Casa dos mortos



Yüklə 1,41 Mb.
səhifə18/34
tarix15.01.2019
ölçüsü1,41 Mb.
#96574
1   ...   14   15   16   17   18   19   20   21   ...   34

confradizer, +ornando todo o cuidado em escutar com indi-

feren‡a, e at‚ mesmo com desdem- 56 no Ultimo momen-

to. no proprio dia da representa‡ão e que cada um come‡ou

a se interessar: que haveria? que diria o maior? sa¡ria +udo

+ão bem como dois anos afras? e assim por diante. Bakiu-

chine me garantiu que a escolha dos atores fora excelenfe,

RECORDA€OES DA CASA DOS MORTOS

203


-que todos esfariam "no lugar devido", que hayeria af‚

mesmo um pano de boca, que Sirofkine faria o papel da

noiva de Fila+ka. "Vai ver como as saias lhe assentam!"

acrescentou piscando o olho e estalando a lingua A

"baridia bonfeifora" usar¡a um vestido de folhos, uma pele-

rine, fraria uma sombrinha na mão; o "nobre benfeitor" ves-

firia farda de oficial, com dragonas e um rebenque.

Em segundo lugar dever-se-ia represenfar o drama: "Ke- #

dril, o glufão". Esse titulo me infrigou muito, mas não me

adiantaram pe!gunfas; nada consegu¡ apurar, anfes. Soube

apenas que a pe‡a não fora tirada de livro, porem de uma

"escritura" copiada por um sub-cficial reformado; o fal sub-

oficial decerto representara algum papel numa das repre-

senfa‡ões da pe‡a dada por um grupo de amadores militares.

Nas nossas cidades e provincias disfantes enconfram-se real-

mente pe‡as desse genero, que provavelmente ficarão para

sempre in‚ditas: não foram nunca impressas, - apareceram

apenas para servir ao feafro popular. Falei: "teatro po-

pular"-, e seria realmente bom que os nossos escritores se

ocupassem com pesquisas novas e mais objetivas nesse gˆ-

nero de feafro que 6 muito mais vivo e mais rico do que o

imaginamos. Disso me convŠnci dianfe de tudo que vi nos-

sos for‡ados fazerem para o seu espet culo. H tradi‡ões,

m‚todos, no‡ões j esfabelecidas que se transmitem de uma

gera‡ão a outra. Seria possivel lhes seguir os rasfros por

meio dos soldados, dos operarios da usinas, e ate enfre os

habitantes dos pequenos vilarejos longinquos. Conservam-se

fambem no campo e nas capitais de provincias, entre o

pessoal domestico dos grandes lafifundiarios. Creio mesmo

que muitas pe‡as antigas s¢ tiveram amplitude e s¢ se disse-

minaram afraves da Russia gra‡as a esses afores improvi-

sados. Os grandes proprie+arios e senhores moscovifas de

outrora tinham o seu elenco particular composfo de artistas-

servos. E esses teatros foram o ber‡o de nossa arfe dra-

m6fica popular, arfe cuja exis+encia 6 indiscufivel. No que

se refere a "Kedril, o glufão"; apesar de foclos os meus de- #

DOSTOIEVSKI

seios, nada pude saber cie preciso, senão que apareceriam de-

monios em cena, que levariam Kedril para o inferno. Mas que

significaria esse nome "Kedril"? E por que Kedril, em vez

de Kyril (Cirilo)? A pe‡a seria russa ou estrangeira? Não

pe-le obter nenhuma informa‡ão precisa. Anunciou-se que,

para ferminar, haveria uma "pantomima musicada". O con-

junfo pois prometia muito. Os atores aram em numero de

quinze, foclos espertos e despachados. Esfor‡avam-se extra-

ordinariamente, ensaiavam as vezes a+ras das ca¡siernas, fa-

ziam-se de misteriosos, em suma, preparavam-nos algumõ

surpresa extraordinaria.

Nos dias de trabalho, fechavam-se os alojamentos ao

cair da noite. Por exce‡ão, durante as fesfas de Natal so

eram francadas as porfas depois do foque de recolher. Esse

favor especial fora concedido por causa do teatro. Duranfe

o fempo das fesfas todas as noifes mandava-se pedir ao ofi-

cial de guarda que autorizasse a representa‡ão e deixasse

abertas as casernas mais tempo, explicando-lhe que, na

v‚spera, quando houvera espet culo, se haviam fechado

tarde as porfas sem que se regisfrasse desordem alguma.

O oficial de guarda dizia então: "Ontem, com efeito, não sa

passou nada de grave, e se eles me dão a palavra de que não

havera nenhuma infra‡ão a disciplina, e que eles proprios

farão o policiamenfo, fico de acordo, e espero que esse

policiamento seja muito mais rigoroso que o nosso. Al s,

se proibo a representa‡ão, pode-se Ia saber o que acon-

face com -essa genfe? decerto havera encrenca, e em boa

complica‡ão estarei metido! Ademais, ‚ muito aborrecido

montar guarda: fenho o direito de assistir a esse espe+6cu16,

dado não por simples soldados, mas por presos, que são genfe

muito mais curiosa. Vamos ver o que e que eles são capazes

de arrumar!" E realmente, o oficial de guarda sempre tinha

o direifo de ir ver.

Alias, se o oficial de ronda indagava: "Onde esfa o

oficial de guarda?" nespondiam-lhe: "Foi fazer a chamada e

fechar as casernas", o que era uma resposta exata e uma fa-

- i


RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS

2DS


cil justificativa. Assim, durante as festas. o espefaculo foi

autorizado, e não se fechavam as casernas senão a hora de

recolher. Os for‡ados sabiam de antemão que a guarda

não entravaria nada, motivo pelo qual se sentiam tranquilos.

Pelas seis horas, Petrov me veio procurar, e saimos juntos #

para a fun‡ão. Toda a nossa caserna estava Ia, exceto o

"velho crenfe," de Tchernigov e os polacos. Estes £ltimos s6

se resolveram a vir no derradeiro dia, 4 de janeiro, depois

que lhes garantiram defalhadamente que tudo era decenfe,

alegre e sem perigo. O desdem dos polacos irrifava os

nossos for‡ados, de forma que os receberam com uma po-

lidez extraordinaria; insfalaram-nos afˆ nos melhores lugares.

Para os circassianos e, principalmente para Isai Fornitch, o

featro foi uma delicia. Todos os dias o judeu sacrificava

trˆs copeques; no ultimo dia, chegou a depor no prato uma

moeda de dez copeques, - e a gente lia o deslumbramenfo

no seu rosto. Tinham resolvido os responsaveis que a assis-

fencia pagaria o que quisesse, para cobrir as despesas e para

'/estimular" os atores. Pefrov garanflu-me que me deixa-

riam ocupar um dos principais lugares, mesmo que o teatro

ficasse a cunha, porque, sabendo-me mais rico que os outros,

esperavam que eu desse contribui‡ão mais generosa - e

fambem porque me consideravam um enfenclido. E assim

sucedeu. Vou primeiro descrever a sala e o arranjo do teatro.

A caserna da se‡ão militar, na qual fora insfalado o

palco, tinha quinze passos de comprimenfo. Subia-se do

pafio para um p6rfico, que dava para uma salinha de entrada,

precedendo a sala propriamenfe dita. Como ia o expliquei,

essa coserna fora arrumada de modo diverso das outras; a +a-

rimba ficava ao comprido das paredes e o meio do salão era

livre. A metade da caserna do lado da entrada fora re-

servada para os espectadores, e a segunda metade, que co-

municava com uma outra pe‡a, servia de palco. A primeira

cousa que me impressionou foi o pano de boca. que se es-

fendia dez passos afraves da sala. Era de uma opulencia

inaudita, aquela cortina: fora pintada a oleo, e nela se viam #

206

DOSTOIEVSKI



rvores, cararrianchões, lagos, estrelas. Compunha-se de pano

novo e usado, ao acaso dos donalivos. velhas +iras de enrolar

os p‚s, camisas velhas remendadas num len‡ol enorme. Nos

trechos em que faltava o pano, tinham simplesmente feito os

remendos com papel, mendigado folha por folha nos diver-

sos escriforios da fortaleza. Nossos pintores, na primeira

fila dos quais se distinguia o nosso "Bruilov", - isto e, A. . . v,

empregaram todo o seu engenho em decora-lo o colori-lo.

O efeito ultrapassava qualquer expectativa. Aquele luxo

satisfez ate mesmo os mais sorumbaticos e os mais exigentes

dos for‡ados, que ali s, desde o come‡o do espe+6culo,lb

mostraram +ão infantis quanto os mais impacientes e exal-

tados. Estavam todos de ofimo h umor, direi ate de um bom

humor orgulhoso. Tocos de vela consti+uiam a ilumina‡ão.

Diante da cortina ficavam dois bancos tirados da cozinha,

e duas ou +res cadeiras +ornadas ... sala dos sub-c,ficiais. As

cadeiras tinham sido postas ali prevendo uma possivel vi-

sifa dos oficiais superiores. Os bancos eram destinado6 aos

sub-oficiais, secrefarios de engenharia, capatazes e outros

chefes sem patente de oficial, - se lhes ocorresse vir dar uma

olhadela. - o que justamente aconteceu: mais ou menos

numerosos, os visitantes de fora~ não faltaram durante foclos

os espefaculos; na ultima noite`I não ficou nos bancos um

£nico lugar desocupado ... Aftas dos bancos comprimiam-

se os for‡ados, de pe, em sinal de respeito para com as vi-

sifas, sem gorro, de casaco ou de capote, apesar da fuma‡a

e do calor sufocante. Estavam literalmente amontoados uns

sobre os outros, sobretudo nas Ultimas filas, e ocupavam ainda

as tarimbas e os bastidores; alguns espectadores ate, reunidos

na segunda pe‡a por fras do palco, olhavam de Ia a fun‡ão

afraves dos bastidores do fundo. Na primeira metade da

caserna o aperto era fão.granda quanto o que eu vira nos

banhos. A porta do anfecƒmara estava aberta. L dentro

fazia vinte graus de frio, contudo fambem ela estava cheia.

Empurraram-nos imediafamenf e para diant e, a Pefrov e a mim,

ate aos bancos, onde se avistava a cena muito melhor que no

RECORDA€OES DA CASA DOS MORTOS

207


fundo da sala. Considaravam-me bom juiz, um entendido, que

Ia estivera em grandes tea+ros; tinham visto Bakluchine varias

vezes me vir pedir consa¡hos, e mosfrar deiFerencia para

comigo; deveriam, portanto, me honrar com um lugar bom.

Os for‡ados são gente vaidosa, insensa+a; apenas, porem, na

superficie ... Podiam zombar do mesquinho operario que #

eu era, um Almazov tinha direito de nos encarar com des-

prezo - o

a n¢s, os barines - e gabar-se diante de n's da sua

habilidade em calcinar alabasfro; mas suas zombarias, sˆus es-

carneos, provinham de outra causa: n¢s finhamos sido nobres,

perfenciamos a mesma classe que os seus -antigos senhores,

dos quais não conservavam nenhuma boa lembran‡a. Entre-

tanto, al¡, no teatro, afastavam-se para me ceder lugar.

Reconheciam que, naquele assunto, eu.entendia mais que

eles. Os menos bem dispostos para comigo (soube-o de

fonte limpa) desejavam agora ouvir minha opinião sobre o

espe+aculo, e, sem o menor servilismo, me empurravam para

a primeira fila. Analiso hoje isso, de acordo com as minhas

impressões de então. Naquele mesmo momento, compreencl¡

- recordo-o muito bem - que no julgamento sensato que

eles faziam sobre si proprios, não havia nenhuma humildade,

mas antes o sentimento do proprio ~neri+o. O tra‡o mais

caraferisfico e mais impressionante do nosso povo ‚ sua con-

ciencia e sua sede de justi‡a. Fazer-se de galo, adiantar-se,

disputar o primeiro lugar, quer seja digno ou não de o ocupar,

- esse defeito não se lhe pode atirar ... face. Assim que a

gente lhe fira a grosseira casca e estuda atentamente e sem

preconceitos o que est em germe por baixo, descobre qua-

lidades das quais não desconfiava absolutamente. Nossos

moralistas não +em muita cousa a lhe ensinar. Dinei mais:

os nossos moralistas poderiam aprender muito em confacto

com o povo.

Pe+rov me afirmava ingenuamente que me deixariam pas-

sar ... frente porque eu pagaria mais. Não havia pre‡o fixo:

cada um dava livremente o que podia, mas todos puseram

pelos menos um copeque no prato, quando este circulou. Na #

DOSTOIEVSKI

alidade, se me deixaram passar a frente, na certeza de que

ar¡a mais que os outros, isso +ambem provinha dum sen-

imenfo particular de dignidade. µu ‚s mais rico que eu,

assa ... frente; conquanto sejamos iguais aqui, pagas melhor,

portanto, espectadores como tu são mais agradaveis aos

fores. Ocupa o primeiro lugar, porque não es+amos aqui

evido ao nosso dinheiro, mas em considera‡So aos atores

ue representam: nos mesmos sabemos classificar-nos". Que

Ifivdz nessa maneira de agir! Procede não do respeito ao'

inheiro, porem do respeito proprio. Ali6s, no presidio, não

e tinha grande deferencia. pela riqueza, sobretudo se a gente

ncara os detenfos em bloco. E afˆ mesmo passando-os em

evisfa de um em um, não me recordo de ter visto um unico

umilhar-se por causa de dinheiro. Não falfavam os pedin-

hões - e muitas vezes fui vitima deles, todavia agiam mais

or esperteza que cupidez. Sabiam pedir com gra‡a, com

rifanfilidadel Não sei se me expresso com clareza ... Con-

udo, voltemos ao teatro, que ia ia esquecendo.

Anfes de levantar o pano, a sala apresentava um quadro

de esfranha anima‡ão. Em primeiro !ugar, a multidão de

espectadores amontoados, apinhados, acumulados em toda

parte, com as caras impacienfes e felizes esperando o inicio.

Nas Ultimas filas, homens frepados uns em cima dos outros.

Muitos tinham trazido foros de lenha da cozinha: encosta-

ra-nos as paredes, e, trepados sobre eles, apoiando os bra‡os

nos ombros dos que estavam por baixo, manfiveram-se du-

rante horas nessa posi‡ão, safisfeifissimos consigo proprios

e com os seus lugares. Outros, com as pernas apoiadas a

borda inferior da estufa, ficaram assim todo o tempo, sus-

tentados pelos que lhes ficavam a frente. E o mesmo acon-

tecia com as ultimas filas, junfo a parede. De lado, nas

farimbas, havia fambem uma multidão formigante e com-

pacta, que rodeava os musicos. La estavam, alias, os me-

lhores lugares. Cinco homens tinham trepado e estirado

por sobre a estufa, de onde olhavam para baixo; esses na-

davam em beati+ude. Nos portais das outras paredes fi-

4w

4'

turba dos refarda+arios, dos que nada haviam con



;Y~ cava a

J-,


g,5

seguido de melhor. Todos se portavam decentemente, sem

11 1 sob Lm bom as-

pacto aos harines e as "visitas". As caras vermelhas e lus- #

suor, devido ao calor sufocante, exprimiam a

frosas de

mais ingenua impaciencia. Que esfranho reflexo de alegria

infantil, que contentamento radioso emanava daquelas fronfes

marcadas de cicatrizes, ferrefeadas, dos olhares daqueles

homens af‚ então desolados e sombrios, olhares onde

outrora brilharam clarões +erriveis! Do lado direito, onde

eu estava. as cabe‡as sem gorro me apareciam comple+amen-

+e raspadas., . . Mas de repente, na cena, observa-se um mo-

vimenfo, um rumor... O pano vai subir... a orquestra ini-

cia a "ouver+ure". Essa orquestra merece men‡ão especial ...

De um lado, na tarimba, via-se um grupo de sete musicis+as:

dois violinos (um pertencente a um deiento e outro arranjado

na fortaleza - porem o artista era um dos nossos); +rˆs bala-

laicas - obra dos for‡ados: e um tamboril, fazendo as vezes

de confrabaixo. Os violinos rangiam, guinchavam, as quitar-

ras não valiam nada, mas em compensa‡ão as balalaicas eram

incomparaveis. A agilidade dos dedos que tangiam as cordas

tinha algo de prestidigita‡ão. Tocavam principalmente

musicas de dansa. Nas passagens mais movimenfadat, os

musicos batiam com o dedo fechado na madeira do insfru-

mento; o tom, a execu‡ão, tudo era original, tudo +raia o

presidio. Um dos guitarristas +ambem entendia maravilhosa-

mente do seu instrumento: era ele o jovem barine parricida.

O pandeiro fazia maravilhas: ora girava o disco nos dedos,

ora fazia ressoar a pele com o polegar; ora se ouviam pan-

cadas claras, hmpidas, monoforias, ora irrompia dele um

rumor sonoro que caia como uma cascata e se espalhava

num diluvio de pequenos ruidos trˆmulos, em ricochete. En-

fim, havia ainda duas sanfo'nas. Palavra de honra, eu ate

então não tinha a minima id‚ia do partido que se pode firar

desse grosseiro instrumento popular: a harmonia dos sons. a

execu‡ão, e, sobretudo, a expressão, a compreensão perfeita

RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS

209

A #


210

DOSTOIEVSKI

dos motivos, eram verdadeiramente exfraordinarios. Foi

en+So que descobri quanto abandono infinito, quanto amor

do risco traduzem as sugestivas m£sicas de dansa da Russia.

Afinal, ergue-se o pano. Todos estremeceram, inquietaram-

se; os de fras levan+aram-se na ponta dos pes, alguern caiu

dum foro, e do primeiro ao ultimo espectador, ficaram todos

de boca aberta e olhos arregalados. Reinava um absoluto

silencio. A fun‡ão come‡ara.

Ao meu lado estava Ali, no grupo dos irmãos e dos

outros circassianos. Todos se apaixonavam pelo espelaculo;

não faltaram a uma unica das represen+a‡ões. Como ia o

observei mais de uma vez, os mu‡ulmanos, far+aros e e+c.

são grandes apreciadores do teatro. Ao lado deles, Isai Fo-

mi+ch, logo ao subir do pano, esticava o rosto ex+asiado para

os milagres que se iriam produzir. Que desola‡ão se sofres-

se uma decep‡ão! O belo rosto de Ali resplandecia com

um prazer de menino, tão bonito, que dava gosto ve-lo-. Toda

vez que uma das +iradas divertidas dos atores provocava o

riso geral, eu involu n+a ria mente me voltava para o olhar. Ele

não me enxergava, cuidava de cousa bem diversa! Junto a

mim, do !ado esquerdo, estava um for‡ado de certa idade,

sempre sombrio, descontente, resmungão. Ele +ambern re-

parara em Ali, e, mais de uma vez, vi-o virar-se com um

meio sorriso, para contemplar aquele rosto tão agradavel!

Não sei por que, cha,mava-o Ali Sernionitch.

i,

Principiaram por "Fila+ka e Mirofka". Bakluchine repre-



sentava com perfei‡ão o papel de Filatka. Via-se que medi-

tara cada frase, cada movimento. A menor das palavras

que dizia, o minimo gesto, tomavam um sentido inteiramente

de acordo com o carafer do papel. Acrescen+e-se a esse

esfor‡o, a esse estudo, uma alegria surpreendente, irresistivel,

e simplicidade,, na+uralidade. Quem quer que visse Bakluchine

erifão. afirmaria imediatamente que estava diante de um

verdadeiro ator, de um ator nato, dotado de um enorme ta-

lento. Assisti mais de uma vez a "Fila+ka" em Moscou e Pe-

tersburgo, e afirmo que nenhum dos comediantes de ambas

. IL

RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS



211

as capitais se igualava a Bakluchine: comparados a ele, eram

camponeses ... francesa, e não autenticos mujiques. Via-se o

esfor‡o que faziam para meter-se na pele do personagem. #

Bakluchine tinha, ademais, o acicate da emula‡ão: todos

sabiam que na segunda pe‡a o papel de Kedril seria desem-

penhado por um +ai de Pofseikine, considerado, não sei por

que, melhor comediante que Bakluchine, - e Bakiuchine sofria

como uma crian‡a por causa dessa preferencia. Quantas

vezes, nos £ltimos dias, não veio desabafar no meu peito os

seus ciumes! Duas horas antes da representa‡ão, tiritava

de febre. Ante as risadas e os gritos da assis+encia: "Bravo,

Bakluchine! Isso! Muito bem!" o seu rosto resplandecia e a

inspira‡ão lhe brilhava nos olhos. A cena, dos beijos com

Mirofta, quando Fila+ka lhe recomenda antes que se limpe

e acaba limpando-se a si propr¡o, foi duma comicidade per-

feita. Todo o mundo explodiu numa gargalhada. Contudo,

o mai s interessante para mim era os assistentes se abandona-

rem, sem nenhuma censura. Os gritos de aprova‡ao ressoa-

vam cada vez mais copiosos. C6 es+6 um for‡ado que em-

purra o vizinho com o cotovelo e lhe comunica vivamente

as suas impressões, sem saber sequer a quem se es+6 dirigindo.

Um outro, na sua exalfa‡ão, no inicio de um

a cena comica,

vira-se para a assis+encia, abarca-a com o olhar vivo, ges-

ticula como se a estimulasse a rir, depois +orna a fixar avida-

mente os atores. Um terceiro estala a lingua e os dedos,

não pode estar sossegado, mas como lhe e impossivel me-

xer-se, fica marcando passo, num p‚ e noutro. No fim da

pe‡a, a alegria atinge o auge. Não exagero, absolufamen-

te. Imagine-se a prisão, os ferros, o cativeiro, os longos

anos tristes que devem ser passados Ia, naquela vida mono-

tona, semelhante a chuva que cai gota a gota num escuro

dia de outono - e de repente todas aquelas criaturas apri-

sionadas, aferrolhadas, conseguem durante uma hora perm¡s-

são para se expandirem, para se alegrarem, para esquecerem

o seu pesadelo e organizarem um espefaculo capaz de des-

pertar a inveja e a admira‡ão da cidade in+eira! "Offi--m

I #

RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS



212

DOSTOIEVSKI

os for‡ados!" Tudo apaixonava, a come‡ar pelos frajos. Era

para eles extremamente inferessante, por exemplo, verem

Vanka Otpiet, ou Nietsvietaiev, ou Bakiuchine com roupa dlf‡-

rente da que eles estão habituados a usar diariamente, ia ha

anos.  um for‡ado, nada mais que um for‡ado, ressonando

as grilhefas, e ei-lo que entra no palco vestindo sobrecasaca,

cartola e sobrefudo, como um cavalheiro. E pinfou um bi-

gode, e +em cabeleira! Tira do bolso um lindo len‡o ver-

melho e faz gesfos fidalgos, como se fosse um barine autˆn-

fico! O entusiasmo chega ao auge. O "nobre benfeitor"

enfra em cena, com a farda de ajudante de ordens - bem

gasta, e verdade, - mag com dragonas, gorro com +opiiiiiii

militar, e produz um efeito indescrifivel. O papel teve dois

candidatos - e quem o acreditaria? ambos brigaram como

garotos para ver quem o obtinha, tão grande desejo tinham

de se exibir na farda de oficial! Os outros atores tiveram

que os separar: a maioria dos votos deu o papel a Nie+svi‚-'

faiev, - não porque fosse mais bonifo, ou parecesse mais

com um nobre; mas persuadira-os de que arranjaria um re-

benque com o qual faria molinefes, baferia no chão, exata-

mente como um barine legitimo, como um elegante autˆntico,

cousa que Vanka não poderia fazer, pois jamais se avisfara

de perfo com um fidalgo. E realmente, quando apareceu

com a sua dama peranfe o publico, Nie+svie+aiev passou o

tempo todo dando voltas no'ar com um leve rebenque cle

bambu, que ele arranjara sabe Deus onde, certo de que assim

dava provas de alta educa‡ão, de uma elegancia inconfes-

+avel. De certo, na infancia. pequenino servo descal‡o, vira

um cavalheiro elegantemente vestido divertir-se em girar

com um rebenque: ficou-lhe gravada a impressão, e frinfa

anos depois servia-se dela para seduzir e encantar o presidio

infeiro.


Niefsviefaiev estava fão absorto em sua ocupa‡5o, que

não via nada nem ninguem, e falava com os olhos fixos na

badine. A "nobre benfeitora" +ambem era nofavel, ao

seu modo. Apareceu com um velho vestido de musselina,

213

que mais parecia um farrapo, bra‡os e colo nus, uma cara


Yüklə 1,41 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   ...   14   15   16   17   18   19   20   21   ...   34




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin