencial é a autêntica curiosidade:
O aluno não deve ficar divagando e olhando pela janela e bato-cando com os pés no chão (...) Pode-se entrar numa situação de entre-vista pensando que levaria meia hora e que, de fato, pode levar quatro horas se alguém continuar dando corda. Têm que ser curiosos (...)

Você lhes diz que o pecado cardial da entrevista é cair num mo-delo pergunta-resposta (...) conseguir uma resposta de uma ou duas fra-ses e aí fazer uma outra pergunta sobre assunto completamente diferente (...) O que se deseja de um informante é que se sinta bem com um tema e a seguir comece a expandi-lo, e com essa expansão tudo pode aconte-cer. Procure levar as crianças a formular a mesma pergunta de cem ma-neiras diferentes. Tipo assim: "Como você faz tal coisa? Bem, alguma outra pessoa em sua casa faz isso de modo diferente?". Mantenha-as insistindo sobre esse tema o quanto for possível -"Você ouviu falar de alguém que fizesse isso de um outro modo?". Então, se possível, antes

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de os alunos saírem, você lhes fornece alguma informação sobre algum tema, que possam levar com eles, como, por exemplo, maneiras alterna-tivas de se fazer determinada coisa (...) (E) você deve lembrar ao aluno que ele não pode interromper as pessoas enquanto estão falando. Se começam a contar histórias (...) histórias de caçadas de ursos, a pior coisa que você pode ensinar o aluno a fazer é interrompê-las e dizer: "Não, espere ai! Não quero ouvir histórias de ursos. Quero saber é como se curte o couro...


Esse estágio preparatório é bastante breve. Logo que possí-vel, os alunos são enviados para campo para sua primeira entre-vista. A primeira vez, eles vão com um membro da equipe, ou com um outro aluno mais velho e experiente. Assim que as crian-ças fiquem mais seguras, vão a campo sozinhas, sem nenhum membro da equipe. E começam com assuntos relativamente sim-ples - "como uma mulher fazia sabão, coisas simples desse tipo" - e gradativamente vão passando para temas mais importantes.
Porém, o que Eliot Wigginton consegue de mais notável é quanto à organização para a publicação, que utiliza da maneira mais completa possível o material colhido pelos alunos:
Fazemos muitos tipos de artigos. Darei alguns exemplos. Certa vez, recebemos um telefonema de outra revista, que dizia: "Estamos fa-zendo um artigo sobre diversos modos como se pode dizer qual vai ser o tempo este ano...". Nós tínhamos seis ou oito numa pasta do arquivo, e dissemos: "Muito bem, quer saber de uma coisa? Volte a telefonar às três e meia da tarde, e teremos alguma coisa para vocês". Você pega duas classes e quase todas as crianças que estão trabalhando na revista - 55 garotos - e diz "muito bem, vocês ai, vocês vão a Kelly's Creek Vocês aí desse lado, vão a Betty's Creek, etc.; vão e perguntem a todos que encontrarem quais os sinais de tempo, os sinais específicos de tempo que conseguem lembrar, e estejam de volta aqui em uma hora e 45 mi-nutos". Em uma hora e 45 minutos, conseguimos algo como 110 sinais de tempo que nunca pensamos que existissem, e eles foram publicados em três ou quatro páginas do Foxfire Book.
Um outro tipo de entrevista que fazemos é a entevista de perso-nalidades. Em geral, retratamos uma pessoa cm cada núm ,ro. Neste nú-mero de agora é uma mulher chamada Ada Kelly, uma avó que mora em nosso bairro. Os garotos responsáveis pelo artigo sobre Ada Kelly vol-tam e a entrevistam pelo menos três ou quatro vezes (...) Os meninos

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organizarão tudo e farão uma apresentação. Enquanto isso, se o folclo-rista deseja ver todo o material original, temos todas as transcrições ori-ginais bem como todas as fitas gravadas originais (...)
Com uma organização permanente, torna-se possível que os alunos de cada ano não apenas se ajudem entre si, mas também que ajudem os dos anos seguintes. Eles são estimulados a esco-lher seus próprios assuntos. É muito freqüente, porém, que coletem muito mais coisas do que necessitam para seus objetivos pessoais:
Ele pode ter saído em busca de histórias de fantasmas e voltar com quinze histórias de caçadas também. Quando um garoto fez todas as transcrições e existe uma cópia carbono, ele recorta da cópia o mate-rial de que precisa para seu artigo, suas histórias de fantasmas (...) mas algum outro da classe pode estar coletando histórias de caçadas (...) Ele junta essas e diz: "Olha, você pode acrescentar isto a seu artigo". O que está coletando histórias de caçadas pode fazer o mesmo em relação ao artigo sobre histórias de fantasmas; em outras palavras, todos estão liga-dos uns aos outros. Em geral, temos vinte ou trinta artigos andando ao mesmo tempo. Se um dos meninos chega com um monte de informações que não está sendo usada naquele momento, temos o que se chama "Pasta de artigos em preparação"(...) Então, no ano seguinte, se um me-nino quiser pegar aquele assunto e levar adiante (...) pode pegar aquela entrevista e continuar com ela. Desse modo, todo o material acaba sendo utilizado, de um modo ou de outro.
O projeto Foxfire de Eliot Wigginton é, sem dúvida, um empreendimento notável, um exemplo sobre o qual se deve refle-tir com muita atenção. Não há dúvida alguma de que, para mui-tos alunos, ter estado envolvido nesse projeto representou uma experiência transformadora. Como diz um deles:
Por meio do Foxfire aprendi (...) a me expressar e comunicar. De-pois, ao ensinar um menino mais novo a fazer algo, aprendi a apreciar o valor do ensino e fico exultante ao ver brilhar os olhos do menino (...) Depois, ainda mais importante do que isso, aprendi a apreciar o valor das pessoas trabalhando juntas, pessoas que dependem umas das outras (...) Isso fez diferença em minha vida.2
Já basta a respeito de exemplos de projetos que funciona--.

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eram. Mas para o professor que mal está pensando em começar, exatamente esse êxito pode parecer assustador. E quanto aos pro-blemas comuns que se pode esperar que aconteçam num projeto de história oral?
Primeiro, há os problemas de organização. O trabalho em história oral é fundamentalmente uma atividade para pequenos grupos, e é difícil organizá-la com classes grandes. Não há dú-vida alguma de que os projetos se beneficiam muito de situações em que o ensino é organizado em equipe, ou o currículo possibi-lita o trabalho interdisciplinar - e talvez seja um argumento a seu favor o fato de apontarem para questões fundamentais da or-ganização escolar. Muitos problemas podem, porém, ser supera-dos por uma preparação prévia - por exemplo, fazendo contatos com as pessoas idosas antes das entrevistas; grupos de crianças podem ser enviadas para fazer entrevistas enquanto outras ficam em classe discutindo o material já coletado. Para este e para ou-tros fins, é fundamental valer-se o mais possível de recursos ex-ternos, a começar pelos próprios pais das crianças e a Associação de Pais e Mestres, e utilizar as redes da comunidade oferecidas pelo jornal e pela rádio locais, clubes, firmas e bibliotecas. Se a escola está numa área em que há elevado nível de desemprego, haverá também muitos idosos qualificados que podem ajudar no projeto,
Em segundo lugar, há a questão do equipamento. O trabalho da história oral não depende da existência de gravadores, embora com eles possa desenvolver-se muito mais plenamente. Se as políticas da escola relativas a equipamento e sua utilização não são liberais, será preciso, ainda uma vez, depender do apoio que se puder conseguir de fora, a começar pelos pais. Certamente ha-verá muitas casas que poderão emprestar gravadores em número suficiente para começar.
Em terceiro lugar, os temas têm que ser bem escolhidos. Devem interessar a cada um dos grupos de crianças. Para os gru-pos mais novos de idade, a história de família é especialmente adequada. Ela facilita uma abordagem centrada na criança, va-233

lendo-se do acesso que a criança tem às lembranças e aos docu-mentos da família e, ao mesmo tempo, estimula os pais ou avós a participar do trabalho escolar. Toda uma variedade de temas pode começar com o desenvolvimento de árvores genealógicas da fa-mília, com diferentes tipos de informações. Com grupos de crian-ças maiores, há muito mais opções: famílias e casas, alimentos e roupas, trabalho, inclusive trabalho doméstico, vida familiar, brincadeiras ou lazer - e cada uma dessas pode ser comparada com lembranças de outras regiões. Um projeto pode ser a res-peito de um acontecimento local. Neste ponto, porém, talvez haja uma idéia que deve merecer menção especial: um projeto cen-trado na história de uma determinada rua. Nem sempre é fácil, numa cidade grande, identificar os limites ou a forma para uma história local ou de comunidade. Uma única rua, porém, pode oferecer um microcosmo de algum aspecto de sua história: de mudanças na vida comunitária da classe operária, nas lojas e no comércio, ou de padrões sucessivos de imigração. Com a ajuda de um jornal local, pode até se verificar que é possível identificar alguns representantes da maioria das famílias que ali viveram há quarenta ou sessenta anos. Certamente, isso proporcionará ao professor uma base física para um projeto de classe que poderia combinar fotografia, coleta de registros e de dados topográficos, buscas em arquivos públicos e de jornais, além da atividade de entrevista.


A seguir, as crianças devem aprender algo das habilidades necessárias para a entrevista, o que nem sempre é fácil. Podem praticar entrevistando os professores, ou membros da própria fa-mília. Ou pode-se pedir a pessoas idosas que venham até a es-cola, embora isso seja geralmente mais bem-sucedido com um pequeno grupo informal, do que diante de toda uma classe. De fato, existe o perigo de, com esse tipo de apresentação, as crian-ças serem levadas a considerar os idosos como objetos históricos, em vez de valorizá-los como pessoas. Pode-se também pedir que as crianças escrevam sua autobiografia, a partir de documentos familiares, e também entrevistadas por outra criança - assegu-234

rando-se de que isso não leve a urna devassa muito profunda de situações pessoais, o que poderia se tornar uma experiência de-sastrosa. Elas devem também aprender a como formular diferen-tes tipos de perguntas. Isso pode ser conseguido pela crítica a entrevistas de outros, inclusive a do próprio professor. E particu-larmente importante é que as gravações da primeira entrevista de cada criança sejam ouvidas e comentadas, para lhe dar apoio tanto quanto para orientá-la.


É preciso uma sensibilidade especial quanto a projetos em escolas racialmente mistas. Evidentemente, crianças brancas e negras precisam aprender umas das outras sobre a história de suas culturas, e tem havido muitos currículos com esse objetivo, alguns incluindo entrevistas recíprocas. Porém, para o trabalho histórico, é preciso lembrar que há muitas crianças imigrantes que não têm avós; e suas famílias falam línguas completamente diferentes, ou têm sotaques que as crianças inglesas acham difícil de compreender. Será em geral muito importante conseguir apoio prévio da comunidade, e os detalhes da execução da entrevista precisam ser considerados com especial cuidado. Por exemplo, enquanto idosos de cor branca podem ser entrevistados por crian-ças negras em clubes, a tensão racial e o receio podem tornar muito difídil fazê-lo em suas próprias casas. É também especial-mente necessário, nessa situação, que se adote um tema integra-dor - como a relação entre industrialização e imigração, por exemplo. Sem dúvida alguma, esta é uma área em que se precisa de muito mais experimentação.
Que se pode fazer, a seguir, com os resultados de projetos de história oral? Como veremos em relação aos projetos de co-munidade, eles podem ser combinados com fotografias, cartas e documentos, roupas, ferramentas, e outros objetos para montar uma exposição vistosa, quer na escola quer num centro local. Podem ser reunidos numa apresentação de som e slides, ou publi-cadas como folhetos locais ou artigos de revista. Depois, as gra-vações podem ser guardadas na biblioteca ou no museu público. Sempre que possível, deve-se construir uma relação ativa e per-235

manente com a comunidade local fazendo com que, de alguma forma, o material coletado seja a ela devolvido.


Finalmente, devemos nos prevenir contra o êxito fácil. Os projetos de história oral só podem ser executados com sucesso por professores habilitados em contextos cuidadosamente estuda-dos. Uma prática descuidada pode causar enormes ressentimen-tos, por exemplo, pela divulgação inábil de informações prejudi-ciais (ou difamatórias). E as vantagens da abordagem são em grande medida destruídas se houver um excesso de preparação e forem impostos materiais produzidos centralizadamente. Essa a razão por que o produto final não deve visar a um padrão técnico que vá além do alcance das crianças. É essencial que elas sejam envolvidas em cada etapa do processo, e que, no final, reconhe-çam a contribuição que deram. Se a evidência oral se transformar em apenas mais um material didático, estará perdido o poder que tem sobre a lmagmaçao.
A essa altura, há menos a dizer sobre projetos em educação tem também tem havido o muito trabalho bem-sucedido em história oral. Cada vez mais, ele assume a forma de pesquisa individual para projetos em nível de graduação, ou para teses de pós-graduação. As dificuldades práticas dependerão em parte do tema esco1hido: particularmente, se os informantes de que se precisa são difíceis de identi-ficar, ou pessoas públicas muito ocupadas; ou se o tema obriga a deslocamentos para locais executar uma pesquisa num país do Terceiro Mundo exige urna preparação lingüística especial, vistos, vacinas material de pronto-socorro, saber como fumigar a casa, como escolher - ou dispensar -seu intérprete, se pagar ou não seus informantes, e assim por diante. Mas a maioria dos problemas serão aqueles típicos do trabalho de história oral, e também, a abordagem básica é a mesma. Como ponto de partida, pois exemplo, tenho visto que construir árvores :genealógicas e con-versar a respeito delas, ou fazer entrevistas aos pares. e depois

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apresentá-las, imediatamente envolverá e promoverá a participa-ção de quase todo o grupo de estudantes.
Há, porém, duas dificuldades especiais neste nível. Em princípio, é possível ir além do estudo em conjunto para executar um projeto de pesquisa comum. Com esforço cooperativo, isso pode progredir rapidamente. Porém, os projetos em grupo apre-sentam muito mais dificuldades no caso de se ter que fornecer uma avaliação individual de cada elemento no curso. E até mesmo projetos individuais se tomam muito difíceis quando, devido a um sistema inflexível que só admite exames escritos a portas fe-chadas, eles não podem colaborar para a nota final do curso. Porém, o fato de levantar essa questão e a necessidade de dar espaço à criatividade dentro do sistema são por si sós um mérito do trabalho por projeto.
Um risco mais específico é o de deixar que o ensino do método se afaste demais do aspecto prático e se tome abstrato. Esse tipo de academicismo é o grande responsável pela perma-nente impopularidade dos cursos de "metodologia" nas ciências sociais. A discussão da teoria precisa entrelaçar-se com a expe-riencia prática, e deve também dirigir-se para temas históricos específicos. Na Universidade de Essex, onde o mestrado em His-tória Social inclui um curso sobre o método de entrevista, temos lecionado por meio de seminários. Logo que possível, se faz com que os estudantes se entrevistem uns aos outros e, a seguir, pro-curem um informante para entrevistar a respeito de um tema de sua escolha. Essas entrevistas gravadas são reproduzidas e discu-tidas no grupo. Invariavelmente, propõem questões sobre a preci-são da memória, a dissimulação, a técnica de entrevista e a expe-riencia de ser entrevistado. Oferecem também exemplos das espécies de material histórico que se pode coletar, e da complexi-dade de atitudes que revela. Essas sessões práticas são mescladas a outras em que se discutem os princípios da história oral a partir de leituras, de modo que as duas abordagens se completam pelo intercâmbio de idéias entre elas.
Os estudantes passam, a seguir, para miniprojetos pessoais,

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realizando uma série de entrevistas e escrevendo uma avaliação do método utilizado e dos resultados obtidos, anexando uma lista de modelos de perguntas que podem ser utilizadas num projeto mais extenso que envolva mais de um entrevistador. Em muitos casos, esses pequenos projetos exploratórios acabam por ser o ponto de partida de pesquisas para dissertações de pés-graduação.
A escolha do tema é evidentemente crucial. Julgamos possí-vel que um único estudante, de graduação ou de pós-graduação, trabalhando sozinho num projeto durante as férias, dê uma con-tribuição concreta ao conhecimento histórico, mediante um tra-balho de campo novo. Melhor será (embora não essencial e, para alguns assuntos, totalmente impossível) que se possa associar en-trevistas com pesquisa em arquivos ou em jornais locais. É im-portante também que se escolha um assunto que seja relevante para as questões históricas mais amplas, bem como que seja um tema suficientemente definido e localizado. O resultado disso não será bom se os informantes potenciais estiverem por demais espalhados para que se possa identificá-los de maneira relativa-mente rápida. Alguns exemplos de temas que se mostraram cria-tivos, mas fáceis de tratar, são estudos de diversas comunidades de aldeias de Ëast Anglia; vizinhança e relações de classe num bairro pobre de Nottingham e em portos de pesca; imigrantes colhedores de lúpulo, o recrutamento de professores primários e a fábrica de fardamento militar de Essex; a migração de jovens bengalesas para a Grã-Bretanha na década de 1970 e a comuni-dade italiana de Londres; a economia doméstica entre as famílias de agricultores e a disseminação do uso do controle da natalidade entre grupos sociais diversos; os trabalhadores da indústria pe-sada de Colchester na Primeira Guerra Mundial e a experiência da greve geral de 1926 na cidade.3
Contudo, as possibilidades são ilimitadas. E os ganhos são igualmente evidentes: auto-realização pessoal, espfrito coopera-tivo e compreensão mais aprofundada da história que podem re-sultar disso - e, mais ainda, o rompimento do isolamento do estudo acadêmico em relação ao mundo exterior.

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Não há dúvida de que é aqui - em relação à história da comunidade - que o projeto de história oral possui suas implica-ções mais radicais. Ele pode colaborar com muitos empreendi-mentos diferentes - um programa de alfabetização de adultos, um curso noturno de história, uma sociedade local de história ou um projeto comunitário em grupo, um programa da Manpower Services Commission para a reciclagem de jovens desemprega-dos um grupo de terapia de reminiscência para idosos de um asilo ou de um pavilhão hospitalar, uma exposição num museu, ou um programa de rádio. Em cada um desses casos, os méritos essenciais serão o estímulo à cooperação, em excepcional situa-ção de igualdade, para a descoberta de um tipo de história que significa alguma coisa para as pessoas comuns. Por certo essas são tendências que têm que ser cultivadas - e que podem criar problemas.


A primeira questão diz respeito à escolha do tema. Para muitos desses objetivos, o melhor tema pode parecer simples-mente aquele que conquiste o interesse imediato. Em contraposi-ção, as idéias da sociedade histórica local podem ser mais seve-ras e, de fato, talvez excessivamente limitadas pelas convenções tradicionais da história documental. Porém, a ampliação das pers-pectivas da história social tem resultado em que, com imagina-ção, pode-se certamente encontrar um tema que satisfaça a todos. Assim, R.aphael Samuel argumentou em favor de um remapea-mento da história de comunidade local
em que as pessoas sejam tão proeminentes quanto os lugares, e estes e aquelas estejam mais intimamente entrelaçados. Pode-se então estudar a topografia moral de uma aldeia ou pequena cidade, com a mesma preci-são que os predecessores deram ao Ordnance Survey, acompanhando os altos e baixos do ambiente social bem como as fronteiras do distrito, caminhando pelos corredores escuros e pelas passagens semi-ocultas, tanto quanto pelas ruas regulares. Ao reconstituir o itinerário de uma criança setenta anos atrás, o historiador topará com as fronteiras invisí-veis que separavam, em dada rua, a extremidade mais simples da extre-midade respeitável, as casas da frente das do fundo, o espaço dos meni-nos do das meninas. Acompanhando o traçado do pavimento chegar-se-á

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a um espaço que era utilizado para os carrinhos, outro para a amarelinha, um terceiro para "pular sela" ou para jogo da péla. Os "trepa-trepa" apa-recem na High. Street, onde os jovens iam namorar em seus passeios dominicais, enquanto o beco se toma um lugar em que os lenhadores tinham suas barracas e os verdureiros passavam com seus carrinhos de mão (...) (E analogamente em) determinados bosques ou campos (...) podia-se encontrar ali cogumelos ou caçar coelhos; ali se desenterravam batatas ou cavalos pastavam ilegalmente, ou se passavam os longos dias de verão na secagem do feno ou na colheita. (...)

Ou ainda, em vez de tomar a própria localidade como objeto de es-tudo, o historiador pode escolher como ponto de partida algum elemento de vida dentro dela, limitado no tempo e no espaço, mas utilizado como uma janela aberta para o mundo (...) Seria bom que isso fosse tentado em relação à Londres do século XIX. Um estudo sobre o comércio do-minical em Bethnal Green, que incluísse a guerra declarada contra ele pelos pregadores de rua; ou sobre a atividade dos marceneiros no sul de Hackney, ou dos ladrões de Hoxton (...) nos levaria para mais perto do coração da vida do East End do que um outro compêndio do Sanitary Ramblings de Hector Gavin (...) O namoro e o casamento em She-pherd's Bush, a vida doméstica em Acton, ou o catolicismo romano entre as lavadeiras e os trabalhadores do gasômetro de Kensal Green poderiam contar-nos mais sobre o crescimento dos subúrbios do que o registro sobre o aumento do número de ruas (...) O estudo da estrutura social também poderia tornar-se mais intimo e realista se a abordagem fosse mais indireta, e centrada na atividade e nas relações. Um estudo sobre a infancia em Chelsea (sobre com quem se podia brincar ou não, sobre onde se tinha permissão para ir), sobre a masculinidade em Mit-cham, sobre o trajeto de casa ao trabalho em Putney, ou sobre a política local em Finsbuty, nos contaria muito (mais) a respeito da maneira como eram manipuladas e percebidas as diferenças de classe e como se exprimia na prática a submissão social (...) do que uma abordagem mais inflexível que toma como marcos as divisões quíntuplas do Registrar-General.4


Essa abordagem que busca uma "janela aberta para o mundo" é que permitiu inicialmente que Raphael Samuel cap-tasse a imaginação dos sindicalistas a respeito dos cursos de edu-cação de adultos no Ruskin College de Oxford, levando-os a es-tudar a história de suas ocupações e, posteriormente, a estimular o movimento do "History Workshop" que semeou grupos locais pelos bairros de Londres e pelas cidades do interior. A revista

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semestral do movimento, History Workshop, deve proporcionar segurança suficiente aos que são tão pessimistas a ponto de temer que o entusiasmo se deva mostrar incompatível com os padrões acadêmicos.
Não obstante, suas atividades têm representado um desafio ao profissionalismo como tal, por se "dedicar a tornar a história uma atividade mais democrática" e a combater a situação em que "'a história séria' acabou sendo um assunto reservado ao espe-cialista (...) Somente acadêmicos podem ser historiadores, e eles possuem seus direitos territoriais e suas hierarquias sociais pró-prias. Em sua grande maioria, os textos históricos não se desti-nam a ser lidos fora das fileiras da profissão".5 Uma oposição semelhante a essa opinião está subjacente às atividades de muitos grupos de história oral, tais como a coleta de canções e entrevis-tas de operários do Norte da Itália, feita pelo Istituto Ernesto di Martiro, de Milão, o trabalho conjunto do Conselho de Comércio de Brighton com a Sussex Labour History Society, na série Queen Spark Books, ou outros grupos cooperativos que editam histórias de vida, tais como o Peckham People's Histoiy, o Bris-tol Broadsides e o People's Autobiography of Hackney de East London. Algo semelhante existe também nas comissões de bairro instituídas em quinze distritos de Boston para, a partir de pesqui-sas bibliográficas, da localização de fotografias e da coleta de lembranças de todo tipo de gente, produzir uma série de folhetos históricos para o bicentenário. Não há dúvida alguma de que esses folhetos, que foram distribuídos gratuitamente aos morado-res de Boston na série do Bicentenário, ou que, no caso de Hack-ney, venderam vários milhares de exemplares, levaram a história local a um público excepcionalmente grande. Igualmente sur-preendente, porém, pode ser o espírito dentro do qual são produ-zidos mediante trabalho cooperativo. No grupo de Hackney insis-tia-se em que qualquer um pode gravar qualquer outro e que todos devem colaborar para o processo de apresentação. O obje-tivo era tanto o de fazer com que as pessoas tivessem confiança em si mesmas e em suas próprias Lembranças e interpretações do

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passado, quanto o de produzir uma forma de história. Nesse con-texto, o profissional, expressando-se com segurança e alicerçado na autoridade de sua formação superior, pode tomar-se positivamente uma ameaça às bases mesmas do projeto. Certamente, completa ausência de perspectivas históricas mais amplas deu historiador experimentado pode, do mesmo modo, ser danosa ao trabalho de um grupo. Levará à criação de mitos históricos unidi-mensionais, mais do que a uma compreensão social mais profunda. O que é preciso é um relacionamento dinâmico que faça com que a interpretação se desenvolva mediante o debate conjunto.
O êxito do projeto local em grupo dependerá, pois, em parte, do modo como se utilizará dos diferentes talentos que cada um dos membros trará para o trabalho: as lembranças de sua pró-pria vida, sua capacidade como técnicos, queda para organização, ou habilidade em fazer os outros falarem, todas essas coisas serão tão importantes quanto uma grande massa de informação histórica. Em alguns projetos, os papéis podem estar mais bem distribuídos dentro de urna estrutura formal de comissão; em ou-tros, um profissional será o líder informal de um grupo igualitá-rio; em outros, ainda, como nos projetos para os jovens desem-pregados da Manpower Services Commission, a equipe será formada por funcionários formalmente contratados, que traba-lham sob as ordens de um supervisor.
Este último tipo de projeto tem que funcionar dentro de uma estrutura especial, com objetivos e procedimentos burocráticos claramente propostos. Para conseguir obter financiamento, deve oferecer não só urna relação de produtos finais úteis à comunidade local, como também treinamento para os jovens: em entrevista, em transcrição datilográfica de fitas gravadas, em trabalho de se-cretaria e contabilidade, no processamento de textos em compu-tador, no manejo de equipamento de gravação e de fitas, etc. Um projeto de história oral pode ser imediatamente preparado para realizar isso, mas o duplo objetivo e, ainda, as regras estritas que definem a idade, as qualificações, a forma de recrutamento e os salários é que determinarão a estrutura do corpo de pessoal. Deve

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haver um secretário que lide com os contratos, livros de ponto, livros-caixa, contabilidade e outros trabalhos burocráticos obriga-tórios, e será preciso uma alta proporção de pessoal em tempo parcial para permitir taxas de pagamento razoáveis de acordo com a lei. A contratação mais importante para o projeto será a de seu supervisor, que deve ser um profissional desempregado com boa qualificação e experiência; mas "é preciso que se seja mais flexível e experimental ao recrutar outros funcionários para o projeto. Pessoas de qualificação inferior ou não formal muitas vezes possuem verdadeiro talento para esse tipo de trabalho, especial-mente para entrevista e gravação".6 Problema muito mais impor-tante, porém, é que o financiamento do projeto será de apenas um ano e, mesmo que renovado, quase todo o pessoal deverá ser substituído por novas pessoas a serem treinadas. Assim, muitas vezes, a equipe é dispensada exatamente quando chegou ao ponto de estar funcionando bem. Não é de admirar, pois, que os resulta-dos dos projetos dos Manpower Services tenham sido irregulares. Não obstante, nos últimos anos, eles têm sido provavelmente a maior fonte individual de expansão do trabalho de arquivo da história oral local. E nos casos em que uma série de projetos tenha permitido o acúmulo de experiência especializada, eles podem propiciar um retomo compensador, como no caso da coleta associada de memórias orais e fotografias de família do bairro feita pelo Manchester Studies na década de 1970, ou sobre gru-pos de imigrantes, feita pela Bradford Heritage na década de

1980.
A qualidade dos equipamentos também determinará o que pode ser realizado. Como veremos, tanto a atividade de entre-vistar como a de armazenar requerem bom equipamento para chegar aos melhores resultados. É certo que um grupo de história de vida pode flmcionar com muito êxito apenas com lápis e papel. Porém, se se quiser gravar para uma rádio local, ou insta-lar um arquivo, o equipamento realmente necessário é muito caro, e isso é mais bem sentido no início. Os programas dos Manpower Services são gravemente subcapitalizados; e sem o

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patrocínio de uma instituição, como uma biblioteca, museu ou centro de recursos educativos local, que proporcione acomoda-ções e a maior parte do equipamento, dificilmente haverá di-nheiro suficiente para despesas com telefone e correio. Contudo, o equipamento é absolutamente necessário para que o projeto possa proporcionar treinamento. Antes de iniciar qualquer pro-jeto, é fundamental saber que se poderá comprar, ou obter por em-préstimo, um local de trabalho, mesas, cadeiras, arquivos e pelo menos dois bons gravadores de fita e uma má quina de escrever, ou processador de textos.


A seguir é. preciso. escolher as pessoas cujas lembranças vão ser gravadas. Claro que isso. é .crucial ara qualquer pro-jeto de história oral: e os princípios básicos continuam os mesmos. Em primeiro lugar, é de pouca valia gravar pessoas cujas lembranças sejam. Confusas ou deterioradas ou que sejam retrai-das demais para falar sobre si mesmas. Em segundo lugar o que interessa é a experiência pessoal direta que alguém possua, e não sua posição formal. Isso é uma dificuldade especial-mente para as sociedades históricas ou bibliotecas públicas locais. Pode significar que as pessoas escolhidas para serem grava-das sejam. exatamente os dignatários locais, tais como prefeitos e vereadores, que são os que precisam ser_mais cautelosos e portanto, os que menos tem a oferecer. Como muito justamente ob-servou Beatrice Webb, é "quase axiomático"
que a mente do subordinado, em qualquer organização, transmitirá maior riqueza de fatos do que a mente do dirigente. Isso não se dá ape-nas porque o subordinado esteja em geral menos prevenido (..) O capa-taz da produção, o chefe de escritório ou o funcionário menos categori-zado estio em contato intimo e continuo com as atividades do dia-a-dia da organização; têm mais consciência da heterogeneidade e do caráter mutável dos fatos, e é menos provável que apresentem uma generaliza-ção sem vida, em que todos os detalhes vivos se tomam uma névoa informe, ou são apresentados, estereotipadamente, dentro de categorias rigidamente limitadas e talvez obsoletas.7
Em terceiro lugar, é preciso que se esteja sempre alerta

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quanto ao equilíbrio social dos relatos que estão sendo coletados. Há sempre uma tendência a que os projetos gravem mais entre-vistas de homens que de mulheres. Isto se dá em parte porque as mulheres tendem a ser mais desconfiadas e menos freqüente-mente acreditam que suas lembranças possam ser de interesse. E também por ser muito mais freqüente que homens sejam reco-mendados como informantes. Mesmo que se reconheça que isso constitui um problema, pode ser difícil resolvê-lo. Por exemplo, se o assunto é uma indústria local, será bastante fácil encontrar homens que nela trabalharam; de fato, é bem possível que ainda se encontrem com antigos colegas de trabalho em algum bar ou clube. Muito mais difícil, porém, será identificar suas esposas, ou as mulheres que trabalharam na mesma indústria, ainda que fos-sem igualmente essenciais para seu funcionamento, porque em geral não serão reconhecidas localmente por sua ocupação, e suas ligações sociais serão mais as da vizinhança do que as do local de trabalho. De modo semelhante, existe urna tendência igualmente forte a que um projeto de comunidade grave entrevistas de pes-soas de seu estrato social médio - em geral o segmento superior da classe operária e a classe média baixa - em prejuízo tanto da camada superior como da inferior. Há dificuldade em localizar o diretor de produção aposentado da companhia Cheltenham. E muito freqüentemente, os elementos mais pobres, os mais "rústi-cos", que constituíram parte essencial da comunidade, mostram-se também difíceis de encontrar. Não são indicados como infor-mantes, porque os idosos mais "importantes" ou desaprovam declaradamente o que poderiam dizer, ou simplesmente os consi-deram emotivos ou ignorantes demais para que possuam qual-quer lembrança de valor. Contudo, são muitas vezes exatamente aqueles cuja opinião diferente, expressa com riqueza em narrati-vas em dialeto, pode proporcionar as gravações mais valiosas de todas. E a justaposição de experiências vivas de todos os níveis da sociedade é o que torna a história local mais vigorosa e inte-lectualmente provocante.
Assim, é tarefa essencial encontrar um leque suficiente-245

mente amplo de informantes. Um grupo auto-selecionado que atenda a uma notícia pública ou a uma convocação pelo jornal ou pela rádio locais pode, por certo, proporcionar o melhor começo para alguns projetos, mas raramente será suficientemente repre-sentativo. As pessoas podem ser localizadas de muitos outros modos: por meio de contatos pessoais; em oficinas de artesanato ou em clubes de idosos; por meio de sindicatos ou de partidos políticos; mediante convocação no jornal local, em vitrinas de lojas ou na rádio; por intermédio de assistentes sociais ou médi-cos, igrejas ou organizações de visitação; e até mesmo mediante encontros casuais numa loja, num bar, ou num parque. É sempre muito mais fácil se se puder abordá-los com uma recomendação de alguma outra pessoa. Embora sempre haja recusas, que podem ser desanimadoras, desde que se tenha uma idéia clara sobre que tipo de pessoa se esta procurando, esta parte do projeto depende antes de mais nada de persistência. Mas valerá a pena persistir.


Afinal, e quanto ao produto desse trabalho? As fitas grava-das e as transcrições devem ser guardadas, juntamente com foto-grafias, documentos e outros materiais que se tenha coletado, como fonte para posterior uso público: e o melhor lugar para isso provavelmente será a biblioteca pública local. Porém, a partir desse material, pode-se produzir de imediato pacotes educacio-nais para uso nas escolas locais, inclusive cassetes de trechos de entrevistas; montar pequenas exposições itinerantes, também aqui combinando som, fotografia e texto; e fazer um espetáculo com fitas gravadas e slides para ser utilizado com pessoas idosas, para estimular suas próprias lembranças a respeito do passado da comunidade. As fitas gravadas podem ser também utilizadas para fazer programas na rádio local - neste caso, a forma mais efi-ciente será provavelmente uma montagem de trechos de entrevis-tas, com um mínimo de ligação feita por um narrador; ou se po-derá encontrar um grupo de teatro com cuja ajuda se poderá desenvolver parte do material sob a forma de peça teatral. E o material pode ser publicado sob forma impressa: como artigo es-pecial em jornal, como folhetos locais, ou - como a História da

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Ilha, na Isle of Dogs de Londres, ou o Seminário de História de East Bowling, em Bradford - como calendários anuais de ve-lhas fotografias.
Sob essa última forma, só a legenda pode denunciar sua ori-gem em trabalho de gravação oral; e isso também pode ocorrer quanto a outros resultados. Assim, muitos museus têm utilizado projetos de história oral para reconstituir, corrigir e interpretar exposições de materiais, desde a casa do arrendatário negro do Smithsonian, em Washington, ou as fornalhas de aço de Schnei-der, que outrora iluminaram a cidade operária da companhia Le Creusot, na França, até o consultório dentário de Durham na dé-cada de 1920, em Beamish; porém., embora igualmente eficiente, ainda é bastante rara a utilização de evidência oral do projeto na própria exposição, como na cozinha da família de pescadores no Museu Marítimo de Lancaster. Assim, na mina de ardósia de Gloddfa Ganol, em Blaenau Ffestiniog, no Norte do País de Gales, pode-se ver e ouvir os próprios mineiros num espetáculo de fita gravada e slides, nos antigos estábulos, antes de entrar nas vastas cavernas cavadas no interior da montanha. Em outros lu-gares, às vezes se emprestam cassetes aos visitantes para levarem com eles durante a visita. Os extratos são melhores quando bem curtos, de menos de um minuto. Um lavrador pode falar sobre como se ara a terra, ou um tecelão explicar como funciona o tear. No Imperial War Museum, pode-se ouvir o ruído da marcha dos soldados e dos canhões enquanto se observa uma exposição de ob-jetos das trincheiras, ou entrar numa barraca de recrutamento onde a voz de um velho soldado conta o que significava ser convocado.
Até mesmo uma iniciativa temporária pode ter mm impacto notável. Os museus de Coventry e de Southampton organizaram exposições a partir de seus projetos, que incluíam chás dançantes com bandas de jazz, onde velhos casais rodopiavam com alegria rejuvenescida ao som de melodias há muito esquecidas; e essas ocasiões também mostraram ser catalisadoras para a reunião de velhos companheiros de trabalho, e até mesmo de duas irmãs que não se viam há quarenta anos. Em outros projetos, grupos de

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reminiscência de idosos contataram escolas locais, ou vice-versa. Em Harlow New Town, adolescentes judeus organizaram um clube de idosos dentro de seu próprio clube; enquanto na aldeia de BurwelL do condado de Cambridge, o projeto de um filme documentário que incluía memórias gravadas levou à formação de um "clube informal", este também dentro de um clube de jo-vens, com os idosos que recebiam sua aposentadoria na agência postal nas tardes de quinta-feira. Eles conversavam com alguns jovens do grupo durante o chá, do que resultavam gravações, ar-tigos publicados na revista da comunidade e muitas outras infor-mações. Um pequeno número de projetos de comunidade são muito mais ambiciosos - ou obtêm êxito além das expectativas. Assim, o New York Çhinatown History Project visa contribuir para a construção de uma estrutura comunitária democrática, exatamente por meio de uma interpretação recíproca extrema-mente consciente politicamente, mas sensível, de imigrantes anti-gos e novos, e de chefes da comunidade e trabalhadores explora-dos das lavanderias. Na cidade de Lund, na Suécia, na década de 1960, um projeto no bairro pobre de Nôden, condenado a desapa-recer, reavivou de tal maneira o sentimento de comunidade que Nõden foi salvo definitivamente do projeto de estrada que o teria arrasado; e vinte anos depois, de modo semelhante, o pavilhão "Dig Where You Stand" de história industrial rodou o país inteiro provocando a solidariedade das antigas comunidades industriais. E um projeto britânico, evocando lembranças muito diferentes, conseguiu transformar uma rádio local num canal de mão dupla. Para tanto, Dennis Stuart, do Departamento de Educação de Adultos da Universidade de Keele, concebeu um projeto sobre a história da igreja metodista local, trabalhando com Arthur Wood, da Rádio Stoke-on-Trent. Formou-se um conjunto de grupos de estudos de oito templos, cada um deles estudando os próprios registros e realizando entrevistas; o material assim obtido, unifi-cado por 'urna narração e por gravações de cantos e orações, foi reunido numa série de programas de rádio. Esses programas, e urna exposição ligada a eles, estimulou nova atividade de grava248

ções - bem como unia nova série de programas semanais de quinze minutos cada um, compostos de uma colagem de depoi-mentos, sem nenhuma narrativa, a maioria deles sobre aspectos da vida social antes da Primeira Guerra Mundial, programas esses que se tornaram muito populares e foram ao ar durante oi-tenta semanas ao todo. Uma vez mais, isso provocou uma partici-pação local muito ativa, com as pessoas enviando comentários, oferecendo-se para ser entrevistadas, e redigindo textos sobre suas lembranças pessoais.


Podemos terminar com um exemplo ainda mais impressio-nante de participação local, que resultou na criação de um museu inteiramente novo na Itália. Este não foi um projeto de história oral propriamente dito, mas antes um projeto de história de co-munidade, para o qual foi de especial importância o papel desem-penhado pela lembrança oral. Ele oferece também um exemplo notável da cooperação que pode existir entre trabalhadores e pro-fessores universitários, que ocorreu no contexto de um movi-mento político italiano mais amplo para a reavaliação da cultura da classe operária. Como afirma Alessandro Triulzi, ao descrever o projeto, o Museu da Civilização Camponesa - o Museo della Civiltá Contadina di S. Marino, em Bentivoglio - deve ser com-preendido não como uma simples coleção de objetos do passado, mas como "a resposta dos próprios trabalhadores à apropriação cultural a que haviam sido submetidos pelas classes dominantes", e como um passo na direção da "reapropriação de valores e con-tribuições que durante muito tempo haviam sido ignorados, tri-vializados e distorcidos pela cultura oficial estatal".
O museu fica a alguns quilômetros de Bolonha, na região quente, plana e chuvosa do vale do Pó. Constitui uma exposição esplendidamente documentada e de grande penetração social, instalada na elegante casa do administrador de uma antiga pro-priedade fundiária, a respeito da vida e do trabalho dos campone-ses meeiros da região circundante. Aberta em 1973, resultou de uma campanha que durou nove anos. Começou em 1964, quando um ex-camponês, Ivano Trigari, descobriu, semi-enterrada ao

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lado da casa de um amigo, uma antiga ferramenta agrícola, local-mente chamada de stadura:
A stadura é uma barra de ferro redondo, de cinqüenta ou sessenta centímetros de comprimento, que era utilizada nos antigos carros-de-boi bolonheses, ao mesmo tempo como breque e como enfeite. A parte de cima da barra era em geral adornada com uma cruz ou alguma outra decoração, e ela tinha um ou mais anéis de ferro que dava, a cada carro em movimento, seu som característico peculiar.
Trigari limpou e poliu essa stadura e a pôs em exposição na vitrine da cooperativa agrícola em que trabalhava, na pequena cidade de Castelmaggiore. O resultado foi espantoso: uma "febre da stadura" tornou conta da cidade, todos competindo para apre-sentar o melhor exemplar, escolares trazendo exemplares que os pais enviavam, embrulhados em papel, notícias de descobertas vindas de todo lado. Em poucos dias, juntaram-se uns vinte exemplares, sendo as mais bonitas expostas na frente da loja, as demais amontoadas a um canto. A coleção tornou-se o assunto da cidade, atraindo grande número de velhos camponeses do bar e do clube dos trabalhadores, a Casa del Popolo. Enquanto ali fica-vam, olhando e comentando, Trigari escutava suas lembranças, perguntando-lhes sobre detalhes que desconhecia. Deu-se conta, como diz ele, de que essas lembranças orais podiam proporcionar "um afresco geral de urna época que já havia desaparecido, ou estava prestes a desaparecer". Os comentários eram variados:
Alguns deles amaldiçoavam as ferramentas que os faziam lembrar como haviam trabalhado duro no passado; outros ficavam excitados, lembravam-se de seu tempo de moços. Diziam que agora os tempos eram melhores, e começavam a trocar lembranças do passado, do tempo em que tinham que levantar às duas da manhã para ir arar o campo; de como tinham que levar seus carros-de-boi até os arrozais, para recolher a forragem e a palha do arroz que era então utilizada como cama para os animais (...) E também de quando costumavam levar todo o cânhamo àmansão do proprietário da terra ou como carregavam na cabeça os enor-mes cestos cheios de uva; ou dos grandes feixes de lenha que eram leva-dos para o padeiro; ou, finalmente, de quando, com o melhor carro e os

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melhores bois, com a stadura brilhando de lustrosa, o noivo ia à casa da noiva para buscar seu dote.
Em breve, outras ferramentas começaram também a chegar: velhos teares, ferramentas para o cânhamo, cangas, enxadas, ara-dos, e assim por diante. Disso nasceu a idéia de uma coleta local sistemática de antigas ferramentas de trabalho. Essa idéia foi aco-lhida com entusiasmo pelos camponeses que esquadrinharam por todas as suas casas e pelos depósitos desativados e persuadiram seus amigos a fazerem o mesmo. Foi instituída uma festa della stadura para obter recursos financeiros, que acabou se tornando urna festa anual. Foi organizada uma associação, o Gruppo della stadura, que organizou uma exposição itinerante: uma antiga car-roça puxada por um trator com amostras de ferramentas, que eram apresentadas nas aldeias das redondezas nas épocas de fei-ras e de carnaval, ou nos dias de festa dos santos locais, ocasiões em que se pedia ajuda. "Os camponeses escutavam, e freqüente-mente contribuíam no ato com ferramentas, dinheiro, conselhos e sugestões sobre onde se poderia encontrar mais material." Na época em que, após anos de busca, a associação recebeu, do go-verno provincial de Bolonha, o atual prédio de seu museu, ha-viam sido reunidos 4 mil objetos. "Com base na fé e orgulho inabaláveis em seu próprio sentimento de história", o movimento se desenvolvera como "um esforço coletivo que envolveu quase todo o mundo da comunidade".
Fator fundamental para conseguir o apoio financeiro oficial fora a ajuda de um grupo de estudantes e pesquisadores da uni-versidade, reunidos em torno de Carlo Poni, professor de História Econômica em Bolonha. Com o êxito conseguido pela primeira etapa do projeto, com a abertura do museu, pretende-se que o estreito contato entre os historiadores da universidade e a comu-nidade continue. O museu está constituindo um importante ar-quivo de contratos de trabalho, documentos de propriedade, re-gistros de organizações camponesas e fotografias. Funciona como centro para seminários e. para pesquisa sobre história agrá-ria. Ao mesmo tempo, atrai milhares de visitantes locais, espe-251

cialmente escolares, que são estimulados a escrever seus traba-lhos de fim de curso utilizando o material do museu. Proporciona também treinamento para outras pessoas que desejem tomar a iniciativa de empreendimentos semelhantes em outros lugares: apenas em Emília, cerca de quinze novos museus agrários estão sendo criados, e a idéia está se disseminando por outras provín-cias. Talvez o que mais interesse ao historiador oral é o estímulo da memória histórica local. Os estudantes coletam entrevistas em suas próprias aldeias ou se utilizam das gravações do museu. O método de entrevistas também se desenvolveu entre os estudan-tes universitários. E, sobretudo, os historiadores-camponeses dentro da comunidade descobriram renovada confiança. Apenas um só exemplo para concluir: o de Giuseppe Barbieri, de S. Gio-vanni, em Persiceto.


Com 78 anos de idade, Giuseppe Barbieri, camponês agora apo-sentado, tem um histórico escolar medíocre (não passou da terceira série), mas um histórico respeitável como historiador local. Seu primeiro trabalho, um manuscrito de trezentas páginas intitulado "Minhas memó-rias da guerra e da paz. Algumas lembranças de família", foi escrito em 1936. Nele, esse camponês, na época com 39 anos, descreveu minucio-samente essa experiência da guerra, as condições de trabalho dos cam-poneses em Emilia de antes da Primeira Guerra Mundial, a luta agrária de 1919-20, e as reações camponesas aos acontecimentos nacionais, como o surgimento do fascismo, ou a tragédias locais, como o terremoto de 1929. Escrito com incorreções em italiano (quase uma língua estran-geira para ele, uma vez que, como a maioria dos camponeses da região, fala o dialeto local, tanto em casa como no trabalho), seu caderno ma-nuscrito permaneceu inútil em sua casa até 1975, quando a notícia do museu camponês se espalhou pela região (...) Giuseppe Barbieri decidiu tomar de novo da pena (...)
O novo livro de Barbierj seria sobre a estrutura tradicional rural e o trabalho quotidiano. Ofereceria, nas palavras de Triulzi, a resposta de um trabalhador à falsa dicotomia dos acadêmicos entre a pequena história da vida e do trabalho do dia-a-dia e a Grande História dos compêndios oficiais". E Giuseppc Barbieri certamente lançou-se a essa tarefa com entusiasmo, pois espe-252

rava, como disse, '4prosseguir com ela rapidamente, enquanto minha memória ainda está boa, uma vez que já passei dos meus 77 anos e tenho orgulho de expressar nosso passado".8

Dificilmente se poderia exprimir de maneira melhor o espí-rito com que se deve empreender um projeto de história oral.
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A ENTREVISTA


Ser bem-sucedido ao entrevistar exige habilidade. Porém, há muitos estilos diferentes de entrevista, que vão desde a que se faz sob a forma de conversa amigável e informal até o estilo mais formal e controlado de perguntar, e o bom entrevistador acaba por desenvolver uma variedade do método que, para ele, produz os melhores resultados e se harmoniza com sua personalidade. Há algumas qualidades essenciais que o entrevistador bem-suce-dido deve possuir: interesse e respeito pelos outros como pessoas e flexibilidade nas reações em relação a eles; capacidade de de-monstrar compreensão e simpatia pela opinião deles; e, acima de tudo, disposição para ficar calado e escutar. Quem não consegue parar de falar, nem resistir à tentação de discordar do informante, ou de lhe impor suas próprias idéias, irá obter informações que, ou são inúteis, ou positivamente enganosas. Mas a maioria das pessoas consegue aprender a entrevistar bem.
O primeiro ponto é a preparação de informações básicas, por meio da leitura ou de outras maneiras. A importância disso varia muito. A melhor maneira de dar início ao trabalho pode ser mediante entrevistas exploratórias, mapeando o campo e co-lhendo idéias e informações. Com a ajuda destas, pode-se definir o problema e localizar algumas das fontes para resolvê-lo. Do mesmo modo que a "entrevista piloto" de um grande levanta-mento, uma entrevista de coleta de informações genéricas no iní-cio de um projeto local pode ser uma etapa muito i~til. E natural254

mente não há razão alguma para fazer uma entrevista, a menos que o informante seja, de algum modo, mais bem informado do que o entrevistador. Este vem para aprender e, de fato, muitas vezes consegue que as pessoas falem exatamente dentro desse espírito. Por exemplo, Roy Hay descobriu, em sua pesquisa com os construtores navais de Clydeside, que, muitas vezes, "nossa própria ignorância pode tornar-se útil. Em muitas ocasiões, os trabalhadores mais velhos recebiam minhas perguntas ingênuas com divertida tolerância e me diziam. Não, não, garoto, não foi desse jeito', ao que se seguia uma descrição clara e detalhada do

que verdadeiramente acontecera".1
Não obstante, o que se dá na verdade é que, em geral, quanto mais se sabe, mais provável é que se obtenham informa-ções históricas importantes de uma entrevista. Por exemplo, se se estabeleceu, a partir dos jornais, a descrição básica de uma deci-são política, ou de uma greve, será possível situar exatamente dentro dos acontecimentos a participação do informante, identifi-car até que ponto sua experiência e observações são diretas, quais recordações são de segunda mão, e reconhecer as falhas de me-mória entre eventos semelhantes em momentos diversos como as duas eleições gerais de 1910, ou as greves de 1922 e 1926. Essas informações básicas podem, por sua vez, ter sido construí-das de maneira muito completa a partir de entrevistas anteriores, como em relação à reconstruçao sistemática da perseguição e da resistência dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial, ou dos movimentos guerrilheiros locais na Itália, onde a importância de um testemunho pode ser a de corroborar e preencher com deta-lhes precisos os eventos, hora a hora, de um certo dia do ano de 1944, quando a família de um certo homem foi exterminada.
Um controle semelhante de detalhe pode ser estabelecido para uma entrevista de história de vida, no caso de o sujeito ser uma personalidade pública, ou um escritor, ou possuir documen-tos pessoais em quantidade suficiente. Muito embora parte desse material - como os próprios textos do sujeito - seja acessível antes do início da entrevista, pode-se conseguir mais resultados

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com as primeiras entrevistas, que levem à correspondência, à descoberta de novos documentos e, finalmente, a mais entrevistas em outro nível de indagações. Claro que nem todo informante proeminente se dispõe a submeter-se a um processo de pesquisa passo a passo. Thomas Reeves descobriu que entrevistar intelec-tuais liberais norte-americanos exigia uma preparação trabalhosa e completa. Freqüentemente, eram ocupados demais para conce-der mais do que breves entrevistas, de modo que era essencial que se fizessem "perguntas específicas, muito bem fundamenta-das". Ainda pior, se se parece "demonstrar hesitação, ou estar procurando obter informações ás cegas, o relacionamento entre os participantes de uma entrevista pode destruir-se rapidamente. Os intelectuais liberais parecem estar especialmente interessados em testar suas credenciais para ser um historiador oral, mediante o exame de seu conhecimento do assunto em discussão. Senti muitas vezes, principalmente no início de uma sessão de entre-vistas, que eles é que estavam me entrevistando (...) Esse tipo de inquirição são estratagemas do status".2
Esse tipo de informante exigente é raro. Não obstante, mesmo num estudo histórico mais geral de uma comunidade ou de uma indústria, é importante que se obtenha o mais rápido pos-sível um conhecimento das práticas e da terminologia locais. John Marshall, por exemplo, indica o quão enganosa pode ser a pergunta "Com que idade você deixou a escola?" nas cidades algodoeiras de Lancashire. Uma antiga fiandeira responderia: aos 14 anos; e apenas porque ele sabia que a maioria delas trabalhara em meio período nos teares muito antes de deixar a escola -fato que elas davam por sabido - é que ele então continuava com outra a pergunta: "Quando você começou a trabalhar?".3 Muitos historiadores orais descobriram que um conhecimento bá-sico sobre os termos é útil, como um recurso para que se instaure respeito e confiança recíprocos. Beatrice Webb, dezenas de anos antes, disse a mesma coisa com sua perspicácia característica:
Interrogar rigorosamente um inspetor de fábrica sem saber distinguir entre uma fábrica e uma oficina (...) constitui uma impertinência. É

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especialmente importante ter familiaridade com termos técnicos e com seu uso correto. Começar a entrevistar qualquer especialista sem ter esse domínio não apenas será uma perda de tempo, como também pode levar a um encerramento mais ou menos polido da entrevista, depois de algu-mas observações gerais e algumas opiniões banais (...) Pois os termos técnicos (...) são ferramentas importantes para fazer com que surjam na consciência e na expressão os fatos ou série de fatos mais obscuros e incomuns; e precisamente esses eventos mais ocultos é que são necessá-rios para completar a análise descritiva e para a verificação de hipóteses.4
E isso não se aplica apenas ao especialista. Constitui igual "impertinência" submeter a interrogatório grande número de traba-lhadores de uma comunidade ou indústria, sem primeiro se assegu-rar, na medida do possível, de que as perguntas são historica-mente relevantes e estão corretamente formuladas para aquele contexto.
Um estudo mais amplo sobre mudança social, que dependa de um espectro relativamente amplo de informantes, também exige que, antes das entrevistas, haja uma preparação particularmente cuidadosa da forma das perguntas. Fazer perguntas da me-lhor maneira é evidentemente importante em toda entrevista. Contudo, esta é uma questão que pode provocar forte reação entre os historiadores orais. Pode-se estabelecer uma diferença entre os chamados "questionários" de perguntas fechadas, cujos padrões lógicos rigidamente estruturados inibem de tal modo a memória que o "respondente" - a escolha desse termo é por si só sugestiva - fica reduzido a respostas monossilábicas, ou muito curtas; e, no outro extremo, não propriamente uma "entre-vista", mas uma "conversa" livre em que a "pessoa", o "portador-de-tradição", a "testemunha", ou o "narrador" e "convidado a falar" sobre um assunto de interesse comum.5 A verdade é que é preciso grande destreza e um informante bem escolhido, para que se possa, como George Ewart Evans, conseguir um material ex-traordinário permanecendo "tranqüilo e sem pressa", dado ao informante "todo o tempo que quiser para ir em qualquer dire-ção..." "Deixe que a entrevista flua. Nunca procuro controlá-la. O menos que se pode fazer é orientá-la e procuro fazer o menor

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número possível de perguntas (...) Todo o tempo necessário, toda a fita necessária, e poucas perguntas".6 Essas poucas perguntas ba-seiam-se em longa experiência, associada a uma idéia clara, obtida antecipadamente, sobre o que cada um dos informantes pode relatar.
O argumento em favor de uma entrevista completamente livre em seu fluir fica mais forte quando seu principal objetivo não é a busca de informações ou evidência que valham por si mesmas, mas sim fazer um registro 'subjetivo" de como um homem, ou uma mulher, olha para trás e enxerga a própria vida, em sua totali-dade, ou em uma de suas partes. Exatamente o modo como fala sobre ela, como a ordena, a que dá destaque, o que deixa de lado, as palavras que escolhe, é que são importantes para a compreen-são de qualquer entrevista; mas para esse fim, essas coisas se tornam o texto fundamental a ser estudado. Assim, quanto menos seu testemunho seja moldado pelas perguntas do entrevistador, melhor. Contudo, a entrevista completamente livre não pode existir. Apenas para começar, já é preciso estabelecer um contexto social, o objetivo deve ser explicado, e pelo menos uma pergunta inicial precisa ser feita; e isso tudo, juntamente com os pressupostos não expressos, cria expectativas que moldam o que vem a seguir. Experimentos feitos com essa abordagem geralmente têm se mos-trado decepcionantes: Janet Askbam descobriu que "isso tende a resultar num relato curto, e até mesmo conciso", simplesmente por-que "eles não sabiam em que eu estava interessada". Os relatos fluíam muito mais livremente assim que ela começava a fazer perguntas.7 Mesmo para esse objetivo, é necessária uma solução conciliatória.
No outro extremo, a busca de evidência "objetiva" do levanta-mento clássico aponta na direção de um espelho de incompreensão. O objetivo de uma entrevista deve ser revelar as fontes do viés, fun-damentais para a compreensão social, mais do que pretender que elas possam ser aniquiladas por um entrevistador desumanizado "sem um rosto que exprima sentimentos".8 Na verdade, nenhum historiador oral, que eu saiba, tem defendido o estilo de entrevista com questionário rigidamente inflexível.

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Realmente, as necessidades decorrentes de determinado tipo de pesquisa é que tornam essencial o planejamento antecipado das perguntas a fazer - por exemplo, em todo projeto em que o trabalho de entrevistar é repartido numa equipe, ou quando se utilizam entrevistadores pagos; ou quando o material se destina a ser utilizado para comparações sistemáticas. Os méritos e defi-ciências das "duas escolas de entrevistas" estão muito bem resu-midos numa comparação mais restrita, por Roy Hay:


Em primeiro lugar, existe a abordagem "objetiva/comparativa" geralmente com base num questionário ou, pelo menos, numa entrevista extremamente estruturada, em que o entrevistador mantém o controle e faz uma série de perguntas comuns a todos os respondentes. Neste caso, visa-se produzir um material que transcenda o respondente individual e possa ser utilizado para fins comparativos (...) Na mão de entrevistado-res flexíveis e sensíveis, preparados para deixar de lado o roteiro quando necessário, essa abordagem pode de fato gerar um material muito útil, mas pode ser fatal. Muito facilmente linhas de inquirição promissoras são interrompidas e, pior ainda, as pessoas são obrigadas a ajustar-se ao esquema predeterminado dos entrevistadores e, desse modo, grandes áreas importantes jamais são estudadas.

No outro extremo, está o diálogo que flui livremente entre o entre-vistador e o respondente, sem nenhum padrão fixo, no qual se acom-panha a conversa para onde quer que ela vá. Vez por outra, esse método produz o mais inesperado e leva a linhas de inquirição completamente novas, mas pode muito facilmente degenerar em algo muito próximo do mexerico sobre fatos sem importância. Pode gerar quilômetros de fita gra-vada inútil e problemas de seleção e transcrição impassíveis de solucionar.9


Além disso, há também o efeito das personalidades envolvi-das em cada entrevista específica. Alguns entrevistadores são na-turalmente mais conversadores do que outros e, assim, conse-guem puxar pela língua do informante (muito embora isto seja relativamente incomum, sendo mais habitual que o efeito da ta-garelice seja o de fazer com que as pessoas se calem). E os in-formantes variam desde os muito falantes, que precisam de pou-cas perguntas apenas para dar o rumo ou, vez por outra, uma pergunta muito específica para esclarecer algum ponto que esteja obscuro; até os relativamente lacônicos que, mediante estímulo,

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perguntas bastante abertas e sugestões suplementares, podem re-velar lembranças muito mais ricas do que parecia possível de saída.
Há alguns princípios básicos para a elaboração das pergun-tas, que se aplicam a todo tipo de entrevista. As perguntas devem ser sempre tão simples e diretas quanto possível, em linguagem comum. Nunca faça perguntas complexas ou de duplo sentido -em geral, apenas uma de suas metades será respondida e, em geral, não ficará claro qual delas. Evite um fraseado que leve a uma resposta indefinida: por exemplo, pergunte "Com que fre-qüência você ia à igreja?" e não "Você ia à igreja com freqüên-cia?". Claro que uma hesitação de vez em quando não tem im-portância, e até pode conseguir alguma simpatia por parte do informante. Mas estar freqüentemente confuso e pedindo descul-pas é simplesmente desconcertante e deve ser evitado especial-mente como um modo de fazer perguntas pessoais delicadas, uma vez que só serve para passar para o informante seu próprio constrangimento. Muito melhor será fazer uma pergunta caute-losa ou indireta, previamente elaborada e proposta de maneira que demonstre segurança. Isso mostra que você sabe o que está fazendo, de modo que é mais provável que a atmosfera se man-tenha relaxada.
Você precisará usar um tipo diferente de fraseado para esta-belecer fatos específicos e para obter uma descrição ou um co-mentário. Este último exige um tipo de pergunta "aberta", como "Conte-me a respeito de...", "O que você pensa/acha disso?", ou "Você pode me falar sobre isso?". Outras palavras-chave para esse tipo de pergunta são "explicar", "estender-se sobre", "co-mentar", ou "comparar". Se se trata de um tópico realmente im-portante, você pode estimular mais longamente: "Muito bem, então você está em ... Feche os olhos e vá me contando em seqüência - o que você vê, o que, você ouve...". Também se pode sugerir uma descrição física como um modo de chegar à avaliação do caráter de alguém. No correr de toda a entrevista, sempre que você obtiver um fato insuficiente, que considere que pode ser elaborado utilmente, você pode inserir uma interjeição provoca260

dota -"Isso parece interessante"; ou, mais diretamente, "Como?", "Por que não?", "Quem era esse?". O informante pode, então, pegar a deixa. Se, depois de alguns comentários, você quiser mais, pode ser mais enfático ("Isso é muito interes-sante"), ou um pouco provocador ("Mas há quem diga que..."), ou experimentar uma pergunta suplementar mais completa. Na maioria das entrevistas, é muito importante que se use ambos os tipos de pergunta. Por exemplo, pode ter-lhe sido dito, como um comentário geral, que "a gente se ajudava mutuamente", "éramos todos uma grande família na rua", mas se você fizer uma per-gunta específica como "quem, de fora da família, ajudava quando a mãe estava doente", pode ficar claro que a ajuda dos vizinhos constituía menos uma prática do que um ideal. Conseguir ir além das generalizações estereotipadas ou evasivas e chegar a lem-branças detalhadas é uma das habilidades, e das oportunidades, básicas do trabalho de história oral.


Normalmente, deve-se evitar perguntas diretivas. Se você apresentar suas próprias opiniões, especialmente logo no início da entrevista, será mais provável que obtenha respostas que o informante considera que você gostaria de ouvir, e que, por isso, serão menos confiáveis, ou duvidosas, como evidência. Há algu-mas exceções quanto a isso. Se você sabe que alguém possui opiniões muito firmes, particularmente da perspectiva de uma minoria, pode ser fundamental demonstrar uma simpatia básica em relação a elas para poder começar. Do mesmo modo, para permitir a possibilidade de algumas respostas que, convencionalmente, seriam desaprovadas pela maioria das pessoas, pode ser melhor fazer uma pergunta que obrigue uma resposta: "Você pode me falar sobre um momento em que você teve que castigar severamente...?", "Naquele tempo, a maioria das pessoas trazia para casa objetos que pegavam na fábrica?" ou "Ouvi dizer que o prefeito era um homem de trato muito difícil para quem traba-lhava com ele" - forma essa que, muito possivelmente, provo-cará uma reação mais franca do que se empregar-se uma forma mais branda como "Sei que o prefeito era uma pessoa muito ge-261

nerosa e judiciosa. Você achava isso dele?". 10 Porém, perguntas desse tipo são perigosas na maioria das ocasiões e normalmente não são convenientes. A maior parte das perguntas deve ser ela-borada cuidadosamente para evitar que sugiram uma resposta. Isto, por si só, pode ser realmente uma arte. Por exemplo, "Você sentia prazer em seu trabalho?" é uma pergunta forçada; "Você gostava de seu trabalho, ou não?" ou "O que você achava de seu tra-balho?" são perguntas neutras.


Finalmente, evite fazer perguntas que levem os informantes a pensar do modo que você pensa, e não do modo deles. Por exemplo, ao tratar de conceitos como classe social, a informação obtida será uma evidência muito mais vigorosa se você estimular e o

os informantes a apresentar os termos que habitualmente utilizam e, a seguir, passar a utilizá-los na conversa que se seguir. E pro-cure datar os eventos fixando o tempo relativamente à idade dos informantes, ou a uma etapa de sua vida, tais como casamento, ou determinado emprego, ou casa.


Mesmo que você vá levar a cabo apenas um pequeno pro-jeto pessoal de história oral, vale a pena pensar sobre a seqüência dos tópicos das entrevistas e sobre o fraseado das perguntas. A estratégia da entrevista não é responsabilidade do informante, mas sua. É muito mais fácil orientá-la se você já tiver um modelo básico em sua mente, de modo a que você possa passar com naturali-dade de uma pergunta para outra. Isso também torna mais fácil, mesmo quando você faça digressões, lembrar sobre o que você ainda precisa ficar sabendo. Além disso, na maioria dos projetos, você precisará de alguns fatos anteriores básicos a respeito de todos os informantes (origem e ocupação da mãe e do pai; e nas-cimento, instrução, empregos, casamento, etc. do próprio inform-ante), e ainda, muitas vezes, você sentirá necessidade de perguntas básicas e suplementares sobre muitos tópicos. Se você já as tiver elaboradas na cabeça, e puder lançar mão delas quando necessá-rio, será mais fácil concentrar-se sobre o que está dizendo o in-formante, em vez de ficar pensando em como conseguir fazer um aparte.

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Para muitos fins, uma relação de títulos abreviados como lembretes dos tópicos menos freqüentes é o bastante. Para um trabalho em equipe, porém, ou para um projeto comparativo de qualquer dimensão, é conveniente haver um roteiro de entrevista elaborado de maneira mais completa. Exemplo disso, completado com instruções para os entrevistadores, está ilustrado no apên-dice de Modelos de Perguntas. Um roteiro desse tipo pode ser vantajoso, desde que seja utilizado com flexibilidade e imagina-ção; pois, em princípio, quanto mais claro estiver para você o que vale a pena perguntar e qual a melhor maneira de perguntar, mais você conseguirá obter de qualquer tipo de informante. Com pes-soas relativamente reticentes que, logo de início, vão dizendo: "Tudo bem, contanto que você faça as perguntas", isso é bastante evidente: e informantes desse tipo são bastante comuns. Então, você pode, mais, ou menos, metodicamente, seguir o que está no roteiro. Com pessoas que falam bastante, o roteiro deve ser utili-zado de modo diferente. Se elas possuem idéia clara do que que-rem dizer, ou a direção em que deve caminhar a entrevista, acom-panhe-as. E sempre que possível evite interromper uma narrativa. Se você interrompe uma história por considerá-la irrelevante, es-tará interrompendo não apenas essa, mas toda uma série de ofer-tas posteriores de informações que serão relevantes. Mais cedo ou mais tarde, porém, as pessoas desse tipo terão esgotado seu estoque imediato de recordações e elas mesmas irão querer que você faça perguntas. Com essa espécie de informante serão ne-cessárias várias visitas e, depois, você pode reproduzir as grava-ções feitas, conferindo com o roteiro o que foi coberto e o que vale a pena perguntar em sessões subseqüentes. Neste caso, a forma impressa do roteiro se torna particularmente útil. Normal-mente, porém, é muito melhor saber as perguntas, fazê-las direta-mente no momento oportuno, e manter o roteiro em segundo plano. Ele é essencialmente um mapa para o entrevistador; pode--se recorrer a ele ocasionalmente, mas o melhor é tê-lo na cabeça, de modo que se possa percorrer o território com segurança.


Certas outras decisões precisam ser tomadas antes da entre263

vista. Em primeiro lugar, que equipamento deve ser utilizado? Numa pequena parte de contextos, a melhor resposta é: nenhum. O simples ato de tomar notas, para não falar no uso do gravador, pode despertar a suspeita em algumas pessoas. O temor dos gra-vadores é bastante comum entre profissionais cuja ética de tra-balho dá grande ênfase à confidencialidade e ao segredo, tais como funcionários públicos, ou gerentes de bancos. 11 Por razões diversas, pode ser encontrado também entre pessoas muito ve-lhas, que são hostis à nova tecnologia; entre minorias que sofre-ram perseguições e que temem que qualquer informação gravada possa cair nas mãos da polícia ou de autoridades e ser utilizada contra elas; ou em comunidades muito fechadas, onde se teme o mexerico. Algumas pessoas podem opor-se à gravação, mas não a que se tomem notas. Ainda que nenhuma das duas coisas se possa fazer, um entrevistador qualificado pode aprender a reter o suficiente das informações principais e das frases essenciais para lançá-las no papel logo depois, e fazer uma entrevista que valha a pena. Na verdade, até que o gravador fizesse que esse método parecesse, comparativamente, impressionista, essa era a prática sociológica mais comum.


A maioria das pessoas, porém, admitirão o uso do gravador com muito pouca ansiedade e rapidamente deixarão de preocu-par-se diretamente com ele. O gravador pode até ajudar a entre-vista. Enquanto ligado, é um pouco mais provável que as pessoas se mantenham dentro do assunto e que outros membros da famí-lia se mantenham afastados. E muito freqüentemente, quando ele é desligado, alguns fatos adicionais extremamente significativos podem ser fornecidos, os quais poderiam ter sido refreados, se não houvesse nenhum gravador; informações que se pretende que o pesquisador fique sabendo como pano de fundo, mas em caráter confidencial (e que, naturalmente, devem ser tratadas dentro desse espfrito). Ao utilizar um gravador é importante não chamar aten-ção para o aparelho, nem distrair-se ocupando-se dele. Se for um gravador novo, não deixe de ler o manual que o acompanha, de pedir a alguém que mostre como funciona, e de treinar instalá-lo e

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fazê-lo funcionar. Antes de sair para a entrevista, verifique se está funcionando e se você tem não só todos os componentes e fitas de que precisa, como também pilhas e adaptadores para tomadas.
Você pode também levar consigo diversos auxílios para a memória. Um velho recorte de jornal ou um guia das ruas do lugar podem ser úteis. George Ewart Evans muitas vezes leva uma ferramenta de trabalho. "Na zona rural, muitas vezes levo comigo uma velha foice serrilhada. Com aquilo ali, não é neces-sária nenhuma explicação abstrata a respeito do que você está indo fazer. O entrevistado vê o objeto e, se você escolheu bem, ele não precisa de nenhum estímulo para se abrir. Ambos estamos desde o início diretamente dentro do tema." Do mesmo modo, se ele fosse encontrar um velho mineiro, levaria algum utensílio de uso comum dos mineiros.12 Como o ponto central de suas entre-vistas é o processo de trabalho, uma ferramenta desse tipo é um ponto de partida ideal. Se o assunto fosse a infância em família, uma peça de roupa seria melhor; ou no caso de uma história de vida política, um velho panfleto. Essas coisas podem também es-timular o aparecimento de cartas antigas, diários, recortes e foto-grafias, que é algo que vale a pena estimular e que pode ser o mais valioso subproduto de uma entrevista.
A seguir, onde deve ser feita a entrevista? Deve ser um lugar em que o informante se sinta á vontade. Em geral, o melhor lugar será sua própria casa. Isso é particularmente verdadeiro no caso de uma entrevista centrada na infância ou na família. Uma entrevista no local de trabalho, ou num bar, irá ativar mais forte-mente outras áreas da memória, e também pode ter como resul-tado uma mudança para um modo de falar menos "respeitável". Um passeio pelo bairro pode também mostrar-se compensador e estimular outras recordações.
Quase sempre, o melhor é ficar sozinho com o informante. A completa privacidade proporcionará uma atmosfera de total confiança em que a franqueza se toma muito mais possível. Em geral, isto se dá mesmo em relação a um casal de velhos entre os quais haja particular intimidade. Claro que nem sempre é fácil

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encontrar um modo delicado de vê-los separadamente. (Isso é mais fácil se você entrevistar os dois; e especialmente se dois entrevistadores forem juntos à casa do casal e ali se separarem, cada um em um cômodo.)
A presença de outra pessoa na entrevista não só inibe a fran-queza, como exerce uma sutil pressão no sentido de um teste-munho socialmente aceitável. Felizmente, porém, nem tudo é desvantagem. Um velho casal, ou um irmão e uma irmã, freqüen-temente proporcionarão correções de informação positivamente úteis. Pode ser também que cada um estimule a memória do outro. Esse efeito acentua-se ainda mais quando se reúne um grupo maior de pessoas idosas. Nesse caso, haverá uma tendên-cia muito mais forte, do que privadamente, de que se apresentem generalizações a respeito dos velhos tempos; mas como eles dis-cutem e trocam histórias uns com os outros, podem surgir alguns insights fascinantes. Claro que as narrativas, mais do que algo comum, devem ser compreendidas em parte como formas de arte, que transmitem significados simbólicos - na verdade, é provável que um número muito maior delas seja a respeito de outras pessoas. As vezes, porém, um grupo, por exemplo num bar, pode ser a única via para se chegar ao mundo secreto de uma experiência de trabalho comum de sabotagem ou de roubo, ou aos estratagemas secretos dos caçadores clandestinos no campo.
O grupo pode também representar um recurso útil em outras situações. John Saville e um estudante pesquisador reuniram-se com três líderes do Movimento dos Trabalhadores Desemprega-dos de Manchester, da década de 1930, e, em cinco horas de discussão cooperativa, reconstruiram muitas das falhas da evi-dência de jornais que haviam reunido antecipadamente. Com fi-guras públicas mais na defensiva, como os políticos canadenses, Peter Oliver verificou ser eficiente um interrogatório minucioso feito por dois e até três entrevistadores, e David Edge usou uma entrevista triangular para seu trabalho sobre rádio-astrônomos. Beatrice Webb, muito embora defendesse vigorosamente a priva-cidade para as entrevistas normais, desenvolveu também uma

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técnica de "entrevista por atacado" na atmosfera mais relaxada de eventos sociais, por ocasião de uma festa, "até mesmo lendo a sorte em suas mãos, com todo tipo de resultados interessantes!", na mesa do jantar, ou no salão de fumar, descobriu que "se pode ás vezes fazer com que vários especialistas discutam entre si; e, desse modo, se colherão mais informações em uma hora do que se conseguiria durante um dia inteiro com uma série de entrevista". 13


Uma vez que as decisões preliminares tenham sido toma-das, você tem que fazer contato com o informante que escolheu. Pode escrever-lhe (anexando um envelope sobrescritado e selado para resposta), ou às vezes procurá-lo pessoalmente ou por tele-fone. Será sempre mais fácil se você puder dizer que foi uma outra pessoa das relações sociais do informante quem o recomen-dou. Você precisa explicar sucintamente o objetivo da pesquisa. Sugira uma data possível para uma primeira visita, mas sempre permita que o informante possa propor outra, ou possa recusar-se inteiramente a participar. Com unia pequena parte de informantes, como políticos ou profissionais de nível superior, pode ser pru-dente expor, de maneira mais completa, sua proposta de pesquisa e como você pretende utilizar a entrevista. Isso o ajudará a deci-dir-se por recebê-lo ou não, e deixará claro seu direito futuro de utilizar o material. Alguns deles poderão começar a pensar nos tópicos que lhe interessam e a procurar alguns documentos anti-gos antes de você chegar.
A maioria das pessoas provavelmente acharia desagradável receber uma carta assim tão longa, de modo que é melhor esperar até o primeiro encontro. Comece então explicando o tema de seu projeto ou de seu livro e a maneira como o informante pode auxi-liá-lo. Muitos dirão que não têm nada de útil para lhe contar e precisarão que se reafirme que a experiência que possuem é pre-ciosa, que ela é desconhecida dos jovens cujas vidas foram muito diferentes e fundamental para que se construa a verdadeira histó-ria social. Alguns ficarão verdadeiramente surpresos com seu in-teresse e você precisará ser ainda mais encorajador nas primeiras etapas da entrevista. Alguns proporão explicitamente a questão

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da confidencialidade e não quererão fornecer seus nomes. Seja franco quanto a suas intenções e honre todas as promessas que fizer. A maioria das pessoas confiará em que você será discreto quanto ao que lhe contarem - e essa confiança deve ser respei-tada. Não vinculem seus nomes, sem seu consentimento expli-cito, a citações que sejam prejudiciais a eles próprios ou a seus vizinhos.
O começo desse primeiro encontro é em geral o melhor mo-mento para perguntar se a entrevista pode ser gravada, embora às vezes isso possa ser mencionado no contato inicial. Alguns historiadores orais julgam que o primeiro encontro deve ser utilizado como uma visita exploratória, curta, para preparar e conhecer um informante, sem usar o gravador. O inconveniente disso é que, mesmo ao se procurar obter os fatos básicos a respeito dos ante-cedentes do informante, é difícil não penetrar na essência da me-mória. Você pode voltar aos mesmos dados numa segunda visita, mas provavelmente as mesmas coisas serão apresentadas de rna-neira muito mais bombástica. Segundo minha própria experiên-cia, o melhor é pôr o gravador a funcionar logo que você possa, assim que você comece a falar.
Isso levanta uma outra questão controvertida entre os histo-riadores orais - a qualidade da gravação. Para uma gravação realmente boa, da qualidade exigida para um programa de rádio, você deveria chegar com um bom equipamento e utilizá-lo ade-quadamente. Infelizmente, as mudanças técnicas fundamentais que a gravação digital de áudio implica significam que, por al-guns anos mais, as escolhas serão difíceis, uma vez que um equi-pamento caro pode tornar-se rapidamente obsoleto. Atualmente, você pode obter os melhores resultados com um aparelho de dois carretéis (de rolo), gravando a uma velocidade não menor que 3,75 polegadas por segundo (p.p.s.). Um gravador de cassete de boa qualidade pode aproximar-se dessa qualidade de gravação (ainda que não para armazenamento) a um custo mais baixo; mas um gravador de cassete barato, com microfone embutido, será absolutamente inútil. Você precisará, sem dúvida, de um micro268

fone separado e valerá muito a pena gastar algum dinheiro a mais na qualidade dele. Antes de começar, você provavelmente terá que eliminar problemas acústicos do cômodo, instalando cuida-dosamente o equipamento e posicionando o microfone, que pode ser preso à roupa do informante ou até colocado como um colar em torno de seu pescoço. Enquanto não estiver tudo pronto, você deve evitar falar a respeito do assunto que deseja gravar. Muito embora os produtores de rádio saibam como fazer tudo isso de um modo descontraído, em geral com pessoas com quem jamais se encontraram, não há dúvida de que isso sempre aumenta um pouco a tensão do ambiente. Simples historiadores não possuem o prestígio que têm os meios de comunicação de massa para sua-vizar os pedidos que fazem, nem os recursos fmanceiros para comprar equipamentos como os deles, e não lhes resta outra opção senão satisfazer-se com padrões menos elevados. Isto, porém, não quer dizer que não valha a pena saber como tirar o máximo do aparelho que você tem, do mesmo modo que não há nenhuma virtude especial em dirigir mal um carro, ou em datilografar só com dois dedos. E há algumas regras elementares que tornarão melhor a qualidade das gravações feitas com qualquer gravador.


Em primeiro lugar, procure utilizar um cômodo tranqüilo em que você não seja perturbado por vozes de outras pessoas e onde não haja outros ruídos fortes ou problemas acústicos causa-dos por superfícies rígidas. O barulho do tráfego de fora pode ser abafado com o uso de cortinas, mas o crepitar do fogo soará sur-preendentemente forte na fita gravada, especialmente se o micro-fone não estiver próximo da boca de quem fala. Em sua experiên-cia com a gravação de dialetos em casas comuns, Stanley Ellis verificou que o rádio e a televisão, o tique-taque de um relógio, ou um canário podem
estragar completamente uma gravação (...) Deve-se observar bem a acustica do cômodo. Um cômodo pequeno, cheio de móveis e com roupa dependurada num varal interno pode ser um bom estúdio. Uma cozinha grande ladrilhada e com paredes rebocadas pode produzir enorme reverberação suficiente para estragar toda a gravação. 14

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A seguir, pense onde colocar o gravador e o microfone. Nunca os coloque muito perto um do outro, senão você gravará o ruído do próprio aparelho. O melhor lugar para o gravador é no chão, fora da vista do informante mas onde você o possa obser-var, olhando-o de vez em quando para ver se a fita está perto de terminar, sem chamar atenção para isso. O microfone não deve ser colocado sobre uma superfície rígida, vibrante, nem muito distante de quem vai falar. Não grave através de uma mesa de tampo rígido. Idealmente, o microfone deve estar a uns trinta centímetros da boca do informante. Se preferir sentar ao lado dele, você pode segurar o microfone, com mão firme; ou pó-lo num pedestal, ou sobre uma almofada ou um pano dobrado sobre uma mesa ao lado. Tudo isso pode ser feito muito rapidamente. Você pode enfatizar que é a voz do informante que você precisa e não o som do relógio, do passarinho, ou do rádio. Ao mesmo tempo assegure-se de que o informante esteja sentado conforta-velmente, que não tenha deixado de usar sua cadeira favorita. Então, ligue o gravador e deixe-o rodar, enquanto conversam. Reproduza o que tiver gravado para verificar que o nível de gra-vação está corretamente ajustado. Se o nível estiver muito baixo, os ruídos de fundo dominarão a gravação; se estiver muito alto, o som sairá distorcido. Então, ponha de novo o gravador a funcio-nar e, a não ser para trocar de fita, deixe-o rodar por todo o tempo que durar a sessão. É mau costume desligar o gravador quando o informante está divagando fora do assunto, ou enquanto você faz as perguntas. E nunca comece fazendo uma abertura formal ao microfone: "Esta fita é de Fulano entrevistando Beltrano em tal lugar"; isso é uma coisa que formaliza e esfria o ambiente. Você pode deixar um espaço livre no começo da fita para acrescentar isso depois, se quiser - não antes, porém, porque pode ser repro-duzido quando você fizer o teste inicial de gravação.
Agora você está pronto para lançar sua pergunta inicial, O que acontece a seguir variará muito, dependendo do tipo de in-formante, do estilo de entrevista que você prefere e do que você quer saber. Mas aqui também há algumas regras básicas. Uma

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entrevista é uma relação social entre pessoas, com suas conven-ções próprias cuja violação pode destruí-la. Fundamentalmente, espera-se que o entrevistador demonstre interesse pelo informante, permitindo-lhe falar o que tem a dizer sem interrupções constantes e que, se necessário, proporcione ao mesmo tempo alguma orien-tação sobre o que discorrer. Por baixo disso tudo está uma idéia de cooperação, confiança e respeito mútuos.
Uma entrevista não é um diálogo, ou uma conversa. Tudo o que interessa é fazer informante falar. Você deve manter-se o mais-possível em segundo plano, apenas fazendo algum gesto de apoio, mas não introduzindo seus, próprios comentários ou histó-rias. Essa não é ocasião para você demonstrar seus conbecimentos ou seu charme. E não se deixe perturbar com as pausas. Ficar em silêncio pode ser um modo precioso de permitir que um in-formante pense um pouco mais e de obter um comentário adicio-nal. Hora de bater papo é depois, quando o gravador for desli-gado. Claro que você pode exagerar nesse sentido, e fazer com que o informante fique gaguejando por falta de um retorno seu. Ficar remoendo uma pausa em silêncio, depois de esgotado um assunto, é desanimador antes que isso aconteça deve ser feita uma pergunta firme. Mas em geral você não deve fazer mais per-guntas do que o necessário, de um modo claro, simples, e sem pressa. Mantenha. o informante relaxado e confiante. Acima de tudo, nunca interrompa .uma narrativa. Se você quiser, ao final da digressão, volte ao tema original, com uma frase como "Antes você estava dizendo...", "Voltando a.. ", ou "Antes de a gente continuar...". Porém, se o informante quiser continuar numa nova linha, é axiomático que se esteja preparado para acompanhá-lo.
Continue a mostrar-se interessado durante toda a entrevista. Em vez de ficar sempre repetindo "sim" - o que soará tolo na gravação - é muito fácil aprender a fazer a mímica da palavra, balançando a cabeça, sorrindo, erguendo as sobrancelhas, olhando para o informante de modo encorajador. Você precisa ter perfeita clareza sobre até onde chegou a entrevista e, sobretudo, evitar de perguntar sobre uma informação que já tenha sido dada. Isso

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exige memória viva e intensa concentração. Você pode achar que precisa tomar algumas notas à medida que vai avançando, em-bora seja melhor dispensar essa ajuda se puder. Ao mesmo tempo, você deve estar atento à coerência das perguntas e a contradições com outras fontes de evidência. Se tiver dúvida a respeito de alguma coisa, procure voltar ao assunto de outro ân-gulo, ou sugerindo, com tato e delicadeza, que talvez haja uma opinião diferente a respeito da questão - "Ouvi dizer que..." ou "Li em algum lugar que...".
Especialmente importante, porém, é não contradizer o in-formante ou discutir com ele. Como observa mordazmente Bea-trice Webb:
Exibir-se" ou discutir é desastroso: deve-se permitir que o cliente exprima livremente suas narrativas fictícias, desenvolva suas teorias sem propósito, use os argumentos mais tolos, sem qualquer objeção ou ex-pressão de discordância ou de ridículo. 15
Sem dúvida alguma, quanto mais você demonstrar com-preensão e simpatia pelo ponto de vista de alguém, mais você poderá saber sobre ele.
Falar sobre o passado pode despertar memórias dolorosas que, por sua vez, despertam sentimentos intensos que, muito fortui-tamente, podem afligir um informante. Quando isso acontecer, dê-lhe um apoio generoso, como faria a um amigo. Com alguns informantes, pode ser mais prudente deixar as perguntas mais delicadas para uma etapa posterior da entrevista. Se for absolu-tamente fundamental obter urna resposta, espere até o fim, tal-vez até desligando o gravador. Nunca, porém, pressione de-mais quando um informante pareça estar na defensiva ou relutando em responder. Em geral, será melhor procurar orien-tar-se no sentido de urna conclusão mais aberta, pedindo que resuma o que sentiu em relação a uma dada experiência, ou se acha que há algo a acrescentar. Uma entrevista que termina em tom de relaxamento será mais provavelmente lembrada com pra-zer e levará a outra.

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Você precisa sempre procurar estar sensivelmente cons-ciente de como seu informante está se sentindo. Se parece in-quieto e só dá respostas muito concisas, pode estar cansado ou indisposto, ou preocupado com o relógio por causa de algum outro compromisso: nesse caso, encerre a sessão de gravação o mais rápido que puder. Embora evitando estar sempre olhando para o relógio, adapte-se sempre a seus horários, e chegue pon-tualmente quando estiver sendo esperado, para que ele não fique tenso à sua espera. Em circunstâncias normais, uma hora e meia ou duas horas será em todo caso um tempo máximo razoável. Uma pessoa de idade, pelo interesse da situação, pode não se dar conta do risco de se cansar excessivamente, mas certamente se arrependerá disso depois, e pode não querer repetir a experiência.


Não saia imediatamente depois da sessão de gravação. Você deve ficar um pouco, dar algo de si, e mostrar simpatia e apreço em retribuição ao que lhe foi dado. Aceite um chá, se lhe oferece-rem, e esteja disposto a bater papo a respeito da família e de fotografias. Esse pode ser o momento em que mais provavel-mente poderão emprestar-lhe documentos. É uma boa hora para combinar uma nova visita. Você pode pensar em retribuir com alguma ajuda prática imediata, carregando ou pregando alguma coisa, ou com algum conselho sobre como fazer para resolver um problema que esteja preocupando o informante. Na verdade, como afirmou convincentemente Ann Oakley, às vezes pode ser "moralmente indefensável" abster-se de ajudar desse modo e de compartilhar experiência, falando mansamente sobre si mesmo e suas idéias. 16 Uma vez ou outra, este poderá ser o começo de uma amizade duradoura. Mas aja com tato e cautelosamente. Não dis-cuta a respeito de assuntos que possam ser controvertidos, tais como comportamento dos adolescentes ou política, o que poderá contribuir para criar alguma reserva posteriormente.
Em algumas situações de entrevista, pode ser oferecida uma hospitalidade mais grandiosa - um farto almoço com bebidas -que talvez dê ênfase ao problema normal de obrigação mútua, produzindo uma pressão para criar uma versão "oficial" da histó-273

ria Na maioria dos casos, porém, você pode mostrar sensibili-dade ao utilizar o material que foi oferecido, ainda que ele contri-bua para uma conclusão sua que não seja compartilhada por seu informante. Quanto a isso, Beatrice Webb não tem dúvidas:


Aceite o que lhe for oferecido (...) Na verdade, quanto menos for-mal a situação de entrevista, melhor. A atmosfera da mesa de jantar ou o salão de fumar é um "condutor" melhor do que o escritório durante o expediente (...) Uma visita conduzida pessoalmente a esta ou aquela fá-brica ou instituição pode ser uma perspectiva sombria; pode até parecer um desperdício de esforço examinar maquinarias ou instalações que não se pode compreender, ou que foram vistas antes ad nausearn (...) Mas será um erro não aceitar. No correr dessas caminhadas cansativas e espe-ras aborrecidas, podem ser lembradas ou evocadas experiências que não teriam aflorado na entrevista formal no escritório. 17
O comentário que ela faz baseia-se em seu próprio trabalho de pesquisa em que a situação normal de entrevista foi incomum sob dois aspectos: tanto a entrevistadora quanto o informante provinham dos níveis mais altos da sociedade e tinham ambos aproximadamente a mesma idade. Em geral, os entrevistadores, sejam historiadores profissionais, ou mulheres casadas que geral-mente são contratadas para o trabalho de pesquisa, são de classe média e com seus 30 ou 40 anos. Seus informantes são, geral-mente, gente comum da classe trabalhadora ou da classe média e, em trabalhos de história oral, freqüentemente muito mais velhos. Assim, à sua modéstia habitual, acrescente-se a fragilidade da velhice e uma particular vulnerabilidade ao desconforto e à an-siedade. A alteração desse equilíbrio social pode ter implicações para o método de entrevista, que devem ser tomadas em conside-ração. Por exemplo, urna entrevista com alguém do sexo oposto freqüentemente provocará simpatia e reação positiva; há, porém, confidências de certo tipo, por exemplo sobre comportamento se-xual, que provavelmente são trocadas com mais facilidade entre pessoas casadas do mesmo sexo. Uma pessoa muito jovem, ou alguém de categoria muito superior, pode ter mais dificuldade em conquistar confiança. A raça pode oferecer outro tipo de barreira.

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Por outro lado, uma pessoa com os mesmos antecedentes de classe operária e da mesma comunidade que o informante conse-guirá uma boa relação inicial, muito embora posteriormente possa encontrar dificuldade em fazer perguntas devido a um rede de relações comum, ou porque a resposta (muitas vezes erradamente) parece óbvia. Do mesmo modo, pode-se enfrentar enor-mes problemas de reservas quando se entrevista alguém da pró-pria família. Deve-se reconhecer que existem diferenças de antecedentes sociais e, sempre que possível, enfrentá-las va-riando o estilo da entrevista.
O problema que mais se repete é o apresentado pela perso-nalidade pública como informante. Pessoas desse tipo são geral-mente mais rígidas e competentes, e talvez também mais jovens, do que o informante típico. Podem possuir uma idéia tão firme a respeito da própria história, e do que é importante nela, que tudo que podem oferecer são recordações estereotipadas. Freqüente-mente, também, "no correr de longas carreiras na vida pública, terão desenvolvido uma carapaça protetora por meio da qual se protegem contra perguntas incômodas e, embora pareçam estar dizendo algo valioso, oferecem de fato o menos possível". Isso pode ter se tomado um hábito tão arraigado que "o sujeito, mesmo que tente ser franco e sincero, dará, quase sem pensar, as mesmas respostas-chavão que foram tão convenientes em outras ocasiões. Esse véu defensivo é que precisa ser rompido pelo en-trevistador"18
Vez por outra, a própria inocência pode conseguir perfurar a carapaça. "Os políticos possuem a experiência que mais os capacita a serem capazes de lidar muito sabidamente com um jovem e inocente historiador", observa Asa Briggs. Porém, "alguém bem jovem pode (...) conseguir um monte de coisas de um velho que não seriam obtidas por membros da mesma geração". O mais das vezes, não existe alternativa a não ser tentar ser "ao mesmo tempo, sensível e firme". 19 Algumas das regras básicas continuam a se aplicar: o perigo de interromper com um interrogatório insistente e por demais provocador, e também as vantagens de, por exemplo,

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um debate informal à mesa do jantar. Não obstante, vários historia-dores orais, tais como James Wilkie no México, Lawrence Good-wm no Sul dos Estados Unidos, e Peter Oliver no Canadá, têm defendido a necessidade de "interrogar insistentemente" de modo muito mais vigoroso. O historiador oral, segundo Peter Oliver, ainda que evitando uma postura de franca "oposição",
não deve hesitar em contestar as respostas que recebe e em esquadrinhar (...) "Ora, vamos, senador, é claro que houve mais a respeito disso...? O sr. Fulano afirma que...". A maioria dos políticos são tipos bastante ex-perientes e calejados; poucos deles se ressentirão por serem forçados a rever sua resposta inicial, se isso for feito com tato e habilidade, e mui-tas vezes só desse modo é que o entrevistador desvendará um material verdadeiramente significativo.20
Caso comparável é o proporcionado pelos eminentes rádio-astrônomos entrevistados por David Edge. Eles mesclavam uma imagem muito idealizada da ciência, e do que era importante para sua história, à atitude defensiva necessária para o êxito na política competitiva de subvenções do mundo científico. Ele de-senvolveu um método triangular no qual o rádio-astrônomo era entrevistado ao mesmo tempo por Edge que, como ex-cientista e talvez amigo pessoal, e já dominando segredos internos, estava armado para contestar a respeito de questões técnicas, e por Mike Mulkay, um sociólogo cientificamente ingênuo, alerta para lan-çar-se contra incoerências e tópicos de interesse mais amplos. Em geral, era David Edge quem conduzia a entrevista, insistindo sobre detalhes, contestando e discutindo; Mike Mulkay entrava como um "forasteiro", e muitas vezes havia uma mudança per-ceptível na voz do informante quando a pergunta vinha dele. Essa técnica argumentativa depende evidentemente, cm parte, de algum tipo de co-participação num dado grupo social e, em parte, de saber exatamente até onde se pode levar a contestação.
Na situação inversa extrema, os principais problemas do en-trevistador encontram-se em nível bastante diferente, na verdade mais básico. Um historiador europeu coletando tradição oral na África está atuando dentro de uma cultura completamente es276

tranha, e geralmente preocupado em aprender algo de sua língua e de suas regras básicas. Entre os kuba, por exemplo, Jan Vansina descobriu que, a menos que todas as pessoas certas estivessem presentes e que fosse escolhido o local correto, apenas determi-nadas partes das tradições da tribo seriam relatadas. "Entre os akan, tinham que ser feitos sacrifícios aos ancestrais antes que fossem recitadas certas tradições, de modo que o pesquisador de campo deve estar munido de um carneiro ou de uma barrica de rum para esse fim." Os bushongo precisam que se lhes forneça vinho de palmeira fermentado domesticamente e só recitam suas tradições à noite, na presença das relíquias de seus antepassados. Em seu país, um historiador inglês sabe que não deve tentar en-trevistar um taverneiro num dia feriado, ou um padre numa Sexta-feira Santa, e pode concentrar a atenção sobre nuances so-ciais menos elementares. Como também não precisa, em geral, depender de intérpretes, ou pagar para que lhe ofereçam testemu-nhos. A maioria das regras básicas, como evitar perguntas direti-vas e a necessidade de se assegurar de que o informante está relaxado, aplicam-se a quem coleta informações na África como em qualquer outro lugar; e com criatividade até mesmo alguns dos problemas peculiares podem ser postos uns contra os outros:


Deve-se procurar perceber se o informante está (...) impedido de sentir-se tentado a prestar um falso testemunho a fim de cair nas boas graças dos pesquisadores de campo (...) O informante não deve saber se o pesquisador de campo está ou não interessado em seu testemunho, pois se souber, ele o distorcerá. Por isso, os bons informantes não devem ser recompensados a preço mais alto que os maus (...) Além disso. durante a gravação do testemunho, deve-se adotar uma atitude simpá-tica para com o informante, sem, contudo, deixar transparecer os ver-dadeiros sentimentos. Em Ruanda e em Burundi, onde gravei testemu-nhos em fita magnética, dei a entender que não compreendia urna só palavra da língua. O funcionário que me acompanhava explicaria ao in-formante o que ele tinha que fazer e, a seguir, o informante podia recitar o testemunho como quisesse. Estando convencido de que eu não compreendia o que estava dizendo, achou que não importava o modo como o dissesse, e não teve nenhum motivo para distorcer a tradição. 21

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Em certo sentido, esse exercício de não-comunicação cultu-ral facilitado pelo dinheiro é uma paródia de como entrevistar, tanto quanto os piores exemplos de sedução e insinuação na tele-visão da ex-capital imperial. Esperamos que brevemente os afri-canos estejam criando sua própria história oral. Mas esses casos extremos são na verdade úteis para ilustrar a necessidade de fle-xibilidade do método; e a possibilidade, também, de conseguir obter material de valor em circunstâncias extremamente adversas.


Devemos, contudo, voltar ao historiador comum que deixa-mos batendo papo por sobre uma xícara de chá. Depois de deixar o local da entrevista, ainda há três coisas que devem ser feitas. Em primeiro lugar, registre o mais rápido que puder todos os comentários sobre o contexto da entrevista, a personalidade do informante, observações adicionais feitas sem serem gravadas, e o que talvez não tenha sido dito. A seguir, coloque uma etiqueta na fita ou na caixa. Depois, faça tocar a fita para conferir quais as informações obtidas e o que você ainda precisa obter. Em espe-cial, assegure-se de que possui os fatos essenciais a respeito do informante que todo historiador social gostará de saber para utili-zar como evidência: idade, sexo, residência e ocupação do in-formante e também a ocupação de seus pais. Ao mesmo tempo, você pode relacionar todos os nomes cuja grafia seja preciso con-ferir com o informante. Finalmente, se essa foi sua última visita, você pode verificar esses itens juntamente com sua carta de agra-decimento (mais uma vez, enviando junto um envelope sobres-critado e selado para resposta). Será conveniente que essa carta reafirme o objetivo geral da entrevista e, se for o caso, avente as questões de confidencialidade ou de direitos autorais. De todo modo, porém, ela será um gesto de cortesia que será apreciado. E é desse tipo de cuidados pessoais, quase tanto quanto do conheci-mento histórico especializado, que depende o êxito na atividade de entrevistar.

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ARMAZENAMENTO E CATALOGAÇÃO
Completou-se a gravação: mas agora, como devem ser con-servadas as fitas? E como podem ser utilizadas para a construção da história? Precisamos, primeiro, considerar os problemas de ar-mazenamento e de indexação e, a seguir, as etapas da escrita e da apresentação da história com evidência oral.
Como a gravação em fita magnética é uma técnica relativa-mente recente, ainda não se tem total segurança sobre quanto tempo ela pode durar, nem quais as condições ideais para seu armazenamento. Ademais, a qualidade da fita tem sido gradativa-mente aprimorada e, com isso, mudaram as mais importantes considerações sobre seu armazenamento. A introdução do áudio digital trará outras mudanças fundamentais dentro dos próximos cinco anos. As fitas atuais de boa qualidade já não possuem uma base propensa a deteriorar-se. Agora, o problema principal é evi-tar o "print-through", ou ecos de som, que podem desenvolver-se durante o armazenamento. Alguns peritos recomendam diversos recursos para reduzir o risco do print-through, tais como fazer rodar a fita num gravador uma vez por ano, de modo que ela seja rebobina da, mas não é muito claro que isso constitua uma me-dida de segurança que valha a pena - na verdade, no fim das contas, pode criar riscos maiores de outros danos. Até o mo-mento, há apenas duas regras seguras.
Em primeiro lugar, a qualidade da fita utilizada para ser ar-mazenada deve ser cuidadosamente escolhida. Se, para a grava279

ção original, você usou fitas cassete ou fitas estreitas de gravação dupla, será fundamental, para fins de conservação, transferi-la para fitas de rolo, padrão ou long-play (ou, quando possível, para fita áudio digital). De outro modo, você se arrisca a perder todo o sei trabalho: ela pode tornar-se inaudível devido a print-through, ou se esticar ou romper quando usada no gravador.


Em segundo lugar, é preciso pensar sobre o local de armazena-mento da fita. A fita pode ser danificada por poeira, ou por umidade ou calor excessivos. Jamais deve ser exposta a temperaturas muito mais elevadas do que a temperatura normal ambiente, por exemplo, sendo armazenada junto ao encanamento de calefação. As fitas atuais não exigem temperaturas ou grau de umidade artificial-mente controlados, mas considera-se hoje que as condições ideais de armazenamento são temperatura entre 15 e 200C e umidade relativa entre 50 e 60%. 1 As fitas também podem ser danificadas e até mesmo ter sua gravação çompletamente apagada por inter-ferência de um dínamo magnético poderoso. É preciso levar em conta esse risco em alguns edifícios, bem como quando se viaja com elas. Na prática, porém, para a maioria dos historiadores orais bastará armazená-las num armário comum, acondicionadas dentro de sacos de polietileno, dentro de caixas de papelão ou plástico de pé na prateleira, longe do sol, do fogo e de encanamentos de calefação, num cômodo confortável para trabalhar. E não fume nem coma perto delas.
Toda fita, logo depois de gravada, precisa ser bem etiquetada. O melhor é etiquetar o estojo, a bobina e, no caso de gravador de rolo, a própria fita. A fita pode ser facilmente etiquetada em suas extremida-des vermelha e verde. Sem esses cuidados, você pode petder uma fita por enrolá-la acidentalmente numa bobina inapropriada, ou colocá-la num estojo inadequado, e talvez até fazendo outra gravação em cima da original. Naturalmente, é muito melhor que a fita original seja mantida como fita matriz, e que seja feita uma cópia para uso nor-mal; e também que se possa adaptar um aparelho de modo que ele permita ouvir fitas gravadas, mas não fazer gravações. Para um ar-quivo público ambos esses cuidados são fundamentais.

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Exatamente aquilo que você deve anotar na etiqueta depen-derá de como desenvolva seu sistema de indexação. Se você tem poucas fitas, basta colocar o nome do informante, "fita um, lado um", "fita um, lado dois", e assim por diante. Em correspondên-cia com isso, deve ser mantido um fichário em ordem alfabética, cada ficha com o nome de um informante e uma lista das fitas feitas com ele. Se você também tem transcrições de fitas, será grande economia de tempo se você anotar nas fichas quais pági-nas da transcrição correspondem a cada lado da fita. Esse fichário constitui, então, um índice e catálogo de sua coleção e você pode facilmente verificar se uma fita, ou uma transcrição, se encon-tram ali. As fitas e transcrições também podem ser mantidas em ordem alfabética, para facilitar sua localização. A desvantagem disso é que cada nova entrevista tem que ser inserida dentro da seqüência existente e não acrescentada a ela. Depois de certo tempo, será muito mais fácil armazenar as entrevistas por ordem de entrada, dando um número a cada novo informante e acres-centando o número à ficha índice. Se você decidir colocar o nú-mero só nas fitas ou só nas transcrições, você precisará também de um outro índice que dê o nome correspondente a cada número de entrevista. Do mesmo modo, se você decidir que é mais útil manter o índice principal em ordem numérica porque, por exemplo, isso separa convenientemente duas partes diversas de sua coleção, ainda assim você perceberá que precisa de um ín-dice alfabético que pelo menos dê o número da entrevista de cada informante.


Para um projeto pequeno, um ou dois fichários dentro dessa orientação pode ser tudo que é necessário. Uma anotação do local e data da gravação, no momento da entrevista, pode ser deixada como foi feita junto com a fita; e o tema geral é suficien-temente lembrado para se saber se vale a pena examinar. Porém, à medida que a coleção cresce e especialmente à medida que mais pessoas passam a colaborar para sua formação e utilização, é preciso que haja mais informações disponíveis de alguma forma sistemática.
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Em primeiro lugar, quer nas fichas originais, quer numa se-qüência paralela, será bom que se acrescente o nome do informante, quando e onde foi feita a gravação, e por quem. Também é conve-niente anotar toda variação importante no método ou qualidade da gravação. No caso, por exemplo, de unia coleção de fitas de rolo gravadas em geral a 3,75 p.p.s., o registro relativo a alguma gravação que contivesse algumas emendas deve assemelhar-se a algo como se vêna Figura 2.
Figura 2
Em segundo lugar, vale a pena extrair alguns dos detalhes básicos dos antecedentes do informante, essenciais para a avalia282

ção da entrevista, e que devem, pois, ser encontrados nela. Eles serão naturalmente variáveis, dependendo do centro de interesse do projeto. Assim, uma coleção política pode conter anotações específicas a respeito de eleições disputadas e de cargos ocupa-dos; e o Imperial War Museum relaciona detalhes tais como "pe-ríodo em que serviu", "arma em que serviu", "posto", 'medalhas e menções", que seriam inadequados em contexto diferente. Mas a maioria dos historiadores orais precisa pelo menos saber quando o informante nasceu, qual a ocupação de seus pais, onde moravam, se tinha ou não irmãos e irmãs, seu nível de instrução, carreira profissional, filiação religiosa e política, se for o caso, se era casado ou não, e, se era, quando casou, com quem e se tive-ram filhos. Tudo isso também pode ser convenientemente resu-mido numa ficha, como se vê na Figura 3.


Todas as informações podem ser condensadas e, algumas delas, codificadas, se o formulário sugerido parecer longo de-mais. No final de Speak for England, Melvyn Bragg acrescentou um índice muito útil, "As pessoas", que tinha a seguinte forma:
160 Joseph William Parkin Lightfoot n. Bolton Low Houses, 13 de de-zembro de 1908, irm. Dois irm Duas iug. Fletchcrtown 1938, Kirkland 1942, Wigton 1954 12e. Mineiro out.e. aposentado, antes mineiro 1922, trabalhador rural 1924, trabalhador em tubulações, jardineiro em tempo parcial déc. 1930, motorista Cumberland Motor Services 1942-68, loja própria déc. 1950, ed. Bolton Low Houscs até 14 rei. Metodista part. Trabalhista e.c. Casadof Dois
As abreviaturas explicam-se por si, exceto, talvez, lug. , que significa "lugares em que morou".
Uma terceira possibilidade é criar uma série de fichas de conteúdo. Para alguns projetos, organizados para seguir um es-quema definido de entrevista, isso pode ser supérfluo; todas as pistas necessárias se encontram nos antecedentes básicos do in-formante. Mas quanto maior e mais diversificada seja uma cole-ção, mais se torna necessário um catálogo de fichas de conteúdo. Um dos exemplos mais completamente desenvolvidos é o ofere-cido pelos Arquivos de Som da BBC. Essas fichas (exemplo re-283

data de nascimento .

local de nascimento ..

ocupação dopai

ocupação da mãe

irmãos


educação .

(datas)

política .

religião .

residência (datas)...

data de casamento..

ocupação do marido/esposa ................

filhos
produzido a seguir) fornecem um sumário particularmente com-pleto do conteúdo de cada item do arquivo, mas começam com um cabeçalho mais curto. Um índice de conteúdo, dependendo do tempo a ser gasto com ele, pode pretender ser resumido ou completo. Mas deve, pelo menos, indicar os principais locais, grupos sociais, ocupações ou ramos de atividade, ideologia polí-tica ou outras, assuntos pessoais ou familiares, e (com mais cla-reza do que nessas fichas) os períodos de tempo abrangidos.


Finalmente, especialmente no caso de uma grande coleção

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CAMPBELL, Beatrice, Lady Glenaiy (Esposa do 2. Barão Glenavy) AA


LP28643 D. H. Lawrence e seu círculo: primeiro de dois programas em que ela recorda algumas impressões de sua amizade com Katherine Mansfield, John Middleton Murry,
19'12" D.H. Lawrence e Frieda Lawrence.

Produtor: Joseph Hone

Copyright: PF

Anot.: Nenhuma

Trans.: TP 30.3.64

Script


Obs: Essa fala foi gravada na Irlanda, e é tirada de sua autobiografia Today we will only gossip, editada por Cosntable, 9.4.64.

CTIR 38700A

29.1.64 /segue...

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CAMPBELL, Beatrice, Lady Glenairy (Esposa do 2~ Barão Glenavy) AA

LP28643 29.1.64

Recorda primeiro encontro com Katherine Mansfield e Middleton Murry, que eram grandes amigos de seu futuro marido, Gordon Campbell:

aparência e maneiras de Katherine; achou que Katherine a encarou como uma intrusa em seu círculo, e procurou chocá-la com uma conversa ousada; as primeiras lutas de Katherine como escritora; sofrimentos por causa de um casamento infeliz e de casos amorosos; a dedicação e os cuidados de sua amiga Ida Baker; como sua hostilidade contra Bealrice foi superada por inci-dente durante visita a Paris; os "dramas psicológicos" e discussões durante noites em cafés parisienses.

Gr. 90: Através deles encontrou Lawrence e sua esposa, e Koteliansky, co-nhecido como "Kot"; qualidades que fizeram dele amigo de Lawrence; pri-meiro encontro de Kot com Katherine surgido de uma briga entre Lawrence e Frieda, e sua subseqüente amizade; associação de Katherine com Muny.

/segue...

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pública, será necessário criar um sistema geral de indexação que conduza às demais séries de fichas. Agora que a maioria dos ar-quivos públicos convenientemente equipados estão informati-zando seus índices, será necessária uma assessoria técnica atuali-zada sobre a escolha do programa mais adequado. Ele deve ser fácil para o usuário e flexível: o pior erro possível é adotar um sistema especializado, feito sob medida, projetado individual285


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CAMPBELL, Beatrice, Lady Glenaiy (Esposa do 2. Barão Glenavy) AA

LP28643 29.1.64
Gr. 145: O caráter complexo e o humor inconstante de Katherine: duas oca-siões em que ela fez uma cena; um fun de semana que os Campbell passaram em visita à mansão dos Campbell na Irlanda; Murry triste por ir embora, mas Katherine alegre por voltar para Londres.
mente para a coleção, porque quando quem o projetou for em-bora, você se verá desamparado. O sistema de palavras-chave provavelmente também mais criará do que resolverá problemas, porque os conceitos que precisarão ser indexados podem ser ex-pressos por muitas palavras diferentes ou, na verdade, por alu-sões indiretas, ou até mesmo por abstenção e omissão. Como os computadores pensam com uma coerência rigidamente tacanha, as palavras-chave têm que ser editadas no texto para que possam ser localizadas. Isso significa que, com a maioria das coleções de história oral, usando ou não um computador, a indexação será um processo mais próximo do índice de nomes e assuntos de um livro comum. Assim, todos os lugares, pessoas e organizações que haja nas fichas podem ser incluídos. Eventos importantes também podem ser relacionados. E, com um pouco mais de difi-culdade, pode-se desenvolver uma série de títulos de assunto com remissão cruzada. Atualmente, não há nenhum modelo clara-mente estabelecido para se seguir, de modo que é importante usar um sistema que admita modificações à luz da experiência. E, acima de tudo, ele deve ser projetado para ajudar e não para subs-tituir a imaginação, a compreensão e a intuição humanas. Na prá-tica, isso significa que o melhor sistema de catalogação e indexa-ção será o que diz ao historiador que partes da coleção compensarão pesquisas ulteriores e quais não. Idealmente, deve ser possibili-tada a eliminação, o mais rápido possível, de todas as principais seções, ou tópicos específicos, que dizem respeito a urna época, lugar ou tema geral diversos dos do interesse do historiador. Assim, antes de dar precedência a um catálogo de conteúdo tão completo

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quanto o dos Arquivos de Som da BBC, mais valeria desdobrar o índice geral desse catálogo, de modo que "Ocupações" - "minera-ção de estanho" fosse ainda mais subdividido para levar a "Com-wall"-"1900-14"; ou "Vestuário popular"-"cerimônias de colheita", para levar a "East Anglia"-'década de 1880".
Antes que uma gravação passe a fazer parte de um arquivo público, uma outra questão precisa ser esclarecida, como indicam certas anotações nas fichas dadas como exemplo: a do controle do direito de acesso e de uso. Esta, porém, não é uma questão simples, em parte porque a lei de direitos autorais é em si mesma fama, varia de um país para outro, e ainda não foi convenientemente testada em nenhum deles; mas também porque isso le-vanta problemas éticos mais amplos de responsabilidade para com os informantes. A posição legal é a de que existem dois direitos autorais numa gravação. O direito autoral da gravação como gravação é em geral propriedade do entrevistador, ou da instituição ou pessoa que encomendou a entrevista. O direito au-toral das informações contidas na gravação - as palavras tex-tuais do informante - é propriedade do entrevistado. Normal-mente, porém, um certo direito de utilização dessa informação está implícito no consentimento em ser entrevistado. Assim, pa-rece claro que uma pessoa que, sabedora de que 'um historiador está colhendo material para uma pesquisa, concordou em ser en-trevistada não teria muitos motivos justificados para se queixar quando descobrisse ter sido citada num trabalho impresso. E, na prática, seria muito pouco provável que procurasse impedir a pu-blicação, ou exigisse alguma compensação por ela, salvo se a considerasse substancialmente danosa. De fato, um acadêmico bona fide muito provavelmente não estaria cometendo uma calú-nia acionável, mas de todo modo seria tolice dar motivo a uma queixa pública. É sempre importante considerar cautelosamente se a publicação de confidências identificáveis não poderia oca-sionar mexerico ou escândalo local. Um informante poderia tam-bém queixar-se, com razão, caso a informação fosse utilizada num contexto significativamente diverso do que havia sido mdi-287

cado; e também, se ela mostrasse ter sido a causa de um best -sei-ler, poderia reclamar uma parcela dos lucros. Se a publicação éuma única história de vida, a autoria do livro e os nomes constan-tes da capa são assuntos que certamente devem ser decididos em conjunto. Há, em relação à maioria dos projetos, muito a ser dito quanto a esse equilíbrio de direitos, e a principal lição a ser aprendida é que, ao explicar a um entrevistado sobre o projeto, deve-se deixar bem claro, não só seu objetivo imediato, mas tam-bém o valor potencial de suas informações para a pesquisa histó-rica mais ampla. Se o primeiro contato for feito pessoalmente, e não por carta, isso pode pelo menos ser confirmado numa carta de agradecimento posterior. Uma compreensão informal dessa espécie tem demonstrado ser base satisfatória para a escrita de inúmeros estudos sociológicos, bem como para a maioria das pu-blicações de história oral sobre que falamos anteriormente. Do mesmo modo, o fato de que, teoricamente, algum direito autoral sempre deve existir na maioria do material manuscrito inédito raramente deu motivo a obstáculos graves ao livre acesso de es-tudiosos ao que está armazenado nas repartições de registro lo-cais e nacionais. Em geral, a melhor política talvez seja mesmo deixar essa questão sem resolver. A insistência numa transferên-cia formal de direitos legais mediante consentimento explícito por escrito pode não só preocupar o informante, como também irá, concretamente, diminuir a proteção mais adequada contra a exploração.


Não obstante, em determinados contextos tem sido prática padrão um acordo formal. Assim se dá no caso da transmissão radiofônica, onde a observação do direito autoral tem que ser es-pecialmente cuidadosa devido ao envolvimento freqüente de fi-guras públicas e, também, devido à influência das complexidades financeiras do direito autoral musical. Isso é também aconse-lhadb pela Oral History Association dos Estados Unidos, onde originalmente se fixaram os padrões para a gravação de figuras públicas eminentes, caso em que era então necessário um acordo preciso, não só em relação a direitos autorais, mas também a se

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determinadas páginas da transcrição deviam permanecer fecha-das até uma certa data, ou serem acessíveis apenas mediante per-missão específica. Na Grã-Bretanha, o Imperial War Museum obtém um acordo escrito preciso de seus informantes, que, fre-qüentemente, são não só figuras públicas eminentes, mas particu-larmente dotados de uma mentalidade de segurança. A fórmula defendida no folheto de Willa Baum para os historiadores locais norte-americanos é relativamente simples:
Eu, abaixo assinado, dou e concedo à Sociedade Histórica Central da Cidade, como doação, para os objetivos acadêmicos e educacionais que a Sociedade determinar, as gravações em fita e respectivos conteú-dos abaixo relacionados:

(assinado) (informante).


A isso, pode-se acrescentar uma cláusula adicional fazendo restrições a parte do material:
As partes contratantes concordam em que as páginas 14-16 do manuscrito e as partes da fita gravada de que essas páginas foram trans-critas não serão publicadas ou de qualquer outro modo postas à disposi-ção de qualquer outra pessoa, que não as partes contratantes, até 1995.
Contudo, "exceto naqueles poucos casos em que se trata real-mente de material delicado, isso seria desaconselhado".2
O Imperial War Museum, que verificou que "freqüentemente é mais difícil conseguir cessão de direitos e fixar outras condi-ções de guarda e de acesso com testamenteiros ou herdeiros do que com os próprios informantes", tenta conseguir uma rápida troca de cartas "para amarrar todas as pontas legais" dentro das seguintes linhas gerais:
Venho, pela presente, formalizar as condições mediante as quais o Museu mantém a posse de suas gravações. As perguntas que já lhe fiz oralmente estio abaixo relacionadas. Ficaria agradecido se, no devido tempo, me enviasse suas respostas por escrito.
1. Pode permitir-se aos usuários do Museu o acesso às gravações e às transcrições datilografadas feitas a partir delas?

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2.As gravações e suas transcrições datilografadas podem ser utili-zadas nos programas educacionais internos e externos do Museu?

3. O Museu pode fornecer cópias das gravações e das transcrições a seus usuários?

4. Você estaria disposto a ceder seu direito autoral das informações contidas nas gravações aos curadores do Imperial War Museum? Isto nos permitiria, quando fosse o caso, tratar de assuntos tais como publicação e transmissão radiofônica, sem ter que consultá-lo previamente. Se concordar em fazer essa ocssão de direitos, isto naturalmente não impedirá que faça pessoalmente qualquer utilização das informações contidas nas gravações.
Quer se chegue ou não a um acordo formal desse tipo, con-tinua a existir uma responsabilidade ética para com o informante que, provavelmente, é mais importante. Antes de mais nada, se a gravação foi feita com um pressuposto implícito de confidencia-lidade, isto deve ser respeitado. Qualquer citação a partir dela que possa causar transtornos ao informante deve ou ser feita ano-nimamente, ou com permissão subseqüente. Do mesmo modo, ésempre necessário que se peça permissão para utilização do ma-terial de uma maneira diferente da que foi inicialmente combi-nada: em vez de para um livro de história, para uma coletânea de biografias, ou para uma transmissão radiofônica. Além disso, quando os informantes têm direito a uma taxa de direitos, como no caso de uma transmissão radiofônica, ou uma coletânea de biografias, isso lhes deve ser assegurado. Eles devem ser avisa-dos com bastante antecedência da ocasião da transmissão, para que possam contar a seus amigos. E se forem citados textualmente num livro, devem receber um exemplar grátis dele. Na medida do possível - e reconhecidamente há algumas formas legítimas de publicação acadêmica para a qual isso pode ser con-traproducente - deve-se chamar a atenção do informante para a utilização feita de seu material. Na verdade, um historiador oral que não deseje partilhar com os informantes o prazer e o orgulho da publicação de uma obra deve refletir muito seriamente sobre por que isso acontece assim, e se se justifica socialmente. Pode ser o caso, talvez, de publicar o material coletado de forma mais popular, como um folheto local, bem como de alguma forma aca-290

dêmica. Admite-se que apenas o historiador oral excepcional pode atingir a amplitude de leitores obtida por um Studs Terkel com um único livro. Porém, o historiador que utiliza evidência oral continua a ter uma responsabilidade ética, que está acima de tudo, de garantir que a história será devolvida às pessoas cujas palavras ajudaram a construí-la.


Deve-se acrescentar que o armazenamento e a conservação de fitas precisam ser vistos do mesmo ângulo. Elas podem ser de interesse e de uso de muito mais pessoas do que do historiador que fez as gravações. Um número enorme de fitas de história oral ficam com a secretária de uma sociedade local, ou num gabinete acadêmico particular, de fato inacessível a um público mais amplo. Isso pode ser compreensível enquanto ela esteja sendo utilizada intensamente para pesquisa pessoal, mas em geral essa situação persiste depois disso, em parte porque as repartições de registro nacionais ou locais apenas muito lentamente se têm or-ganizado para o armazenamento de fitas e para sua audição. Mas a oferta das fitas originais, ou de cópias delas, a uma repartição de registros local, ou a uma biblioteca pública ou de uma univer-sidade, além de ser por si só desejável, pode estimular o atendi-mento daquelas necessidades, e mostrar ser a semente de uma coleção significativa - um ativo que encontrará muitos usos diversos na comunidade.
Pela mesma razão, qualquer que seja o uso imediato que se preveja para elas, há um forte argumento em favor da transcrição integral das fitas como primeira etapa da escrita e apresentação da história. A transcrição é, sem dúvida alguma, tarefa que con-some muito tempo e que exige alta qualificação. Para cada hora de fita gravada, a transcrição leva pelo menos seis horas e, no caso de gravações com uma fala muito difícil ou com dialeto, mais do dobro. Contudo, a menos que a fita seja integralmente transcrita, qualquer um, a não ser quem fez a gravação - e, por-tanto, tem uma idéia bastante clara do que ela contém -, terá grande dificuldade em utilizá-la. Uma ficha de conteúdo no má-ximo constituirá um guia aproximado para o pesquisador visi-291

tante: ouvir mais do que umas poucas fitas leva várias horas, en-quanto passar os olhos pelas transcrições pode levar apenas al-guns minutos. Mas a pessoa que faz a fita também é a mais capaz de garantir a precisão da transcrição. Pelo fato de essa tarefa ser tão demorada e, sem considerar outras premências de tempo, a gravação sempre parecer mais urgente, quase sempre a transcri-ção vai ficando para trás. Num projeto de pesquisa que tenha apoio financeiro externo, isto só pode ser evitado se se fizer, de início, uma estimativa completa do tempo de transcrição e do equipamento necessário para isso. Deve-se prever a necessidade de fones de ouvido, de modo que o transcritor não se distraia com o ruído ambiente e de um gravador com pedal para retorno da fita: ambas essas coisas são fundamentais para fazer-se a transcri-ção a uma velocidade razoável. O tempo também será reduzido de cerca de 25%, se a transcrição for datilografada em máquina elétrica com memória, num microcomputador, ou num processa-dor de textos, que atualmente custam a mesma coisa. Com um microcomputador, também se poderá manter as transcrições em disquete, de modo que possam ser editadas posteriormente: mas preveja também o custo dos disquetes.


Igualmente importante é reconhecer que a transcrição só podei ser executada por alguém com determinadas qualificações, traba-lhando em caráter permanente. Transcrições feitas como ativi-dade em tempo parcial resultarão incompreensíveis ou proibiti-vas. Um transcritor precisa estar interessado nas fitas, ser inteligente para dar sentido a elas, especialmente capaz na arte essencial de transformar as pausas orais em pontuação escrita, e um bom co-nhecedor de ortografia com ouvido incomumente rápido. Esse é, também, um trabalho solitário. As qualidades que exige não são, necessariamente, as qualidades que fazem uma secretária bem-sucedida. O único modo de saber se alguém é capaz de transcre-ver bem é dar-lhe uma fita e deixar que experimente.
A maior parte dos projetos de história oral não terão recur-sos para pagar um transcritor e precisarão desincumbir-se eles mesmos dessa tarefa. No caso de um grupo muito pequeno, ou

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das gravações do próprio pesquisador, o processo pode, porém, ser consideravelmente abreviado, ainda que à custa de uma satis-fação a longo prazo. A melhor "transcrição resumida" fica entre a ficha de conteúdo completa e a transcrição integral. Na maior parte, o conteúdo é resumido em detalhe, mas verdadeiras cita-ções só são feitas quando as palavras estão ditas com tal precisão ou com tal vivacidade que vale a pena considerá-las para fins de citação na apresentação final. Pode-se acrescentar, à margem, um recurso para facilitar a localização na fita do que é transcrito, quer usando o conta-giros do gravador (muito embora, infeliz-mente, os conta-giros variem até mesmo entre aparelhos da mesma marca), ou ouvindo toda a fita, após a transcrição e ano-tando os intervalos de tempo a cada cinco ou dez segundos (mais preciso, mas de utilização menos rápida).
No final das contas, porém, não existe nada que substitua uma transcrição completa. Até mesmo a melhor versão resumida mais parece as anotações de um historiador inteligente extraídas de um arquivo do que os documentos originais. E, ainda mais, o historiador não pode saber hoje que perguntas serão feitas pelos historiadores futuros, de modo que qualquer seleção que faça re-sultará na perda de detalhes que posteriormente podem se mos-trar significativos. A transcrição integral deve, pois, incluir tudo o que está gravado, com a possível exceção de digressões para ve-rificar se o gravador está funcionando, para tomar uma xícara de chá, ou para bater papo sobre como está o tempo, sobre doenças, e coisas assim. Todas as perguntas devem constar dela. O gague-jar em procura de urna palavra pode ser eliminado, mas outro tipo de hesitações e de "muletas", como "você sabe" ou "veja bem" devem ser incluídos. A gramática e a ordem das palavras devem ser deixadas como foram faladas. Se não se conseguir compreender urna palavra ou uma frase, deve deixar-se um es-paço na transcrição para indicar isso. Todas essas são orienta-ções bastante fáceis de compreender. Mas a verdadeira arte do transcritor está no uso da pontuação e numa ou noutra grafia fonética que transmita a natureza da fala.

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Nesse sentido, a transcrição é uma forma literária e os pro-blemas por ela propostos são inseparáveis dos da citação subse-qüente. A palavra falada pode facilmente ser deformada ao ser passada para o papel e, depois, para uma página impressa. Existe desde logo uma perda inevitável do gesto, ou expressão facial, do tom e do ritmo; e são necessárias, no interesse da legibilidade, algumas alterações deliberadas para eliminar pausas e hesitações perturba doras ou falsos começos. Muito mais grave é a distorção que ocorre quando a palavra falada é enquadrada na disciplina da prosa escrita, mediante a imposição de formas gramaticais padro-nizadas e uma seqüência lógica de pontuação. O ritmo e o tom da fala são completamente diferentes dos da prosa. Importante tam-bém é que a fala viva irá rodeando, se aprofundará em coisas irrelevantes, e voltará ao tema depois de frases inacabadas. A prosa eficiente, ao contrário, é sistemática, relevante e seca. Por isso, o escritor, ao querer acentuar bem alguma coisa, se vê muito ten-tado a deformar uma citação falada, a reordená-la e, a seguir, para fazê-la mais fluente, introduzir alguns conectivos que jamais estiveram no original. Pode-se chegar ao ponto de a natureza da fala original se tomar irreconhecível. Essa é uma situação ex-trema, mas todo escritor, a menos que esteja sempre alerta contra esse perigo, pode por vezes chegar a esse nível de deterioração da transcrição.


As dificuldades podem ser ilustradas por um exemplo tirado de uma das primeiras passagens de Akenfield, de Ronald Blythe, o relato dê um velho lavrador sobre uma economia doméstica nos anos antes de 1914. O quadro que ele pinta é muito simples, ex-tremamente eficiente - mas tão correto nos detalhes que se pode suspeitar o quanto a entrevista original terá sido ajeitada:
Havia sete crianças em casa e o salário do pai havia sido reduzido para dez shillings por semana. Nosso chalé estava quase vazio - exceto de pessoas. Havia um chão de tijolo varrido e apenas um acolchoado feito de retalhos de roupas velhas enfiados dentro de um saco. O chalé tinha uma sala de estar, uma despensa e dois quartos. Seis de nós, meninos e meninas, dormíamos num dos quartos e nossos pais e o bebê, no outro. Não havia jornal nem nada mais para ler, a não ser a Bíblia. Todas

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as casas da aldeia eram como essa. Nossa comida eram maçãs, batata, nabo sueco e pão, e bebiamos chá sem leite nem açúcar. Podia-se com-prar leite desnatado da fazenda, mas isso era considerado luxo. Ninguém tinha o suficiente para comer por mais que tentasse. Dois de meus ir-mãos trabalhavam fora. Um tinha 8 anos e ganhava três shillings por semana, o outro ganhava cerca de sete shillings3*
Há nessas linhas uma tendência lógica constante. Cada pa-lavra está no lugar certo com um propósito evidente. Cada frase está corretamente pontuada. Não há finais defeituosos, não há digressões para transmitir o sentimento do próprio falante sobre sua casa da infância, ou a amargura ou o humor sentido na po-breza. Algumas frases soam como comentários do próprio autor: "leite desnatado (...) era considerado luxo". Não há palavras de dialeto, não há irregularidades gramaticais, não há sinais de idiossincrasia pessoal. O trecho pode ser convincente, mas, como muitos outros nesse livro, não tem vida. Seria bom saber, mas não há indicação alguma de onde a entrevista foi cortada e do que foi introduzido para rearticulá-la.
Podemos fazer uma comparação com Where Beards Wag Ali, de George Ewart Evans, também a respeito de aldeões de Suffolk, alguns da mesma comunidade. Este é um livro com um discurso mais direto do que Akenfield, mas apoiado em citações em grande número, nas quais parece que ouvimos as próprias pessoas falando, até mesmo pensando em voz alta, em seu estilo pessoal, muito diferente, como este velho:
* There were seven children at home and fathers wages had been reduced to 10s. a week. Our cottage was nearly empty - except for people. There was a scrubbed brick floor and just one rug made of scraps of old clothes pegged teto a sack The cottage had a living-room, a larder, and two bedrooms. Six of us boys and girls slep in one bedroom and our parents and the baby slept ia the other. There was no news-paper and nothing to read except the Bible. Ali the village houscs were iike this. Our food was apples, potatoes, swedes and bread, and we drank our tea without milk or sugar. Skim miik could be bought from the farm but it was thought a luxmy. Nobody could get enough to eat no matter how they tried. Two of my brothets were out to work One was eight years old and he got 3s. a week, the other got about 7s.

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É isso aí: os meninos daquele tempo, olha, bem - é que nem cavar um buraco, olha, e botar barro dentro e daí botar uma batata em cima de tudo. Bem, não se pode esperar muito, não é? Mas agora, com esses meninos de hoje, é como fazer um buraco e botar um pouco de esterco em cima antes de plantar: só dá pra achar que vai crescer, nê? Vai crescer, não vai? A planta vai crescer muito bem, O que estou di-zendo é que esses meninos de hoje tomam café de manhã antes de sair de casa - uma porção deles não faziam isso naquele tempo, e eles têm uma comida quente na escola e quando voltam pra casa, a maioria deles tomam um belo chá, não tomam? Olha. Esses meninos de hoje, desse tipo, têm sustância. Pois é, é isso aí! Se você tem uma vida certinha, isso dá tutano e o tutano faz o osso e o osso faz a sustáncia.4


Aqui, temos que parar para escutar, temos que aceitar o ritmo difícil e a sintaxe dessa fala, que rumina e gira em tomo da imagem alegórica que durante todo o tempo ele tem guardada. Certamente, essa citação exige uma adaptação maior do leitor. Mas esse tipo de fala pode ser necessário e, nesse caso, será entendida, à medida que suas qualidades sejam mais bem compreendidas.
George Ewart Evans utiliza talento artístico em sua citação tanto quanto Ronald Blythe. Provavelmente alguma hesitações, pausas ou repetições foram eliminadas da fala gravada, e ele co-locou a pontuação. Mas fez isso de um modo que conserva a textura da fala. Os itálicos são utilizados para indicar uma ênfase inesperada, e a pontuação, para unir as frases e não para separá--las. A sintaxe é aceita; e mantidas as lacunas do trecho. E uma vez ou outra uma palavra é grafada foneticamente para sugerir a sonoridade do dialeto. Um excesso de grafia fonética rapida-mente reduz ao absurdo uma citação (de qualquer classe social),
* It's like this: those young uns years ago, I said, well - its like digging a hole, I said, and putting ia clay and then putting ia a tater on top o'thet. Well, you won't expect much will you? But now with the young 'uns today, its iike digging a hoie and putting some manure ia abre you plant: yoWre bound to get some growth ain't you? It will grow wont it? lhe plant wil grow right well. What I say is the young uns today have breakfast afore they set off - a lot of 'em didnt used to have thá yean ago, and they hev a hot dinner ai school and when they come home m~t of em have a fair tea, don't they? I said. lhese young uns kinda gol the frame. Well, thats it! If' you live tidily that'll make the marrow and the manow makes the boon (bone) and the boon makes the brame.

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mas uma palavra isolada para transmitir uma idiossincrasia pes-soal, ou uma entonação essencial de um sotaque local, como o "hev" e o" thet" de Suffolk utilizados nesse caso, ajudam a tomar o trecho legível como fala sem perder nada de sua força expressiva.
Ao passar a fala para forma impressa, o historiador precisa, pois, desenvolver uma nova espécie de habilidade literária que permita que seu texto escrito se mantenha tão fiel quanto possí-vel, tanto ao caráter quanto ao significado do original. Esta não constitui uma arte normalmente necessária no trabalho documen-tal. Porém, a analogia com a citação documental feita de outros modos estabelece um padrão conveniente. Infelizmente, não constitui prática habitual, nos estudos sociológicos, fazer citações de entrevistas para indicar os cortes feitos e outra alterações. Contudo, os historiadores podem insistir no cuidado que é nor-mal em sua disciplina, indicando supressões com uma linha pon-tilhada, interpolações com parênteses, e assim por diante. Não se pode admitir uma reordenação, caso ela resulte em um novo sen tido que não era intenção do falante. E a criação de informantes pelo intercâmbio de citações entre eles, ou dividindo uma citação em duas, ou juntando duas em uma só, sempre indefensável, segundo os padrões acadêmicos, Um documentário oral que faça isso pode conseguir um efeito melhor, toma-se literatura imaginativa: uma espécie diferente de evidência -histórica.
Os historiadores orais dos Estados Unidos introduziram um adicional em sua prática. Após a transcrição, os textos são enviados ao informante para serem revistos.5 Evidentemente , isso tem a vantagem de permitir detectar erros e erros na grafia de nomes. Pode também resultar em estímulo a novas informações e os historiadores políticos que utilizam o método da entrevista muitas vezes mandam as transcri-ções com esse objetivo. Mas há também inconvenientes. Muitos informantes não conseguem resistir à tentação de reescrever a fala original, em tom de conversa, sob forma de prosa convencional. -Podem também eliminar frases e reescrever outras para alte-297

rar a impressão oferecida por uma determinada lembrança. Uma vez que as fitas originais raramente são consultadas nos arquivos norte-americanos e, mais do que a fita gravada, a transcrição é considerada o testemunho oral autorizado, o processo de correção enfraquece a autenticidade da evidência oral que se está utili-zando. Além disso, embora alguns informantes, como personali-dades públicas aposentadas, possam dispor do tempo e da segu-rança para corrigir uma longa transcrição, provavelmente há muitos mais para quem isso seria apenas um encargo desagradá-vel. Para esses, melhor será escrever apenas pedindo alguns es-clarecimentos sobre trechos confusos, nomes sobre os quais não se tenha certeza, ou detalhes essenciais que faltem - que, em geral, são fornecidos com muita satisfação.


Iniciada a transcrição, a classificação do material para uso também pode ser iniciada. O melhor é fazer pelo menos três có-pias da transcrição - e uma quarta, se se for mandar uma para o informante. A cópia principal pode então ser arquivada como uma entrevista completa, em seqüência paralela á das fitas. As demais cópias podem ser reclassificadas, e subdivididas em di-versos arquivos por assunto (sendo a terceira cópia utilizada para casos em que haja sobreposição de assuntos), dependendo do uso que se tenha em mente. As entrevistas completas podem ser colo-cadas juntas por lugar, por grupo social, ou por ocupação. Alter-nativamente, as passagens dentro de cada entrevista a respeito de escola, ou de igreja, ou de família podem ser recortadas (ano-tando-se na página da transcrição de onde forem tiradas) e colo-cadas numa série de caixas. Essas caixas podem acompanhar a seqüência do esquema original de perguntas. Assim, se se fez uma pergunta, por exemplo, sobre freqüência à igreja ou sobre como as pessoas conheceram os respectivos maridos, ou esposas, todo o material relevante pode ser rapidamente encontrado na mesma caixa. Porém, a escolha exata do método de reclassifica-ção deve depender da forma de análise e de apresentação que se pretenda fazer. A essa questão final, que é essencial, é que vamos agora nos dedicar.

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INTERPRETAÇÃO:

A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA


Agora a evidência já está coletada, classificada e preparada de forma acessível: as fontes estão a nossa disposição. Mas como articulá-las? Como construir a história a partir delas? Em pri-meiro lugar, devemos considerar as opções que se pode fazer quanto ao modo e à forma de apresentação. Em seguida, como avaliar e testar nossa evidência. Em terceiro lugar, vem o cerne da questão, a interpretação: como relacionar a evidência que en-contramos com os modelos mais amplos e com as teorias da his-tória; como fazer para que a história ganhe sentido. E finalmente, como conclusão, olharemos mais para a frente, para o impacto que podemos esperar que a evidência oral tenha para a constru-ção da história no futuro.
A apresentação da história com evidência oral abre novas possibilidades. Globalmente, como veremos, as habilidades es-senciais para julgar a evidência, escolher o trecho mais expres-sivo, ou dar forma a uma exposição são muito semelhantes a quando se escreve história a partir de documentos. Semelhantes, também, são muitas das escolhas a fazer: entre, por exemplo, pú-blicos de outros historiadores, de alunos do primário, de leitores de um jornal Local, ou de um clube de pessoas idosas. Contudo, a história oral enfoca a necessidade de algumas dessas escolhas, simplesmente porque pode ser eficaz em grande número de con-textos diferentes.

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A primeira escolha é a do meio, pois suas técnicas e con-venções moldarão e limitarão a mensagem que pode ser transmi-tida. No futuro poderá tomar-se mais fácil associar som e mate-rial impresso, por exemplo editando uma fita de fragmentos de gravações para acompanhar um livro. Já é bastante comum que folhetos e programas impressos sejam distribuídos como recurso auxiliar de uma transmissão radiofônica. Mas, por enquanto, a história oral é apresentada, a cada vez, sob uma só dentre as inú-meras formas possíveis.

A primeira é a transmissão radiofônica, apenas som. Nesse caso, há toda uma série de possibilidades, desde o material bruto de uma entrevista autobiográfica até uma fala acadêmica com ilustrações. O rádio também tem desenvolvido uma arte muito especial de transmitir cenas e mensagens sonoramente. As fitas originais não apenas podem se tomar mais claras, pela elimina-ção das hesitações e das pausas, como também ganhar maior realce por uma nova disposição das palavras; e podem ser intro-duzidos ruídos de fundo. Algumas dessas coisas significam uma adulteração da evidência que um historiador não deve aceitar; mas a excelente edição de urna fita de som, realizável com os recursos técnicos do rádio, pode, por certo, tomar mais breves e mais eficazes as citações. O som pode também tomar supérfluas algumas pistas, de modo que urna série de fragmentos com dife-rentes sotaques regionais, ou de classe, sejam justapostos direta-mente. Na verdade, um programa pode ser inteiramente ideali-zado como uma colagem de sons, com muito pouca ou nenhuma narração para fazer a ligação, e talvez com "notas" fornecidas pelos créditos do programa. Desse modo, pode-se montar um re-trato histórico de uma comunidade, por exemplo de uma pequena cidade pesqueira, entremeando os sons das gaivotas e dos vende-dores no cais com relatos de idosos sobre como os homens pesca-vam o peixe e as mulheres os destripavam e remendavam as redes, e com narrativas, cantorias nos bares, hinos e pregações na igreja.
Quando, com a televisão, as imagens se acrescentam ao som, há uma mudança radical no que pode ser transmitido. Os

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efeitos visuais tendem a predominar. Não é possível um corte adequado numa entrevista, a menos que, para fazê-lo, se intro-duza uma seqüência visual diferente, pois de outro modo pare-cerá haver, a cada corte, um salto na posição física do entrevis-tado. Mas essa seqüência visual diferente que se introduz, transmitindo seu próprio significado, dispersa a atenção de quem está vendo. Os mesmos problemas se aplicam a uma colagem. Uma vez que as mensagens verbais transmitidas podem não ficar tão claras, e os significados da imagem tendem a ser simbólicos e imprecisos, a apresentação pela televisão se faz de forma mais difusa do que pelo rádio. Porém, ver os próprios informantes e velhas fotografias de suas famílias, casas e locais de trabalho traz realmente uma nova dimensão de imediatez histórica.
De modo mais elementar, pode-se combinar imagem e som em exibições de gravações e slides para muitos tipos de apresen-tação histórica, desde uma terapia de reminiscência em grupo, até uma conferência formal com ilustrações. Fitas contendo frag-mentos já se encontram disponíveis em muitos museus e bibliote-cas, como parte de sua prestação de serviço a escolas. Você pode também dar a sua contribuição. O modo mais simples de utilizar tais fitas é numa palestra cujo objetivo principal seja despertar o interesse: uma pequena explicação introdutória seguida de frag-mentos. Como o sotaque pode ser um pouco difícil de captar logo de saída (e muito provavelmente o gravador não amplifica sufi-cientemente bem), o melhor será escolher alguns poucos frag-mentos, claros e bastante longos - de quatro ou cinco minutos cada um. Será útil fornecer ao público cópias das transcrições. Para uma preleção mais complicada, em que os fragmentos sejam utilizados para ilustrar uma exposição que pode ser bas-tante complexa, essa solução é menos fácil. Nesse caso, você deve, em primeiro lugar, dispor de boas gravações, e é preciso que elas sejam copiadas diretamente das originais em uma única fita de fragmentos. 1 Você deve também assegurar-se de que a sala a ser usada dispõe de um sistema de amplificação confiável. Então, ao fazer uma preleção, você deve pastar-se junto ao apa301

relho de reprodução da fita, soltando e interrompendo as citações com a tecla de pausa. Sem uma preparação desse tipo, como mui-tos historiadores orais já sabem por experiência própria, pode acontecer de o público ficar intrigado ao ouvir vozes incom-preensíveis, distrair-se nos intervalos enquanto se procura o ponto certo da fita, e irritar-se pela excessiva perda de tempo.


Uma segunda escolha, que surge naturalmente do fato de a evidência oral originar-se da cooperação de uma entrevista - e, muito freqüentemente, da execução do trabalho de campo por um grupo -, é a possibilidade de uma publicação organizada conjun-tamente. De fato, na apresentação pelo rádio ou pela televisão, o trabalho em equipe é sem dúvida essencial. Ali, os papéis estão claramente definidos: técnicos, produtor, historiador, entrevistado. Com publicações impressas, porém, é possível uma abordagem mais flexível. No caso de um projeto escolar, ou de uma história oral de comunidade, o trabalho coletivo de reunião do material oral pode ser uma experiência tão valiosa quanto a da própria gravação. Num projeto de comunidade, os idosos podem gravar as lembranças uns dos outros, discuti-las entre si, decidir o que escolher para publicar, corrigir e elaborar os textos escritos, e assim por diante. Num projeto escolar, a cooperação provavelmente se dará mais quanto à produção: escolha dos melhores fragmentos, planejamento e impressão.
Igualmente fundamental, em qualquer forma de apresentação, é decidir entre abordar a história por meio da biografia, ou mediante uma análise social mais ampla. A evidência oral, por assumir a forma de histórias de vida, traz à tona um dilema subjacente a toda inteipreta-ção histórica. A vida individual é o veículo concreto da experiência histórica. Além disso, a evidência, em cada história de vida, só pode ser plenamente compreendida como parte da vida como um todo. Porém, para tomar possível a generalização, temos que extrair a evidência sobre cada tema de uma série de entrevistas, remontando-a para enxergá-la de um novo ângulo, como que horizontalmente em vez de verticalmente; e, ao fazê-lo, atribuir-lhe um novo significado. Vemo-nos, assim, diante de uma escolha fundamental porém penosa.

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De maneira geral, há três modos pelos quais a história oral pode ser construída. A primeira é a narrativa da história de uma única vida. No caso de um informante dotado de memória excep-cional, pode parecer que nenhuma outra escolha fará plena jus-tiça ao material. E não é preciso que a narrativa de uma única vida apresente exatamente uma só biografia individual. Em casos importantes, ela pode ser utilizada para transmitir a história de toda uma classe ou comunidade, ou transformar-se num fio con-dutor ao redor do qual se reconstrua uma série extremamente complexa de eventos. Assim é que o vigor da autobiografia de Nate Shaw em Ali God's Dangers vem exatamente do fato de ela simbolizar a experiência mais ampla das pessoas negras do Sul dos Estados Unidos. Uma história assim vigorosa nada mais exige do que uma breve explicação de seu contexto; outras, espe-cialmente se se pretende que sejam lidas como típicas em algum sentido, exigirão uma exposição e uma interpretação introdutó-rias muito mais completas para superar o nível do simplesmente anedótico.


A segunda forma é uma coletânea de narrativas. Uma vez que pode ser que nenhuma delas seja, isoladamente, tão rica ou completa como narrativa única, esse é um modo melhor de apre-sentar um material de história de vida mais típico. Permite, tam-bém, que as narrativas sejam utilizadas muito mais facilmente na construção de uma interpretação histórica mais ampla, agru-pando-as - como um todo ou fragmentadas - em tomo de temas comuns. Assim é que Oscar Lewis estuda a vida familiar dos pobres mexicanos da cidade em The Children of Sanchez, tomando, em relação a uma só família, os diferentes relatos de pais e filhos, e reunindo-os em uma só descrição multidimensio-nal. Em escala maior, um grupo de vidas pode ser utilizado para retratar toda uma comunidade: uma aldeia, como em Akenfield, ou uma pequena cidade, como em Speak for England. Ou a cole-tânea pode ainda centrar-se em um só grupo social ou tema, como Fenwornen, ou Working, ou Blood of Spain. Pode organi-zar-se como uma coletânea de vidas completas, ou de relatos a

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respeito de incidentes, ou como uma montagem temática de frag-mentos: Blood of Spain entremeia essas três maneiras. Uma vez mais, aqui, o caráter da introdução também criará o impacto da narrativa.
A terceira forma é a da análise cruzada: a evidência oral é tratada como fonte de informações a partir da qual se organiza um texto expositivo. Naturalmente, é possível, num mesmo livro, associar a análise com a apresentação de histórias de vida inte-grais. Em meu Edwardians, uma série de retratos de família, escolhidos para representar as variadas classes sociais e regiões da Grã-Bretanha, entrelaçam-se com os capítulos mais inequivoca-mente analíticos. Porém, sempre que o objetivo primordial passe a ser a análise, a forma global já não pode ser orientada pela história de vida como forma de evidência, mas deve emergir da lógica interna da exposição. Em geral, isso exigirá citações muito mais curtas, comparando a evidência de uma entrevista com a de outra, e associada à evidência proveniente de outras fontes. Evi-dentemente, a exposição e a análise cruzada são essenciais em todo desenvolvimento sistemático da interpretação da história. Por outro lado, o que se perde com essa forma de apresentação também é evidente. Devido a isso, essas formas básicas não são tanto alternativas exclusivas, mas sim complementares, e, em muitos casos, o mesmo projeto precisa ser apresentado em mais de uma delas.
Em parte, a própria forma escolhida determinará quão acen-tuada será, na apresentação, a distinção entre a fonte oral e outras fontes documentais. Isso fica menos evidente nas formas escritas. Será preciso levar em conta os problemas de transcrição e esco-lher um sistema para a citação das entrevistas. Após escrever, deve-se conferir o manuscrito com as fitas originais, tarefa que só será difícil se elas não estiverem transcritas. E o material deve ser interpretado com plena consciência do contexto em que foi cole-tado, das formas de viés a que está sujeito e dos métodos de avaliação então necessários: questões essas que são nossa preo-cupação a seguir. Acima de tudo, e sempre o maior desafio, para

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conseguir pleno êxito como história é preciso que se chegue a uma integração entre generalidade e detalhe, entre teoria e fato.
Assim, escrever um livro que utiliza evidência oral, quer sozinha quer junto com outras fontes, não requer, em princípio, muitas habilidades especiais além das necessárias para qualquer texto histórico. A evidência oral pode ser avaliada, julgada, com-parada e citada paralelamente ao material de outras fontes. Isso não é nem mais difícil, nem mais fácil. De certo modo, porém, constitui um tipo diferente de experiência. Á medida que se es-creve, tem-se consciência das pessoas com quem se conversou; hesita-se em atribuir a suas palavras significados que eles recusa-riam. Humana e socialmente, essa é uma cautela conveniente; e, na verdade, os antropólogos têm demonstrado que é igualmente fundamental para a compreensão científica. Ao escrever, também se deseja intensamente partilhar com os outros os insights e a vividez das histórias de vida que se apoderaram de sua própria imaginação. Além disso, trata-se de um material que não apenas se descobriu, mas que, em certo sentido, ajudou-se a criar: é, pois, completamente diferente de qualquer outro documento. Essa a razão por que um historiador oral sempre perceberá existir uma tensão peculiarmente intensa entre a biografia e a análise cruzada. Mas essa é uma tensão que se alicerça na força da histó-ria oral. A elegância da generalização histórica, ou da teoria sociológica, flutua muito acima da experiência da vida comum que está na raiz da história oral. A tensão percebida pelo historiador oral é a tensão básica: entre história e vida real.
A etapa seguinte é a da avaliação do material que foi cole-tado. Já consideramos anteriormente com algum detalhe, no capí-tulo sobre Evidência, as fornias de viés a que as fontes orais estão sujeitas, e em que medida são compartilhadas pela evidência do-cumental. Na prática, porém, de que modo o historiador deve avaliar o material provindo de fonte oral?

Três são as medidas básicas a ser tomadas. Em primeiro lugar, cada entrevista deve ser apreciada quanto a sua coerência

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interna. Deve ser lida como um todo. Se um informante tem uma tendência a mitificar ou a produzir generalizações estereotipadas, isto se repetirá no correr de toda uma entrevista. Então, as narra-tivas nela contidas poderão ainda ser tomadas como evidência simbólica de atitudes, mas não como fidedignas quanto ao de-talhe factual, como seriam com um outro informante. De modo semelhante, a supressão de informações pode manifestar-se pela relutância repetida em discorrer sobre determinada área - ou por contradições não solucionadas quanto a algum pormenor (tal como data de casamento e de nascimento e idade posterior do primeiro filho, que tenha sido concebido antes do casamento). Toda supressão ou invenção de monta ocasionará incoerências, contradições e anacronismos extremamente óbvios, especialmente se a entrevista durar por mais de uma sessão. Nesses casos, o melhor será descartar a entrevista toda. Por outro lado, algumas incoerências são inteiramente normais. É muito comum que se encontre um conflito entre os valores gerais que se acredita serem verdadeiros no passado e o registro mais preciso sobre a vida do dia-a-dia; essa contradição, porém, será por si só extre-mamente reveladora, pois pode representar uma das dinâmicas da mudança social - e urna percepção que, de fato, raramente é possível mediante qualquer outra fonte que não a evidência oral. Em nível mais trivial, a memória é, em geral, menos precisa-mente confiável em questão de cronologia, ou de um breve inci-dente isolado, do que quanto ao detalhe de um processo recor-rente da vida profissional, social ou doméstica. Em contraposição, é possível encontrar-se uma pequena minoria de informantes porta-dores de urna memória cuja riqueza e coerência são absoluta-mente excepcionais. Por ser ela tão ampla, a precisão desse tipo de memória é mais fácil de ser confirmada a partir de outras fon-tes: uma lista de ocupantes de terra, por exemplo, pode ser confe-rida pelos livros de registro de impostos locais; ou o ano em que ocorreu um certo suicídio pode ser localizado numa notícia do jornal local. Mesmo nesses casos, porém, como nos demais, apreciando primeiro a entrevista como um todo, pode-se chegar a



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uma boa avaliação da fidedignidade geral do informante como testemunha.


A respeito de muitos itens, pode-se fazer uma conferência com outras fontes. Claro que isso será um processo cumulativo á medida que o material for coletado: uma série de entrevistas numa mesma localidade proporcionará inúmeras conferências entre elas a respeito de fatos. Do mesmo modo, certos detalhes em ser comparados com fontes manuscritas e impressas. Como diz Jan Vansina, "toda evidência, escrita ou oral, que re-monte a uma única fonte deve ser encarada com reserva; deve-se buscar uma corroboração para ela".2 Contudo, essa máxima é de relevância maior no caso de tradição oral transmitida através de várias gerações, do que em relação à evidência imediata da histó-ria de vida. Quando houver discrepância entre evidência escrita e oral, não se segue que um dos relatos seja necessariamente mais fidedigno que o outro. A entrevista pode revelar a verdade que existe por trás do registro oficial. Ou, então, a divergência poderá representar dois relatos perfeitamente válidos a partir de dois pontos de vista diferentes, os quais, em conjunto, proporcionam pistas essenciais para a interpretação verdadeira. Na verdade, é muito freqüente que, enquanto uma evidência oral que pode ser confirmada diretamente mostra possuir valor meramente ilustra-tivo, uma evidência nova, mas não confirmada, é que indica o caminho de uma nova interpretação. Na verdade, grande parte da evidência oral oriunda da experiência pessoal direta - como um relato sobre a vida doméstica em determinada família - é pre-ciosa exatamente porque não pode provir de nenhuma outra fonte. É inerentemente única. Claro que sua autenticidade pode ser avaliada. Não pode ser confirmada, mas pode ser julgada.
O terceiro método pelo qual se pode chegar a um julga-mento desse tipo é colocar a evidência dentro de um contexto mais amplo. Um historiador experiente já terá suficiente conheci-mento, a partir de fontes contemporâneas, sobre a época, o local e a classe social de onde provém dada entrevista, para saber, mesmo que determinado detalhe não possa ser confirmado, se a

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entrevista como um todo soa como verdadeira. A falta generali-zada de detalhes confiáveis, atitudes anacrônicas e construções lingüísticas incongruentes, tudo isso será bastante óbvio.
Com técnicas mais especiais, é possível ir ainda mais longe do que isso. Por exemplo, um perito em dialetos pode ter condi-ções de identificar exatamente até que ponto um informante man-teve ou alterou o vocabulário local de onde nasceu. Ou um fol-clorista pode ser capaz de identificar narrativas que são versões de contos populares conhecidos, distinguindo nelas os elementos que estão inalterados e quais os que são novos. Dentro desse es-pírito, a entrevista como um todo pode, de fato, ser lida ou ou-vida como uma peça de literatura oral. Muito embora ainda insu-ficientemente desenvolvida em relação à entrevista típica de história oral, alguma forma de análise literária constitui o passo seguinte na interpretação do material. Essa análise pode seguir uma entre diversas abordagens diferentes.
Em primeiro lugar, o historiador oral pode procurar com-preender uma entrevista do modo sensível e humanista do crítico literário tradicional que interpreta os significados pretendidos pelo autor, muitas vezes num texto confuso e contraditório, a par-tir de todas as pistas que possam parecer úteis. É assim que Ron Grele contrapõe duas entrevistas, cada unia de um nova-iorquino judeu da classe operária no ramo de confecções. A despeito de seus antecedentes semelhantes, apresentam a história de duas maneiras fundamentalmente diversas. Para Mel Dubin, filho de imigrante nascido na cidade, trabalhador qualificado e dirigente sindical, a história é uma árdua luta pelo progresso, cronológica e, apesar de seus retrocessos, lógica. Em todas as dimensões de seu relato - sua história pessoal, a vizinhança, o sindicato, a indústria do vestuário - ele cria o mesmo modelo de ascensão e queda, e dá a mesma explicação, o desaparecimento dos imigran-tes judeus e italianos das primeiras décadas, que eram alfaiates qualificados: exatamente a qualificação sobre a qual se erguera a vida do próprio Mel. A história de Mel, construída a partir tanto da experiência imediata quanto do conhecimento do passado e,

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também, com a ajuda de omissões e exageros significativos, consti-tui um mito histórico do progresso, "que funciona de maneira muito peculiar para dar à narrativa uma dinâmica, e que leva inevitavelmente a determinadas conclusões muito concretas a respeito da natureza do mundo da indústria do vestuário hoje em dia". Bella Pincus, por outro lado, também militante, era, ela pró-pria, imigrante, chegada adolescente à cidade, proveniente de uma aldeia da Polônia russa; antes de se casar trabalhara como operadora de máquina semi-especializada, e voltara a trabalhar depois de viúva. Bella não apresenta a história como a lógica da mudança, mas como uma série de episódios dramáticos, todos eles apresentando a mesma lição moral de luta: "É sempre a mesma coisa. Desde que o mundo é mundo, tem ricos e pobres, os que lutam para viver e os que estão bem de vida. É assim que é". Na verdade, isto está mais próximo de sua própria história. E ela a relata com o uso poético constante de imagens contrastan-tes. Por exemplo, descreve sua primeira impressão de Nova York em termos de ônibus sem teto, telhados de casas de feitio plano e o banho na rua, em contraste com os ônibus fechados, os telhados pontiagudos e o banho escondido de sua infância russa: símbolos que também transmitem o sentimento de abertura que sentiu em sua própria vida quando jovem em Nova York, em comparação com sua vida na Rússia e com sua vida atual. Assim, nessas duas histórias, não é só pelos fatos e pelas opiniões oferecidas, mas talvez mais ainda pelas habilidades imaginativas e narrativas com que são construídas, que podemos perceber a mais profunda consciência histórica dos falantes. Isso é mais notável ainda, já que eles tiveram que lutar para serem ouvidos na entrevista, vol-tando "seguidamente ao motor principal de suas histórias, a des-peito do empenho por vezes constrangido dos entrevistadores para controlar a situação e desviá-los para outras perguntas". Pro-põe-se aqui, de maneira definitiva, a necessidade de "escutar o que dizem', tanto durante a entrevista, quanto depois dela.3
Luisa Passerini encontrou um contraste parecido num grupo de entrevistas com operários de Turim, entre uma minoria - em

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sua maior parte de homens - que descrevia as próprias vidas em termos de opção, decisão, aquisição de habilidades, busca e sacri-fício, e a maioria, dos que falavam sobre si mesmos como predes-tinados, "nascidos socialistas", rebeldes, nascidos para ser pobres, e assim por diante. Contudo, ela vê essas mensagens freqüentemente não como conscientemente intencionais, mas como reflexos das idéias de uma antiga cultura popular arcaica que sobrevive na língua falada: como, por exemplo, o caso da mulher que explica suas travessuras infantis, seu casamento sem a permissão dos pais e sua insistência em ser operária, dizendo: "Eu estava com o diabo no corpo". 4
Esse tipo de significados semiconscientes podem ser perce-bidos, também, nas qualidades formais da própria linguagem. A linguagem escrita é gramaticalmente elaborada, linear, concisa, objetiva e de estilo analítico, precisa, ainda que de abundante riqueza de vocabulário. Por outro lado, a fala é em geral gra-maticalmente primitiva, cheia de redundâncias e de rodeios, empática e subjetiva, hesitante, voltando repetidamente às mes-mas palavras e frases feitas. Esses contrastes, porém, não são absolutos nem dentro da fala nem dentro do texto escrito: há acentuadas diferenças entre indivíduos quanto ao vocabulário e gramática, tom e sotaque, as quais refletem a origem regional e a educação, a classe social e o sexo. Assim, na escrita literária européia até o século XI, os homens, por serem em geral mais instruidos, adotavam um estilo mais retórico, acadêmico e formal do que as mulheres. Porém, quando pessoas comuns contam histórias de vida, é mais provável que os homens utili-zem o modo direto, ativo e subjetivo, o "eu", e as mulheres, o indireto e reflexivo "nós" ou " a gente".5 Também as escolhas de determinadas palavras-chave e frases feitas, por exemplo para expressar atitudes morais, serão variáveis, quer entre fa-lantes diversos, quer no mesmo falante em diferentes contex-tos, e podem ser igualmente reveladoras de pressupostos, mui-tas vezes não expressos e, por vezes, profundamente arraigados.

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Esses significados ocultos podem ser decifrados sem que se aceite a opinião de alguns teóricos recentes da lingüística e da psicologia de que a gramática, por si só, modela a consciência da criança. Do mesmo modo, há quem tenha encarado a narrativa como a forma primordial pela qual os seres humanos dão sentido à própria experiência. Certamente, narrativas espontâneas, muitas vezes irônicas e humorísticas, são um recurso recorrente para transmitir mensagens simbólicas, quer em entrevistas quer na vida real. O pai de Carolyn Steedman não podia lhe contar que não se havia casado com a mãe dela, ou falar a respeito do acordo segundo o qual pagava uma pensão à mãe dela e man-tinha uma oficina em casa, embora vivesse com outra mulher; contudo, ao enganar o inquilino novo na escada com a saudação "Olá, sou o outro hóspede", num incidente freqüentemente lem-brado, que se tornou "nossa única piada familiar", ele também contou tudo - de uma vez só.6 Infelizmente, há pouca coisa para orientar o historiador na análise de narrativas e de piadas. Assim, as análises estruturais da fala inglesa dos negros, feitas por William Labov, por certo demonstram a habilidade técnica dos contadores de histórias, mas oferecem poucas pistas para a interpretação simbólica de suas mensagens; e embora Luisa Pas-semi tenha se abeberado, de maneira muito sugestiva, do conhe-cimento especial das narrativas e canções populares do folclore, o que se tem escrito nessa área tem sido, o mais das vezes, em termos de um passado tradicional que a maioria dos historiadores encara como um mito em si mesmo. Continua em aberto a oportunidade para se desenvolver um novo método adequado à história oral.


Outra possibilidade, ainda, é examinar a entrevista como um "gênero literário, que impõe aos falantes suas convenções e restrições peculiares. Foi assim que Robert Fothergill traçou a evolução dos diários ingleses, desde o diário íntimo sobre fatos do dia-a-dia e do diário de consciência puritano, até o diário re-flexivo particular, que só se tomou gênero aceito a partir de fins do século XVIII. David Vincent mostrou como as dificuldades estilísticas explicam em parte por que os autobiógrafos operários

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do começo do século XIX escreviam abertamente sobre suas vidas públicas, mas raramente sobre sentimentos íntimos. Porém, comparações entre diferentes espécies de documentos pessoais, inclusive entrevistas, ainda estão por ser feitas em inglês. Luisa Passerini descobriu que alguns católicos praticantes, e também militantes socialistas, adotavam uma forma de história de vida semelhante à que se utiliza para os santos, referindo-se, por vezes, a essa "auto-hagiografia" como "minhas confissões". E Stefan Bohman fez uma comparação particularmente sugestiva entre diários, memórias escritas e entrevistas de um mesmo ope-rário sueco. Descobriu os diários, pequenos pocket-books impres-sos apinhados de uma escrita minúscula, ainda no estilo de tradi-cionais diários de acontecimentos, principalmente a respeito do tempo e do trabalho: nenhum deles tinha a forma de diário refle-xivo pessoal. As memórias e as entrevistas eram mais semelhan-tes, usando as mesmas histórias e até as mesmas frases, mas tam-bém com diferenças importantes. As memórias escritas centravam-se na vida passada e utilizavam uma linguagem mais pública e abs-trata. Foi assim que um homem escreveu:


Meu pai morreu em Estocolmo a 2 de agosto de 1933. Morreu na maior miséria após prolongada moléstia que suportou pacientemente. Que será que eu fiz para merecer tanto sofrimento, ele dizia - e coitada da mãe.
Ele emprega até a frase feita dos anúncios fúnebres, "após prolongada moléstia que suportou pacientemente". Seu relato na entrevista é muito mais pessoal e detalhado - e, em conseqüên-cia, significativamente diferente quanto ao que transmite:
Sim, ele morreu cm casa. Eu vim cm casa um dia no ano passado, vim em casa quando fiquei desempregado. Ele estava lá, deitado, num estrado de ferro. A gente era incrivelmente pobre. Era de tarde, umas trás ou quatro horas. Eu vi que havia sangue e um lenço manchado de san-gue sobre uma cadeira perto da cama... Ele tinha pegado uma lâmina de barbear e cortado ambos os pulsos, fazendo talhos profundos. Mas quase não sangrava, ele estava tão fraco. Ele achava que era um peso para a família.

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"Que fiz eu para merecer sofrer deste jeito?", ele disse.
Um outro homem escreveu, em suas memórias, a respeito de seus últimos anos:
Em conseqüência das condições agora reinantes, a casa de campo, ou a obra de minha vida", se posso dizer assim, tomou-se um peso no sentido financeiro, agora que me aposentei. A não ser que eu a venda, o que não quero fazer. Não estou inteiramente satisfeito com os valores tributáveis acima expostos. Vejo isso como uma armação para se poder arrancar dinheiro de um cidadão trabalhador e talvez um pouco ingênuo.
O que realmente quer dizer é contido pelas convenções do estilo de escrita que crê ser adequado a uma memória pública. A entrevista passa a mesma mensagem de maneira completamente diversa:
Djurö é a obra de minha vida. Trabalhei e mourejei e persisti como o diabo, e economizei tudo que pude para fazê-la. Mas o valor tributável, sabe, é duro de agüentar, eu podia vendê-la se quisesse (...) É antes uma desilusão. Alguém na mesma situação poderia ter esbanjado o dinheiro e vivido extravagantemente. Depois, podia ir para a assistência social. Jamais ganhei um tostão desse jeito, e nem quero.7
Philippe Lejeune também comparou diversas formas de au-tobiografia na França, avaliando toda uma série de diferentes gê-neros, entre os quais a autobiografia na terceira pessoa, a entre-vista no rádio, o document vécu e a entrevista de história oral. Ele é particularmente esclarecedor na exposição que faz sobre o mo-demo document vécu - a autobiografia sincera "de fonte limpa" que revela a história oculta de uma prisão ou hospital, assassinato ou escândalo sexual, da guerra ou da resistência, ou simples-mente as vidas desconhecidas de pessoas comuns como campo-neses ou pescadores - que editores franceses têm publicado em séries com títulos tais como "Témoignages", "Elles-mêmes", ou "En direct". Ele mostra que essas autobiografias são em parte moldadas em oposição a outras formas: a experiência pessoal da enfermeira, por exemplo, é uma resposta aos romances românti-313

cos sobre hospital, que apresentam os médicos como heróis -"os homens de branco" -, e também à literatura oficial de sua profissão. De modo mais geral, presume-se que se contraponham à autobiografia literária consciente, e se apresentam como dire-tas, agradáveis e até mesmo naturais: na prática, porém, utilizam repetidamente os mesmos recursos, tais como o verbo no pre-sente, a forma de diário e um diálogo direto, e são organizadas dramaticamente como uma narrativa sincera contada por meio de uma série de cenas. Frustrantemente, Lejeune deixa de fazer se-guir a isso uma comparação das formas e recursos encontrados nas entrevistas de história oral, mas volta à questão da dupla au-toria e de seus precedentes nos escritores-fantasmas de autobio-grafias antigas.


Isto nos leva a uma última forma de análise literária. Elliot Mishler afirma de maneira convincente que a entrevista deve ser interpretada como um produto conjunto de duas pessoas, "uma forma de discurso (...) moldado e organizado pela atividade de perguntar e responder". Sua experiência vem de entrevistas médi-cas, onde é especialmente acentuada a assimetria de poder entre quem pergunta e quem responde, pois apenas o primeiro tem algo a oferecer: a informação correta torna mais provável uma cura. Mishler mostra como o paciente rapidamente se ajusta às reações do médico - quer silêncios significativos, quer pedidos de mais detalhes - e elimina comentários circunstanciais, acabando mui-tas vezes em simples respostas "sim" ou "não ". El e nos adverte sobre a necessidade de, ao interpretar uma entrevista, observar as perguntas tanto quanto as respostas. Na "tradição corrente" dos levantamentos da ciência social, esse intercâmbio de significados é suprimido, tanto no estágio da entrevista quanto, depois, no processo de codificação; mas com a evidência gravada existe a chance de examinar todo o diálogo.8 Infelizmente, são poucos os exemplos práticos que possam ser seguidos. Dentre os especialis-tas que estudaram textos dessa perspectiva, os interacionistas e hermeneutas simbólicos parecem preocupados em provar que há de fato um diálogo mútuo, mas não chegam ao ponto de inter-314

pretá-lo. Os estruturalistas literários têm se concentrado nos fil-tros estilísticos formais nas comunicações entre as pessoas, a tal ponto que alguns deles parecem prisioneiros de um impossibi-lismo. Vêem os dois falantes recorrendo a um repertório com-pleto tanto de inflexões, tons e gestos, quanto de palavras, e con-tudo incapazes de absorver tudo isso, ou de transmitir uma mensagem clara em primeiro lugar; em vez disso, os falantes estão "expressando uma plenitude de sentidos, alguns deles in-tencionais, outros dos quais [eles estão] inconscientes".9 A partir de posições como essa, não há progresso lógico: apenas conjetu-ras intuitivas à maneira antiga. Pior ainda, muito freqüentemente essas teorias são expressas de maneira deliberadamente obscura, autocentrada na própria complexidade. Enredado nas teias do "discursou escolástico, é fácil esquecer as importantes mensagens que se fazem compreender - até mesmo por telefone, ou tele-grama, ou entre pessoas que falam línguas diferentes; é fácil es-quecer que o informante tem algo a dizer; em suma, é fácil parar de escutar. Ainda que reconhecendo a entrevista como "uma forma de discurso", não devemos esquecer que ela também é um testemunho.


As entrevistas, como todo testemunho, contêm afirmações que podem ser avaliadas. Entrelaçam simbolos e mitos com in-formação, e podem fornecer-nos informações tão válidas quanto as que podemos obter de qualquer outra fonte humana. Podem ser lidas como literatura; mas também podem ser computadas. Para começar, um grupo de entrevistas pode ser testado para ver de que modo as informações básicas que contêm se comparam com as que se conhecem por meio de outras fontes. Assim é que, em seu estudo sobre The Family and Communily of East Anglian Fishermen, Trevor Lummis tabulou algumas das informações coletadas a partir de sessenta entrevistas.10 Perguntava-se aos in-formantes a idade com que haviam deixado a escola. Suas res-postas ajustavam-se perfeitamente a tendências nacionais conhe-cidas, quer no tempo, quer por classe social:

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% Nascido Filho

que deixou do

a antes 1890-9

dono capitão de tripulante de

escola de 1889 alto mar alto mar
com 11ou 12 36 15 7 0 16 33

com 13 53 33 36 22 69 33

com 14ou15 11 52 57 78 15 33
Colheram-se, também, informações sobre o número de irmãos e irmãs do informante e sobre se algum deles morrera quando criança. Sabe-se que os pescadores têm sido incomu-mente lentos na redução do tamanho da família. Tabulados, esses números mostram-se urna vez mais compatíveis com as tendên-cias nacionais no sentido de uma mortalidade infantil mais baixa e de menor número de filhos - como uma vez mais apresentam diferenças conhecidas entre classes sociais:
Nascido Pai

antes de 1890-9 1900-9 dono capitão de tripulante

1889 alto mar de alto mar
Número de irmãos

e irmãs 9,9 7,0 7,9 9,1 8,5 9,5

% dos que 15 14 7 11 15 25

morreram crianças


Dispondo desse tipo de resultados de teste, o historiador pode se sentir seguro ao avançar por um território menos mapeado.
Nessa etapa, haverá quem esteja procurando, nos fatos que tem diante de si, modelos e pistas para a interpretação. Outros terão partido de urna posição teórica mais definida e, provavel-mente, também de algumas hipóteses menores mais detalhadas

- palpites que gostariam de testar. Porém, tanto estes quanto aqueles terão, finalmente, que buscar alguma forma de prova. De

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modo geral, uma interpretação ou relato histórico se torna veros-símil quando o modelo de evidência é coerente e procede de mais de um ponto de vista. É preciso muita cautela com cada uma dessas condições. Assim, é quase inevitável que um simples "es-tudo de caso" constitua um fundamento mais frágil para uma in-terpretação histórica geral do que urna comparação entre dois ou mais grupos no mesmo período, cada um deles com característi-cas diferentes. Mais poderosa ainda será uma comparação entre grupos diferentes ao longo do tempo, muito embora seja mais difícil de conseguir. Quanto mais se possa demonstrar que um argumento se sustenta sob condições variáveis, mais convincente será a prova. Contudo, uma vez que a história se faz de um sem-número de casos, dos quais quase todos, de um modo ou de outro, são únicos, na prática é muitas vezes difícil fazer compara-ções úteis. Deve-se, pois, procurar obter a prova da explicação a partir de dentro do caso singular, submetendo a evidência o mais possível a detalhada contraprova e avaliando a probabilidade de nela haver um viés total. Por exemplo, em recente estudo sobre o Frontier College, o grande experimento canadense sobre inicia-tiva educacional operária, George Cook viu-se obrigado a admitir que estava coletando dentro de uma perspectiva ampla única:


De modo gemi, temos notícia daqueles que querem ajudar o col-lege. Muito embora muitos deles achem que "falharam" como professo-res-operários, continuam convencidos de que se tratava de uma "idéia nobre" e refletem favoravelmente a respeito da própria experiência. Vêem as coisas através de lentes cor-de-rosa (...) Não tivemos condições de atingir aqueles que têm opiniões negativas (...) os antigos empregado-res (...) (ou) qualquer um dos membros do antigo sindicato, que traba-lharam com o college. Ainda mais importante, não conseguimos encon-trar nenhum dos operários (...) Provavelmente saberemos pouco ou nada sobre o que eles pensavam.11
Do mesmo modo, seria difícil, num estudo sobre experiên-cia de trabalho, obter uma visão crítica de empregados com mui-tos anos de casa, que dedicaram a vida à empresa, e só o fizeram por estar dispostos a aceitar suas condições. Os criados mais ca-317

tegorizados de uma casa de campo são bom exemplo disso. Con-tudo, enquanto empregados desse tipo são fáceis de localizar, os trabalha dores temporários, que podem ter sido em número muito maior do que aqueles, são muito mais difíceis de identificar. E deve ser vigorosamente enfatizado que nem a utilização de docu-mentos escritos compensará necessariamente esse tipo de dese-quilíbrio da evidência oral. John Toland baseou seu complacente retrato de Adolf Hider como um "arcanjo deformado", um in-compreendido, um caráter "complexo e contraditório", em entre-vistas com 250 sobreviventes do círculo pessoal de Hitler. 12 Não teve dificuldade alguma em dar sustentação a isso a partir dos arquivos alemães. História oral dessa espécie simplesmente se iguala às distorções da história oficial. Teria sido inteiramente diferente se ele optasse por encontrar alguns dos adversários e das vítimas de Hitler.


É necessário, também, especial cuidado no caso de se utili-zar a computação como parte da prova, devido ás dificuldades da amostragem retrospectiva. A tabulação pode ser um modo muito valioso de classificar e corrigir as impressões que se tenham a respeito do conteúdo de um grande número de entrevistas. Um exame cuidadoso do material de entrevista, tendo em mente um esquema de codificação, pode de fato obrigar a um exame muito mais preciso daquilo que se tenta demonstrar e de qual evidência as entrevistas podem oferecer. Por outro lado, mesmo com entre-vistas colhidas com base numa amostra representativa, melhor será ater-se ás formas mais simples de análise e não aventurar-se para além de porcentagens fáceis de compreender e padrões de alta correlação. Por exemplo, Trevor Lunimis analisou um con-junto de 35 entrevistas para um programa da Universidade Aberta sobre "Dados históricos e as Ciências Sociais", relativas âdecadência do serviço doméstico no início do século XX. Suge-riu-se que urna das razões dessa decadência podia ter sido o fato de que os empregadores de classe média desejavam uma vida familiar mais privada, e que a presença de empregados aumen-tava a distância entre os membros da família. Um rápido exame

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das entrevistas sugeriu, porém, que a divisão social no interior de uma casa era menos acentuada quando ali havia crianças. Deci-dindo tomar os hábitos de alimentação diária como teste, ele pôde montar a seguinte tabela:
Casas Casas em que os Casas em que os

com empregados comiam empregados

separados dos patrões participavam de pelo

(%) menos uma das

refeições (%)

_____________________________________________________

Um empregado e crianças 8 92

Um empregado sem crianças 80 20

Dois empregados e crianças 67 33

Dois empregados sem crianças100 0


Essas cifras mostram de maneira bastante conclusiva que, no interior dessas casas, a presença de crianças reduz o isola-mento social na hora das refeições. Indicam, ainda, que o número de empregados domésticos na casa também pode ser crítico, mas não são prova disso: seriam necessários mais dados de casas maiores para tal. Contudo, desde que os números sejam suficien-tes e que se levem em conta as fontes de viés devidas à seleção dos informantes, o historiador pode ter a ajuda do cientista social, pois, em estudos quantitativos, o efeito normal da lembrança in-correta é o de baixar todas as correlações entre variáveis, obscu-recendo todos os padrões de modo aleatoriamente confuso, e não distorcendo-os em determinadas direções. Como diz Richard Jen-sen, "isto significa que os verdadeiros valores das correlações são mais elevados do que os observados. Em outras palavras, se o historiador identifica um padrão interessante utilizando dados cheios de erros, pode estar seguro de que, à sua época, o padrão era ainda mais vigoroso - certamente um feliz resultado". 13

Uma contagem e um cálculo de porcentagem simples podem ser feitos por qualquer pessoa. Uma calculadora portátil

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apressará o processo, mas com um conjunto de menos de uma centena de entrevistas, recursos mecânicos mais sofisticados pro-vavelmente levarão mais a perder do que a ganhar tempo. Até mesmo com microcomputadores simples, precisa-se de tempo para introduzir as informações na máquina de forma adequada; e caso se utilize um computador de grande porte de uma institui-ção, também é provável que você desperdice muito tempo para obter de volta as informações, pelo fato de o computador não estar disponível exatamente quando e onde você desejar. Os pro-gramas imediatamente disponíveis, até agora desenvolvidos para análise estatística de histórias de vida, provavelmente se mostra-rão muito primitivos e trabalhosos para utilizar com transcrições de entrevistas. 14 E a etapa realmente mais demorada, quer se use ou não esses recursos, estará na leitura e categorização crítica e detalhada do material.


Uma contagem preliminar pode indicar de que modo deve ser desenvolvida uma interpretação. Propondo novas questões, pode também indicar a necessidade de trabalho de campo com-plementar. De fato, não se pode fazer a distinção nítida que até agora ternos dado como certa. A situação ideal é muito diferente: um contínuo aperfeiçoamento mediante o vaivém de grandes teo-rias, pequenos palpites e a estratégia prática do trabalho de campo. O que se encarou, de saída, como o problema principal pode acabar sendo um equívoco, um beco sem saída; assim, a medida que continua o trabalho de campo, a ênfase se desloca para outra área de indagação, ou se busca um grupo diferente de informantes. Alternativamente, a teoria original não se ajusta aos fatos descobertos. Pode-se modificar a teoria? Ou será melhor olhar para os fatos de outra perspectiva inteiramente diversa? Claro que não existe um procedimento estabelecido pelo qual se possa levar adiante essa busca de interpretação em curso. Por definição, ela exige flexibilidade e imaginação. Nem tudo será bem-sucedido. Escalar os pontos culminantes da história é algo perigoso. E são poucos os problemas realmente interessantes que

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serão resolvidos definitivamente. Não obstante, na associação imaginativa entre interpretação e trabalho de campo, o historia-dor individual tem uma vantagem peculiar em relação ao projeto de pesquisa de grandes dimensões. Pelo fato de que o material pode ser enxergado como um todo, e também em profundidade, a partir de muitas perspectivas, e por estar o trabalho de campo sob controle direto, a flexibilidade interpretativa pode desenvolver-se de modo a dar sustentação ao objetivo global. De fato, todo o método se baseia numa associação entre investigação e questio-namento no diálogo com o informante: o pesquisador chega com a esperança de aprender o inesperado tanto quanto o esperado. Daí a reconhecida eficácia das entrevistas de história de vida na geração de "conceitos, conjeturas e idéias, tanto em nível local e situacional, quanto em nível histórico-estrutural, e dentro da mesma área e na relação com outras áreas". 15 Em contraposição, defeito bem conhecido das operações em larga escala é que, muito embora elas possam abranger um leque muito mais amplo de explicações e fontes possíveis, não podem ser submetidas a esse tipo sutil de controle e modificação de detalhe. Partem de um projeto de pesquisa bem estabelecido, o trabalho de equipe organiza-se nessa base, o tempo é limitado e o trabalho de campo precisa estar completo bem antes de ser escrito o primeiro ras-cunho do relatório final. Contudo, uma vez iniciada a análise do trabalho de campo, toma-se claro que grande parte do material é de pequeno interesse, mas se ao menos se tivesse explorado mais a fundo aquela determinada área... O historiador individual não ficará satisfeito se não fizer essa busca complementar.
Isso pode ser proposto de outro modo, pela comparação entre o historiador e um cientista. A pesquisa científica progride mediante uma seqüência sinuosa de teoria geral, observações e conjeturas, experimentos, hipóteses de trabalho testadas por ex-perimentos ulteriores, becos sem saída, e conjeturas e testes adi-cionais, até que, finalmente, urna hipótese resiste a todas as con-dições e, se for conveniente, busca-se, então, uma reformulação da teoria. Todo trabalho histórico padece da desvantagem inevitá-321

vel de ter que trabalhar a partir de casos reais disponíveis e não de experimentos especialmente criados. Como sugeriu Edward Thompson, os historiadores têm que testar suas idéias com um processo lógico muito semelhante ao da prova jurídica, sempre vulnerável à descoberta de evidência subseqüente. 16 O grande projeto, porém, que utiliza um levantamento de campo está du-plamente prejudicado por reduzir a apenas um todos os passos experimentais das etapas essenciais do desenvolvimento da pes-quisa. Fica, pois, imobilizado por qualquer descoberta suficiente-mente importante que conteste suas condições preestabelecidas. Daí a tendência a que as conclusões de um levantamento se es-tendam em explicações sobre o óbvio. Eles obtêm seus grandes recursos à custa - para usar a frase de Vansina - do "poder da dúvida sistemática da pesquisa histórica": que constitui a essên-cia mesma do progresso criativo em interpretação histórica.


Tudo isso é algo abstrato. Examinemos um exemplo prático da interação entre teoria e trabalho de campo. Peter Friedlander expôs com clareza incomum, na introdução a The Emergence of a UAW Local 1936-1939: a Study in Class and Culture, de que maneira se desenvolveu sua pesquisa. 17 De início, tinha a seu dis-por determinados fatos - tais como cifras brutas do censo, datas e uma narrativa simples tirada de documentos da época; e tam-bém diversas teorias gerais - tais como o marxismo da luta de classes que fundamenta a história operária e, de Max Weber, os conceitos de racionalidade e individualismo como essenciais a uma era burguesa. Mas as lacunas eram enormes. Não existia evidência documental de atitudes na fábrica em relação à autori-dade e de como isso mudou à medida que o sindicato se organi-zou; nem de quem constituía o circulo interno dos líderes sindi-cais, nem de como eles se relacionavam com os grupos sociais dentro da fábrica, nem de se esses líderes formavam ou refletiam opinião nem de quais eram, de fato, os grupos sociais principais de trabalhadores na fábrica, como variavam suas atitudes em re-lação à luta sindical, e como isso afetava sua vida e pontos de vista pessoais. Do mesmo modo, os conceitos teóricos eram insa-322

tisfatórios. Essa luta sindical não tinha lugar apenas numa socie-dade capitalista industrial desenvolvida. A maioria dos trabalha-dores havia migrado para a cidade em que trabalhavam provindos dos mais diversos contextos sociais. Assim, sua luta pela sindicali-zação fazia parte, também, de unia transformação muito mais ampla de culturas sociais nas famílias e nos indivíduos migrantes: dentre eles, os eslavos de mentalidade religiosa, os nacionalistas croatas revolucionários, os artesãos ianques e escoceses, as famílias ru-rais dos Apalaches e os negros norte-americanos urbanizados. Esses subgrupos culturais específicos estavam presentes ao evento para proporcionar a chave para a interpretação. Contudo, como ob-serva Friedlander,


a historiografia operária, que tendeu a ter como certa a presença de um trabalhador moderno, individualizado e racional, em geral tem encarado o processo de sindicalização em termos estritamente racionais, institucionais e com vistas a um fim. Passa-se em silêncio por sobre o problema da cultura e da práxis.
Mesmo nos casos em que, na história operária, se utiliza um esquema explicitamente marxista, a tendência é que toda uma seção da sociedade seja
concebida como um individuo, e o problema é então explicar a formação institucional como resultado de um processo racional dentro da cons-ciência desse quasi individuo.
Nem sempre, porém, é fácil localizar essa racionalidade es-perada; nem explicar sua insuficiência num determinado caso, em termos de conceitos teóricos gerais, tais como, por exemplo, "falsa consciência
A cada momento em que se observa uma lacuna entre as abstra-ções da economia política do trabalho e a realidade concreta do indiví-duo, do grupo de pares, da gangue, da facção, da família e da vizinhança - de caráter e de cultura -, logo aparecem noções psicológicas ad hoc investidas de um poder explicativo espantosamente ubíquo. Essas no-ções ignoram um dos problemas básicos do pensamento histórico: a na-323

tureza das relações existentes entre essas muitas camadas da realidade social (...) a estrutura complexa das culturas e das relações que se desen-volvem e interagem.


Com o andamento da pesquisa, revelou-se que apenas os trabalhadores protestantes, qualificados e norte-americanos de tradição mais antiga podiam ser descritos nos termos individua-lista e racionalista clássicos. Esse grupo fornecia a maior parte da liderança, muito embora nele também houvesse muitos que não sentiam qualquer interesse pelo sindicato. Os apalaches também atuavam como indivíduos, mas principalmente em base moral:

aderiram ao sindicato relativamente tarde, quando passaram a acreditar que sua causa era certa e, tendo aderido, eram tão intei-ramente leais a ele quanto a suas seitas religiosas. Os velhos imi-grantes do Leste europeu preocupavam-se muito mais com o que era certo ou errado, em termos sociais ou éticos, para a comunidade, e atuavam explicitamente como grupo. Muito embora pes-soalmente amedrontados e submissos, não gostavam dos capata-zes e da gerência, e se tornaram sustentáculos seguros da liderança sindical. Em contraposição, seus filhos eram muito mais ativos e abertos, e um grupo de jovens poloneses, em particular, que per-tenciam a gangues de vizinhança, teve no nível papel na luta. Como os eslavos mais velhos, atuavam em conjunto, mas com pouca consciência política e social: eram pragmáticos, oportunis-tas - incontroláveis militantes da greve selvagem, dispostos a romper um contrato pela greve e, a seguir, fornecer gente para os piquetes. Era como se, para eles, o sindicato fosse "uma gangue maior e melhor".


Só quando se identificaram esses grupos e suas atitudes e que a narrativa da luta pôde ser reconstruída de maneira signifi-cativa. Contudo, não só nenhuma dessas informações era acessí-vel de saída, como também nem se sabia se viriam a ser necessá-rias. A descoberta das informações e o desenvolvimento de uma interpretação foram avançando par a par à medida que, durante um período de dezoito meses, Friedlander conversava com o líder sindical Edmund Kord. Kord possuía uma memória excep-324

cionalmente rica e precisa e, de fato, foi se lembrando de mais coisas à medida que sua mente se concentrava cada vez mais naqueles anos passados. Por três vezes, Friedlander gastou uma semana inteira com ele, e cada uma dessas sessões prolongadas deu origem a esboços, comentários, perguntas e discussões. Du-rante um dos dois intervalos entre as sessões, houve seis horas de conversa telefônica gravada; o outro produziu, ao todo, 75 pági-nas de correspondência. Eles tiveram que criar entre si não só os fatos necessários, mas uma compreensão e uma linguagem co-muns para seu intercâmbio. E se a "volumosa descrição", em que afinal Friedlander fundiu os fatos e as interpretações, não lhe per-mitiu dar o passo final completo para uma nova teoria, certa-mente lançou os alicerces para isso com as diferenças acentuadas que mostrou existir entre gerações, bem como entre diversos gru-pos sociais na fábrica, cada qual trilhando seu caminho entre um tipo e outro de consciência.


As trilhas contrastantes percorridas por diferentes gerações do mesmo grupo de trabalho também são demonstradas pelos no-táveis estudos de Tamara Hareven sobre Manchester, outrora a capi-tal têxtil da Nova Inglaterra. Fundada pela Companhia Amoskeag, na década de 1830, a cidade cresceu em torno dos terrenos da fábrica, e a promessa de trabalho seguro e bem pago atraiu suces-sivas levas de imigrantes. No início do século XX, seu complexo de trinta fábricas, empregando 17 mil trabalhadores, constituía o maior parque têxtil do mundo. A indústria gigante era tão funda-mental em suas vidas que o povo de Manchester acreditava que ela ia existir para sempre: "A gente pensava que estaria sempre lá". Contudo, num prazo de duas décadas, suplantado pela mão-de-obra mais barata e pela maquinaria mais nova de outras re-giões, o gigante morreu. Amoskeag fechou as portas, falida, em 1936. Firmas menores reviveram mais tarde algumas partes do parque industrial, de modo que a indústria têxtil continuou lu-tando durante mais uns quarenta anos em Manchester, mas final-mente a última fábrica fechou as portas em 1975. Mesmo então, havia trabalhadores que não continham as lágrimas: "Vou sentir

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falta das pessoas com quem trabalhei, vou sentir falta da própria fábrica..."; "ela é como um segundo lar".18 A Revolução Indus-trial viera e se fora: uma alegoria obsessiva do destino de grande parte do mundo ocidental.
Tamara Hareven publicou dois livros sobre Manchester. O primeiro, Amoskeag (1978), foi um documentário dramático construído em torno de fotografias de Randolph Langenbach e do testemunho de antigos tecelões: sobre como conseguir emprego e aprender ofícios, os prazeres e as tensões do trabalho, as brinca-deiras, o paternalismo da companhia, e as amargas lutas finais com Amoskeag. É um testamento do trabalho industrial, de sua posição central na vida das pessoas, e o perigo em que esse tra-balho se encontra agora, contado pelos próprios homens e mulhe-res de Manchester - livro de raro vigor. Family lime and Indus-trial lime (1982), em contraposição, é uma interpretação reflexiva e analítica que reúne um conjunto muito mais amplo de material. Paralelamente a extratos das entrevistas, os argumentos são sus-tentados por inúmeras tabelas extraídas do censo local e de uma amostra dos registros de mão-de-obra de Amoskeag. Hareven proporciona uma história operária mais amplamente documen-tada da evolução das políticas de Amoskeag relativas a paterna-lismo, gerenciamento científico, confronto com os trabalhadores e sindicalismo empresarial, bem como análises de modelos de carreira e oportunidades de Promoção dentro das fábricas.
Contudo, os antes insights do livro provêm da justaposição desse estudo do mundo da fábrica com a vida fami-liar dos trabalhadores de Manchester, o que foi possível por meio

Da história oral. O resultado é uma contestação de muitas opi-niões amplamente defendidas. Ela mostra como a família nuclear "moderna "não é a que lida com uma catástrofe das di-e mão-de-obra, mas sim a família extensa mais "tradicional", que consegue manter-se eficaz

Quando espalha - na verdade, mais eficaz justamente por estar espalhada a o canal de recrutamento de trabalhadores migrantes para a fábrica; e, no fim, foi a rede de

segurança da retirada. Ou ainda, os trabalhadores que não haviam seguido carreiras regulares mostraram maior probabilidade de possuir capacidade de adaptação para enfrentar com êxito aquele tipo de crise do que aqueles que haviam seguido. Além disso, esses resultados são colocados dentro de um quadro teórico clara-mente sistematizado do "tempo da família" d~ "tempo do tra-balho": a luta entrecruzada dos "planos de vida" familiares e a história industrial. A analogia do tempo talvez sugira excessiva certeza do resultado, mas coloca bem em relevo o modo pelo qual, embora alguns aspectos do ciclo vital se repetissem cons-tantemente, a experiência e as oportunidades de cada geração di-feriam acentuadamente. Enquanto para uma delas a Amoskeag deu a segurança de uma família paternalista e chances de promo-ção, para a geração seguinte oferecia um pesadelo de tensões; e para a última, a desesperança de um navio que está afundando. A consciência oscilante da comunidade - leal, militante, desespe-rada - refletiu o momento histórico em que a juventude de cada geração atravessou os portões da fábrica.


Essa capacidade de fazer conexões entre esferas distintas da vida constitui uma força intrínseca da história oral no desenvolvi-mento da interpretação histórica. Ao estudar a transição de uma cultura para outra, no tempo, ou por migração, não só podemos ver essas culturas separadamente, mas também observar os cami-nhos trilhados por cada indivíduo de uma cultura para outra. E quase toda vida individual cruza a fronteira entre o lar e o tra-balho. Conseguir sair desses limites conceituais pode produzir hipóteses surpreendentemente novas, mesmo a partir de um estudo de pequenas proporções. Em demografia, por exemplo, tem-se por certo que o planejamento familiar e o emprego do controle da natalidade espalharam-se por "difusão" de atitudes das classes medias superiores para baixo na escala social, chegando até as classes trabalhadoras. Já se haviam registrado algumas exceções, como a baixa fertilidade dos plantadores de algodão; porém, foi um projeto piloto de história oral, executado por Diana Gittins, que, pela primeira vez, indicou que o modelo básico de "difusão"

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era falso: pois as mulheres da classe operária alteraram suas prá-ticas de controle de natalidade mediante influências independentes - notadamente discussão do assunto no trabalho - e não por influência direta da classe média. Na verdade, as que tinham con-tato mais estreito com famílias de classe média, trabalhando para elas como empregadas domésticas, foram as que receberam menos informação sobre planejamento familiar; e até mesmo os médicos e enfermeiras foram em geral de pouco proveito, quando não positivamente desorientadores, para seus clientes das classes trabalhadoras. Essa primeira descoberta exploratória através da história oral levou à importante pesquisa, que contém análises estatísticas da taxa de fertilidade das mulheres trabalhadoras e utiliza antigos registros clínicos, publicada por Diana Gittins em Fair Sex (1982). Sua reinterpretação constitui um resultado típico da história oral, pois a teoria da "difusão" credita às classes mé-dias uma transformação social que se deve igualmente às aspira-ções das próprias mulheres da classe operária.
Contudo, se a mulher trabalhadora desempenhou papel tão importante na profunda mudança social marcada pela transição demográfica entre as décadas de 1870 e de 1920, da qual decor-reu tanta coisa mais de natureza econômica e social, por que foram elas tão mais lentas do que os homens em reconhecer seu interesse coletivo na política e no sindicalismo? Os políticos e historiadores masculinos têm, o mais das vezes, suposto ser "na-tural" que as mulheres tenham parte menos ativa no movimento operário; e quando o problema chegou a ser considerado, foi em termos de local de trabalho, e da vida profissional mais curta e mais interrompida das mulheres. Porém, a pesquisa de Joanna Bomat, sobre os sindicatos têxteis de Yorkshire, mostrou como a consciência das mulheres foi moldada pela subordinação tanto no lar quanto na fábrica. Arrumavam emprego mediante contatos fa-miliares, eram treinadas na fábrica por parentes, e entregavam seus envelopes de pagamento inteirinhos para suas mães; e era seu pai quem decidia se ela devia ou não entrar para o sindicato. Se entravam, os cobradores do sindicato iam buscar sua contri-328

buição em casa e não no recinto da fábrica.19 Em suma, a divisão masculina entre os mundos do trabalho e do lar obscureceram toda compreensão adequada da consciência de classe das mulhe-res operárias. Porém, uma história que não as leve em considera-ção estará apoiada em frágeis alicerces.


Não há dúvida de existe o perigo de as fontes orais, utiliza-das isoladamente, estimularem a ilusão de um passado quoti-diano em que fiquem esquecidos tanto os entrechoques da narra-tiva política da época, quanto as pressões invisíveis da mudança econômica e estrutural, exatamente porque elas raramente i1I~ fluem nas lembranças dos homens e mulheres comuns. É essen-cial situá-las nesse contexto mais amplo. Como vimos, porém, as fontes orais podem auxiliar-nos a compreender como se constitui aquele contexto. Além disso, acenam com a promessa de avançar nessa compreensão de modo fundamental.
Em primeiro lugar, indicam a existência de um equívoco básico na dinâmica da mudança social. Esta quase sempre é des-crita em termos que refletem a experiência dos homens: de pres-sões coletivas e institucionais e não de pressões pessoais, da ló-gica da ideologia abstrata, atuando por meio da economia, da política e das redes das elites de sindicatos e de grupos de pres-são. Por trás disso, encontram-se as contradições mais profundas da organização econômica e política as quais, às vezes aberta-mente, às vezes inconscientemente, elas expressam. Falta, porém, um elemento igualmente essencial: o efeito cumulativo da pres-são individual pela mudança. É este que emerge imediatamente através das histórias de vida: as decisões tomadas pelos indiví-duos - para se mudar de casa ou para melhorá-la, para deixar uma comunidade e migrar para outra; para deixar um emprego que se tornou intolerável ou para procurar um emprego melhor; para aplicar o dinheiro num banco, ou em ações, ou num negocio por conta própria; para casar-se ou separar-se, para ter ou não ter filhos. A mudança de padrões de milhões de decisões conscientes dessa espécie possui tanta ou mais importância para a mudança

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social quanto as ações dos políticos que constituem habitual-mente a substância da história.

Isso fica evidente assim que se observam as mais importan-tes mudanças sociais de longo prazo do mundo ocidental no úl-timo século. Certamente, o fluxo e refluxo dos direitos políticos e das liberdades civis, bem como a intervenção cada vez maior do Estado na educação e na assistência social, foram resultado de pressão coletiva e de decisão política; e a pressão coletiva dos sindicatos manteve a participação da classe operária nos ganhos reais e reduziu o número de horas de trabalho remunerado. Isto, porém, não toca nas duas mudanças mais sensacionais: o au-mento da produtividade econômica e dos padrões de vida e a redução do número de filhos. Nenhuma destas resultou de inter-venção política - na verdade, nenhum Estado até agora demons-trou grande capacidade de influir sobre qualquer uma delas, a não ser ocasionando calamidades involuntárias. A verdade é que o mecanismo da mudança da economia e da população, muito em-bora básico para tudo o mais, é compreendido de maneira muito imperfeita.


E assim continuará a ser até que incorporemos, como parte da estrutura da interpretação, o papel cumulativo do indivíduo. Isso implica reconhecer que grande parte das decisões indivi-duais cruciais podem ser feitas igualmente por homens e por mu-lheres - não só em esferas como a da constituição da família, mas também como migrantes e trabalhadores (as mulheres mudam de emprego mais freqüentemente do que os homens). De igual importância é o fato de que precisamos saber como as idéias públicas e as pressões econômicas e coletivas interagem em nível individual - como no aproveitamento de oportunida-des economicas, ou na modelação de atitudes pela família, pelos amigos e pelos meios de comunciação de massa, e mediante a experiência pessoal na infância e na idade adulta - para consti-tuir aqueles milhares de decisões que, cumulativamente, não só dão forma a cada história de vida, mas constituem, também, o rumo e a dimensão da mudança social mais ampla. Ou, em outras

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palavras, fica claro que a produção de gente é motor da mudança tanto quanto a produção de coisas.
Mais uma vez, será útil um exemplo. Quando comecei a pequisa para Living the Fishing (1983), supunha que a economia moldasse as relações familiares e, na verdade, mostrou-se verda-deiro que, em muitas partes do mundo, as mulheres de famílias de pescadores, devido à constante ausência de seus maridos no mar, assumem uma parcela maior de responsabilidade e de auto-ridade na família; ainda que isso varie desde o casamento de "só-cios", comum entre os pescadores costeiros, cujas mulheres tra-balham com eles num empreendimento comum, limpando e comercializando o peixe, até os pescadores de longo curso, de alto-mar, que são efetivamente maridos ausentes, que deixam suas esposas na condição de mães solteiras. Desenredando as va-riações existentes, revelou-se também o complexo de outras in-fluências, em que a economia, a propriedade, o espaço, o trabalho, a religião e a cultura familiar, todas essas coisas desempenhavam um papel.20 Mas a influência econômica não atuava numa só direção. Num porto de tripulação assalariada, como Aberdeen, a vida a bordo tornou-se tão dura e a vida familiar tão maltratada pela bebida e pela violência que a geração seguinte tomou outro rumo; as mães mandaram os filhos procurar outro tipo de em-prego e as jovens buscavam maridos que não fossem pescadores. A cultura familiar foi igualmente decisiva para a sobrevivência econômica de comunidades em que as famílias eram donas dos barcos, porém de modo muito diferente. Neste caso, foi preciso que se difundisse entre os pescadores o estimulo à iniciativa indi-vidual, para garantir a capacidade de adaptação diante da mu-dança acelerada na provisão de peixes, na tecnologia e no mer-cado. Parte do segredo dos portos mais bem-sucedidos passou a ser a inculcação de uma ideologia de trabalho duro, frugalidade, espírito empreendedor e independência desde a infância. Porém, essa valorização do mérito individual tinha que ser acompanhada por uma aceitação de alguma excentricidade, como preço da cria-tividade. E a transmissão desses valores foi estimulada pela man

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sidão afetiva típica de um modo de criar filhos em Shetland, onde as crianças eram estimuladas a falar e a raciocinar por si mesmas num lar relativamente igualitário; enquanto foi severamente ini-bida pela característica familiar de Lewis, mais autoritária, puni-tiva, hierárquica e dominada pelos homens. Com oportunidades manifestamente iguais, a pesca floresceu em uma, enquanto es-tiolou na outra.
Certamente são fundamentais as pressões exercidas pelo sistema econômico, pela tecnologia e pelos recursos sobre a ma-neira como os homens e as mulheres vivem suas vidas. Porém, a economia é uma criação social e parte de sua formação se dá na família. O trabalho não-remunerado das mulheres dentro do lar não só colabora com a família, como ainda, mediante a criação dos filhos, que são a força de trabalho do futuro, assenta parte dos fundamentos para o futuro. Evidentemente, tanto a transmis-são de valores entre as gerações quanto a modelagem da persona-lidade dentro da família são questões de importância decisiva para a compreensão histórica. Requerem exame em muitos níveis diversos, entre os quais, como vimos anteriormente, o de padrões culturais e configurações emocionais, que se repetem através das gerações em diferentes famílias.21 Porém, reunir tudo isso exi-girá, também, um importante salto imaginativo em nossa utiliza-ção da teoria.
Atualmente, podemos voltar-nos para um ou dois tipos ge-rais de interpretação teórica. Por um lado, há as grandes teorias da organização social, do controle social, da divisão do trabalho, da luta de classes e da mudança social: a escola funcionalista e outras escolas sociológicas, e a teoria histórica do marxismo. Por outro lado, existe a teoria da personalidade individual, da lingua-gem e do subconsciente, representada pela abordagem psicanalí-tica. Elas podem ser sobrepostas, como se faz numa biografia individual, mas ainda não se encontrou um meio satisfatório de uni-las umas às outras. A psico-história simplesmente se serviu do recurso grosseiro de "analisar" grupos inteiros - até mesmo sociedades inteiras - como se fossem um único indivíduo com

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uma única experiência de vida. As dificuldades de qualquer tipo de reconciliação mais sutil têm surgido com muita clareza nos debates a respeito de marxismo, feminismo e história da mulher. O problema básico está no fato de que cada tipo de teoria dá as costas para as demais. O marxismo, como teoria sociológica geral, está deliberadamente preocupado em minimizar o papel do indivíduo, em oposição ao grupo social. A psicanálise declara ba-sear-se na personalidade humana elementar e, pois, independente da história. Contudo, enquanto o marxismo se apóia na crença de que os homens e mulheres criam sua consciência por meio do que fazem, a psicanálise freudiana arquetípica supõe que a mode-lagem fundamental da personalidade se completa na primeira in-fância - anteriormente aos limites da ação consciente lembrada. Isso nos oferece poucas pistas sobre qual a melhor maneira de construir uma ponte entre os dois tipos de teoria. Não obstante, essa é uma tarefa essencial para que a história possa proporcionar uma interpretação significativa da experiência da vida comum. E, nessa tarefa, a história oral desempenhará papel fundamental. A evidência que utiliza associa intrinsecamente o objetivo com o subjetivo, e nos conduz por entre os mundos público e privado.
Somente seguindo ponto a ponto as histórias de vida indivi-duais é que se pode documentar as conexões existentes entre, por um lado, o sistema geral de estrutura econômica, de classe, de sexo e de idade, e, por outro, o desenvolvimento do caráter pes-soal, através das influências mediadoras dos pais, irmãos e irmãs, e da família mais ampla, dos grupos de pares e de vizinhos, da escola e da religião, dos jornais e meios de comunicação de massa, da arte e da cultura. Apenas quando se definir o exato papel dessas instituições intermediadoras, por exemplo, na socia-lização em papéis sexuais e de classe, é que se tornará possível uma integração teórica. Até chegar-se a essa definição, podemos apenas conjeturar até que ponto o sistema econômico e social molda a personalidade, ou o sistema é, ele próprio, moldado por impulsos biológicos básicos. Já se pode vislumbrar um início de trabalho desse tipo, mas seria tolice afirmar mais do que isso até

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este momento. Não obstante, para o futuro, ele representa prova-velmente o maior desafio e a maior contribuição que a evidência oral pode dar para a construção da história.
Dez anos atrás, terminei este livro com um rápido olhar para dentro desse futuro. Grande parte do que eu esperava ocor-reu. A história oral tem sido propugnada em toda uma série de publicações, empíricas e teóricas. Embora os opositores mais ta-canhos continuem a torcer o nariz, em geral não publicamente, o principal debate passou de se se deve utilizar a história oral ou não, para como utilizá-la melhor. Seu legado é uma consciência mais generalizada de como toda evidência histórica é moldada pela percepção individual e, selecionada por vieses sociais, trans-mite mensagens de preconceito e poder. A natureza da história nesse duplo sentido foi uma questão da qual os historiadores por muito tempo se esquivaram.
Ainda mais, usos inteiramente novos da história floresceram nos movimentos em prol da terapia da reminiscência e no teatro da reminiscência. De modo mais geral, tem havido uma mudança cada vez mais acelerada quanto a recursos. Têm-se disseminado coleções locais e regionais de história oral, em bibliotecas e ar-quivos públicos, e a elas se seguem arquivos nacionais perma-nentes. Já não se exige, do professor, empenho e imaginação tão fora do comum para usar gravações e, dos museus, para incor-porá-las a uma exposição. Com o tempo, tornar-se-á relativa-mente fácil encontrar um fragmento publicado em fita gravada sobre determinada pessoa, acontecimento, ou tema de história política ou social.

Única, muitas vezes candidamente simples, epigramática e, contudo, ao mesmo tempo representativa, a voz consegue, como nenhum outro meio, trazer o passado até o presente. E sua utiliza-ção altera não só a textura da história, mas seu conteúdo. Desloca o centro de atenção, das leis, estatísticas, administradores e go-vernos, para as pessoas. Altera-se o equilíbrio: a política e a eco-nomia podem agora ser encaradas - e, pois, julgadas - a partir

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da extremidade receptora, tanto quanto a partir do alto. E passa a ser possível dar respostas a perguntas antes sem resposta: am-pliando certas áreas tradicionais tais como história política, histó-ria intelectual, história econômica e social; atribuindo a outras áreas mais novas de investigação - história da classe operária, história das mulheres, história da família, história de minorias raciais e outras minorias, história dos pobres e dos analfabetos -uma dimensão inteiramente nova. Já temos, em obras publicadas - Akenfieid, Where Beards Wag Ali; Working, Workless; Pit-meti, Preachers and Politics, From Mouths of Meti; Division Street, The Classic Slum; Below Stairs, The Chiidren of Sanchez; Ali God's Dangers, Blood of Spain; The Dillen, The Leaping Hare -, as primeiras andorinhas de um novo verão. Com as que se seguirem, a história mudará e será mais rica.


O novo equilíbrio quanto ao conteúdo da história e às fontes de sua evidência alterará seu julgamento e, assim, finalmente, sua mensagem como mito público. Descobriremos no passado um conjunto diferente de heróis: gente comum, tanto quanto líderes: mulheres, tanto quanto homens; negros, tanto quanto brancos. A história que, antes, só podia chorar pelo rei Carlos I sobre o cada-falso, pode agora compartilhar da mágoa que o velho viúvo anal-fabeto, Nate Shaw, lavrador negro do Alabama, duas vezes preso, sofreu com a perda de sua esposa Hannah:
Senti como se meu próprio coração tivesse morrido. Estive com ela por quarenta e tantos anos, e isso foi pouco, foi pouco - a não ser quando me pegaram e fui posto na cadeia. Eu a escolhi entre as moças desta região e foi a coisa mais fácil de fazer deste mundo (...) Ela era uma moça decente quando casei com ela. E era uma mulher que queria, até onde suas mãos e braços pudessem alcançar, tudo em volta, queria manter tudo certinho. Eu também, o quanto pude, me mantive certinho. Mas naquele tempo, eu fazia das minhas por aí, fazia. Confesso que era meio imoral (...) Gostava de mulheres, mas... fiz uma força danada para me manter na linha e não andar exagerando com outras mulheres quando eu tinha ela. Apesar de tudo, eu não era homem de viver atrás de mulhe-res e não importa o que eu dizia a outra mulher ou o que eu fazia, minha mulher sempre vinha primeiro (...) Agora eu louvo ela, louvo pelo que ela foi - foi uma mãe para os filhos, foi uma mãe para os filhos - e

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quando me puseram na cadeia, todos os doze anos, ela ficou com os filhos, ela não vacilou (...) Eu amava aquela garota e ela bem que mos-trava que me amava. Ela esteve gamada por mim cada dia de sua vida e cumpriu seus deveres de mulher. Nunca tinha nada de preguiça e era rigorosa consigo e fiel a mim. Tudo o que ela fazia, que eu saiba, era em meu benefício. Há um velho ditado que diz que ninguém sente falta de água enquanto o poço não seca (...)22
Haverá mais biografias como a de Nate Shaw. De quem serão elas, só se pode imaginar. De um antilhano motorista de ônibus em Londres; de um operário britânico da linha de monta-gem de carros da Leyland; da mulher de um caldeireiro de Bel-fast; de um caixa de supermercado; de um criador de carneiros do País de Gales; de um metalúrgico de Pittsburgh; de uma tele-fonista californiana; de um caminhoneiro da Nova Gales do Sul... Quem sabe? E também quanto a questões específicas, quais delas a história oral terá êxito em resolver? O enigma do conservado-rismo da classe operária britânica? Se a antiga firma familiar era um trunfo ou uma desvantagem econômica? Até que ponto a in-dustrialização emancipou as mulheres, ou confinou-as, como donas de casa, a uma dominação masculina ainda mais opres-sora? O que faz com que alguns grupos sociais prefiram educar, e outros, surrar os filhos? Como certas minorias imigrantes perse-guidas prosperam, e outras não? Em que contexto social se fazem as descobertas científicas mais importantes? A cada um desses problemas a história oral pode dar uma contribuição decisiva. Quais deles serão escolhidos dependerá de quem os perceba primeiro.
Em princípio, as possibilidades da história oral estendem-se a todos os campos da história. Mas são mais fundamentais para alguns deles do que para outros. E oferecem uma tendência que é básica a todos: em direção de uma história mais pessoal, mais social, mais democrática. Isso afeta não só a história publicada, como também o processo pelo qual é escrita. O historiador é posto em contato com colegas de outras disciplinas: antropologia social, dialeto e literatura, ciência política. O acadêmico é lan-çado fora do gabinete para o mundo exterior. A hierarquia de instituições superiores e inferiores, de professores e educandos,

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se rompe na pesquisa conjunta. Velhos e jovens são levados a relacionar-se e a se solidarizar. Os clássicos da história oral conti-nuarão, sem dúvida, a ser criados por indivíduos que escapam a qualquer categorização. Mas tem havido uma silenciosa mudança no processo de produção da história, que tem passado desperce-bida aos resenhadores de livros. Cada vez mais, os pequenos gru-pos de história oral estão editando suas próprias publicações. A

maioria delas teria a lucrar, sem dúvida, com mais interpretação, mas freqüentemente apenas um local pode extrair o máximo de cada detalhe. Pode ser uma história da rua e suas famílias; dos operários e do dono de uma fábrica; a respeito de uma greve ou da explosão de uma bomba; recordações do lazer, da educação ou do serviço doméstico do passado. Essas publicações locais estão reunindo, para o futuro, um material histórico novo que de outra

forma estaria perdido. Estão tirando amostras de água do rio em sua foz. A cada dia, com a ocorrência de mortes, o limite longín-quo do passado recuperável mediante a evidência oral retrocede inexoravelmente. Porém, o que verdadeiramente justifica a histó-ria não é conceder imortalidade a uns poucos velhos. Ela faz parte do modo pelo qual os vivos compreendem seu lugar e seu papel no mundo. Marcos divisórios, paisagens, padrões de autori-dade e de conflito, tudo isso tem sido considerado frágil no sé-culo XX. Ao ajudar a mostrar como suas próprias histórias de vida se ajustam às mudanças do caráter do lugar em que hoje vivem, de seus problemas como trabalhadores ou como pais, a história pode ajudar as pessoas a ver como estão e aonde devem ir. Isto é o que está por detrás da popularidade atual da história

recente da Grã-Bretanha. E indica, também, a importância social e política fundamental da história oral. Oferece uma nova base para projetos originais, e não apenas por profissionais, mas tam-bém por universitários, por escolares, ou por pessoas de uma co-munidade. Eles não têm apenas que aprender a própria história; podem escrevê-la. A história oral devolve a história às pessoas em suas próprias palavras. E ao lhes dar um passado, ajuda-as também a caminhar para um futuro construído por elas mesmas.

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LEITURAS COMPLEMENTARES E NOTAS
Abreviaturas: Oral History - OH; Jnternational Journal of Oral

History - 110H; Life Stories - IS; Oral History Review - OHR; Canadian

Oral History Association - COHA; Bulletin of the Society for the Study of

Labour History - BSSLH; History Workshop - HW


Só é mencionado o local da edição para obras não editadas em Londres.

Estas sugestões de leituras adicionais e notas seguem a ordem de assunto dos capítulos.


Para uma introdução geral, dois livros clássicos se destacam: Jan Vansina, Oral Tradition: a study in Izistorical inethodology, 1965 (reedição modificada, Oral Tradition as History, 1985), e George Ewart Evans, Where Beards Wag Ali: The Relevance of Oral Tradition, 1970 - o pri-meiro deles baseado num trabalho histórico de campo na África, o se-gundo, na East Anglia. Mais recentemente, Ken Plummer, Documents of Life: An Introduction to the Problems and Literature of a Humanistic Method, 1983, proporcionou uma excelente introdução para cientistas so-ciais. David Hcnige, Oral Historiography, 1982, oferece uma revisão atua-lizada da coleta de tradição oral no Terceiro Mundo.
Contudo, as fontes que mais contribuem para o desenvolvimento continuado da história oral são periódicos especializados: notadamente Oral Historv, the journal of the Oral History Society (Department of Sociology, Essex University, Wivenhoe Park, Colchester, CO4 3SQ, Ingla-terra); a Jnternational Journ~uzi of Oral History (Meckler Publishing, 11 Ferry Lane West, CT 06880, Estados Unidos), e a Oral History Review e a Newsletter, da Oral History Association, Estados Unidos (PO Box 926, University Station, Lexington, Kentucky 40506, Estados Unidos). Há pe-riódicos nacionais no Canadá, na Austrália, na Itália e ainda em outros

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países, bem como muitos periódicos locais: o mais conhecido de todos é a revista escolar Foxfire (Rabun Gap, Geórgia 30568). Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos são acessíveis também os catálogos de arquivos e os pro-jetos da Oral Histoiy Society e da Oral Histoiy Association, respectivamente.
Finalmente, três notáveis coletâneas reúnem artigos e comunicações em congressos: Daniel Bertaux (org.), Biography and Society: The Life Ilistory Approach in the Social Sciences, 1981; David K. Dunaway e Willa K. Baum (orgs.), Oral History: An Interdisciplinary Anthology, 1984; e Paul Thompson (org.), Our Common History: The Transformation of Eu-rape, 1982 (comunicações do congresso international de história oral de 1979).
Introduções acessíveis em outras línguas são Lutz Niethammer (org.), Lebenserfahrung und Kollektives Gedãchtnis die Praxis der Oral History" Herausgegeben, Frankfurt, 1980; Martin Kohli e G. Ro-bert (orgs.), Biographie um Soziale Wirklichkeit, neue Beitrage und Forschungsperspektiven, Stuttgart, 1984; Philippe Joutard, Ces voix qui nous viennent du passé, Paris, 1983; B. Bemardi, C. Poni e A. Triulzi (orgs.), Fonti Orali: Antropologia e Storia, Milão, 1978 (comunicações do congresso de 1976 em Bolonha, em italiano, inglês e francês); Luisa Passe-tini (org.), Storia Orale: vita quotidiana e cultura materiale delle classi subalterne, Turim, 1978; e Franco Ferrarotti, Sto ria e storie di vita, Roma, 1981. Números especiais sobre história oral e história de vida foram publi-cados, em francês, pelos Annales (30.1.1980) e pelos Cahiers internatio-de sociologie (LXIX, 1980).
Capitulo 1 - História e comunidade
Com relação a recentes avanços na Grã-Bretanha, ver Oral History and Comrnunity Historv, número especial, OH, 12, 2, e Rickie Burman, Tarticipating in the Past? Oral History and Community History in the Work of Manchester Studies", IJOH, 5, 2. Sobre os objetivos sociais e a manipulação da história: David Lowenthal, The Past is a Foreign Country, Cambridge, 1985; Eric Hobsbawm e Terence Ranger (orgs.), The Invention of Tradition, Cambridge, 1983; Jean Chesneaux, Pasts and futures, what is Historv for?, 1978.

1.OH, l,2,p.9.

2.OH, l,4,p.57.

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Capítulo 2 - Os historiadores e a história oral


Com relação à história oral em sociedades não-letradas, ver Vansina, Oral Tradition; Henige, Oral Historiography; D. E McCall, Africa in lime Perspective, 1964; Joseph C. Miller (org.), The African Past Speaks: essays on oral tradition and history, Folkestone, 1980; Walter Ong, Orality and Literacy, 1982; John Miles Foley (org.), Oral Traditional Literature, Columbus, 1981; D. L. Page, History and the Homeric Iliad, Berkeley, 1959. Com relação às alterações da natureza da percepção nos primeiros tempos da imprensa: Robert Mandrou, Introduction to Modern France 1500-1640, An Essav in Historical Psychology, 1975. Uma crítica sistemá-tica das fontes orais e das fontes impressas no correr de três séculos, a respeito de um único tema, a rebeldia protestante contra o Estado fran-cês nas Cévennes, encontra-se em Philippe Joutard, La Légende des Camisards: une sensibilité au passé, Paris, 1977. Sobre os historiadores: J. W. Thompson, A History of Historical Writing, Nova York, 1942.
Com relação ao desenvolvimento subseqüente da história local, ver Raphael Samuel, "Oral History and Local Histoiy", HW, 1. Com relação ao desenvolvimento inicial dos métodos de levantamento social na Grã-Bretanha e na Europa, ver Anthony Oberschall, Empiri cal Social Research in Germany 1848-1914, 1965; e Marie Jahoda, Paul Lazarsfeld e Hans Zeisel, Marienthal, trad. de 1972, pp. 100 e segs.. Quanto à autobiografia na Inglaterra, ver David Vincent, Bread, Knowledge and Freedom: a study ofnineteenth-century working-class auto biography, 1981, e quanto a anti-gas autobiografias religiosas, Owen C. Watkins, The Puritan Experience: studies in spiritual autobiography, Nova York, 1972; na Alemanha, Oberschall; na França, Philippe Lejeune, Je est un autre: L'autobiogra-phie, de la littérature aux médias, Paris, 1980.
Relatos completos de avanços correlatos em folclore podem ser en-contrados em R. M. Dorson (org.), Folklore Research Around the World, Bloomington, 1961; Folke Hedblom, Methods and Organization of Dialect and Folklore Research in Sweden'; Sean O'Sullivan, The Work of the Irish Folklore Commission"; Alan Bruford, The Archive of the School of Scottish Studies"; Stanley Ellis, An Introduction to the Work of the (Leeds) Institute of Dialect and Folk Life Studies", OH, 2,2 e 4, 1; e Roger Abrahams, Story and History: a folklorist's view", OHR, 1981. Com rela-ção a história oral, história e sociologia, ver o artigo de revisão de Martin Bulmer, Sociology and History: Some Recent Trends", Sociology, 8, 1, pp. 137-50, e Philip Abrams, Historical Sacio logy, 1982, cap. 9.
Sobre as origens da 1~istória oral francesa: Joutard, Ces vais; levanta340

mentos mais completos do movimento da história oral em diversas regiões encontram-se em: Paul Thompson, Oral History in North America"; Rolf Schuursma, The Sound Arcbive of the Film and Science Foundation and the Dutch Radio Organisation"; Paul Thompson, "lhe Bologna Conference" e Oral History in Israel"; Andrew Roberts, lhe Use of Oral Sources for African History; Terence Ranger, 'Personal Reminiscence and the Experience of the People in East Central Africa"; Paul fliompson, The New Oral History in France"; Jorgen Burchardt e Carl Erick Andre-sen, Oral History, People's Histoiy and Social Change in Scandinavia"; Paul lhompson, Oral History in Belgium"; Stephen Thompson e Yang Li-wen, Oral History in China' - OH, 3, 1; 1,2; 5, 1; 4, 1; 6, 1; 8, 1; 8, 2; 11, 1; e 15, 1, respectivamente; Aspasia Camargo, Valentina da Rocha Lima e Lucia Hippolito, 'The life history approach in Latin America", IS, 1985; Anna Bravo e David Ellwood, Oral history and resistance history in Italy", Sven Lindqvist, Dig where you stand" e Paul Thompson, "lhe humanistic tradition and life histories in Poland", in Our Com mon History.


1. Michelet, Histoire de la Révolution Française, Paris, 1847, 2, p. 530: ia tradition orale"; Thompson, 2, p. 241.

2.Reeditado como Oral Tradition as History, 1986, expondo um ponto de vista semelhante, ainda que muito mais cautelosamente.

3.D. T. Niane (org.), Sundiata: an epic of old Mali, 1965, p. 1.

4.Haley, Black History, Oral History and Genealogy", OHR, 1973, pp. 14-7.

5.Trad. de L. Shirley-Price, 1955, p. 34. Sobre os frades espanhóis no México, Georges Baudot, Utopie et histoire au Méxique, Paris, 1977.

6.Desse modo, das 164 cartas régias de Eduardo, o Confessor, que ainda existem, apenas 64 são aceitas como autênticas: M. T. Clanchy, From Memory to Written Record: England 1066-1307, Folkestone, 1979, p. 249.

7.P.89.

8.Works, trad. de W. F. Fleming, Nova York, 1927: V, p. 62, XI, p. 9 e XVIII, pp. 6, 8 e 15; Thompson, 2, p. 67.

9.James Boswell, Journal of a Tour to the Hebrides with Samuel Johnson, Ll. D, 1785, pp. 425-6.

10.Trad. de R. Rawlinson, 1728, pp. 276-8.

11. Thompson, 2, p. 67.

12. I, pp. 382-4,418.

13.David Vincent, "lhe decline of oral tradition ia popular culture", in R. D. Storch (org.), Popular Culture and Custo~n in Nineteenth-century England, 1982; Marilyn Butler, informação pessoal.

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14.From Mouths of Men, 1976, p. 179; sir Walter Scott, Tales ofM Landtord, 1816.

15.Oliver Lawson Dick (org.), Aubreys Bri e! Lives, 1949, p. xxix.

16.1968, p. 1 (Hoskins); David G. Hey, An English Run Community: Myddle under the Tudors and Stuarts, Leicester, 1974.

17.James Everett, Wesleyan Methodism in Manchester and li l4cinity, 1, 1827; e o ministro batista Josiah lhompson, de Londres, coir pilava testemunhos sobre as antigas congregações dissidentes em 1772-84 agora na Biblioteca Dr. Williams, Londres (informação de John Walsh Antoine Court entre os protestantes franceses na década de 1730.

18.Smith, The Working Man's Way in the World, being th Autobiographv of a journeyman printer, 1853; também, Eleanor Ede (org.), The Autobiography of a Working Mau, 1862 - especialmente noti vel por seu estilo vivo, quase falado. A série How 1 Became a Saci ai ist, da década de 1890, ilustra o testemunho de conversão ao contrário. Ver a listas completas, que incluem mais de um milhar de autores do século XIX, em John Burnett, David Vmcent e David Mayall (orgs.), The Autobio graphy of the Working Class: An Annotated Critical Bibliography, 1-11] 1750-1945, 1985-7.

19.Oberschall, p. 81. A série alemã de Gõhre começou com Cai Fischer, Denkwürdigkeiten und Erinnergungen eines arbeites, Leipzi1 1904 - trabalhador numa olaria. Um dos clássicos do novo gênero fc posteriormente traduzido para o inglês: Adelhaid Popp, The Autobiograph of a Worldng Woman, 1912. Na França, a autobiografia da classe trabalha dora começou com militantes e com a Revolução de 1848 e a Comuna d Paris de 1871, mas continuou sendo uma raridade; em lugar disso, a expe riência da classe trabalhadora era apresentada em romances e jornah como sonhos (de camponeses) e pesadelos (de operários): Lejeune, Je est un autre, p. 251.

20.1797, p. ii.

21.Eileen Yeo, Mayhew as a Social Investigator", in E. P. Tlhompson e E. Yeo (orgs.), The Unknown Maylzew, 1971, pp. 54-63 Henry Mayhew, London Labourandthe London Poor, 1851.

22.Maiy Higgs, Glitnpse mio the Abyss; Jack London, The People of the Abvss, 1903; George Orwell, Down and Out in Paris and London, 1933; Sherard, pp. 41-3; Harold Wright (org.), Letters of Stephen Reynolds 1923, p. 109, carta para lom Woolley, de 25.10.1908, e Daily News, de 22.5.1923. Ver também o inteligente prefácio de Seems So!

23. Our Partnership, 1948, pp. 27 e 158; Margaret Cole, Beatrici Webb, 1945, p. 59.

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24.Economic Journal, xvi, p. 522.



25. Michael Twaddle, On Ganda bistoriographf, e Robin Law, Tarly Yoruba historiography", Histoiy in Africa, 1 (1974), pp. 85-100, e 3 (1976), pp. 69-89; Charles Morrissey, 'Why call it 'Oral History2", OHR, 1980, pp. 29 e segs.; A Brief Account of the Literary Undertakings of Hubert Howe Bancroft, 1883; J. W. Caughley, Hubert Howe Bancroft, Historian of the West, Berkeley, 1946; Willa Baum, "Oral History: a revi-ved tradition at tbe Bancroft Library", Paqfic North West Quarterly, abr. 1967, pp. 57-64.

26.Pp. v, 3, 520.

27. Pp. iv-vi, 1, 5 e 11. David Hume e Edward Gibbon trabalharam de maneira igualmente cuidadosa.

28 . H. P. Rickman (org.), Meaning in History, 1961, pp. 85-6.

29. Trad. de G. G. Beny, p. 17.

30. Carta de Acton aos colaboradores: Fritz Stem, 77w Varieties of History, Nova York, 1956, p. 247.

31. Langlois e Seignobos, pp. 129, 134, 155, 175, 196; Collingwood, p. 131.

32. The Struggle for Mastery in Europe, 1848-1918, Oxford, 1954, pp.569-72.

33. Listener, de 1.0 2.1973, p. 148; English History 1914-45, Oxford, 1945, p. 609; Struggle for Mastery, p. 574.

34.Walter Lowe Clay, The Prison Chaplain: a Memoir of the Rei'. John Clay, Cambridge, 1861. Discussões inteligentes sobre a sociologia da história de vida de Chicago encontram-se especialmente em James Bennett, Oral History and Delinquency: the Rethoric of Criminology, Chi-cago, 1982, e Abrams, Historical Sociology, 1982.

35. II. L. Beales e R. 5. Lambert, 1934.

36. B. Malinowski, 'Myth ia Primitive Psychology", in W. R. Dawson (org.), The Frazer Lectures, 1932, p. 97; cf. Sex and Repression in Savage Society, 1927, p. 104; Radin, p. vüi. Em relação à tradição antropo-lógica norte-americana, ver Plummer, Documeras of Life, Gordon W. Allport, The Use of Personal Documents in Psychological Science, Nova York, 1942; L. Gottshalk, C. Kluckhohn e R. Angell, The Use of Personal Documents in History, Anthropology, and Sociology, Nova York, 1947. Entre exemplos notáveis, encontram-se Walter Dyk, San of Old Mau Hat: a Navaho autobiography, Nova York, 1938; Sidney Minta, Worker in the Cane: a Puerto life history, New Haven, 1960; Oscar Lewis, Pedra Marti-nez: a Mexi can peasant and hisfamily, 1964; Helen Hughes, The Fantasric Lodge, 1961. Robert Redfield organizou 76 entrevistas com Manuel Gamio

343

numa coletânea temática, The Lífe Story of the Mexican Jmmigrant, 1931. Entre as raras contribuições britânicas ao método, encontra-se a utilização mais interpretativa de histórias de vida em Geoffrey Gorer, Himalayan Village: au account of the Lepchas of Sikkim, 1938; e uma notável e pre-cursora história de vida de mulher em Mary F. Smith, Baba of Karo: a woman ofthe Muslim Hausa, 1954.



37. Pp. ix-x. Somebody também brincava com esse tipo de idéias em Nova York: prova disso é a caricatura do professor Sea Gull, com seu vasto projeto de 'An Oral History of Our Time", uma história informal da "mul-tidão dos mais humildes", incompleta após 26 anos de bebedeiras pelos botequins e de noites passadas em pensões baratas, feita por Joseph Mitchell em McSorley 's Wonder]lil Saloon, 1938, pp. 68-86.

38. Tianjin Daily, de 28.4 e 20.6.1958.

39.Franco Ferrarotti, Vita di baracati, Nápoles, 1974 e Vite di perife-ria, Milão, 1981; Alessandro Portelli, Biografia di una Cittâ, lurim, 1985; Luisa Passerini, Torino operaia e fascismo, Roma, 1984; Nuto Revelli, Il mondo dei vinti e L'anello forte, Turim, 1977 e 1985.

40.Lutz Niethammer, "Die .Jahre weiss mau nicht...": Lebensgeschichte und Sozialkidtur itn Ruhrgebiet 1930 bis 1960; «Hinter-her merkz mau... "; e "Wir Kriegen jetzt andere Zeiten", Bonn, 1983-85; Maurice Halbwachs, Les Cadres sociaux de la mémoire, Paris, 1925. Na França, o estudo do folclore local desenvolveu-se no início do século XIX, especialmente nas regiões periféricas da Bretanha e da Provença; o estudo nacional sistemático do dialeto e da etnologia camponesa foi instaurado a partir da década de 1870 e o Museu das Artes e Tradições Populares, de Paris, foi fundado em 1937. O interesse popular pela história oral foi des-pertado pelo Grenadou: paysan français, Paris, 1966, de Alaín Prévost, uma história de vida da vida em família, do trabalho no campo e da guerra na zona rural do norte, próximo a Chartres, proveniente de gravações em fita, mas inteiramente reescrita. Foi tclevisionada e inspirou uma série de autobiografias populares na década de 70, entre as quais os best-sellers de Pierre Jakez Hélias, Le clie vai d'orgue ii, Paris, 1975 (da Bretanha) e de Serge Grafteaux, Métné Santerre, Paris, 1975 (sobre a filha de um mineiro do Norte). A apresentação na televisão do filme "Le Chagrin et Ie Pitié", em 1971, um documentário sobre o colaboracionismo numa pequena ci-dade durante a ocupação alemã, baseado em entrevistas retrospectivas, também foi um fator importante no início do trabalho de história oral.

41.Pp. 12-3.

42.P. 214.

43.SSRC Newsletter, de 3 1.7. 1976, p. 6.

344


44.From Moushs of Meu, p. 187.

45. Uma crítica recente, mais moderada, mas ainda incompreensiva, da história oral a partir desse ponto de vista encontra-se em Louise Tilly e no debate subseqüente sobre "People's History and Social Science Histoiy", IJOH, 6, 1.

46.OH, 1, 3, p. 46.

47. P. 142: Marwick na verdade mudou a partir de então, mas muito relutantemente - edição de 1981, p. 141.

48.Um ataque mal-humorado â idéia de que vale a pena conversar com pessoas comuns foi feito por P. O'Farrell, professor australiano de história, no Quadrant, nov. 1979, pp. 4-8, ao resenhar esse livro.
Capitulo 3 - As contribuições da história oral
História econômica: Elizabeth Roberts, Working-class standards of living in Barrow and Lancaster, 1890-19 14", Economic History Review, 1977; Christopher Storm-Clark, "lhe Minem, 1870-1970: a Test-Case for Oral History", l/ictorian Studies, XV, 1; Allan Nevins, Ford, 1954-62; George Ewart Evans, Where Beards Wag Ali, a fundição, mão-de-obra de migrantes em cervejaria, operários qualificados. Em relação à pesca: George Ewart Evans, The Days fiar We Have Seen, 1975; lrevor Lummis, Occupation and Society: the East Angiian Fishermen 1880-1914, Cambridge, 1985; Paul lhompson, com a colaboração de lony Wailey e Trevor Lummis, Living the Fishing, 1983.
Sobre economias africanas pré-coloniais: Robert Harms, River of Wealth, River of Sorrow: the Central Zaire Basin in the era of the slave and ivory trade, 1500-1 891, New Haven, 1981; Steven Feierman, The Shambaa Kingdom, Madison, 1974, cap. 5; Roy Willis, A State in the Making, Bloomington, 1981; William Beinart., fie Poiiticai Economy of

Pondoland, Cambridge, 1982, cap. 5.


Sobre agricultura: George Ewart Evans, The Horse in the Furrow, 1960, The Farm and the 1/iiiage, 1969, e Where Beards Wag Ali; David Jenkins, T/w Agricultural Comnmunity in South West Wales at tlze turn of the 20th Century, 1971; Carol Faiers, Tersistence and Change in Farming Methods in a Suffolk Village", OH, 4, 2. Ver também história social rural, adiante.
Sobre o empresário: Thea V'igne, SSRC Research Report, 'Middle and Upper Class Families in the early 20t11 Century"; Jan e Ray Pahl, Managers and their Wives, 1971; exemplos singulares são Nevins, Ford, e George Ewart Evans, Fro,n Mouths of Meu, pp. 21-30 - sobre um fabri-345

cante de lã de Yorkshire - e, especialmente, Carl B. Klockers, fie Professionai Fence, 1975.


Sobre pequenos negociantes: T. Vigne e A. Howkins, The small shopkeeper ia industrial and market towns", in G. Crossick (org.), The Lower Middle Class in Britain 1870-1914, 1977; Daniel Bertaux, "lhe bakers of Paris", in Our Common H&ory, e com Isabelle Bertaux-Wiame, "Artisan Bakety ia France: How It Lives and Whylt Survives", in F. Bech-hofer e B. Elliott (orgs.), fie Petite Bourgeoisie, 1981; Robert Scase e Robert Goffee, fie Real Worid of the Smaii Business Owner, 1980; John Benson, fie Penny Capitalists: a Study of Nineteetuh-Cenzury Working-Class Entrepreneurs, 1983.
História da ciência: David Edge, Astronomy Transformed: fie Emergence of Radio Astronomy in Britain, 1977; Saul Benison, Tom Rivers; Reflections on a Life in Medicine and Science, Cambridge, Massa-chussetts, 1967; e Chris Niblett, "Oral Testimony and lhe social histoty of technology", OH, 8,2.
História da religião: Robert Moore, Pit-men, Preachers and Poiitics, 1974; Hugh McLeod, White Collar Values and lhe Role of Religion", in The Lower Midtlle Class in Britain (ver acima), e "Religion: lhe oral evidence", OH, 14, 1; Robert Towler e Audrey Chamberlain, "Common Religion", Sociological Year Book of Religion in Bntain, 6, 1973. E tam-bém a imensa literatura secundária sobre folclore - ver referências no capítulo 2 e abaixo.

História operária: bibliografia completa encontra-se em Robert Turner, lhe contribution of oral evidence to Labour history", OH, 4,1; atualizações anuais em BSSLH.


Biografia operária: John Saville e Joyce Bellamy, Dictionary of Labour Biography, a partir de 1972; Alice e Staughton Lynd, Rank and File: Personai Histories by Worldng class Otganisersfrom America, Nova york, 1973; Paul Buhle, 'Radicalism, lhe oral history contribution", IJ0H, 2, 3; People's Autobiography of Hackney, Working Lives, 1905-45, 1975; Arthur Randell, Fenland Raiiwayman, 1968; Angus Maclellan, The Furrow Behind Me, 1962; Margaret Powell, Below Stairs, 1968; e Angela Hewins, The Dillen, 1981.
Sobre sindicalização, greves e campanhas: Peter Friedlander, fie Emergence of a UAW Local 1 936-1939, Pittsburgh, 1975; Anthony Mason, The General Strike in the North-East, 1970, e Peter Wyncoll e Hywel Fran-cis, in Jeffrey Skelley (org.), fie General Strike, 1976; Alun Howkins, "Structural conflict and lhe farmworker: Norfolk 1900-20", Journal of Peasant Studies, 4, 3, 1977, e Poor Labouring Men, 1985; Joanna Bornat,

346


"Home and Work", Women 's History Issue, OH, 5, 2; Steve Tolliday, Women and motor trades unions", e Fred Lindop, "Dockem unofflcial militancy, 1945-67", Labour History Issue, OH, 11, 2; Hywel Francis, Miners against Foscism: Wales and the Spanish Civil War, 1984; A. Laner e K. Roberts, Strike at Pilkingtons, 1971; R. Hay e J. McLaughlin, "lhe Oral History of Upper Clyde Shipbuilders"; Sidney Pollard e Robert Tur-ner, "Profit-sharing and Autocracy: lhe case of J. T. e J. Taylor of Batley, Woollen Manufacturem, 1892-1966", Business Hisbory, 8, 1, jan. de 1976.
Sobre os desempregados: Studs Terkel, Hard limes, 1970; Bariy Broadfoot, Ten Lost Years, Toronto, 1973; Dennis Marsden e E. Duff, Worldess, 1973; Ray Broombill, "Using Oral Sources ia writing a social histoiy of lhe unemployed during lhe Depression ia South Australia", in Joan Campbell (org.), Oral History 75, Latrobe, 1975; Wendy Lowenstein,

Weevils in the Flour, Melbourne, 1978.


Sobre comunidades de trabalho: Raphael Samuel, - Quarry Rougbs': Life and Labour ia Headington Quarry, 1860-1920", Village Ljfe and Labour, 1975; Moore, Pit-men, Preachers and Politics, e Robert Waller, fie Dukeries transformed: the social and political deve lopment o! a twentieth-century coalfield, Oxford, 1983; Jeremy Brecher, Bross VaZley:

the story o! worldng people's lives and struggles in an American industrial region, Filadélfia, 1982. Sobre comunidades de pesca: Paul Thompson, Living the Fishing, 1983, e Trevor Lummis, Occupation and Society, Cambridge, 1985.


Sobre experiência de trabalho e consciência de classe: Studs Terkel, Worldng, Nova York, 1974; Luisa Passerini, Torino operaia e fascismo, Roma, 1984, e Work ideology and working-class attitudes to Fascism", in Our Common Hisrory; Alessandro Portelli, Biografia di una Cittá, Turim, 1985, e "lhe time of my life", 1.10H, 2, 3; Tamara Hareven, Amoskeag, Nova York, 1978, e Family lime and Industrial lime, Cambridge, 1982; Pierrette Pézerat e Daniêle Poublan, "French telephone operators", OH, 13, 1, e Cristina Borderias, "Identidad femenina y cambio social en Barcelona entre l920y 1980", in Mercedes Vilanova et alii, El Poder en la Sociedad, Barcelona, 1986. Sobre pescadores, lhompson e Lumnns, acima. Paul Thompson, "Playing at skilled men: factory culture and pride in work skills among Coventry car workers", Social History, 1988; Frank McKenna, Wictoria Railway Workers", HW, 1; Bob Gilding, fie Journey-men Coopers of East London, 1971; Mavis Waters, Craft Consciousness in a Government Enterprise: Medway Dockyardmen, 1860-1906", Geoffrey Tyack, Service on lhe Cliveden Estate between lhe Wars", OH, 5, 1; Ronald Fraser, Iii Search of a Past: the Manor House, Amnersfield,

347


1933-1945, 1984; Dorolhee Wierling, "Women domestic servants in Gemiany at lhe tom of lhe centuiy", OH, 10, 2. Sobre mineiros alemães, Niethammer, abaixo; sobre mineiros britânicos, David Douglass, Pit Lsfe in County Durham, 1971 e "lhe Durham Pitman", in R. Samuel (org.), Miners, Quarrymen and Saltworkers, 1977; e George Ewaxt Evans, From

Mouths ofMen.


Sobre a política dos não-organizados e do povo na Grã-Bretanha:

Jeremy Seabrook, What went wrong? Working people and the ideais ofthe labour movement, 1978, e Paul Thompson, fie Edwardians, 1975, pp. 237 segs.


História política: sobre as revoluções chinesas, William Hinton, Fanshen: a documentary of revolution in a Chinese village, 1966, e Shenfan: the continuing revolution in a Chinese village, 1983; sobre a re-volução mexicana, Oscar Lewis, Pedro Martinez, 1964, e os trabalhos do programa nacional de história oral do México, dirigido por Eugenia Meyer. Sobre o fascismo e o comunismo europeus da década de 30 à de 50: Ronald Fraser, Blood of Spain: the experience of Civil Wa~ 1936-9, 1979, e In Hiding: the life of Manuel Cones, 1972; Jerome Minta, fie Anarchists of Casa V2ejas, Chicago, 1982; Hywel Francis, "Welsh Minem and the Spanish Civil War", Journal of Contemporary History, 53, 3, 1970; Lena Inowlocki, "Denying the past: right wing extremist youth in West Germany", IS, 1985; Cristina Borderias e Mercedes Vilanova, "Catalan minem and fishermen, 1931-9", Marjan Swegman, "Women ia resistance organisations in lhe Netherlands", comunicações por Anna Bravo e David Ellwood, e Lutz Niethamxner, in Our Common History; Luisa Passerini, acima, Lutz Niethammer et alii, trilogia sobre o Rubi, «Die Jahre weiss man nicht... ", "Hinterher merkt man...", e "Wir Kriegen jetzt andere Zeiten...", Bona, 1983-5; Lothar Steinbach, Em Vollç Em Reich, Em Glaube?, Bona, 1983; H. R. Kedward, Resistance in Vichy France, Oxford, 1978.
Sobre o holocausto: Arma Bravo e Daniele Jalla, La Vita 0ffsa, Milão, 1986; Elmer Luchterhand, Knowing and not knowing: involvement ia Nazi genocide", in Our Common History; Arma Bravo, 'Italian women ia lhe Nazi campa - aspects of identity ia their accounts", OH, 13, 1, e Shawl Esh, Yad Washem Studies on the European Jewry Ca-tastmphe and Resistance, Jerusalém, 1960; Anna Maria Bruzzone e L. B. Rolfi, Le donne di Ravensbruck, Turim, 1978; Claudine Vegh, 1 Didn 1' Say Goodfrye, 1984. Quanto aos sobreviventes de Hiroshima: R. J. Lipton, Death in Life, Nova York, 1968.
Documentário político: William Manchester, The Death o! a

348


President, 1967; W. H. Van Voris, Violence in Ulster: an Oral Documen-taiy, Amherst, 1975. Biografia política: Thomas Harry Williams, Iluey Long, 1969; Dean Albertson, Roosevelt 's Fartner: Claude R. Wickard in the New Deal, Nova York, 1961; Merle Miller, Plain Speaking: an oral biography of Harrv 5. Truman, 1974; Valentina da Rocha Lima, Getúuio:

uma história oral, Rio de Janeiro, 1986; John Toland, A dvi! Hitler, Nova York, 1976; Bernard Donoughue e George Jones, Herbert Morrison: Port rait of a Politician, 1973.


Sobre história militar: Maiy P. Motley, The Invisible Soldier: the experience of a Black soldier, World War II, Detroit, 1975; General James Colhas, Oscar Fitzgerald, Colonel Robett Zimmerman, e Benis Frank, "laped Interview and the Documentation of Viet Nam Combat Operations", OHR, 1974; Lyn Macdonald, Somme, 1983; Alexander McKee, Dresden 1945, lhe Devils linderbox, 1982. Há coletãneas de pes-quisas especiais no Imperial War Museum e no National Maritime Mu-seum, Londres, e na Sunderland Polytechnic.

História colonial: Charles Allen, PIam Tales from the Raj, 1975, e Tales !rom the Dark Continent, 1979; Cambridge South Asian Archive, 1973; J. J. Tawney, lhe Oral Histoty programme of lhe Oxford Colonial Records Project", OH, 1, 3.


Histórias de vida dos colonizados: James Freeman, Unzouchable, 1979; A. M. Kiki, Kiki: 20.000 years in a ifetime, 1968; Maiy Stnith, Baba of Karo, 1954; Edward Winter, Beyond the Mountains of the Moon: the livesoffourAfricans, 1959.
História africana: revisões bibliográficas breves encontram-se em A. D. Roberts, "lhe use of oral sources for African history", e Terence Ranger, "Personal Reminiscence and lhe experience of lhe people ia East Central Africa", OH, 4, 1 e 6, 1; mais extensamente, em Vansina e Henige, e a coletânea de ensaios em Joseph Miller (org.), lhe African Part Speaks, Folkestone, 1980. Bethwell Ogot, History ofthe Soushern Luo, Nairobi, 1967, é um estudo pioneiro da. história pré-colonial. Posteriormente, David W. Cohen, Womunafu 's Bonc4fu, Princeton, 1970, e the Historical Tradition o! the Busoga, Oxford, 1972; Andrew Roberts, A History of Bemba, Madison, 1973; Steven Feieiman, The Shambaa Kingdom, Madison, 1974; John Lamphear, fie Traditional Histoiy of the Jie of Uganda, Oxford, 1976; Joseph Mihler, "lhe dynaniics of oral tradition ia Africa", in Bcrnardi, Fonti Orali; Roy Willis, A State in the Making: Myth, History and Social transformation in Pre-colonial Ufipa, Bloomington, 1981; e Paul Irwin, Líptako Speaks: Historyfrotn Oral Tradition in Africa, Princeton, 1981.
Sobre a história social e as lutas políticas mais recentes, ver Don

349


Barnett e Karari Njama, Mau Mau from Within, 1966; Terence Ranger, Peasant Consciousness and Guerrilla Re.sistance in Zimbabwe, 1985; Willain Beinart, the Political Economy ofPondoiand, Cambridge, 1982; e Belinda Bozzoli (org.), Town and Countryside in the Transvaal Johannesburgo, 1983.
História social: geral, Paul Thompson, The Edwardians: the Remaking of British Society, 1975.
História social rural e estudos de comunidade - o Sul e o Leste britânicos: George Ewart Evans, Ask the Fellows who Cut the Hay, 1956, Where Beards Wag Ali, the Days That We Have Seen, 1975; Ronald Blythe, Akenfield: Portrait of an English Viliage, 1969; Raphael Sainuel, Quarry Roughs", in Vilíage L~fe and Labour, acima; Maiy Chamberlain, Fenwomen, 1975; Michael Winstanley, L!fe in Kent at the turn of the century, Folkestone, 1978. Sobre o Oeste, a Escócia e a Irlanda: C. M. Arensberg e S. T. Kimball, Family and Community in Jreland, Cambridge, Massachussetts, 1940, e um reestudo critico, Hugh Brody, Inishkiliane, 1973; W. M. Williams, The Sociology of an English Village: Gosforth, 1956, e A Wesr Country Village: Ashworthy, 1963; James Liulejohn, Wes-trigg, 1963; Ian Carter, Farm life in north-east Scotiand, 1840-1g14, 1979; Paul Thompson, Living the Fishing, 1983; Eric Ciegeen, "Oral Sources for the Social Histoiy of the Scottish Highlands and Islands" e 'Oral Tradition and Agrarian History lii the West Highlands", 0112, 2, e 2, 1; David Jen-kins, The Agricultural Community in South Wesi Wales, acima; 1. Eminett, A North Wales Viilage, 1964; A. D. Rees, Life in a Weish Countryside, Cardiff, 1950; R. Frankenberg, Viilage on the Border, 1957.
Sobre os camponeses europeus: Fanch Elégo~t sobre a Bretanha, Dagfinn Slettan sobre colonos na Noruega, Anna Bravo sobre "mulheres camponesas italianas na Primeira Guerra Mundial", e Gerhard Wilke sobre casas camponesas, in Our Common History; Ronald Fraser, Ei Puebio, a mountain viliage on the Costa dei Sol, 1973; Anna Bravo, Solidarity and loneliness: Piedmontese peasant women at lhe tum of lhe century", IJOH, 3, 2; Nuto Revelli, Ii mondo dei vinti, Turim, 1977 e L'anelio duro, Turim, 1985; Alain Prévost, Grenadou: paysan français, Paris, 1966; Serge Grafteaux, Mémé Santerre, Paris, 1975; e Pierre Jakez Hélias, Le Chevai d'orgueii, Paris, 1975 (77w Horse of Pride, New Haven, 1978).
Sobre camponeses no Terceiro Mundo e nas Américas: ver África, acima, e Aspásia Camargo sobre a América Latina, IS, 1985; Histórias de vida antropológicas norte-americanas, cap. 2, nota 36: história dos negros, ver adiante.
História social urbana e estudos de comunidade - a cidade e os

350


arredores da cidade: Studs Terkel, Division Street: America, Nova York, 19 67; Jerry White, abaixo; parcialmente autobiografia, Robert Roberts, The Cíassic Sium, Manchester, 1971; Paul Thompson, "Voices from Within", in Michael Wolff e H. J. Dyos (orgs.), The Victorian City, 1973; série People's Autobiography of Hackney (Working Lives, 1975, The Isiand, 1979, etc.) da Centreprise, 136 Kingland High St., Londres ES; David Russell e George Walker, Trafford Park, 1979, de Manchester Stu-dies, Manchester Polytechnic.
As cidades menores: Melvyn Bragg, Speak for Engiand, 1976; Ra-phael Samuel, Oral Histoty and Local Histoty", History Workshop, 1; Margaret Stacey, Tradition and Change: A Study of Banbury, 1960; Angela Hewins, The Dillen, 1981; Jeremy Seabrook, City Close-up, 1971; Robert e Helen Lynd, Middletown, 1929, Middietown in Transition, 1937, e Theo-dore Caplow, Reuben Hill et aiii, Middletown Families: fifty years of change and continuity, Minneapolis, 1982; Tamara Hareven e Randolph Langenbach, Amoskeag: L!fe and Work in an Americn Factory City in New England, 1979. Muitos estudos sociológicos de comunidade urbana tam-bém se utilizam de história oral, p. ex. C. Rosser e C. C. Harris, The Family and Social Change: A Study of Farnily and Kinship in a South Waies Town, 1965.
Sobre arquitetura, espaço e comunidade: Jerty White, Rothschiíd Buildings:Life in an East End Tenemetu~ Biock 1887-1920, 1980; e The Worst Street in North London, 1986; Hemy Glassie, Passing the time in Bailymenone: cuiture and history of an Uister Community, Filadélfia, 1983; George McDaniel, Hearth and Home: preserving a people' s cuiture,

Filadélfia, 19~3; e "City Space and Order", número especial de OH, 14, 2; Jerry White, 'Campbell Bunk", HW, 8 (1979).


História cultural - educação e língua: Richard Hoggart, 77w Uses of Literacy, 1957; Brian Jackson e Dennis Marsden, Education and the Working Class, 1962; Jobn Dillard, Biack Engiish, Nova York, 1973; Stanley Ellis, "The Survey of English Dialects and Social History", OH,2, 2, pp. 37-43; Language and Ciass Workshop: Lore and Language, revista

do Centro de Tradição Cultural e Língua Inglesas da Universidade de Sheffield; Bruce Rosenberg, The Art of the Foik Preacher, 1970; lona e Peter Opie, The Lore and the Language ofSchooi Chiidren, 1959. Folclore urbano: Roger Abrahams, Deep Down in the Jungie, Chicago, 1970; rural: George Ewart Evans e George Thompson, The Leaping Hare, 1972; Eliot Wigginton (org.), Foxfire One, Two, etc., Nova York, 1972-.


Música e canto: Brian Jackson e Dennis Marsden, Worldng Class Community 1971 - bandas de música; A. L. Lloyd, Foik Song in England,

351


1967; David Buchan, The Baiíad and the Foik, 1972; Lawrence Levine, Black Cuíture and Biack Consciousness, Nova York, 1977; Edward Ives, Joe Scott, Urbana, 1978; Roy Palmer, sobre Arthur Lane e George Dunn, OH, 8, 2, e 11, 1-2; Robin Morton, sobre John Maguire of Femianagh, Come Day Go Day, God Send Sunday, 1973; Gareth Stedman-Jones, "Working-Class Culture and Working-Class Politics in London, 1870-1900", Journai of Social History, 7,4, 1974; Alun Howkins, "The Voice of lhe People: lhe Social Meaning and Context of Countiy Songs" e Elizabeth Bird, "Jazz Bands of North East England: lhe evolution of a working-class cultural activity", OH, 3, 1, e 4, 2; William J. Schafer, Brass Bands and New Orleans Jazz, Baton Rouge, 1977; Vivian Perlis, Charles Ives Remembered, New Haven, 1974; Daniele Jalla, La Musica: storia di una banda e dei suoi musicanti: Piossasco 1848-1 980, Turim, 1980.
Outros lazeres: Sally Alexander, St Giies Fair 1 830-1914, Folheto 2 do Histoiy Workshop", 1970; Michael Winstanley, "lhe Rural Publican and bis Business iii East Kent before 1914", Hany Goldman, "Worker's lheatre to Broadway Hit", e Bob Dickinson, "Lancashire Music Halls" (OH, 4, 2; 10, 1; e 11, 1); Mike Steen, Hollywood Speaks, Nova York, 1974; Lawrence 5. Ritter, The Giory oftheir limes: the Story ofthe Early Days of Baseball, Nova York, 1966; Gerald Sider, "lhe ties that bind", Social Hisrory, 5, 1980.

História da família: Tamara Hareven, Famiíy lime and Industrial lime, 1982; Elizabeth Roberts, A Woman's Piace: an oral history of working-ciass women, 1890-1940, Oxford, 1984; Thompson, Edwardians; Daniele Jalla, "lhe Working-class family in Turin", in Our Common History; número especial sobre famflia, Fonti Oraii, outono de 1982; E. Le Roy Ladurie, Montaillou, Paris, 1975 (trad. 1978).


Sobre infância: Thea lhompson, Edwardian Chiidhoods, 1981 e (org.) OH, 3, 2, Family I-a'istory Issue: Thea Vigne, "Parents and Children, 1890-1918: Distance and Dependence" e Elizabeth Roberts, Learning and Living: Socialisation outside School"; Jeremy Seabrook, Working-class Childhood, 1982. Sobre jovens: Stephen Humphries, Hooligans or

Rebeis?, Oxford, 1981; Paul Thompson, "lhe War with Adulta", Derek Thompson, "Courtship and Marriage in Preston between lhe Wars", e Ste-phen Caunce, "East Riding Hiring Fairs", Family Hístory Issue. Sobre ca-samento, sexualidade e controle de natalidade: Diana Gittins, "Married Lífe and Birth Control between lhe Wars", Famiiy Histoty Issue e OH, 5, 2; e Fair Sex: family size and structure 1900-39, 1982; Jobn R. Gillis, For

Better, For Worse: British marriages 1600 to tlze prese nt, Oxford, 1985; 1. C .Smout, "Aspects of Sexual Behaviour in 19th Century Scotland", in Ma-352

claren, Social Class in Scotland; K. II. Connell, Irish Peasant Society; Martine Segalen, Lave and Power in the Peasant Fainily, Oxford, 1983.


Da antropologia: Oscar Lewis, The Children of Sanchez, Nova York, 1961. Da sociologia, os estudos de comunidade mencionados acima e mais P. Townsend, The Fainily Ljfe of Old People, 1957, e Lee Rainwater, And the Poor Get Children, 1960, e Family Design, Chicago, 1965; Mirra Komarovsky, Blue Collar Marriage, Nova York, 1962; também Jeremy

Seabrook, The Unprivileged, 1967.


História da mulher: Chamberlain, Fenwomen; Roberts, A Woman's Place: an oral history of working-class women; Sheila Rowbotham e Jean McCrindle, Dutiful Daughters, 1977; Jill Liddington e Jill Norris, One Hand lied Behind Us, 1978 (sufragistas); Women's History Issue, OH, 5, 2, que contém artigos sobre mulheres da classe operária, em casa e no tra-balho, em Birmingham, Nottingham, Yorkshire e Lancashire, por Catherine Hall, Sandra Taylor, Joanna Bornat, Elizabeth Roberts e Jill Liddington; segunda 'Women's History Issue", OH, 10, 2, que contém Angela John, sobre mulheres mineiras, Rickie Burman, sobre esposas ju-dias, e Dorothee Wierling, sobre empregadas domésticas alemãs; Leonore Davidoff e Belinda Westover (orgs.), Our Work, Our Lives, Our Words: Women's History and Wo,nens Work, 1986; Amrit Wilson, Finding a Voice, abaixo; Paul Thompson, 'Women in lhe Fishing: lhe roots of power bet-wen lhe sexes", Comparative Studies in Society and History, 27 (1985), 1; Sherna Gluck, "Interlude or change: women and lhe World War II expe-rience, IJOH, 3, 2, e From Parlor to Prison: Five American Sufragettes Talk about Their Lives, Nova York, 1976; Gwendolyn Safier, Contemporaty Ainerican Leaders in Nursing: an oral history, Nova York, 1977; Regina Markell Morantz et alii, in Her Own Words: oral histories of women physicians, New Haven, 1982; "Women's history and oral histoty", Frontiers, II, 2 (1977); Jan Carter, Nothing to Spare: Recollections of Australian Pioneering Women, Melbourne, 1981; Anna Bravo, Solidaúty and loneliness: Piedmontese peasant women", IJOH, 3, 2, e "Italian women in lhe Nazi caxnps", OH, 13, 1; Bravo, "Italian peasant women and lhe First World War", Nelleke Bakker sobre costureiras etc., de Amsterdã, in Our Com,non History; Nuto RevelLi, L'Anello duro, 1985; Fonti orali, edição sobre a história da mulher, outono de 1981.
Sobre subculturas criminosas e desviantes: James Bennett, Oral His-tory and Delinguency, Chicago, 1982 e outras obras de Chicago, ver Cap. 2, acima; Helen Hughes, The Fantastic Lodge: the autobiography of a girl drug addict, 1961; R. Bogdan, Being Dufferent, 1974; Tony Parker e Robert Allerton, The Courage of His Convictions, 1962, Tony Parker, The Unk-353

nown Citizen, 1963, e The Twisting Lane, 1969; Walter Probyn, Angel Face: the making of a criminal, 1977; Raphael Samuel, East End Underworld: Chapters in the Life of Arthur Harding, 1981; Steve Humphries, Hooiigans or Rebeis?; Jerry Wbite, "Police and people in

London",OH, 11,2.
Minorias - índios norte-americanos: Paul Radin, Crashing Thunder, 1926; Leo Simmons, Sun Chief, New Haven, 1942; Nancy O. Lurie, Mountain Woíf Woman: the Autobiography of a Winnebago lndian, Ann Arbor, 1961; Frank Waters, Book ofthe Hopi, 1963; J. II. Cash e H. 1. Hoover (orgs.), To Be an Jndian, Nova York, 1971; Howard and Frances Morphy, "the 'myths' of Ngalakan history: ideology and images of the past in Northern Aus~raLia", Man, 19 (1984), 1.
Chineses e japoneses: Victor G. e Brett de Barry Nee, Longtime Californi a docutnentary Study of an American Chinatown, Nova York, 1973; Diana Marlatt, Steveston Recollected, Victoria B.C., 1975.
História dos judeus: Sydelle Kramer e Jenny Masur, Jewish Grandrnothers, Boston, 1976; William J. Fishman, East End Jewish Radicais, 18 75-1914, 1975; Bill Williams, "lhe Jewish Immigrant in Manchester", e Rickie Burman, "lhe Jewish woman as breadwinner", OH,

7, 1 e 10,2; Jerry White, RothschiidBuildings, 1980.


Sobre migração: Isabelle Bertaux-Wiame, "the life history approach to Lhe study of internal migration", in Our Common History; Edward Orser, "Racial change in retrospect", 110H, 5, 1; Jane Synge, "Lmmigrant communities in early twentieih-centuiy Hamilton, Canada", Gina Harkell, "lhe migration of minfng families to the Kent coalfield", e Margaret Mackay, Tiree emigrant communities in Ontario, Canada", 011,4, 2; 6, 1; e 9, 2; Wendy Lowenstein, The lminigrants, Melbourne, 1978; Joan Morri-son e Charlotte Zabusky, American Mosaic, Nova York, 1980.
História dos negros - urbana: Paul Bullock, Watts, the Aftermath, Nova York, 1969; Alex Haley, Autobiography of Malcolm, Nova York, 1965. Rural: These are Otw Lives, Federal Writers Project, ver pp. 89-90 deste livro; Theodore Rosengarten, Ali Gods Dangers: The Life of Nate Shaw, Nova York, 1974; William Montell, The Saga of Coe Ridge, Knox-ville, Tennessee, 1970; Lawrence Goodwin, "Populist Dreams and Negro Rights: East Texas as a Case Swdy", American Historical Review, 76, 1, 1971; Scott Ellsworth, Death in a Promised Land: The lhlsa Race Riot of 1921, Baton Rouge, 1982; Southern Exposure, número especial Woices of Southern Strugle", 1, 3-4, inverno de 1974; George Rawick, From Sundown to Sunup, The Making of the Black Community e The American Slave - A Composite Biography, Westport, Connecticut, 1972. Antigos

354


excertos de narrativas de escravos foram publicados em B. A. Botkin, Lay My Burden Down, Chicago, 1945; para uso recente, Eugene Genovese, Roll, Jordon Roll: the World the Slaves Made, 1974. De sociologia: espe-ciahnente Charles S. Johnson, Shadow of the Plantation, Chicago, 1934; John Dollard, Caste and Class in a Southern Town, New Haven, 1937;

John K. Morland, Millways of Kent, Chapel 11h11, 1958, e Hylan Lewis, Blackways of Kent, Chapel 11h11, 1955. Na Grã-Bretanha: Amrit Wilson, Finding a Voice: Asian Women in Britain, 1978; e Black Historv Jssue, OH, 8, 1 - Harry Goulbourne, Oral history and black labour", Elizabeth Thomas-Hope, "West Indian Migration to Britain", Pnina Werbner, "A

Community of Suffering", e Donald Hinds sobre Brixton.
1. George Ewart Evans, The Days That We Have Seen, p. 24.

2. "The Miners, lhe relevance of oral evidence", OH, 1, 4, p. 74.

3. Pp. xxxii-xxxviii.

4. Donoughue, OH, 2, 1, pp. 83-4.

5.P. 4.

6. Pp. 127, 144, 201.


Capítulo 4 - Evidência
Sobre memória: especialmente F. C. Bartlett, Remembering, Cambridge, 1932; Ian Hunter, Memory, 1957, edição revista, 1964; Ro-berta L. Klatsky, Human Memory, San Francisco, 1975.
Sobre mudanças históricas na percepção: Mandrou, Jntroduction to Modern France; também, de modo geral, Vansina, acima (tanto a edição original quanto a revista). Gerontologia: A. 1. Welford, Ageing and Human Skill, 1958; B. L. Neugarten (org.), Middle Age and Ageing, 1968. Sobre entrevista e métodos sociológicos: Herbert 11. Hyman, Interviewing in Social Research, Chicago, 1954; W. V. D. Bingham e B. V. Moore, How to Jnterview, 1931, ed. revista, Nova York, 1959; Norman Denzin (org.), Sociological Methods, Berkeley 1970; Barney G. Glaser e Anselm L. Strauss, lhe Discovery of Grounded Theory, Chicago, 1967. Sobre a coe-rência da precisão da memória, além das obras citadas em notas, Alan Baddeley, Diana Gittins e Colin Hindley, in Louis Moss e Harvey Golds-tem (orgs.), The Recall Method in Social Surveys, 1979.
Sobre a influência da. consciência interior e da identidade - "subje-tividade" - e a interação recíproca dentro da entrevista na configuração da memória, dos conceitos, da forma e da linguagem, ver especialmente Ronald Fraser, Jn Search of a Past, 1984; Elliot Mishler, Research Jnterviewing:Context and Narrative, Cambridge, Mass., 1986; Luisa

355


Passerini, Torino operaia e fascismo, 1984; Luisa Passerini e Isabelle Ber-taux-Wiame, in Our Common History; Anna Bravo, italian women in lhe Nazi camps", OH, 13, 1; Alessandro Portelli, lhe peculiarities of oral histoiy", HW~ 12, e Functions of time in oral history", e réplica a Louise Tilly,IJOH,2,3e6, 1.

1.OH, l,4,p. 93.

2. Pp. 133-7.

3.D. Read, Docutnentsfrom Edwardian England, 1973, pp. 305-7; Robert Blake, The Unknown Prime Minister~ the L!fe and limes of Bonar Law, 1955, p. 130.

4.Topulist Dream", American Historical Review 76, acima; cf. Mason, General Strike..., pp. 70, 101.

5.011, 1, 3, pp. 35,46.

6. Trad. 1952, p. 37; Jack Douglas, The Social Meanings of Suicide, Princeton, 1967.

7.Censo da Inglaterra e País de Gales para 1911, vol. XLII, Fertility and Marriage', p. xv.

8. Frances Widdowson, Elementary Teachcr Training and lhe Middle Class Girl", Susan MilIer, "The Happy Coincidence: rural poverty and the Iabour migration scheme of 1835-7", e Eve Hostettler, Cottage Economy', disscrtações de mestrado e projetos de história oral da Univer-sidade de Essex M.A., 1976; Gudie Lawaetz, "Histoiy ou Film", History Workshop, 2, p. 124, cf. p. 137; Royden Harrison, limes Higher Education Suppletnent, 23 de julho de 1976.

9. R. H. 5. Crossman, Listener, 1. 2.1973, p. 148; From Mouths of Men,pp. 174-5.

10. Ver Alessandro Portelli, "Oral history, lhe law and lhe making of history", 11W, 20, pp. 5-25, sobre o julgamento de Aldo Moro das Brigadas Vermelhas italianas.

11.Hunter,p. 175.

12. Regravação, p. ex. Calum Johnston, gravado por Alan Lomax, da

Escola de Estudos Escoceses, em 1951, Tocher, 13, p. 166, e para nossa

pesquisa, 293, pp. 1-8, 1971; Thea Vigne, análise de três reentrevistas para

o curso D 301 da Universidade Aberta, Notas para Programas de Televisão

(8 e 9), pp. 19-23; e OH, 1,4, pp. 14-7.

13. 11. P. Bahrick, P. O. Bahrick e R. P. Wittlinger, "Fifty Ycars of Memoty for Names and Faces", Journal ofExperirnental Psychology (104, 1),mar. 1975.

14.Jenkins, The Agricultura? Cotninunitv in South West Wales, p. 5; Hunter,p. 161.

356


15 . Bartlett, p. 204.

16. 1, pp. 446-7.

17. Hunter, p. 227; Welford, p. 233.

18..Plummer,p. 103.

19. Mishler, pp. 18-9; Hyman, p. 115.

20. Hyman, pp. 159-6 1.

21. Vansina,p. 93.

22. Denzin, pp. 199-203.

23. Carol Faiers, "Persistence and change iii a Suffolk village", Pro-jeto de bacharelado em sociologia da Universidade de Essex, 1976, p. 36.

24. OH, 4, 1, p. 47.

25.lmplications of Oracy: au Anthropological View", OH, 3, 1, pp. 41-9.

26. Denzin, p. 324; Hyman, pp. 234, 238-42.

27. Pp. 459, 467.

28. Butler e Stokes, p. 273; Charles More, Skill and the English Working Class 1870-1914, 1980, pp. 58-61, 66-7, 70-1.

29.Pp. 190-2.

30. Neugarten, pp. 173-7.

31. Herbcrt Blumer, Critiques of Research in the Social Sciences: I: An Appraisal of Thomas and Znaniecki's The Polish Peasant in Europe and America (Nova York, 1939), introdução à edição revista, New Brunswick, 1979, p. xxxiv; Yves Lequin e J. Metral, "Une mémoire collective: les métallurgistes reiraités de Givors", Annales, 35, 1.

32. Entrevista inédita, Paul Thompson e Thea Vigne, 908, pp. 10-6; cf. OH, 1,4, p. 31.

33.Mason e Skelley, sobre a Greve Geral; sobre Yad Washem, OH, 5, 1, pp. 37-9.

34.Raphael Samuel, HW, 1, p. 202, e Miners, Quarrymen and Saltworkers, 1977, p. 4.

35. Friedlander, Emetgence of a UAWLoca1, p. xxx.

36. OH, 1, 4, pp. 116-20; Muuson in Contemporary Review, 1975- 96,pp. 107-8.

37. OH, 1, 3, p. 39; OH, 2, 1, p. 84.

38. Speak for England, p. 7.

39.P.5.

40. Ford, 1, pp. 267-8, 389-93.

41. Biografia di una Cittá: storia e racconto: Temi 1830-1985, Turini, 1985, pp. 261, 307-8; IJOH, 2, 3, pp. 172, 175; e 11W, 12, p. 100; cf. Vansina (1985), p. 6.

357


42. Roy Hay, "Use and Abuse of Oral Evidence", artigo inédito.

43. 11W, 12, p. 100.

44. John Berger, Pig Earth, 1985, p. 9.

45. Vansina (1985), pp. 21, 68-9.

46. Pierre Gaudin e Claire Reverchon, "Le seus du tragique dans la mémoire historique', comunicações da Conferência Internacional de His-tória Oral de Aix, 1982, pp. 89-98; Françoise Zonabend, La Mémoire Longue, Paris, 1980, pp. 107-11,299-304.

47. OH, 5, 1, p. 23.

48. Vansina (1985), pp. 56, 103; Paul Irwin, Lipta.ko Speaks, 1981; Henige, pp. 72-3; Howard e Frances Morphy, lhe myths' of Ngalakan histoiy", Man, 19, 3 (1984), pp. 459-78.

49. Steven Feierman, The Sha,nbaa Kingdnm, 1974, p. 15; Anna Bravo e Daniele Jalla, La Vita Offesa, Milão, 1986, p. 63; Passerini lii Our Common History, p. 61; Joutard, Ces voix, p. 235; Lucien Ascbieri, Le passé recomposé: Mérnoire d'une communauté Provençale, Marselha, 1985.

50. Carolyn Steedman, Landscape for a Good Woman, 1986, pp. 39; Vansina, OH, 5, 1, p. 22-3; Ronald J. Grele, Envelopes of Sound, Chicago, 1975, pp. 57, 61.

51. F. A. Salome, "lhe methodological significance of the lying informant', Anthropological Quarterly, 50 (1977), pp. 117-24; Vansina (1985), p. 8; Frank Coffield, P. Robinson e J. Sarsby, A Cycle of Deprivation?A case study offourfamilies, 1980, pp. 13-4, 33.

52. Jack Goody, Literacy in Traditional Societies, Cambridge, 1968, pp. 27-68; Vansina (1985), pp. xii, 92, 94, 120-3, 162-5.

53. Jerome Mintz, The Anarchisrs of Casa l4ejas, Chicago, 1982, pp. xi, 271; Eric Hobsbawm, Primitive Rebels, 1959, p. 90.

54. James W. Wilkie, "Alternative views in History: Historical statistics and oral history", in Richard E. Greenleaf e Michael C. Meycr (orgs.), Research in Mexican History, Lincoln, Nebraska, 1973, p. 54; Vansina, in Joseph Miller (org.), The African Past Speaks, Folkestone, 1980, p. 276.
Capitulo 5 - A memória e o eu
Sobre psicanálise e memória, ver as sugestões sobre "subjetividade" no Capítulo 4; os ensaios de Freud sobre A interpretação dos sonhos (1900), As piadas e sua relação com o inconsciente (1905) e O ego e o id (1923), Complete Psvchological Works, 1953 - 1V-V, VIII e XIX; Juliet

358


Mitchell, Psychoanalysis and Feminism, 1974; Nancy Chodorow, 77w Re-prvduction of Mothering, Berkeley, 1978; Gill Gorell Barnes, "Systems lheoiy and family lherapy", in M. Rutter e L. Herzov (orgs.), Modern Child Psychiatry, 1985, pp. 216-29; Jeremy Holmes, 'Family and Individual therapy: comparisons and contrasts', British Journal of Psychiatry, 47 (1985), 668-76.
Sobre a terapia da reminiscência, além dos artigos abaixo, Recall -A handbook, HeIp the Aged, 1986; Jane Lawrence e Jane Mace, Retnembering in Groups, Exploring Living Memory, 1987; Andrew Norris, Re,niniscence with Elderly People, 1986; Peter Coleman, Eld.erly People and the Reminiscence Process, 1986; e M. Kaminisky (org.), lhe Uses of Re,niniscence: New Ways of Working with QUer Adu lis, Nova York, 1984 - numero especial duplo, Journal o! Gerontological Social Work, 7, 1-2.

1. Pp. 85, 118.

2. Our Common History, pp. 192-3.

3. Sigmund Freud, Remembering, repeating and working-through" (1914), Complete Psychological Works, 1966-74, 12, p. 148; David Lowenthal, The Past is a Foreign Country, 1985, p. 17.

4. Donald e Lorna Miller, "Armenian Survivors: a typological analysis ofvictim response", OHR, 1982, pp. 47-72.

5. Arma Bravo e Daniele Jalla, La l4ta CJffesa, Milão, 1986, p. 160; Claudine Vegh, IDidn 't Say Goodbye, 1984, pp. 29, 161.

6. Ponsonby, pp. 8-9; Baum, Jnternational Journal on Aging and Hu,nan Developmnent, 12 (1980-81), pp. 49-53; Paraday e Plummer, "Doing Life Histories", Sociological Review, 27 (1979), pp. 773-98.

7. Peter Coleman, issue in the therapeutic use of reminiscence with elderly people", in Ian Hanley e Mary Gilhooly (orgs.), Psychological Therapies for the Elderly, 1986, pp. 4 1-64; R. Dobrof, introdução a M. Kaminsky (org.), The Use of Re,niniscence: New Ways of Working with Older Adults, Nova York, 1984; Robert Butler, The Life Review: an

Interpretation of Reminiscence in the Aged", Psychiatry, 26 (1963), pp. 65-76 "The Life Review: an Unrecognized Bonanza', International'Journal on Aging and Hu,nan Development, 12 (1980-81), 35-8, e Why Sumvive?,Nova York, 1975, pp.4l2-4.

8. S. Merriam, "The concept and function of reminíscence: a review of lhe research", Gerontologist, 20 (1980), 604-9; V. Molinari e R.E. Reichlin, "Life review reminiscence ín the elderly: a review of the literature', International Journal on Aging and Human Development, 20 (1984-85), 8 1-92.

9. Debbie Frost e Kay Taylor, 'Life Story Books: l'his is my life",

359
community Care, 7.8.1986; S. M. Hale (um assistente social em Peckbam), Case Conference, 7, 6 (1960), 153-5; Malcolm Jolmson, That was your life: a biographical approach to later life", in Vida Carver e Penny Liddiard (orgs.), An Ageing Population, 1979, pp. 147-61 (152, 159); Mel Wright, Using the past to help the present", Coinmunity Care, 533, 11.10.1984, e Triining the past", OH, 14, 1.

10. John Adams, Reminiscence in the geriatric ward: an undervalued resource", OH, 12, 2; J. Lesser et alii, "Reminiscence group therapy with psychotic geriatric patients", Gero ntologist, 21(1981), 291-6; Andrew Norris e Mohammed Abu El Eileh, Reminiscence groups: a Lhe-rapy for both elderly patients and their stafr, Nursing limes, 78 (1982), 1368-9, ou OH, 11, 1; Anuie Lai, Bob e Pippa Little, Chhiatown Annie:

the East End opium frade 1920-35", OH, 14, 1.

11. Peter Coleman, in Hanley e Gilhooly, "lhe past in Lhe present: a study of elderly people's aLtitude to reminiscence", OH, 14, 1.

12. H. Hazan, The Limbo People, 1980, pp. 27-8. A verdadeira ori-gem desse poema, que tem sido citado em diversos lugares, não é clara, mas tem uma origem convenientemente mítica em um centro de idosos de Londres.


Capítulo 6 -Projetos
Conselhos práticos sobre projetos em geral encontram-se em:

Stephen Humpbries, The Handbook o! Oral History, 1984.

Quanto a projetos educacionais: Sallie Purkis, Oral Hi.srory in Schools, Oral Histoty Society, 1980, Tlzanks for the Memory, 1987, e relatórios com-pletos em OH; também, Alistair Ross, Children as historians", e Elyse Dodgson, "From oral history to drama", OH, 12, 2, e Liz Cleaver, "Oral history at Thurston Upper School", OH, 13, 1; Elyse Dodgson, Mother-land, 1984. Entre os livros de consulta que utilizam história oral encontra-se uma série de livros para crianças de oito anos, Sallie Purkis, At Home in 1900, etc., 1981; um pacote didático modelo, Hurrah for Life in the Fac-tory, pode ser obtido de Manchester Studies, Manchester Polyteclmic; e entre conjuntos disponíveis de fitas gravadas estão People Talking e Fro,n Scotlands Past, da Rádio Escolar da BBC.
Quanto a obras educativas norte-americanas, ver John Neuensch

wander, Oral History as a Teaching Approach, Washington, 1976; Eliot Wigginton, The Foxfire Book, Nova York, 1972. No ensino su-perior: James Hoopes, Oral Historv: an Introduction for Students,

360

Chapel Hill, 1979; e sobre trabalho de campo no lerceiro Mundo, David Henige, Oral Historiography, 1982.


Quanto a projetos de comunidade: Humphries; Jane Mace, Working with Words: Literacy beyond School, 1979, e Write First lime; Willa Baum, Oral History for the Local Historical Society, Berkeley, edição re-vista, 1971, e Barbara Allen e Lynwood Montell, From Memory to History: Using Oral Sources in Local Historical Research, Nashville, 1981; David Lance, An Archive Approach to Orat History, 1978, e Willa Baum, "the Expanding Role of Lhe Librarian in Oral History", in Dunaway e Baum; Richard Gray sobre a história de Peckham People, Graham Smith sobre o Projeto de História MSC de Arbroath, Robert Perks sobre Bradford Heritage e Sian Jones sobre Southampton Museum, in Oral History and

Community History, OH, 12, 2; Sian Jones, April Whincop, Elizabeth Frostick et alii, in Museurns and Oral History, OH, 14, 2; George McDaniel, Hearth and Home: Preserving a People's Culture, Filadélfia, 1983; Rickie Burman, Tarticipating in the past? Oral History and Community Histoiy in Lhe work of Manchester Studies", 1.10H, 5, 2; e John Kuo Wei lchen, lowards Building a Democratic Community Cultures; reflections on Lhe New York Chinatown History Project", V Con-ferência Internacional de História Oral, Barcelona, 1985.

1. Reproduzido de Write First lime, jun. 1981, com permissão do autor.

2. Foxfire One, 1972, pp. 141, 221, 363, 375; OHR, 1973, pp. 30-6.

3.Uma seleção desses projetos foi publicada em Leonore Davidoff e Belinda Westover (orgs.), Our Work, Our Lives, Our Words, 1986.

4 .HW, 1, pp. 198-9.

5. HW, 1, pp. 1-2.

6. Humphries, p. 95.

7. My Apprenticeship, p. 362.

8. HW, 1,pp. 117-20.


Capitulo 7 - A entrevista
Exposições completas sobre o método de entrevista encontram-se em Hyman, Interviewing in Social Research, e Bingham e Moore, How to Interview, acima. E ainda vale a pena ler Beatrice Webb, My Apprenhices-hip, 1926, pp. 36 1-3. Conselhos mais imediatamente úteis encontram-se em Baum, Oral HLslory for the Local Historical Socieiy, acima; George Ewart Evans, 'Approaches Lo Interviewing", Michael Winstanley, "Some Practi-cal Hints on Oral History Interviewing", OH, 1, 4, e 5, 1. Sobre gravação

361


de portadores-de-tradições, ver Donald A. Macdonald, "Collecting Oral Lite-rature", in R. M. Dorson (org.), Folklore and Folkl~fe, Chicago, 1972, pp. 407-30.
Sobre entrevista de políticos e de outros líderes: Anthony Seldon e Joanna Pappworth, By Word of Mouth: Elite Oral History, 1983; Peter Oliver, "Oral History: One Historian's View", COHA Journal, 1; e James Wilkie, "Alternative Views in History: Historical Statistics and Ora Histoiy", in Richard E. Greenleaf e Michael C. Meyer (orgs.), Research in

Mexican History, 1973. Também considerei proveitoso o artigo inédito de Roy Hay, "Use and Abuse of Oral Evidence".

1.Hay,p. 15.

2.OHR, 1976, p. 30.

3.OH,3, l,p.21.

4. MyApprenticeship, pp. 36 1-2.

5. P. ex., Michael Winstanley, anotações de trabalho de campo, Uni-versidade de Kent; Charles Parker, OH, 1,4, pp. 53-4.

"Portador-de-tradições" é um termo comum entre folcloristas; "nar-rador", nos programas norte-americanos.

6. OH, 1,4, pp. 62-3.

7. Janet Askham, "Telling stories", Sociological Review, 30 (1982), pp. 555-73. A entrevista inicial completamente não-estruturada foi utili-zada nos primeiros trabalhos de Luisa Passerini e seus colegas de Turim.

8. Documents of L~fe, p. 103.

9.Hay,pp. 13-4.

10 .Baum, p. 33.

11. Daí a opinião de Beatrice Webb, MyApprenticeship, p. 362; ou a experiência de Thomas Reeve com intelectuais liberais, OHR, 1976, p. 33.

12. OH, 1,4, p. 56.

13. Saville, OH, 1,4, p. 56; Edge, 4,2, p. 10; MyApprenticeship, p. 363.

14. Tape Recording of Local Dialect, Standing Conference for Local History, 1971.

15. P. 362.

16. Ann Oakley, "Interviewing women: a contradiction ia tenns", in Hclen Robcrts (org.), Doing Fcminist Research, 1981, pp. 30-61. Em seu trabalho anterior sobre trabalho doméstico, ela utilizara um elaborado es-quema formal de entrevista; porém, investigar a experiência do parto me-diante sucessivas entrevistas e, por vezes, estar presente ao próprio nasci-mento exigiam uma abordagem mais flexivel, mais privada e mais íntima.

17.P. 362.

18 .Olivcr, p. 14.

362


19. OH, 1, 3, pp. 35-8.

20. Oliver, p. 14.

21. Vansina, pp. 198-200.
Capitulo 8 - Armazenamento e catalogação
A respeito de armazenamento, catalogação e conservação, ver David Lance, An Archive Approach to Oral History, 1978. Também, sobre a si-tuação legal na Grã-Bretanha: David Lance, OH, 4, 1, pp. 96-7; nos Esta-dos Unidos: Baum, Oral History for the Local Historical Society, e Tru-man Eustis, OHR, 1976, pp. 6-18. Sobre transcrição, ver Raphael Samuel, Terils of Transcript", OH, 1, 2, a que recorri insistentemente. Sobre a escolha de um processador de textos para a transcrição e catalogação, en-contram-se conselhos gerais em Roy Rosensweig, Automating your oral history program: a guide to data base management on a niicrocomputer", IJOH, 5, 3; e Frederick J. Stielow, The Management of Oral History Sound Archives, Nova York, 1986. Ver também Capítulo 9, n. 14.
1. Tecnicamente, apenas para as fitas, uma temperatura de 5 a 10 graus seria ainda melhor, mas como as fitas exigirão mais de doze horas de reaclimatação antes de serem usadas a temperaturas comuns de um escritó-rio, só vale a pena pensar nisso para fitas matrizes que se pretenda usar raramente.

2. Baum, pp. 41-4; a orientação da Associação de História Oral émenos precisa, p. 46; sobre a situação legal norte-americana em geral, rela-tiva à história oral, ela escreve, pp. 47-8, que calúnia é definida como a publicação "de enunciado falso, sem justa causa, e que tende a expor ou-trem ao ódio, ao desprezo ou ao ridículo público. Diversos processos judi-ciais têm reduzido progressivamente a possibilidade de um tribunal consi-derar difamador ou calunioso qualquer resultado de trabalho histórico. Em primeiro lugar, os mortos não podem ser caluniados. Em segundo lugar, a difamação caluniosa de pessoas vivas proeminentes deve incluir uma in-tenção maldosa real, associada a um menosprezo irresponsável pela verdade.


"O pesquisador ou entrevistador precisará preocupar-se um pouco mais se as perguntas que faz o levam para dentro das vidas totalmente privadas de pessoas proeminentes, ou não proeminentes, muito embora ainda disponha de uma boa defesa, caso demonstre que há bons motivos para que essa verdade seja publicada. Naturalmente, sempre existe a possi-bilidade de aborrecimentos nas instâncias inferiores com a instauração de processos por calúnia. Tais processos não têm quase possibilidade alguma de terminar numa sentença judicial por danos e perdas, mas podem custar

363


tempo e despesas ao pesquisador para defender-se. Praticamente, porém, a calúnia ou difamação são um perigo inexistente em relação a um projeto de história oral. O que é preciso resguardar é a reputação do projeto como um trabalho responsável, e não sua responsabilidade legal."
A questão dos direitos autorais literários das gravações de história oral continua tão ambígua quanto na Grã-Bretanha. Essa afirmação está desenvolvida com detalhes em artigo de Truman W. Eustis III sobre a lei norte-americana de direitos autorais (OHR, 1976, pp. 6-18), com exemplos extraídos de casos, entre os quais a importante decisão do Tribunal Esta-dual de Apelação de Nova York, no processo movido pelo espólio de Ernest Hemingway contra a Random House (1968), de não proibir a publi-cação pelo escritor amigo de Hemingway, A. E. Hotchner, de suas anota-ções (não gravações) de conversas que tivera com ele. Essa decisão, de que 'Ernest Hemingway implicitamente cedera seus direitos de acordo com a lei de direitos autorais, ao permitir conscientemente que Hotcbner o entre-vistasse", coloca os Estados Unidos, segundo James W. Wilkie, na linha da posição de bom senso" que parece prevalecer por toda a América La-tina" - e certamente no procedimento mexicano - de que "quem detém a autoria intelectual é o entrevistador" (Research in Mexican History, p. 55).

3.P.32.


4. P. 212. Dentro do mesmo espírito, o Aural History Institute of British Columbia, Manual, p. 40, aconselha a indicação do sotaque local mediante grafias como yeah, huh, must 'a, gonna.

5. Naturalmente com uma carta explicativa que procure evitar algu-mas das dificuldades que podem advir. O exemplo do Aural History Institute (ibidem, p. 49) contém o seguinte parágrafo:

Tenha a gentileza de ler a transcrição, lembrando-se de que se trata de uma gravação da língua falada, e não escrita. Altere toda data incorreta, nomes grafados erradamente ou informações erradas; não é recomendado fazer correções gramaticais, pois isso distorceria a gravação oral. Se desco-brir que omitiu informações relativas a determinadas passagens, acrescente-as à margem ou em folhas adicionais. Do mesmo modo, se quiser esclarecer alguma afirmação que tenha feito, anexe a informação à transcrição.
Capítulo 9 - Interpretação: a construção da história
Quanto à análise e ao papel da teoria no nabalho de campo, ver Jan Vansina, lhe Power of Systematic Doubt lii Historical Enquity", History in Africa, 1, 1974, pp. 109-27; Peter Friedlander, introdução a The Emergence of a UAW Local 1936-1939, Pittsburgh, 1975; Martin Bulmer

364


(org.), Sociological Research Methods, 1977; e Paul Thompson, Life His-tories and Lhe Analysis of Social Change", in Bertaux, Biography and So-ciety.
Quanto a formas literárias de análise, ver Elliot Mishler, Research Interviewing: Context and Narrative, Cambridge, Mass., 1986; Walter Ong, Orality and Literacy, 1982; Ron Grele, "Listen tu their Voices", OH, 7, 1 e (org.), Envelopes of Sound, Chicago, 1975; Isabelle Bertaux-Wiame, in Our Common History; William Labov, Language in the Jnner City:

Studies in the Black English Vernacular, Filadélfia, 1972 (Oxford, 1977), caps. 5 e 9; Robert Fothergill, Private Chronicles: a Study of English Diaríes, 1974 (esp. cap. 5); David Vincent, Bread, Knowledge and Freedom: a study of nineteenth-cemury worldng-classs autobiography, 1981; Philippe Lejeune, Je est un autre: L'autobiographie, de la littérature

aux médias, Paris, 1980; E. Culpepper Clark, Michael Hyde e Eva McMahan, Cominunication in Lhe oral history interview", e Alessandro Portelli, Functions of time ia oral history", IJOH, 1, 1 e 2, 3.
Quanto à análise quantitativa: Richard Jensen, Oral History, Quantification and Lhe New Social History", OHR, 1981; Trevor Lutnmis, Structure and validity in oral evidence", 1.10H, 2, 2, e Listening to His-tory, 1987, pp. 94-106.

1. A copiagem exige dois gravadores e um cabo de conexão. A fita matriz é colocada num dos gravadores e uma fita virgem no segundo gra-vador, e o cabo é inserido no soquete adequado, de modo que o segundo gravador esteja gravando o som do primeiro. Não é preciso microfone; este é um processo direto, e o som da fita no primeiro aparelho será simultanea-mente reproduzido por meio do alto-falante do segundo. O som que sai pelo segundo alto-falante é apenas um recurso auxiliar, para que voce possa saber o que está sendo copiado, e você pode ligá-lo em volume alto ou baixo, sem que isso afete a qualidade da cópia. A qualidade depende de como você ajusta o volume do primeiro alto-falante e o nível de gravação do segundo gravador. Quando você tiver achado exatamente o ponto para copiar em ambas as fitas, ligue simultaneamente o play do primeiro apa-relho e o record do segundo, desligando ambos no fim do fragmento. Uma alternativa é ligar o segundo aparelho imediatamente antes e desligar ime-diatamente depois do primeiro, para introduzir uma pequena pausa entre os fragmentos. Se você estiver transpondo uma série de fragmentos, remova então a primeira fita matriz, coloque a seguinte no primeiro gravador, en-contre o lugar que você quer gravar e copie como antes. Com alguma destreza esse é um processo bastante rápido.

2.OH,5,l,p.22.

365


3.Grele, 'Listen tu Lheir Voices".

4. Passerini, pp. 17, 22, 33.

5. Ong, pp. 24, 111; Bertaux-Wiame.

6. Mishler, p. 68; Janet Ashkam, "Telling stories", Sociological Review, 30 (1982); Carolyn Stecdman, Landscape for a Good Woman, 1986, pp. 58-9; cf. Passerini, p. 16.

7. Passerii, p. 43; Stefan Bohman, The People's Story: on Lhe collection and analysis of autobiographical materials", comunicação apre-sentada na conferência sobre Cultura da Classe Operária, Nörrköping, set. 1986.

8. Mishler, pp. vü-viü, 18-9, 53 e segs.

9.Michael Holquist (org.), The Dialogic Imagination: Four Essays by M. M Bakhtin, 1981, p. xx.

10. SSRC Research Report; cf. seu Occupation and Society, Cambridge, 1985, e 1.10H, 2, 2.

11. COHA Journal, 1, pp. 28-9.

12. P. xiv.

13. Curso D 301, programa de rádio, The Small Household"; Jensen, OHR, 1981.

14. Quanto ao desenvolvimento de programas de computador para história de vida (de que foram pioneiros Jorge Balan e Elizabeth Jelin em fins da década de 60), ver Stephen Tagg, Life Story interviews and their ínterpretation", in Michael Bretmer et alii (orgs.), The Research Interview, 1985, pp. 182-7.

15. Annabel Faraday e Ken Plummer, 'Doing Life Histories", Sociological Review, 27 (1979), pp. 773-98; cf. Documents of 14 fe, pp. 119 e segs.

16. The Poverty of Theory, 1978, pp. 229-42.

17. Pp. ix-xxxiii.

18. Hareven e Langenbach, Amoskeag, Nova York, 1978, pp. 381-8, e Hareven, Fainily lime and Industrial lime, Cambridge, 1982.

19.Home and Work: a New Context for Trade Union History", OH,5,2.

20. Women in the Fisbing: Lhe Roots of Powcr between the Sexes", Comparative Studies in Society and History, 27 (1985), 3-32.

21. Capítulo 5.

22. AlI Gods Dangers, pp. 4534.

366
MODELOS DE PERGUNTAS
As perguntas que se seguem não constituem um questionário, mas um esboço de orientação para o entrevistador - dentro do espírito do Capítulo 7. As instruções ao entrevistador estão impressas em itálico. Onde aparece um ponto de interrogação, a forma da pergunta é como indi-cado; no mais, os itens sobre o que perguntar estão em forma resumida e, para serem utilizados, precisam ter sua redação desenvolvida.
1. A casa e a família: informações básicas
Nome do informante, endereço atual, ano de nascimento, estado civil, ano em que se casou, lugar de nascimento (rua ou bairro, se conhecido).
Quantos anos você morou na casa em que nasceu? Onde você morou depois? Continue a perguntar sobre mudanças posteriores. Você se lembra por que sua família fez essas mudanças de casa? Se a família se mudou para um lugar relativamente distante: quem ajudou na saída e na chegada da mudança, a viagem, primeiras impressões, conseqüências econômicas da mu-dança; manutenção de contato com o lugar de origem e com outros migrantes.
Quantos innãos e irmãs você teve? Ordem de nascimento e diferen-ças de idade.
Que idade tinha seu pai quando você nasceu? (Lembrete: Que idade tinha ele quando morreu? Quando foi isso?) Ocupação (Se empregador. Quantos empregados tinha?) Ele teve outro serviço antes ou depois desse? Ele também fazia algum trabalho ocasional ou em tempo parcial? Continue a perguntar sobre todos os empregos até quando morreu.
*Mais ainda nesta tradução, que não é urna adaptação e onde, portanto, muitas refe-rências a fatos, instituições, situações e costumes são especificas da 1nglaten~a. (N. T.)

367
Você se lembra de seu pai ter estado alguma vez desempregado?

Que idade tinha sua mãe quando você nasceu? (Lembrete: Que idade tinha ela quando morreu? Quando foi isso?) Ela trabalhava antes de casar? (Se empregadora: Quantos empregados tinha?) Depois de casada, ela tra-balhou, ou não? Em tempo parcial? Número de horas. Continue a peigun-tar sobre todos os empregos até quando morreu.

Quem cuidava dos filhos enquanto sua mãe estava trabalhando?

Você se lembra de seus avós? Contatos, impressões.

Se o informante teve um substituto do pai e/ou da mãe (p.ex., avó e/ou avó), adapte as perguntas para abranger todas as informações. Em relação a famílias por adoção, ou por segundo casamento de um dos pais, faça as perguntas a respeito do pai e/ou da mãe adotivos, ou do padrasto ou madrasta, e (se for o caso) sobre os pais naturais que moravam nowro lugar.


2. Rotina doméstica
Gostaria de lhe perguntar agora sobre a vida em famflia quando você era criança; na época em que você terminou o primeiro grau. Você pode descrever a casa de ... (Escolha entre as mencionadas na seção 1)?
Como eram usados os cômodos da casa? Quartos; outros cômodos; mobiliário. Alguém mais morava na casa além de seus pais, innãos e irmãs? Outros parentes, ou hóspedes? (Se hóspedes: Onde eles dormiam? Onde comiam? Quanto pagavam?) Sua mãe pagava a alguém para ajudar no serviço de casa? (Em coso afirmativo: número de empregados; dor-mindo no emprego, trabalhando por dia, ou irregularmente, número de horas e salários; sala e quarto dos empregados; tarefas.) Para limpeza; para cuidar das crianças (tempo que os filhos ficavam com os pais). Supervisão e orientação moral dos empregados (Se dormiam no emprego, adaptar as perguntas seguintes para definir a participação deles nas atividades e nas relações em casa.) Como você se dava com ela? Como transcorria o tra-balho doméstico? Mandavam lavar fora a roupa? Quem fazia ou conser-tava as roupas da família? As roupas eram compradas novas ou usadas? Onde e quando? Sapatos. Seu pai ajudava sua mãe em algum serviço de casa? Lembrete: a limpar; a cozinhar; a lavar roupa; a acender o fogo; na decoração; em consertos; em melhorias na casa. Ele vestia você; desvcstia; dava banho; lia para você; contava histórias; saía com você sem sua mãe; tomava conta de você quando ela estava fora? Havia alguma tarefa que você tinha que fazer regularmente em casa para sua mãe e seu pai? Até

368


quando você continuou fazendo essas tarefas? Até depois de terminar o primeiro grau? Repetir essas perguntas em relação aos irmãos e irmos.
Você tinha que ir dormir numa hora determinada nos dias em que não tinha aula? A sua mãe ou alguma outra pessoa é que punha você na cama? Você repartia a cama com mais alguém? Quem mais dormia no mesmo quarto que você? Distribuição de toda a família para dormir. Como a família fazia para se lavar e tomar banho?
3. Refeições
Onde a família fazia as refeições? Havia alguma ocasião em que se comia em outro cômodo? Quem cozinhava? Onde? Equipamento de co-zinha (fogão a lenha ou carvão, a gás, elétrico). Onde se tomava o café da manhã? Quem da família estava presente? Como os demais faziam a pri-meira refeição? O que vocês costumavam comer e beber? Havia alguma coisa diferente em detenninados dias (domingos)? Repetir essas perguntas em relação ao almoço e ao jantar. Seu pai ou sua mãe faziam pão em casa; geléia; frutas ou legumes em conserva; faziam picles, vinho, cerveja, ou algum tipo de remédio para a família? Seu pai ou sua mãe plantavam legu-mes e frutas? Compravam? (em conserva, ou secos?) Criavam algum tipo de animal para a alimentação da família (galinha, porco, cabra)? Quem cuidava deles? Quantas vezes por semana vocês comiam carne? Carne em conserva? Alguma vez vocês comiam outro tipo de carne, como coelho que era caçado? Por quem? Com que freqüência? Você se lembra de perceber que sua mãe ficava com menos comida para que sobrasse mais para a famflia? Seu pai recebia porções maiores de comida? Ou alguma comida diferente?
Você podia conversar durante as refeições, ou não? Qual era a ati-tude de seus pais se você deixava sobras de comida no prato? Queriam que você segurasse a faca e o garfo de uma certa maneira, ou que se sentasse de um certo modo? Quando você podia sair da mesa? Toda a família se sentava à mesa para as refeições? Como a refeição era servida (por quem)? Se havia empregados: Onde os empregados comiam? Recebiam uma co-mida diferente?
4. Relações gerais com os pais: ascendência e disciplina
Sua mãe era uma pessoa fácil de conversar? Ela demonstrava afeto? Se você tivesse algum aborrecimento, podia partilhar com ela, ou não? Repetir essas perguntas em relação ao pai.

369


Como seus pais esperavam que você se comportasse em relação a eles? Quando criança, havia alguma pessoa mais velha com quem você se sentisse mais à vontade do que com seus pais? (Avós, outros parentes, empregados.) Quando os adultos conversavam, você podia participar?
Que tipo de pessoa você acha que seus pais esperavam que você fosse quando crescesse? Seus pais o criaram para que você considerasse que certas coisas são importantes na vida?
Se você fizesse alguma coisa que seus pais não aprovavam, o que aconteceria? (Por exemplo, xingar.) Se era castigado: Por quem; como; com que freqüência; ora pelo pai, ora pela mãe? Você se lembra de alguma ocasião especial em que tenha sido punido? Como você se sentiu quanto a isso?

Diria que a noção que tinha sobre como comportar-se você a recebeu de seu pai e de sua mãe igualmente, ou nesse assunto um dos dois teve papel mais importante do que o outro?

Como você se dava com seus irmãos e irmãs? Você se sentia espe-cialmente mais próximo de algum deles? Se brigassem: o que seus pais diziam disso?
5. Atividades da família
O dia de aniversário era diferente dos outros dias? Presentes; algo especial para comer; convidados.

Havia algum instrumento musical na casa? Quem tocava? Alguém da família cantava? Sua família às vezes fazia música em conjunto?

Seus pais brincavam com você? Dia de Natal; Páscoa; outras festas.

Havia livros em sua casa? Você freqüentava a biblioteca? Jornais. Revistas. Você se lembra de algum funeral na família? O que aconteceu?

Quem compareceu? Você tomou parte? Você usou luto?

Você se lembra de algum casamento na família? O que aconteceu? Quem compareceu?

Levavam você para visitar vizinhos, amigos ou parentes? Com quem você ia?

Levavam você para fazer compras? Com quem você ia? Você se, lembra de algum outro tipo de saída com seus pais? Bicicletas; motoci-cleta; automóvel. Feriados.

Vocês viajavam nos feriados? Por quanto tempo? Você fazia isso re-gularmente? Que membros da família iam junto? Onde? Atividades.

370
6. Religião


Você pode me dizer como passava os sábados naquele tempo? E os domingos? Você usava roupas diferentes? Você brincava? Seus pais acha-vam errado trabalhar ou brincar aos domingos? Seus pais freqüentavam algum lugar de culto, ou não? Nome da seita. Com que freqüência? Os dois, mãe e pai? Algum deles tinha algum posto na igreja? Você freqüen-tava?

Você ia a uma escola dominical, ou não? Excursões. Coro. Tempe-rance Club. Band of Hope. Aulas noturnas. Outras atividades organizadas pela igreja.

Ensinaram você a rezar à noite? Acontecia de a família rezar em conjunto?

Quanto você diria que a religião significava para você, quando criança?


7. Política
Seu pai se interessava por política? Você sabe quais eram as opiniões dele? O que leva você a pensar que ele tinha essas opiniões?

Você se lembra de seu pai haver votado numa eleição geral? Você sabe em que partido ele votou? Alguma vez ele participou de algum par-tido político? Atividades. Repetir essas perguntas em relação á mãe.

Naquele tempo, em certos lugares, as pessoas sentiam que corriam perigo de perder o emprego ou a moradia se votassem diferente de seus empregadores. Você sabe se seu pai se sentiu pressionado desse modo para votar em determinado partido?
8. Outros interesses dos pais
Quando seus pais não estavam trabalhando, como passavam o tempo? Eles tinham rádio; televisão; toca-discos?

Sua mãe tinha algum interesse fora de casa?

Quando ela saía, o que é que fazia? Alguma vez ela saía para diver-tir-se? Com quem ela ia?

A que horas seu pai chegava do trabalho no fim do dia? Quantas noites por semana ficava em casa? Com que freqüência ficava em casa nos fins de semana? Como ele passava o tempo?

Seu pai freqüentava algum clube ou bar? Quando? Sua mãe também ia? Seu pai praticava algum esporte? Assistia a competições esportivas?

*************


Macdonald, John, 224

Maclellan, Aiigus, 112

Maitland, F. W., 75

Manchester Studies, 127, 243

Manchester, 33, 127,243

Manchester, William, 117

Manpower Services Cotnmission, 98, 239, 242

Maxsden, Dennis, 95, 113, 114, 130, 131

Maisbail, Jobn, 256

Marwick, Arthur, 102, 138

Marx, Karl, 64

Mason, Anthony, 113

Mason, Michael, 119

Mayhew, Henry, 65,86

McCrindle, Jean, 134

Memoirs ofihe Unemployed, 87

México, 51, 88, 90, 116,276

Michelet, iules, 45,71

Miller, Donald e Lorna, 206

Miliar, Jobn, 62

Miller, Joseph, 189

Mintz, Jerome, 194

Mintz, Sidney, 88

Mishler, Elliot, 314

Mommsen, Theodor, 81

Montell, William, 136

Moore, Geoge, 58

Moore, Robett, 96, 110, 114

More, Charles, 166

Morley, John, 97

Morrison, Herbert, 118

Morrison, Lindsay, 183

Mullcay, Mike, 276

mulheres, história das, 89, 133, 134, 335

museus, 16,218,247,252, 301, 334
N

Namier, Lewis, 81

Natíonal Coei Board, 106

National Sound Archive, 100

nazismo, 92,93

Neugasten, B. L, 172

Nevíns, Ailan, 89,107, 181

Nicolson, bispo William, 56

Niethammer, Lutz, 93

Nixon, Richard, 147

Norris, Andrew, 213
O

Oakley, Ann, 273

Clivei, Peter, 266,276

operária, história, 69,70, 95, 97, 98, 111, 112, 114, 115, 322, 323, 326

Opie, lona e Peter, 130, 155

oral, história; rea1ízaçe~es da; desenvolvi-mento da; finalidade social; o nome de

história política, 17,72, 89, 90,97,98, 99, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 334, 335

Oral History Association (Estados Uni-dos), 14, 89, 288

Oral History Review, 14,90

Orwell, George, 67

Qsano, Quinto, 190

Oxford Colonial Records Pioject, 119


P

Palmei, G. L., 164

Parker, Tony, 134

Passerini, Luisa, 92, 115, 190, 309,311, 312

Paterson, Alexander, 67

Peckham People's Histoiy, 241

People's Autobiography of

Haokney, 241

Percy, bispo, 57

Place, Francis, 142

Plummer, Ken, 158, 208

Polônia, 38, 87, 91

Pollard, Sidney, 113

Poni, Cano, 251

Ponsonby, Arthur, 208

383


Poitelli, Alessandro, 92, 182

Popper, Karl, 100

Powel, Margaret, 112, projetos, 17, 19, 59,71,90, 91, 93, 96, 97,98,99, 103, 109, 111, 118, 173, 174, 217, 218, 220,223,232, 233, 235, 236, 237, 238,242,243, 245, 246,247, 248, 262, 283,288,292, 337

psicologia, 77, 88, 150, 154, 191, 311

Purkins, Sallie, 222,221
R

Radja, Paul, 88

rádio, 15, 87, 92, 95, 99, 109, 111, 119, 233, 239, 243,246,248, 266, 268,269, 270,276,300,301,302,313

Rainwater, Lee, 132

Randell, Axthur, 112

Ranke, Leopold von, 78

Rawick, George, 137

Reeves, fliomas, 256

rellgi~o, história da, 110

Revelli, Nuto, 92, 124

Reynolds, Stephen, 67

Ritson, Joseph, 57

Robeits, Andrew, 162

Robeiis, Elizabetb, 106,133

Robexts, K., 113

Robertson, William, 54,75

Robertson, Willie, 185, 186

Rocha Lima, Valentina da, 117

Rogers, Thorold, 80

Roma, 52, 81, 92, 182

romances, 56,57,58,78, 313

Rosengarten, Theodore, 137

Ross, Alistair, 222

Routh, Guy, 168

Rowbotbam, Sheila, 134

Rowntree, Seebohm, 67,68

Royal Couit Young People's

Theatre, 225

Ruanda, 47,277

rural, história, 124, 126

Rússia, 83, 309
S

Sahagun, Bernardino de, 51

Samuel, Rapbael, 114, 124, 135,239,240

Saville, John, 111, 266

Scottish Statistical Accounts, 97

Seabrook, iera2ly, 126

Segalen, Martine, 132

Seignobos, Charks, 79

sexualidade, 132, 197

Shaw, Clifford, 86

Shaw, J. G., 60

Shaw, Nate, 137, 303, 335, 336

Sherard, Robert, 67

Shortreed, Robeit, 57

Sima Qian, 51

Simmons, Leo, 88

Sinclair, Sir John, 62

sindicatos, ver história operária

Skelley, Jeffrey, 113

Slaughter, C., 114

Smiles, Samuel, 60

Smith, Mary, 119

social, histdria, 15, 57, 62,65,91,92, 93, 94, 95, 96, 97, 100, 119, 120, 121, 122, 125, 130, 131, 198, 239, 267

Social Science Research Council, 96, 99

Southampton, 33

Stacey, Margaret, 129

Steedman, Carolyn, 191, 311

Storm-Clark Christopher, 106

Stokes, Dooald, 166

Strauss, Anselm, 173

Stuait, Deimis, 248

Stubbs, bispo, 80

Sturt, George, 67

subjetividade, 18, 183, 195, 197

Suécia, 35, 38 93,248

Sussex Labour History Society, 241

384
U

Uganda, 70, 120

urbana, história, 126, 127
V

Van Voris, W. H., 117

Vansina, Jan, 46,95, 191, 277, 307

Vegh, Claudine, 207

Vico, Giovanm Battista, 76

Vigne, Thea, 96, 121, 168

Voltaire, 53, 54, 55. 56,76
W

Wake, Joan, 97

Wales, 111, 125, 126, 132

Waller, Robert, 114

Webb, Beatrice, 68,69, 142, 244, 256,

266, 272, 274

Weber, Max, 322
385
"A história oral não é necessariamente um instrumento de mudança, isso depende do espírito com que seja utilizada. Não obstante, a história oral pode certamente ser um meio de transformar tanto o conteúdo quanto a finalidade da história. Pode ser utilizada para alterar o enfoque da própria história

e revelar novos campos de investigação; pode derrubar barreiras que exista, entre professores e alunos, entre gerações, entre instituições educacionais e o mundo exterior; e na produção da história - seja em livros, museus, rádio ou cinema - pode devolver às pessoas que fizeram e vivenciaram a história um lugar fundamental, mediante suas próprias palavras."


PAUL THOMPSON
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