História do brasil moderno ernesto geisel



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<272 ERNESTO GEISEL>

E quanto ao general Figueiredo?

Figueiredo, eu o conheci nas campanhas do Clube Militar, de chapa amarela e chapa azul. Ele sempre fez parte do nosso grupo, junto com Golbery. Era muito benquisto, um oficial brilhante, inteli- gente e capaz. Fez todos os cursos com conceito muito bom, foi pri- meiro aluno da Escola Militar, da Escola de Aperfeiçoamento e da Escola de Estado-Maior. Quando, no governo Castelo, se fundou o SNI, Golbery o colocou dirigindo a Agência Central. Depois, quando houve a intervenção em São Paulo, com o afastamento do Ademar de Barros, substituído pelo Laudo Natel - foi aí que o Delfim apa- receu pela primeira vez na área governamental, como secretário de Fazenda do estado -, Figueiredo foi para lá comandar a Polícia Militar. Mais tarde foi chefe do estado-maior do Médici no Exército do Sul, e quando o Médici veio assumir a presidência o trouxe pa- ra a chefia da Casa Militar. Permaneceu ligado a nós, e, quando as- sumi o governo, sonhava continuar na Casa Militar. Resolvi, contu- do, colocá-lo na chefia do SNI, onde já tinha trabalhado. Em segun- do lugar, tive o propósito de evitar fofocas no SNI com relação ao governo Médici. A tendência natural de novas chefias seria vascu- lhar, encontrar problemas do governo que saía e querer criar caso em torno deles. Não sei se existiriam ou não, mas, preventivamen- te, quis evitar. Figueiredo, que integrara o governo anterior, era o primeiro a saber o que tinha acontecido e seria capaz de pôr água fria em qualquer fervura que eventualmente quisessem levantar con- tra o Médici. Acho que ele não gostou muito, preferia continuar na Casa Militar, que era muito mais interessante para ele, mas ficou no SNI.

Parece que houve uma hístória de que ele não quis trocar de resi- dência, não é?

Foi o problema dele com o Hugo Abreu. Ele morava na Gran- ja do Torto. Eu também havia residido lá. Hugo Abreu achava que a casa era destinada ao chefe da Casa Militar. Era uma casa do gover- no, podia ser de um ou de outro. Figueiredo pleiteou continuar lá e eu concordei. O Hugo foi para uma das casas de ministro, na penín- sula, uma boa casa. Mas parece que daí surgiu uma divergência en- tre ambos, da qual não tomei conhecimento, nem quis saber. #
Desde o inicio estava certo que o general Golberyficaria no Gabi- nete Civil?

Não. Pensei no começo em colocá-lo no Planejamento. Mas de- pois começamos a ver o problema do Veloso, e aí a melhor solução foi o Golbery chefiar a Casa Civil. Inclusive porque ficaria muito mais em contato comigo. Na realidade, Golbery era um homem que podia ir para qualquer ministério.

Outra pessoa com a qual me relacionei nesse tempo, e que me ajudou muito, foi Petrônio Portela. Não o convidei para o minis- tério porque ele era figura importante no Congresso e na Arena. Era combatido em algumas áreas revolucionárias pela atitude que teve em 64. Era então governador do Piauí e ficou do lado do Jango, achando que a ele, governador, cabia apoiar o poder constituído. Eu sabia que ele tinha projeção dentro da Arena. Pedi que viesse falar comigo e, através de conversas, em vários dias, concluí que seria, no Congresso e no partido, o meu porta-voz, o homem que iria re- solver os problemas políticos de acordo com a minha orientação. E foi assim até o fim. Petrônio me ajudou muito, inclusive na elabora- ção da legislação relativa ao processo de abertura. #

16 - Um estilo de governar

Como transcorreu o dia 15 de março de 1974, em que o senhor tomou posse na presidência da República?

Eu havia ido para Brasília dois dias antes e tinha me hospeda- do na casa do chefe do SNI, o general Fontoura, que me convidou para ficar lá. Ele saiu da casa, deixou tudo à minha disposição, e lá me instalei com Lucy. No dia da posse não houve muito ritual: pe- guei o carro de manhã e fui para o palácio do Planalto. Antes da transmissão ainda fui ao gabinete do Médici e conversamos um pou- co. Houve então a posse, a despedida do Médici, e em seguida fui para o meu gabinete lavrar o decreto de nomeação dos ministros. E talvez ali eu já tenha convocado uma reunião do ministério para um ou dois dias depois, para dar aos ministros algumas idéias sobre o programa de governo. Depois do almoço houve os cumprimentos das delegações. Veio muita gente do estrangeiro. Como chefes de Es- tado, vieram os presidentes da Bolívia, do Uruguai e do Chile. Não veio o presidente da Argentina. A senhora Nixon representou o presi- dente dos Estados Unidos. Dos outros já não me recordo. A cerimô- nia de cumprimentos levou horas, eu em pé ali recebendo aquela gente toda. E à noite houve uma recepção no Itamarati, para as dele- gações estrangeiras e as autoridades brasileiras. #



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À transmissão da faixa, no Planalto, estiveram presentes os mi- nistros do governo que saía e os que iam ser do meu governo. Uma das coisas que me impressionaram nos cumprimentos foi a partici- pação da Igreja católica. Vários bispos e cardeais compareceram, apesar de eu não ser católico, mas luterano. Não sei se foi uma de- monstração de boa vontade e de confiança na mudança do quadro nacional.

A partir de então, como foi sua rotina de presidente? Como era o seu dia-a-dia?

Eu morava no Alvorada e trabalhava muito em casa. De ma- nhã cedo, recebia uma súmula dos principais assuntos tratados pe- la imprensa. Lia aquilo, passava os olhos em algum jornal e ia para o Planalto. Começava o expediente às nove horas. Ao meio-dia, ia al- moçar. Geralmente almoçava em casa com dona Lucy e minha filha. Às vezes tinha convidados, mas normalmente não. Almoçávamos nós e o ajudante-de-ordens que estava de serviço. Depois do almoço eu me deitava e dormia de 10 a 15 minutos. Era pouco tempo, mas esse sono era muito bom. Lia jornais ou documentos, e às duas ho- ras estava no palácio, onde ficava até as seis. Fazia questão de cum- prir o expediente, porque do horário do presidente sofrem influên- cia os auxiliares. Castelo dava expediente recebendo deputados, con- versando e resolvendo problemas até de noite. E todos os principais auxiliares ficavam no palácio até tarde, esperando que o presidente encerrasse o expediente para poderem sair. Como chefe da Casa Mi- litar eu ia para casa às oito, nove horas da noite. Sempre fui contra isso. Acho que uma das condiçôes do chefe é cumprir um horário. Cumprir horário para não sacrificar o auxiliar, mas poder exigir do auxiliar tudo durante o horário. Durante essas horas, ele tem que trabalhar. Mas vencido o horário, o trabalho deve ser suspenso, a não ser que exista algum fato grave, algum fato novo que exija uma prorrogação. Eu cumpria, normalmente, o horário preestabelecido. Era a rotina.

Geralmente, às sextas-feiras eu viajava para visitar alguma localidade. Saía de manhã e voltava ao anoitecer. Ia a São Paulo, a Minas Gerais, ao Mato Grosso etc., a lugares onde me haviam convi- dado. Normalmente, no fim de semana, ia para o Riacho Fundo com a família. Era uma residência da época da construção de Brasí- #

lia, melhorada no tempo do Médici, muito aprazível, com muito ar- voredo, jardins, piscina etc.

O senhor fez obras nessa casa?

Não, a única coisa que fiz foi abrir uma porta para ter entrada independente para o meu escritório. Médici também tinha usado es- sa casa, já estava mobiliada. Ali eu ficava normalmente aos sábados e domingos, e na segunda-feira de manhã voltava para o Alvorada.

Quando o senhor chegava ao palácio do Planalto para trabalhar às nove horas da manhã, os ministros da Casa já estavam lá?

Sim, estavam. Havia uma reunião logo de manhã. Muitas ve- zes eu ia do Riacho Fundo para o palácio do Planalto de helicóptero.

O senhor não tinha medo de helicóptero?

Não. Andei muito de avião também. No verão, em vez de tirar férias, eu geralmente passava um mês no Riacho. Às vezes ia ao pa- lácio, mas normalmente, se houvesse um assunto mais importante, o ministro ou quem quer que fosse ia ao Riacho discuti-lo. Era a maneira de eu tirar férias: continuava a trabalhar, mas em ambiente mais saudável e sem formalismo. Já no Alvorada, era comum fazer reuniões à noite. Fiz muitas com o Petrônio, inclusive no trato do problema da abertura. Também tive reuniões à noite com o pessoal do Ministério das Relações Exteriores, o Silveira, seus auxiliares e outros assessores. Tínhamos na época um problema nas relaçôes com a Argentina, ligado à represa de Itaipu. O Ministério das Rela- ções Exteriores da Argentina era gerido por pessoal da Marinha, e esse pessoal era muito contra a represa. Conseguimos aos poucos, com troca de notas e discussões, que o problema chegasse ao fim, sem prejudicar aquele grande empreendimento.

Quando havia reuniões à noite no palácio da Alvorada, os funcio- nários do Planalto eram deslocados para lá?

Não. O expediente do Planalto terminava às seis horas, e a reu- nião era às oito, depois do jantar. O atendimento era feito pelos em- pregados do palácio da Alvorada, administrado com muita econo- mia por Lucy #



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Eram muitos funcionários?

Não. Além de um encarregado geral e de um mordomo, havia algumas arrumadeiras, cozinheiro, garçons e serventes. O Alvorada ocupa uma área grande com piscina, jardins e uma capela anexa. Todos esses empregados, nós já os encontramos e lá ficaram, sem maior alteração. Além disso, Lucy tinha uma secretária e umas mo- ças, as arrumadeiras que cuidavam do problema das roupas. Uma delas até hoje é amiga da Lucy. Foi a que nos acompanhou nas via- gens ao exterior.

Quando o senhor ía de um palácio para outro, havia rituais com- plicados a cumprir na saída ou na chegada?

No Alvorada não havia esse problema, porque eu descia pelo elevador para a garagem e tomava o carro. Ia comigo o ajudante-de- ordens. Quando chegava ao palácio do Planalto, estava a guarda for- mada, era dado o toque de presidente da República, e eu era recebi- do pelo chefe da Casa Militar. Era a rotina. No tempo do Castelo, eu ficava ali de manhã esperando que ele chegasse para recebê-lo na subida da rampa. É claro que a subida e a descida da rampa não eram feitas como no tempo do Collor. Na saída, também havia a guarda formada, mas muitas vezes eu descia pelo elevador, ia pa- ra a garagem e saía direto de automóvel. Quando chegava de helicóp- tero, na base que ficava nos fundos do palácio, havia um automóvel me esperando, e eu então podia dar a volta para entrar pela frente, pela rampa, ou andar uns 50 ou 100 metros até a garagem e subir pelo elevador para o meu gabinete. Aí não havia cerimonial nenhum.

Outro problema do cerimonial, mais complicado, era a entre- ga de credenciais aos embaixadores. Obedecia a uma rotina estabele- cida pelo Itamarati.

Independentemente do expediente normal, eu recebia muitos políticos, muitos deputados, senadores, governadores, afora visitan- tes estrangeiros.

Como o senhor lidava com seus ministros, como o governo fun- cionava?

Quando assumi a presidência fiz uma reunião do ministério e estabeleci diretrizes gerais para o governo e para a atuação dos mi- nistros. Para assegurar o adequado relacionamento entre os órgãos #

governamentais, os chefes dos gabinetes Civil e Militar, do Estado- Maior das Forças Armadas e do SNI passaram a ter o status de mi- nistro. Resolvi, também, retirar do Ministério do Trabalho a gestão da Previdência, para que se dedicasse inteiramente às questões pró- prias da área trabalhista, e foi então criado por lei o Ministério da Previdência e Assistência Social.

Modifiquei a rotina dos despachos ministeriais, que, para cada ministro, passaram a ser quinzenais, mas com duração de uma hora, ao invés de semanais com duração de 15 minutos. Assim, tornou-se possível estabelecer maior identificação do presidente com os minis- tros e, conseqüentemente, melhor conhecimento e solução dos proble- mas administrativos de cada um. Além desses despachos de rotina, os ministros tinham toda a liberdade para telefonar ao presidente e, quando necessário, em assuntos urgentes, solicitar despachos espe- ciais. Estabeleci, também, que cada ministro tinha plena liberdade pa- ra escolher seus auxiliares, sem qualquer imposição de minha parte, com a única ressalva de que não houvesse objeção fundamentada do SNI. Assim, não houve, na formação do ministério, nem na composi- ção dos diferentes quadros de assessoramento dos ministros, nenhu- ma influência política, e os ministros se tornaram plenamente respon- sáveis por seus auxiliares diretos.

Além de estimular o entendimento direto entre os ministros nas questões interdependentes, criei duas câmaras ou conselhos setoriais: o Conselho de Desenvolvimento Econômico e o Conselho de Desenvol- vimento Social. Sob minha chefia, secretariados pelo ministro do Pla- nejamento e integrados pelos ministros das áreas correspondentes, es- ses conselhos se reuniam periodicamente. Nessas reuniões eram trata- dos os problemas relacionados com o plano geral de desenvolvimento e as eventuais divergências suscitadas no ministério. Cada ministro ti- nha a oportunidade de expor o seu ponto de vista, as divergências fi- cavam claras, e era possível encontrar uma forma de entendimento. Discutia-se muito, mas geralmente chegava-se a um consenso. Quan- do não, cabia a mim, em função do que eu tinha ouvido, dar a deci- são final. Os ministros passavam a se conhecer melhor, identificavam- se mais uns com os outros. A "roupa suja" que houvesse era lavada ali, e nenhum ministro ia para o jornal fazer fofoca ou se queixar de outro. Decidiam-se questões como, por exemplo, a do abastecimento de combustível, em virtude do primeiro choque nos preços do petró- leo, a da criação do programa do álcool carburante, a do IBC e do IAA, a do financiamento para a agricultura, a dos recursos para a Su- dene e a Sudam, a das enchentes, particularmente em Recife etc. #



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Qual era a periodicidade das reuniões dos conselhos de desenvolvi- mento?

As reuniões eram de mês em mês, ou quando o ministro do Planejamento, que era responsável pela pauta, sugeria. Veloso sabia dos problemas que estavam ocorrendo, vinha a mim e sugeria a reu- nião. Passávamos então uma manhã discutindo, eu, ele e todos os ministros da área econômica - o Simonsen, o Severo ou o Ângelo, o Paulinelli, o Ueki e o Rangel Reis. A mesma coisa se fazia com os problemas de natureza social. Eram o ministro do Trabalho, o da Previdência, o da Saúde, o do Interior e, como sempre, o do Planeja- mento. Acho que essa era uma forma adequada de dar unidade ao governo, de evitar discrepâncias mais profundas, de evitar que um ministro falasse mal de outro através da imprensa - hábito que a República cultiva. Nós funcionamos assim do começo ao fim do go- verno, e, embora uns gostassem mais ou menos dos outros, o fato é que todos, acredito, eram amigos. A prova é que, a não ser na área militar, não houve substituiçôes de ministros. O único ministro civil que foi substituído foi o Severo.

Com essa maneira de trabalhar, consegui várias coisas. Em pri- meiro lugar, havia harmonia dentro do ministério. Por outro lado, era possível discutir a fundo as soluções possíveis. Em vez de se ado- tar soluçôes de afogadilho, chegava-se pela discussão a uma análise de todas as facetas do problema, de tudo o que nele estava envolvi- do, e podia-se, com melhor conhecimento de causa, adotar a decisão. Não posso afirmar que as decisões tenham sido todas acertadas. É possível que tenha havido decisões erradas. Todavia, o processo de tomada de decisão era, no âmbito do governo, o mais adequado.

O fato de ouvir conselhos especializados para resolver os pro- blemas supervenientes não significa que eu me eximisse de tomar decisões. Meu objetivo, através desses conselhos, era principalmente conseguir a convergência de forças do ministério. Em vez de ações isoladas, cada um puxando para um lado, eu conseguia uma concen- tração de forças e, portanto, melhor rendimento.

Fora da área econômica e social também havia discussões em con- junto? No campo polítíco, por exemplo?

No campo político também se discutia, mas não mais em câ- mara. Geralmente os assuntos eram tratados, além da minha pes- soa, pelo Golbery. E os homens mais credenciados nessa área eram #

Petrônio Portela e Armando Falcão. Quando havia problemas, os três se reuniam e vinham a mim. Mas aí não se realizavam reu- niões periódicas, como as dos outros conselhos. Os problemas políti- cos geralmente eram debatidos no dia-a-dia. Era uma área muito di- nâmica, com uma oposição muito combativa. Os problemas eram quase que diários. Muitas e muitas vezes recebi o Petrônio no Alvo- rada de noite. Ficávamos conversando e debatendo os problemas. Falcão geralmente me telefonava, já de manhã, relatando os proble- mas que tinham surgido.

As relações exteriores também eram discutidas com Golbery e o ministro Silveira. Na área militar fiz poucas reuniões conjuntas com os três ministros. A não ser o problema da segurança interna, da repressão aos remanescentes das ações subversivas, não havia outras questões na área militar que justificassem uma ação comum. Os problemas eram próprios de cada força armada, e esses se resol- viam no despacho do ministro com o presidente. Eu preferia tratar isoladamente com cada um deles.

Afora isso, havia uma reunião que herdei do Médici. Era a reu- nião que se fazia de manhã, quando eu chegava ao Planalto. Reuniam- se comigo o ministro do Planejamento, o da Casa Civil, o da Casa Mi- litar e o chefe do SNI. Aí se analisavam as novidades. O que tinha ha- vido durante o dia anterior? Quais eram os problemas? Quais as pro- vidências necessárias? Ouvia-se a opinião de todos e as informações que tinham. Era uma forma de atualização com a realidade, com os fatos que estavam ocorrendo, e também uma maneira de obter uma convergência de ação entre esses ministros, de fazer com que eles, após a apreciação dos problemas, agissem segundo um ponto de vis- ta comum.

Essas reuniões matutinas, para o público, eram sempre um pouco misteriosas...

Sim, porque eram internas, eram reuniôes diárias sobre as quais não havia notícias públicas. Ali eram feitas análises e tomadas decisões decorrentes dos fatos emergentes. Conflitos nas diferentes áreas de ação, problemas supervenientes,outras dificuldades que surgiam na ação governamental etc. eram analisados e tornavam-se objeto de eventuais decisões. #



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E seu contato com os governadores?

Os governadores me procuravam, vinham a mim com os seus problemas. Geralmente eram encaminhados aos ministros interessa- dos, e tudo o que se pudesse atender favoravelmente se deferia. De um modo geral, havia um relacionamento relativamente bom com os governadores. Alguns não tinham atuação muito satisfatória. Con- tudo, os governadores dos diferentes estados, cada um com as suas características próprias, com o seu feitio próprio, conviviam bem. E assim o governo, no seu conjunto, era harmônico.

Algumas pessoas caracterizam seu estilo de governar como mais centralizador por exemplo, do que o do presidente Médici, dizendo que na verdade o senhor teria mais assessores do que ministros.

Mas isso não é verdade. É claro que eu me considerava o maior responsável e tinha que tomar conhecimento dos fatos e muitas vezes decidir. Mas os ministros tinham grande poder de liberdade, de ação, inclusive, como já disse, para escolher todos os seus auxiliares. Entre- tanto, eu não me omitia. No despacho, por exemplo, havia muitas pro- posições que eram resolvidas ali, imediatamente. Os problemas mais complexos, eu retinha para estudar. Muitas vezes os entregava ao Gol- bery para que os examinasse. Outras, levava-os para casa, onde os es- tudava no sábado, no domingo ou à noite e, assim, ficava habilitado para conversar sobre a matéria com o ministro no próximo despacho e com ele tomar a decisão. A responsabilidade final era minha, sem dúvida.

Há também uma crítica segundo a qual o senhor teria centraliza- do muito as decisões no Conselho de Desenvolvimento Econômico, deixando a classe empresarial defora.

A crítica é improcedente. Os empresários vinham a mim sem qualquer restrição, ou falavam com os ministros, para o que tinham toda a liberdade. O empresário, entretanto, de um modo geral, plei- teia o seu próprio interesse. Não quero com isso dizer que não hou- vesse sugestões boas, que eram aproveitadas. Houve muitas iniciati- vas de empresários que apoiamos. As confederações da Indústria, do Comércio e da Agricultura eram ouvidas e muitas vezes atendi- das. Evitávamos negociações com as federações que se situavam abaixo das confederações. Contudo, Veloso e Simonsen muitas vezes foram a São Paulo conversar com o empresariado. #

Apesar dos problemas que as organizações representativas têm, o senhor não as considera importantes para o país?

São muito importantes, assim como outras entidades ou ór- gãos, e não eram menosprezadas. Ao contrário, como já disse, eram ouvidas quando necessário e atendidas quando o pleito era justo. Às vezes as demandas dos empresários chegavam durante uma audi- ência. O empresário ou um grupo de empresários me solicitava audi- ência, ou então me convidava para ir a uma associação comercial, e lá os problemas eram apresentados. Outros iam diretamente a um ministro. Conforme o caso, o problema era levado ao ministro ade- quado. Era examinado, e vinha a proposição, que era então encami- nhada para solução. Procurávamos agir racionalmente, sempre mi- rando o nosso interesse nacional.

Como o senhor reagia quando empresários como Antônio Ermírio de Morais criticavam seu governo abertamente na imprensa? Con- versava com eles? Tentava negociar?

uando vinham conversar comigo, eu os recebia, mas não ia procurá-los. Antônio Ermírio de Morais, da Votorantim, tem normalmente relações amistosas comigo, mas quando o governo do Rio de Janeiro, sob a chefia do governador Faria Lima, resol- veu promover a construção de uma indústria de alumínio em coo- peração com a Shell, ele reclamou, botou a boca no mundo. Por quê? Porque ia mexer com a sua indústria de alumínio em São Paulo, que praticamente, a não ser por uma outra instalação em Minas sem grande projeção, era a única do Brasil. Ele tinha prati- camente o monopólio do alumínio, e quando se fez essa unidade aqui no Rio de Janeiro, sentiu-se ferido nos seus interesses. Era receio da concorrência. No caso do cimento, por exemplo, com três ou quatro produtores no país, que bem se entendem, há um oligopólio. Eles fazem o preço que querem. Esse é um dos proble- mas da nossa indústria privada. Outra característica nossa é que o capital privado se emprega de preferência em bancos. É o negó- cio mais rentável no nosso país. Há bancos, hoje em dia, que es- tão distribuindo dividendos mensais, quando muitas indústrias privadas estão com prejuízo. Nosso capital privado ainda é muito especulativo, só se engaja em empreendimentos que proporcionam lucro fácil. <284 ERNESTO GEISEL>

Como se sente quando dizem que o senhor era centralizador? Vê isso como um elogío ou uma crítica?

Acho que é uma crítica de quem faz oposição sistemática e não conhece, não quer conhecer o problema. Dizia-se que o Médici era omisso, que o seu tema predileto no despacho era o futebol. Contava-se que o ministro ia ao despacho, começavam a conversar, e o Médici dizia: "Não, deixa os papéis aí", e começava a discutir problemas de Grêmio, Botafogo, Flamengo. Depois chamava o aju- dante-de-ordens, dava-lhe a papelada e mandava: "Entrega ao Lei- tão". Não sei se isso é verdade, mas foi um estilo de governo, uma forma de governar. Eu não era assim, eu me considerava muito res- ponsável. Não é que eu não confiasse nos ministros, mas com um ministério relativamente grande, com áreas de interesse às vezes co- muns, em que havia uma superposição de ações de um ministério e de outro, como é que eu podia resolver os problemas sem uma coor- denação? A primeira coisa que surgiria seria o conflito entre os mi- nistros. Um ministro falando mal do outro, um ministro discutindo a supremacia do outro.


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