Baianidade nas letras de Caetano Veloso e Gilberto Gil



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4. A Bahia na MPB

A posição da Bahia na história da música brasileira era sempre excepcional. A Bahia é às vezes considerada como o estado principal da musicalidade brasileira e, como diz uma canção famosíssima, é também o berço do gênero mais brasileiro: “o samba nasceu lá na Bahia“. É bem notável a importância creditada à música e aos músicos na construção do discurso da baianidade porque são estes a quem é atribuído o papel de representantes oficiais, embaixadores ou, digamos, porta-vozes da Bahia.

Os vestígios da presença da Bahia na música popular brasileira podemos encontrar com muita facilidade desde a introdução da indústria fonográfica ao Brasil.26 A verdadeira explosão dos temas baianos na música brasileira chega nos anos 30 com o compositor mineiro Ary Barroso. Ele não visitou a Bahia até 1937, quando já tinha escrito várias canções com temas baianos, mas isso não lhe impediu imortalizar esta região em sua obra, cantando as belezas das mulheres e da cidade ou os sabores da culinária baiana. Foi ele quem elevou o crédito da Bahia no Brasil inteiro. Clássicas se tornaram as canções como “Bahia“, o samba “Na Baixa dos Sapateiros“ ou “No tabuleiro da baiana“.

Ary Barroso fala do ponto de vista de quem visita a Bahia, mas o mais famoso compositor dos temas baianos é um “verdadeiro baiano”, porque provém da cidade baiana de Nazaré. Falamos do “querido moço Caymmi”, como foi chamado pelo grande amigo, o escritor famoso Jorge Amado. Dorival Caymmi nasceu em 1914 e já seu primeiro sucesso, aos 25 anos, é dedicado à temática baiana. É a música “O que é que a baiana tem?” que foi gravada por ele juntamente com a maior estrela brasileira daquela época, Carmen Miranda.27 Desde esse sucesso Caymmi tomou gosto em encantar sua terra e tornou se assim o maior promotor da Bahia. A prova deste fato pode ser a afirmação dos órgãos responsáveis pelo turismo da Bahia, a Bahiatursa, afirmando que já nos anos 60 Caymmi era campeão em matéria de vender a Bahia para turistas potenciais. Fazia isso através das canções como “Você já foi à Bahia”, “Saudade da Bahia”, “A lenda do Abaeté”, “Lá vem a baiana”, “Vatapá”, “Acontece que eu sou baiano”, músicas que falam da saudade do compositor, elogiam a beleza dos patrimônios físicos e culturais da Bahia, como as igrejas e a gastronomia baiana, com sua predileção em uso do típico azeite de dendê. As letras de Caymmi cantam ainda a sensualidade das baianas, com as elegantes rendas, colares e balangandãs que lhes vieram de suas ancestrais nagôs e não esquecem de falar também de Itapuã, o bairro soteropolitano, que Caymmi optou por sua morada para longos anos. Lá deparou com a cultura dos pescadores e essa se tornou um dos temas centrais de sua poesia. Sendo mulato, mantinha sempre a intimidade com os valores da “baianidade nagô” e isso também o levou ao terreiro da Mãe Menininha do Gantois, espelhando-se nos versos que falam do mundo do candomblé. Mas qual é, afinal, a concepção da Bahia de Dorival Caymmi? A Bahia dele encontra-se ainda no estádio pré-industrial, ancorada nas tradições, até podemos dizer que é semiparalisada. Na poética caymmiana há lugar só para a celebração da Bahia, a obra dele é plena de uma Bahia ideal, sedutora, cheia de alegria, com a gotinha de nostalgia amorosa, livre de atributos incômodos e indesejáveis.

O pesquisador na área da música Luíz Américo Lisboa Júnior28 juntou as letras de 272 músicas em que se fala da Bahia, entre 1904 e 1964. Analisando essas canções, chegamos à conclusão que a maioria se refere aos mesmos aspectos da Bahia como Caymmi. São os seguintes:

· A sensualidade dos baianos, mulheres ou homens. Ressalta-se o traje típico da baiana (o exemplo insuperável deste tema ficará “O que é que a baiana tem?”) e as características como a faceirice, a brejeirice, o dengo. Às vezes se sublinha a malandragem do baiano.

· A sensualidade transformada em dança – o samba. A vida do baiano significa cantar e sambar.

· A culinária que leva dendê, sobretudo acarajé, vatapá ou caruru.

· A religiosidade; o mais citado é o Senhor do Bonfim e, mais tarde, com a aceitação do candomblé, surgem muitas referências aos orixás, especialmente a Iemanjá e Xangô.

· O enigma loci de Salvador, com os lugares da arquitetura nobre como a Praça da Sé, o Bonfim, ou os cantos misteriosos como Itapuã ou a Baixa dos Sapateiros.

Resumido, as letras da música do período de 1904-1964 representam aquele lado ideal da baianidade (a sensualidade, a primazia e originalidade), da mesma maneira como fazia Dorival Caymmi. Apareceram apenas raras exceções das letras, na maioria dos autores sulistas, que ressaltam a preguiça dos baianos (dizendo que estes não trabalham, vivem apenas cantando e dançando e são malandros).

5. As biografias


Não queremos abranger muito amplamente a vida destes músicos baianos, mas alguns fatos biográficos básicos serão necessários para a compreensão de sua obra.

5.1. A biografia de Caetano Veloso

Caetano Emmanuel Vianna Telles Veloso29 nasceu a 7 de agosto de 1942 em Santo Amaro da Purificação, cidade pequena no Recôncavo baiano, conhecida pela tradicional produção de açúcar. É filho de Claudionor Veloso – “Dona Canô”, uma mulher muito admirada em Santo Amaro, e de José Veloso que trabalhou como funcionário dos Correios e Telégrafos. Tinha sete irmãos, dos quais se destacou também no campo da música a irmã mais nova, Maria Bethânia. Aos catorze anos, muda-se para o Rio de Janeiro, onde pôde usufruir desde cedo de seus programas favoritos, como a música e o cinema.

Após um ano passado no Rio regressa a Santo Amaro e, em 1959, conhece o trabalho de João Gilberto através do LP “Chega de saudade”. Este seria o músico que mais influência sua trajetória artística, como Caetano afirma: “No João, parece que é tudo mais justo, necessário: melodia, as vogais, as consoantes, os sentimentos, o respeito por aquela forma, que ele reconheceu ali, o jeito daquelas coisas se expressarem esteticamente. João traduz a canção”.30 Em 1960 passa a morar em Salvador, onde mais tarde ingressa na Faculdade de Letras da UFBA. Lá conhece e torna-se amigo do ídolo que já conhecia pela TV, Gilberto Gil, e, em 1964, juntamente com ele e com Maria Bethânia, Gal Costa e Tom Zé, fazem o show “Nós, por exemplo” na ocasião da inauguração do teatro Vila Velha, em Salvador, que foi dirigida por Caetano e que inaugura a carreira dos artistas. Esse show representa um marco histórico, reunindo pela primeira vez o núcleo que futuramente será conhecido como Doces Bárbaros. O mesmo grupo apresenta ainda o show “Nova bossa velha e velha bossa nova”.

Caetano e Gil mudam logo depois ao Sul do Brasil que oferece melhores oportunidades para os músicos, Caetano ao Rio de Janeiro, abandonando a Faculdade e acompanhando Maria Bethânia chamada para substituir Nara Leão no show “Opinião”. E segue o período dos festivais da música. Em 1966, Caetano recebe o prêmio pela melhor letra da “Um Dia” no II Festival de MPB da TV Record. Grava seu primeiro disco “Domingo”, em 1967, no qual inclui a canção “Alegria, alegria”, que é classificada no quarto lugar no III Festival da Record. Esse Festival foi o ponto de partida para o movimento tropicalista, movimento que reuniu Gilberto Gil, Torquato Neto, José Carlos Capinam, Gal Costa ou Tom Zé, às vezes chamado grupo baiano. Este movimento vai ser analisado mais adiante. Também é nesse festival onde Caetano chama a atenção dos poetas concretos Augusto e Haraldo de Campos e Décio Pignatari, que o familiarizam com sua obra e crítica literária de Ezra Pound, James Joyce e Oswald de Andrade, o que terá de grande importância na fase tropicalista.

A situação política vai se agravando naquele tempo. O governo militar precisava de poderes excepcionais, que não constavam na Constituição. Assim, os Atos Institucionais, que oprimiram a oposição ao governo, foram lançados. Isso tem grandes conseqüências para Caetano Veloso. Primeiro, seu samba “A voz do morto” foi censurado e o disco com a música foi recolhido das lojas. Mas isso é só começo. Dentre os Atos Institucionais editados, o AI nº5 é tido como mais repressivo e é visto pela maioria dos jovens como o fechamento dos meios de resistência pacífica ao regime. AI nº5 cerceou completamente a liberdade de expressão. No dia 27 de dezembro de 1968, aplicando este AI, Caetano foi preso juntamente com Gilberto Gil sob o pretexto de desrespeito ao hino e à bandeira do Brasil. Foram levados para o quartel do exército de Marechal Deodoro, no Rio de Janeiro, permanecendo detidos por dois meses. A situação torna-se insustentável e após o último show de despedida, realizada em Salvador nos dias 20 e 21 de julho, Caetano Veloso e Gilberto Gil embarcam junto com suas mulheres, as irmãs Dedé e Sandra Gadelha, para o exílio na Inglaterra. Mesmo no exílio, produção de Caetano não pára e ele lança pelo selo inglês dois discos.

Em janeiro de 1972, volta definitivamente ao Brasil e continua em seu trabalho musical, colaborando com vários compositores e cantores, com Chico Buarque ou Milton Nascimento, entre outros. No dia 24 de junho de 1974, 10 anos depois do show “Nós, por exemplo”, Caetano reencontra Gal Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia no elenco do espetáculo “Doces Bárbaros” e a mesma situação acontece ainda em 1994, no show “Doces Bárbaros na Mangueira”.

No início de 1977, participa, ao lado de Gilberto Gil, do 2º Festival Mundial de Arte e Cultura Negra, em Lagos (Nigéria) e o encontro com a original cultura africana fornece vários motivos para seu trabalho. Em abril desse ano, lança seu primeiro livro, “Alegria, alegria”, uma compilação de artigos, manifestos e poemas, além de entrevistas concedidas ao amigo e poeta Waly Salomão. A tentativa de se exprimir não só através da música e das letras continua e Caetano Veloso torna-se o autor de vários livros, dos quais mais importante é o livro “Verdade tropical”, um relato pessoal sobre sua visão do mundo, lançado em 1997.

Após mais de 40 anos da carreira, Caetano Veloso continua a ser uma das pessoas mais respeitáveis no mundo da música brasileira e continua a compor novas músicas. Seu trabalho foi apreciado até no estrangeiro; em 2000, pelo CD “Livro”, recebeu na categoria World Music o Prêmio Grammy Awards.




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