um outro fenómeno social – uma nova contradição, na fase de adaptação do EB-E à sociedade “pós – fordista”: a) a pressão pela “diversificação da oferta” (diversificação das necessidades dos estratos da classe média) confronta-se com; b) pressão por “normatização + contenção de despesa pública” (devido à crise financeira do Estado).
Os conflitos entre a administração (global) do EB-E e os profissionais podem acentuar-se no nível institucional (individual), e alterar os padrões anteriores de relações entre os gestores e os profissionais médicos.
V.1 A NOVA ORGANIZAÇÃO DO ESTADO DE BEM – ESTAR, NA FASE PÓS – FORDISTA
As novas exigências da sociedade pós - fordista
Já na Secção “4 - A Modernização da Administração Pública” tínhamos referido que a fase mais recente de evolução da AP era a do “managerialismo”, e citámos brevemente algumas características do seu contexto social: a) a “sociedade do conhecimento” é dominada pelas instituições do sector terciário; b) os profissionais são contestados pela maior fragmentação da sociedade (maior diversidade nas necessidades, mais educação dos utentes); c) os profissionais prestadores (mais qualificados) dominam as instituições prestadoras, e exigem mais descentralização na gestão das instituições (negam-se a aceitar vidas de trabalho regidas por normas definidas por outros).
A sociedade pós – fordista pode caracterizar os países mais afluentes e que passaram já pela fase “industrial” (cxxxv ) . O sector dominante da infra – estrutura económica é o terciário. O conjunto dos cidadãos estratificou-se muito mais do que na fase industrial, e os estratos mais afluentes das classes média e proprietária passaram, a ter exigências de serviços muito diversificadas. E as relações dos cidadãos – trabalhadores mais qualificados com as entidades empregadoras passaram a ser mais instáveis, sendo a pressão pela instabilidade gerada pela “reengenharia” das instituições (redução de efectivos fixos, trabalho a termo, etc.) e também pela opção por maior liberdade de circulação de alguns profissionais cxxxvi . (236, 237 ) É certo que, mesmo nessas sociedades, há sectores “residuais” de produção (de outras fases), há estratos sociais menos diferenciados e afluentes (por exemplo, os migrantes), há trabalhadores pouco qualificados para os quais a estabilidade de emprego é fundamental para assegurar a sobrevivência, o co – financiamento dos serviços básicos e a reforma.
Estas sociedades também passaram a ter relações diferentes entre cidadãos e a política “institucional” tradicional (os partidos políticos e os sistemas eleitorais): maior disponibilidade de informação alimentou o individualismo, e reduziu a permanência nas “três pirâmides tradicionais” – religião, política, profissão - , aumentou o número de redes servindo causas temporárias (e aonde a permanência dos indivíduos também é temporária), diminuiu a importância das bases eleitorais massiças “de classe” (e das redes de influência dos partidos políticos), à medida que se estabelecem outras “redes de influência” na sociedade civil, com força de pressão sobre o poder político. ( 238 ) O consenso sobre o EB-E e, principalmente, o seu financiamento, torna-se mais complexo:
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obter maioria de votos em apoio a uma política de bem-estar depende de convencer número e variedade muito maior de grupos do que os da anterior fase industrial (que se resumia às bases eleitorais e sindicatos)
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a classe média foi educada, na nova onda liberal – de mercado, a procurar ( e pagar por) soluções individuais (não depender do Estado – Providência): necessitam menos do “pacote básico” de serviços (que o EB-E disponibiliza a todos), e também ficam menos disponíveis para co-financiar esse mesmo “pacote básico” para os que ainda precisam (redução da solidariedade e externalidades).
A relação destes conjuntos de estratos afluentes com o Estado, e os serviços prestados com financiamento público, caracteriza-se por exigência de respostas (serviços) diversificadas, e não-aceitação dos serviços homogéneos definidos pelos profissionais – funcionários públicos. Colocam-se os primeiros desafios à AP:
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Os “profissionais definidores” (das utilidades em que se vai usar o sempre escasso financiamento público) têm que ter muito mais informação para conhecer as diferentes necessidades
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As instituições locais devem ter muito mais autonomia (descentralização) para poder adaptar-se às exigências da “procura” local
Na Secção “4 - A Modernização da Administração Pública” tínhamos sugerido que a aplicação actual, em Portugal, da “Nova Gestão Pública” (NGP) se confrontava com um EB-E cuja implementação começou com atraso de umas 2 décadas (e não teve sequer o benefício dos anos ‘50 – ‘60, de crescimento económico – fiscal acelerado) e que a sociedade não atingiu ainda a fase “pós – fordista: os sectores produtivos residuais de outras fases ainda são importantes; elevada percentagem da população vive em pobreza (depende do pacote “mínimo / homogéneo” do Estado – Providência), e essa pobreza agudiza-se periodicamente, devido à precariedade de base económica (maiores necessidades sociais, quando o Estado entra em ainda maior crise fiscal); como consequência do anterior, a AP ainda é a típica dos EB-E em crescimento: normativa, centralizada, mesmo no sector Saúde (e ainda com grande peso político dos gestores dos níveis superiores – que definem os destinos do financiamento público num EB-E ainda em crescimento) cxxxvii ( 239, 240 ) ; o SNS apenas começou a ser construído na 2ª metade da década de ’70; a influência política ainda se faz muito na base dos agrupamentos tradicionais, enquanto a sociedade civil apenas tem expressão nos poucos grandes centros urbanos. Não são de admirar os muitos receios pela redução da despesa pública social, nem a reacção à fragmentação e privatização de instituições públicas. É provável que esta contradição entre o actual estadio de desenvolvimento da sociedade portuguesa e a onda da NGP continue a manifestar-se durante mais alguns anos.
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