Complexo de Cinderela Colette Dowling CÍrculo do livro para minha mãe e meu pai Agradecimentos



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A menininha dentro de cada mulher
É muito difícil para mim fazer qualquer coisa sozinha.

Sempre senti que meu lugar era 'por trás' de alguém. Eu tinha um irmão mais velho que era perfeito. Em muitos aspectos eu me sentia feliz por crescer à sua sombra. Isso me proporcionava uma sensação de segurança.

Freqüentemente sinto-me inadequada por não ser ca­sada nem ter filhos, apesar de saber que isso é considerado legal e moderno, especialmente aqui em San Francisco. Mas não foi assim que fui criada, e não é assim que quero ser. Nunca senti querer realmente ser independente.
Essa admissão de dependência foi extraída de uma entrevista gravada com uma bem-sucedida psicoterapeuta solteira de trinta e dois anos, com doutorado em psicologia. Feminista, ela pratica a profissão na Califórnia; é irônico notar, contudo, como está confusa em relação a seu papel no mundo — a aguda contradição entre sua necessidade básica de estar seguramente "por trás" de alguém e sua ambi­ção de êxito, de progredir, de viver por sua própria conta.

"Sempre que a vida fica muito difícil, a possibilidade de desistir e refugiar-se sob a proteção masculina faz-se pre­sente, num golpe mortal à determinação de sobreviver independentemente", escreve Judith Coburn em Mademoiselle. "Nas ocasiões em que deixo as contas atrasadas se amontoa­rem, o carro praticamente cair aos pedaços e coisas desse tipo, o que estou anunciando é: veja, sozinha não dá, preciso que alguém venha me salvar."

Outra mulher, uma talentosa compositora que se diz "feminista militante", está tentando entender por que não consegue reunir energias para se lançar na indústria da música. "Talvez eu simplesmente esteja querendo que um homem tome conta de mim", conclui.

Basta ouvir conversas de mulheres hoje e logo fica claro que a "nova mulher" na realidade não é nada nova; ela é uma mutante. Ela vive numa espécie de Terra do Nunca, numa gangorra entre dois conjuntos de valores, o velho e o novo. Emocionalmente, ela não está em paz com nenhum dos dois, nem acha meios de integrá-los. "Todas as portas estão abertas", escreve Anne Fleming Taylor na Vogue; a questão, porém, é decidir qual porta adentrar: "Se so­mos boas mães, podemos trabalhar? Se trabalhamos bem, podemos amar? Devemos competir lá fora ou não? Podemos ficar em casa e não nos sentirmos culpadas, inúteis e estra­nhamente feridas?"

Confusas e ansiosas, as mulheres recuam frente à possibilidade de vivência total de suas potencialidades. Uma agen­te turística que conheci no verão passado disse: "Ainda não somos capazes de firmar-nos em nossos próprios pés e dizermos 'Sim! Posso fazer isso. Sou competente'. O medo ainda impera entre nós".

Por que as mulheres têm tanto medo? A resposta a essa pergunta se acha na raiz do complexo de Cinderela. A experiência tem algo a ver com isso. Se você não sair e agir, permanecerá para sempre temerosa dos negócios do mundo. Contudo, várias mulheres alcançam certo grau de sucesso em suas carreiras e profissões e ainda assim se mostram no fundo inseguras. De fato, como veremos nos capítulos a seguir, é espantoso nos dias de hoje que tantas mulheres retenham um núcleo oculto de dúvida, em relação a si mes­mas, enquanto externamente se comportam como se fossem monumentos de autoconfiança. Recentes pesquisas em psicologia demonstram que esse núcleo de dúvida é característico das mulheres de hoje. "Descobrimos que os atributos 'passi­vidade', 'dependência' e, principalmente, 'auto-estima rebai­xada' são as variáveis que repetidamente diferenciam as mu­lheres dos homens", relata a psicóloga Judith Bardwick, a partir de estudos conduzidos na Universidade de Michigan.

Poucas mulheres precisam de pesquisas para se con­vencerem disso. A falta de autoconfiança parece perseguir-­nos desde a infancia, e com intensidade tão palpável que, às vezes, temos a sensação de tratar-se de algo com existência própria. Miriam Schapira, uma pintora de Nova York, conta ter passado a vida inteira com a sensação de que dentro dela vive uma criança desprotegida, uma "criatura frágil e inde­fesa, tímida e auto-recriminadora". Somente quando pinta, diz ela, a criança "consegue tornar-se mais assertiva, viva... e mais livre em seus movimentos".

Independentemente do vigor investido em nossa tentati­va de viver como adultas — flexíveis, potentes e livres —, a menininha dentro de nós sobrevive, assombrando nossos ouvidos com murmúrios assustados. Os efeitos de tal insegurança são amplos e resultam num fenômeno social incômodo: as mulheres em geral tendem a funcionar muito abai­xo do nível de suas habilidades básicas. Por razões culturais e psicológicas — um sistema que na realidade não espera muito de nós, em combinação com nossos receios de afirmarmo-nos e enfrentarmos o mundo —, as mulheres estão se mantendo por baixo.
A famosa "situação de desvantagem" da mulher
Para começar, consideremos a história de nosso pro­gresso econômico nos últimos vinte anos. Apesar do movi­mento de conscientização dos anos 60 e 70, as mulheres atualmente se encontram em situação mais desfavorável do que nos tempos das saias-balão e dos espartilhos. Em com­paração com os homens, hoje ganhamos menos dinheiro que há duas décadas. Em 1956, a média salarial das mulheres constituía sessenta e três por cento da dos homens. Agora ganhamos menos de sessenta por cento do que percebem os homens. Não obstante o desenvolvimento de cursos e ação política que enfocam o problema da mulher, a maioria de nós ainda adentra o mercado de trabalho com salários e po­sições inferiores aos dos homens. Dois terços das mulheres que trabalham ganham menos de dez mil dólares anuais. Mal ganhamos o suficiente para sobreviver, quanto mais para garantir o futuro. Aumento do capital, participação nos lu­cros, uma boa aposentadoria — estes são termos empresa­riais da alçada dos homens. Metade das mulheres trabalha­doras não tem direito à Previdência. Constituímos — apa­rentemente por nossa própria vontade — um exército de parasitas malpagas tão maciço e tão característico que os cientistas sociais atribuíram-nos nova denominação: "os oitenta por cento". Com isso referem-se à porcentagem de mulheres que ocupam posições braçais ou semi-especiaiizadas, percebendo salários ínfimos — mulheres que, ao menos eco­nomicamente, rastejam como vermes no fundo de um poço.

Até recentemente, as pessoas que trabalham com esta­tística abominavam a expressão "mulheres no mercado de trabalho", como se fôssemos um exército de amazonas pron­to a dominar o mundo. A noção do crescimento da força e da mobilidade femininas está no ar há pelo menos um quarto de século. Entretanto, como os sociólogos finalmente começam a reconhecer: "Para cada profissional mulher bem-sucedida há outra cuja 'participação no mercado de trabalho' consiste em manipular uma máquina de fábrica oito horas ao dia, e outra cujo trabalho esgota-se em arrumar camas e limpar banheiros, e outra ainda que passa o dia datilografando car­tas e arquivando correspondência nos grandes e impessoais escritórios da burocracia americana". (Essa afirmação foi fei­ta por James Wright, da Universidade de Massachusetts, que, a partir da informação levantada em seis pesquisas a ní­vel nacional, concluiu que o grau de satisfação das mulheres que trabalham fora de casa não é maior do que o das mu­lheres que trabalham dentro dela. É fácil ver-se por que, estatisticamente, as mulheres demonstram pouco entusiasmo por seus empregos, uma vez que oitenta por cento delas deixam o conforto do lar apenas para faxinar escritórios e/ou arquivar papelada por baixos salários e sem direito à Previdência.)

Num nível superficial, pode parecer que o problema da mulher não é nem um pouco diverso do do homem; pouquíssimas são as pessoas (de ambos os sexos) que chegam um dia ao topo do mundo dos negócios. Mas com as mulhe­res a história é diferente. Vários estudos consistentemente demonstram que, entre os homens, o QI guarda relação mais ou menos estreita com o nível de desempenho, ao passo que, entre as mulheres, essa relação é essencialmente nula. Essa chocante discrepância foi revelada pela primeira vez por um estudo sobre crianças bem-dotadas conduzido em Stanford. Mais de seiscentas crianças com QI superior a 135 (isto representa um por cento da população) foram identifi­cadas nas escolas da Califórnia, e seus desempenhos foram seguidos até se tornarem adultas. As ocupações das mulhe­res cujos QI’s, na infância, equiparavam-se aos dos homens eram, na maioria, insignificantes. Aliás, dois terços das mu­lheres com QI de 170 ou mais (gênios) ocupavam-se como donas-de-casa ou escriturárias.

O desperdício de talento feminino é um escoadouro de cérebros que afeta o país inteiro, e por isso vem sendo examinado atentamente por diversos psiquiatras. Surpresa com o número de mulheres em conflito com o tema "realização" que a vem procurando nos últimos anos, a Dra. Alexandra Symonds percebeu que as talentosas freqüentemente mos­tram-se adversas a avançar para posições de auto-suficiência. Entravam o processo ou tornam-se excessivamente ansiosas diante da possibilidade de obter promoções. Muitas delas gravitam ao redor de mentores, preferindo trabalhar como brilhantes (e não reconhecidas) assistentes dos homens no poder — rejeitando tanto o crédito quanto a responsabilida­de por suas próprias contribuições. Em terapia, aferram-se a essa subordinação. "Cada passo em direção à auto-asserção sadia é consciente ou inconscientemente reprimido", diz Symonds. "Algumas mulheres afirmam explicitamente que gostam de ser cuidadas e não tencionam modificar essa posi­ção. Outras vêm... com a aparente resolução de mudar isso, porém, quando confrontadas com a realidade de tal modifi­cação e as inevitáveis opções entre separação e auto-emergência, entram em pânico."

Em seu consultório em Manhattan, a Dra. Symonds tra­ta várias mulheres bem-sucedidas; entre elas, constatou que o problema era de auto-confinamento. Com relação a suas habilidades inatas, uma grande porção delas parecia incapaz de exercitar por completo seu potencial.

Por quê? O que é que "segura" essas mulheres?

O medo, responde a Dra. Symonds. As mulheres não querem experimentar a ansiedade intrínseca ao processo de crescimento. Isso tem relação com a forma como foram criadas. Quando crianças, as mulheres não aprendem a ser assertivas e independentes; pelo contrário, são ensinadas a ser não-assertivas e dependentes. O fato de que o sinal verde foi aberto para elas, "permitindo-lhes" ser indepen­dentes, só veio confundi-las. Ao redor desse "núcleo de de­pendências" brotando na infância, explica Symonds, desenvol­ve-se "uma constelação de traços de caráter inter-relacionados e que se reforçam mutuamente". Esses traços se cristalizam com os anos. "Como qualquer estrutura de caráter estabele­cida, é impossível rompê-la sem ansiedade."

Portanto, é o rompimento de uma estrutura de caráter — ou a perspectiva de fazê-lo — que leva as mulheres de hoje a se sentirem tão perdidas. A estrutura dependente foi visualizada como sendo apropriadamente "feminina" pelos psicanalistas mais influentes. A seguinte passagem do texto clássico The psychology of women (Psicologia feminina), de Helene Deutsch, pode parecer antiquada (foi publicado em 1944). Mas não se iluda; ela reflete as mesmas idéias de nossos pais e mães no tocante à educação de suas filhas. Conseqüentemente, sua noção da mulher como "a companheira ideal" casa-se perfeitamente com a nossa auto-imagem.

Deutsch assegurou ao mundo que a maior felicidade da mulher é subordinar-se a seu homem.

"Elas parecem ser facilmente influenciáveis, adaptar-se a seus companheiros e compreendê-los. São companheiras adoráveis e não-agressivas, e desejam permanecer nesse pa­pel; elas não insistem em ter seus próprios direitos — muito pelo contrário."


Quanto à capacidade feminina para a originalidade e a produtividade, Deutsch faz lembrar uma superiora de convento:
"... estão sempre prontas a renunciar a suas próprias realizações sem se sentirem lesadas por isso, e rejubilam-se frente às realizações de seus companheiros... Elas têm uma extraordinária necessidade de apoio quando engajadas em qualquer atividade dirigida para fora do lar".
Atualmente, psiquiatras menos cegos reconhecem o nú­mero contorcionista exigido das mulheres numa idade em que se espera que reprimam seus impulsos mais sadios. Symonds observa que as mulheres não nasceram com esse protótipo "ideal"; elas tiveram que dar duro para atingi-lo. "Para que se consiga renunciar às próprias realizações sem sentir-se lesado, deve-se despender constantes esforços. Para ser adorável e não-agressiva, a mulher passa a vida inteira contendo seus impulsos hostis ou agressivos. Até a auto-asserção sadia é costumeiramente sacrificada, pois pode ser confundida com hostilidade. Portanto, freqüentemente elas reprimem sua iniciativa, renunciam a suas aspirações e in­felizmente acabam excessivamente dependentes, com uma profunda sensação de insegurança e incerteza quanto a suas capacidades e seu valor."
Tendo em mente a enorme mudança ocorrida no que a sociedade considera um comportamento feminino "adequado", retomemos a questão das atuais atitudes femininas quanto ao trabalho e ao dinheiro. (Como veremos, essas atitudes são vitais no processo do que chamamos "situação de desvantagem da mulher".)

Certas tendências recém-emergentes (ou recentemente reconhecidas) começam a evidenciar o fato de que as mulheres não têm sido simplesmente mantidas economicamente dependentes; elas mesmas contribuem para isso. Por exem­plo, entre 1960 e 1976 o número de formandas de faculda­des cresceu quase quatrocentos por cento. E, no entanto, mais de metade das meninas americanas na segunda série do segundo grau ainda afirmam desejar empregos em uma dentre apenas três categorias profissionais: secretariado e ati­vidades de escritório afins, serviço social e magistério, e enfermagem.

"A discriminação de sexos no mercado de trabalho é uma realidade, porém a principal razão da falta de pro­dutividade profissional das mulheres é sua má vontade em assumir um compromisso profissional a longo prazo", escreve Judith Bardwick em The psychology of women: A study of biocultural conflicts (Psicologia feminina: Um estudo de conflitos bioculturais). Relacionando os dados obtidos pelo National Manpoker Council, pela President's Commission on the Status of Women e pelo Radcliffe Committee on Graduate Education, Bardwick conclui: "Tomando-se a população de moças e rapazes academicamente talentosos, no­ta-se que o número de calouros e formandos de faculdades entre as primeiras é significativamente menor que entre os segundos. A mesma relação se dá no tocante a cursos avançados. Aquelas que chegam a completar o doutorado usam-no menos que os homens. Elas são menos produtivas que os homens, mesmo que completem o doutorado, permaneçam splteiras e continuem a trabalhar em período integral".

As mulheres continuam a escolher carreiras malpagas. Em 1976, quarenta e nove por cento dos bacharelados, se­tenta e dois por cento dos mestrados e cinqüenta e três por cento dos doutorados outorgados a mulheres eram relativos a seis áreas tradicionalmente "femininas" e mal-remuneradas. "Se as mulheres continuarem a abraçar profissões cos­tumeiramente ditas femininas", diz Pearl Kramer, economista-chefe do Long Island Regional Planning Bard, "a di­ferença entre o que ganham e o que seus colegas homens ganham persistirá indefinidamente."

Essa é a famosa "situação de desvantagem da mulher". Há muito se sabe que as mulheres não estão realizando aqui­lo de que são capazes. O que não foi reconhecido é o papel que as mulheres desempenham na manutenção dessa situação desvantajosa. As mulheres não estão apenas sendo excluídas do jogo do poder (embora isso seja sistematicamente efetuado). Estão também evitando-o ativamente. "Como estamos ficando independentes!", pensamos, exultantes, vendo quantas mulheres estão deixando a vida de "domésticas" para trabalhar fora. Mas se lermos entre as linhas dos resul­tados estatísticos do recenseamento, notaremos que muitas dessas mulheres não apreciam o fato de estarem trabalhando. Elas se sentem sobrecarregadas por isso; mais: às vezes sen­tem-se até exploradas por fazê-lo. Bem no íntimo, ainda crêem que as mulheres realmente não deveriam ter de ganhar a vida. Ao deixarem o conforto e a segurança de suas co­zinhas para tornarem-se força de trabalho, várias delas são motivadas não pelo sentido de responsabilidade por si mes­mas ou por uma questão de justiça para com seus maridos, mas principalmente por uma crise externa. Acontece que perdemos as rédeas sobre a inflação, e Charlie não está ganhando o suficiente.

Ou então não existe nenhum Charlie. Charlie se casou novamente, ou morreu, ou simplesmente sumiu de uma hora para outra nos braços de uma mulher mais nova e menos problemática. Viúvas ou divorciadas, as esposas abandonadas dispõem de pouco ou nenhum dinheiro com que sustentar a si e às crianças. Sob essas circunstâncias, o sentimento advindo do "voltar a trabalhar" não é tão construtivo e libertador quanto poderíamos imaginar. De início pode haver contentamento, como a alegria experimentada pelo adolescente que recebe o primeiro pagamento por algum trabalho, mas a excitação da libertação é logo suplantada por uma horrível suspeita: "Isso pode durar para sempre".


Sinais do recuo
Há indicações de que pelo menos algumas mulheres não estão apenas paralisadas, como também envolvidas numa reação contra sua nova liberdade — enfim, fugindo dela. Um estudo efetuado pelo Wall Street Journal relata que vá­rios executivos de indústrias se queixam da recusa de suas empregadas em cursar programas de especialização elabora­dos especialmente para elas. "Temos que arrastá-las aos gri­tos e chutes", desabafou um executivo da General Motors. (Com menos irritação, mas igual presunção, um diretor de relações industriais concluiu: "É um condicionamento so­cial. As mulheres nunca tinham aspirado a esses empregos. Fica difícil convencê-las a aspirar a eles agora".)

Algumas mulheres casadas estão abandonando seus em­pregos sob a alegação de que o trabalho cria mais cansaço e ansiedade do que podem suportar. "É como se sentissem o Grande Sonho Americano escorregando por entre seus dedos", afirma Better Homes and Gardens a respeito de um questionário (respondido por trezentas mil leitoras) sobre suas reações ao trabalho. A maioria dessas mulheres, casa­das e com filhos, tende a deslocar as ansiedades relativas a seu desenvolvimento para o argumento — mais seguro — de que "são mais necessárias em casa". Na verdade, tendo perdido o sentido de "serem necessárias", tão importante em sua organização psíquica, elas haviam projetado essa perda sobre suas famílias, convencendo-se de que os fami­liares se sentiam "abandonados" devido à sua ausência. Algu­mas dessas esposas contam terem persuadido seus maridos a mudar para casas menores e em vizinhanças menos agra­dáveis porque desejavam parar de trabalhar e "voltar a se dedicar" à família — decisão essa que, segundo elas, as encheu de sentimentos de "extremo alívio".

Existe também a síndrome do "ter outro filho" — uma forma socialmente aprovada de permanecer no lar ou de para ele retornar. De acordo com Ruth Moulton, uma psiquiatra feminista que pertence ao corpo docente da Columbia University, mesmo mulheres muito talentosas en­gravidam para evitar a ansiedade resultante do desenvolvi­mento de suas carreiras. Um exemplo característico, diz ela, é o caso de uma artista sua conhecida que "acidentalmen­te" engravidou duas vezes num espaço de cinco anos; toda vez que a oportunidade de montar uma exposição se lhe apresentava, ela "escolhia" uma gravidez. Conseqüentemen­te, suas exposições foram adiadas até bem depois de seus cinqüenta anos, o que, escreve Moulton, "reduziu conside­ravelmente o tempo de desenvolvimento e reconhecimento de seu talento".

Revendo os prontuários de suas pacientes nos últimos anos, a Dra. Moulton contou vinte mulheres entre as idades de quarenta e sessenta anos que haviam usado a gravidez como forma de escapar ao mundo externo. "Em ao menos cinqüenta por cento desses casos", acrescentou, "uma terceira ou quarta criança foi concebida exatamente quando os filhos mais velhos estavam no ginásio ou no colégio e a mãe se achava mais livre para devotar mais energia a algum tipo de trabalho externo."

"Compulsão de criar filhos" é como Moulton chama esta síndrome; com isso ela indica que a maternidade não está a serviço da gratificação intrínseca da mulher, mas cons­titui uma substituição à ação no mundo. (Num relatório de 1977 sobre a "Avaliação das mulheres no exército", M. Kathleen Carpenter afirma que "as mulheres estão usando a gravidez como veículo para sair" do exército.)

O fenômeno da "gravidez para evitar a tensão" certa­mente não tem efeito positivo sobre a mais reverenciada das instituições americanas, a vida em família. Quando se tem filhos para evitar a ansiedade que se segue ao desenvolvimento pessoal, está-se perpetuando um ciclo destrutivo. Tais mulheres se ressentem do papel restrito e auto-limitador que escolheram como saída, e por vezes tornam-se fóbicas e hi­pocondríacas. E, talvez o mais importante de tudo, elas não criam filhos independentes. Moulton alerta que a depen­dência da mulher se reflete sobre seus filhos, "interferindo no crescimento independente e na individualização deles".


Uma noção que se vem impondo atualmente (e parece ser atraente a todo mundo: feministas, não-feministas, ho­mens) é que, acima de tudo, as mulheres devem poder optar. Elas deveriam poder optar, por exemplo, se devem ou não trabalhar, se devem fazê-lo em esquema de período integral ou não, se ficam em casa para se dedicar à família ou não. Ninguém deveria nos pressionar, dizendo-nos que "temos que" ou "não podemos" fazer isto ou aquilo. Sugerir que as mulheres são covardes por ficarem em casa é tão arbi­trário, avisam as feministas, quanto insistir em que elas lá permaneçam quando seu desejo é de trabalhar fora. Cuidar das crianças, limpar a casa, prover o marido dos meios para que ele possa manejar as ansiedades decorrentes do ganho do pão — são contribuições sociais supostamente importan­tes, das quais qualquer mulher pode sentir-se justificadamen­te orgulhosa. Porem, este "direito à opção" contribuiu fortemente para a situação de desvantagem da mulher. Por terem a opção socialmente legitimada de ficar em casa, faz-se possível — e até costumeiro — o recuo feminino frente à assunção de responsabilidades pessoais.

A verdade é que muitas mulheres que não "precisam" trabalhar, já que seus maridos se dispõem a sustentá-las e têm meios de fazê-lo, não trabalham. O crescente número de mulheres trabalhadoras guarda estreita correlação com o aumento do número de casamentos dissolvidos. Quarenta e dois por cento das mulheres que trabalham são "chefes de família". É espantoso que atualmente, dentre as mulheres casadas que vivem com os respectivos maridos, metade ainda prefira refugiar-se nas lides domésticas.

Alguma coisa está errada. Isso se torna perceptível quando se atenta para a situação econômica das mulheres idosas neste país. Quando todo mundo discorre sobre opções, lucraremos mais perguntando-nos: "Quem toma conta das mulheres quando envelhecem"? A resposta, na­turalmente, é: ninguém. À época em que seus cabelos pas­sam a ficar grisalhos, o velho sistema "mulheres e crianças, primeiro" há muito caiu por terra. A realidade as atinge em cheio quando o companheiro morre. As últimas estatís­ticas governamentais mostram que a média de idade em que as mulheres americanas enviúvam é de cinqüenta e seis anos. Em cada duas mulheres nos Estados Unidos, uma deverá enviuvar com aproximadamente cinqüenta e seis anos. E mesmo aquelas que desde adultas sempre trabalharam não se vêem protegidas na velhice; uma entre quatro delas será pobre — muito mais pobre do que homens na mesma faixa etária. Em 1977 a renda média anual das mulheres idosas era de três mil e oitenta e sete dólares (cinqüenta e nove dólares semanais), ao passo que a renda média dos homens idosos era quase o dobro disso. (A principal razão pela qual essa discrepância ocorre é que a Previdência Social ameri­cana se define pelo sistema salarial, e já vimos que as mu­lheres percebem apenas sessenta por cento do que ganham seus colegas homens.)

Esta, pois, é a triste verdade a que as mulheres jovens — ainda românticas, ainda apaixonadas, ainda acomodadas no sonho de que as mulheres podem com segurança deixar que outros tomem conta delas — dão as costas. O mito dita que a segurança, para as mulheres, está em viverem eternamente ligadas, presas, enfurnadas "no seio da famí­lia", tal como moluscos. Mas quando essas mesmas mulheres envelhecem, descobrem-se totalmente à mercê do mundo econômico em que se recusaram a entrar. A desolação da velhice é a resultante mais pungente, se não a mais destru­tiva, do complexo de Cinderela. Esse ponto cego que man­temos — a incapacidade (ou recusa) de vermos a conexão entre a falsa segurança do casamento e a solidão e a pobreza das mulheres mais velhas (muitas vezes viúvas) —, esse ponto cego assemelha-se a uma doença mental. Queremos tão desesperadamente crer que alguém cuidará de nós! Que­remos tão desesperadamente crer que não temos de nos responsabilizar por nosso próprio bem-estar!


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