Na Secretaria de Fazenda da Paraíba, uma coisa de que me vanglorio é que, no dia em que transmiti o cargo, não havia nem mais um tostão de dívida. Fizemos muitas obras, muitas coisas, in- clusive, de desenvolvimento. A riqueza da Paraíba, naquele tempo, era o algodão. O sistema tributário vigente no país consistia em dois impostos, um de importação e outro de exportação. O imposto de importação era atribuição do governo federal, através das alfânde- gas. Rendia muito e era muito importante porque o Brasil importa- va tudo, exceto alimentos. E o imposto de exportação era do estado. A receita do governo da Paraíba se fazia, principalmente, através da exportação de algodão.
Não me lembro mais de quanto era o montante da dívida, que vinha principalmente da guerra de Princesa. Nas primeiras sema- nas, logo após ter assumido a secretaria, o meu gabinete se enchia de comerciantes, de industriais, credores, cobrando e dizendo: "Meu caso é um caso especial, vendi à vista em tal época e até hoje não me pagaram..." Aí vinha outro, com a mesma história. Fiquei inteira- mente atormentado. Não tinha dinheiro, como é que eu ia fazer? Co- mecei a pagar essas dívidas por partes. Se no mês havia recursos ex- cedentes das despesas normais, eu pagava de cinco a 10 por cento da dívida a cada credor. Dali a um mês pagava mais alguma coisa. E fui fazendo assim.
Fiz também uma grande remodelação no quadro de funcioná- rios. O estado tinha mesas de renda e estações fiscais, e havia um contingente de 200 a 300 guardas fiscais, que exerciam a guarda da #
fronteira para evitar a evasão de renda e o contrabando, e cobra- vam no interior dos municípios os impostos devidos. Verifiquei que esse pessoal estava todo radicado havia anos no mesmo local, por interesses políticos e de parentesco. O funcionário estava servindo havia oito, 10, 15 anos no mesmo lugar, e resolvi modificar essa si- tuação. Se o empregado era do sertão, eu o transferia para o litoral; o do litoral ia para o sertão. Os políticos ficaram brabos, reclaman- do, mas agüentei firme, com o apoio do interventor. E comecei a promover em função da arrecadação. O guarda muito bom, que da- va uma boa renda, era promovido. Estacionário fiscal que também dava boa renda era promovido. Muitas vezes eu me deslocava com um funcionário do Tesouro, da Receita, e de surpresa ia inspecionar as mesas de renda e as estações fiscais. Encontrei alguns desfal- ques. Vários estacionários fugiram, porque estavam implicados em ladroeiras. E, assim, fui aumentando a renda.
Eu tinha bons auxiliares, mas a responsabilidade, a ação, era toda minha. Sempre que ia fazer uma inspeção mantinha sigilo, não revelava antecipadamente para onde ia. Chamava um funcionário e dizia: "Amanhã vamos sair de automóvel, às oito horas da manhâ". Aí íamos bater numa mesa de renda, examinar a documentação, ver a receita, ver o caixa. Com isso consegui pagar a dívida. Às vezes ha- via uns arranhõezinhos, mas o interventor era muito meu amigo e muito leal.
No livro de Fernando Morais, Chatô, rei do Brasil, há menção ao fato de que o senhor também teria sido sócio de uma fábrica de cimento na Paraíba.20
A Paraíba tinha uma jazida de calcário, e era idéia do governo aproveitá-la construindo uma fábrica de cimento. A fábrica seria um bom investimento para o estado, daria empregos, renderia impostos e produziria cimento relativamente barato para atender às necessida- des de consumo locais. Participei dessas negociações como secretá- rio de Fazenda. A primeira negociação que se tentou foi através de um engenheiro de Pernambuco, que trouxe técnicos alemâes. Eles examinaram as jazidas, estudaram o problema e acabaram não se
20 Morais, Fernando. Chatô. rei do Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1994. p. 326. A 2á edição do livro corrige esta informação. #
<64 ERNESTO GEISEL>
interessando. Mais tarde, Drault Ernanny médico aqui no Rio de Ja- neiro, trouxe um de seus clientes. um doente de quem ele cuidava, antigo empreiteiro de obras que havia trabalhado na estrada de Pe- trópolis no tempo do Washington Luís. Com esse cliente do Drault Ernanny finalmente se conseguiu fazer um contrato de concessão. Mediante determinadas condições, o estado lhe deu a concessão da fábrica, que foi construída e entrou em funcionamento mais tarde, quando eu já não era mais secretário. Não há o menor fundamento na versão que diz que eu era sócio dessa empresa.
O senhor conheceu Drault Ernanny?
Sim. Como sabem, ele se tornou um homem de negócios, ti- nha um banco aqui no Rio de Janeiro, negociou depois a refinaria de petróleo de Manguinhos e obteve a concessão junto com Peixoto de Castro. Conviveu com todos os governos, gostava muito de apare- cer no society. Tinha a Casa das Pedras, onde recebia muita gente. Fez questão de receber o Gagarin... Ainda vem aqui conversar comi- go, embora muito raramente. Quando precisa de alguma informa- ção, quando está preocupado com a segurança do seu dinheiro, vem aqui me fazer umas perguntas. No seu livro também há algo so- bre essa história.21 Ele se descreve como tendo sido o homem que praticamente fez a fábrica de cimento. Mas não é verdade, ela foi fei- ta em conseqüência das negociações do governo da Paraíba com o empreiteiro trazido por ele. Foi uma concessão do estado.
21....Ernanny..Drault. Meninos, eu m... e agora posso contar. Rio de Janeiro. Record. 1988. # {imagem} Na praia, com a família. Atrás, da esquerda para a direita, os pais Lydia e Augusto Geisel, a irmã Amália e Guilhermina Wiebusch, avó materna. Na frente, também da esquerda para a direita, Orlando, Henrique, Bernardo e Ernesto. Praia de Tramandaí, RS, 1916. Segundo Geisel, esta foi a primeira vez que a família tomou banho de mar. {imagem} Com os pais, a irmã e os irmãos adolescentes, quando já estava no Colégio Militar. {imagem} Geisel criança, vestido de marinheiro, com os pais. Atrás, da esquerda para a direita, os irmãos Henrique, Amália, Bernardo e Orlando.
{imagem} Com os irmãos Orlando e Henrique, todos
com uniforme do Colégio Militar. {imagem}
Com colegas da Escola Militar. Geisel é o
primeiro à esquerda, seguido de Agildo
Barata, Carlos Gonçalves Terra e Orígenes
da Soledade Lima. {imagem}
1924 Em casa dos avós paternos, nas bodas de
prata dos pais. Geisel é o terceiro à direita
da última fila e dona Lucy, criança, é a
segunda à esquerda da primeira fila. {imagem}
Após a Revolução de 30, no Campo de São Cristóvão, Rio de Janeiro. Geisel é o primeiro à esquerda, seguido de seu irmão Henrique e de outros colegas do Grupo de Cachoeira, RS.
{imagem} 1931 ( Geisel, de terno branco, seguido à direita por Café
Filho e pelo interventor no Rio Grande do Norte,
Aluísio Moura {imagem} 1933 / Com Getúlio, na Paraíba, setembro. {imagem}
Foto do passaporte com que viajou
como adido militar para o Uruguai. {imagem} Na Argentina com Góes Monteiro e Evita Perón. Geisel é o quarto de pé, da esquerda para a direita.
{imagem} 1930 ) om a família da esposa no dia do
casamento, 10 de janeiro. {imagem} 1956 Desfilando em parada militar em
Quitaúna, SF 7 de julho.
{imagem}
Geisel com Castelo Branco
(discursando) e Costa e Silva
(de óculos escuros). , {imagem} 1969-73 ( Quando presidente da
Petrobras, com os diretores
Aroldo Ramos, Leopoldo
Miguez de Melo, Faria Lima
e Shigeaki Ueki.
{imagem} 1973 Geisel, já candidato à
presidência da República,
com o general João
Figueiredo, 20 de junho.
{imagem} 1973 ( Geisel e o presidente da República, general Emílio Garrastazu Médici, 20 de junho.
{imagem} 1973 Na Câmara dos Deputados, na convenção da Arena que homologou sua candidatura
à presidência. Da esquerda para a direita, Paulo Torres, Leitão de Abreu, Geisel,
Petrônio Portela, Adalberto Pereira dos Santos (candidato a vice-presidente) e Alfredo
Buzaid. 15 de setembro.
{imagem} 1974 ) Na posse, com o ministério, 15 de março. {imagem} 1974 Na "reunião das nove" com Figueiredo, Golbery, Hugo de Abreu
e Reis Veloso (de costas), 25 de junho.
{imagem} 1974 com os presidentes da Bolívia, do Uruguai e do Chile,
respectivamente, generais Hugo Banzer, luan Maria Bordaberry
e Augusto Pinochet, 15 de março.
{imagem} Charge de Ziraldo sobre a dívida externa. {imagem} 1975Em Campo Grande, com o presidente do
Paraguai, general Alfredo Stroessner, 9 de
março.
{imagem} 1976 Sílvio Frota chegando a São Paulo para dar
posse ao novo comandante do II Exército,
Dilermando Gomes Monteiro, em
substituiçáo a Ednardo d'Ávila Melo, afastado
desse comando após as mortes do jornalista
Wladimir Herzog e do operário Manuel Fiel
Filho, 23 de janeiro.
{imagem} 1974 Com Emerson Fittipaldi e outros no
lançamento do carro Copersucar, o "Fórmula 1
brasileiro, 16 de outubro. {imagem} 1976 ( Com os imperadores do Japão, março.
{imagem}
1978Nas praias do Havaí, a caminho do 1976 Em Londres com a rainha Elizabeth,
Japão, setembro. maio. {imagem} 1977Recebendo Rosalyn Carter que, em nome do governo norte-americano e
seguindo anotações de seu caderno, fazia uma série de questionamentos
sobre o respeito aos direitos humanos no Brasil, 7 de junho.
{imagem}
1977 Gravando pronunciamento à nação comunicando
o recesso do Congresso Nacional, 1º de abril.
{imagem}
1976 ( com dona Lucy, Amália Lucy e o cachorro na
Granja do Torto.
{imagem} 1978 Geisel, no México, com o presidente losé López Portillo,
janeiro. {imagem} 1977 Sílvio Frota, de terno preto, chegando ao
Rio após ser exonerado do Ministério do
Exército, 13 de outubro.
{imagem} 1978 Na Alemanha, com o primeiro - ministro Helmut
Schmidt, março. {imagem} Charge de Ziraldo no Jornal do Brasil alusiva às pressões sobre o presidente Geisel no sentido da abertura e do fechamento do regime.
4 - O Exército e as revoltas
dos anos 30
O senhor estava na Paraíba quando, em 9 dejulho de 1932, estou- rou a Revolução Paulista. Qual foi sua impressão inicial?
A gente lia os jornais e sabia qual era o pretexto da Revolução Constitucionalista. A verdade é que o povo de São Paulo não se confor- mava com a maneira de Getúlio governar. De início, logo após a vitória da Revolução de 30, foi governar São Paulo como interventor o João Al- berto, que era um tenente. Embora houvesse no estado um partido, o Democrático, que tinha apoiado a Aliança Liberal contra o candidato do Partido Republicano Paulista, o ambiente de São Paulo era contra Getúlio. Getúlio então exonerou João Alberto e nomeou outro interven- tor. A Revolução Constitucionalista eclodiu no governo de Pedro de Tole- do, que era um velho diplomata paulista. Havia ressentimentos, e os políticos de São Paulo pretendiam a convocação de uma Constituinte que pusesse fim ao governo revolucionário. A chefia militar da Revolu- ção de 1932 coube ao general Klinger, que na época comandava a re- gião militar de Mato Grosso, coadjuvado pelo general Euclides Figueire- do. Achavam que já era tempo de acabar com a ditadura.
Como foi sua participação no combate à Revolução Constituciona- lista?
Fui de trem com minha bateria da Paraíba para Recife e de lá vim de navio para o Rio. No mesmo navio vinha uma parte da Polí- #
<66 ERNESTO GEISEL>
cia Militar da Paraíba. No Rio, após o desembarque, fui para o quartel que fica em Campinho, perto de Cascadura. Pouco depois, a bateria foi mandada para o vale do Paraíba. Desembarcamos em Engenheiro Passos, próximo a Itatiaia, e desde então participamos do combate à revolução, num destacamento comandado pelo coro- nel Daltro Filho, que fazia parte da Frente Leste, comandada pelo general Góes Monteiro. Entrei em combate muitas vezes, apoiando com os tiros da bateria a tropa da infantaria, tanto nas operações defensivas como, quase sempre, nas ofensivas. O apoio da bateria era muito solicitado, porque o seu material era o mais apropriado para o emprego naquela região, cujo terreno é muito acidentado. Fo- mos lutando até Lorena, onde se deu o armistício que pôs fim à re- volução. O pedido de cessar-fogo foi do comando da Força Pública de São Paulo, à revelia do comando superior do general Klinger e, também, do general Figueiredo. A Força Pública considerou que a revolução estava perdida e resolveu negociar a suspensão das hosti- lidades.
Nessa ocasião, era iminente o ataque de um grupamento de in- fantaria, com o apoio da minha bateria, às posições paulistas em Fa- zenda Mondesir. O observatório de onde eu dirigia o tiro da bateria sobre os objetivos da posição do inimigo era alvo de tiros de metra- lhadora, orientados, possivelmente, pelo reflexo do sol sobre o meu binóculo. Nosso ataque foi suspenso, mas em virtude da rejeição do pedido de armistício pelo general Góes, que exigia a rendição incon- dicional, veio ordem para a retomada da operação. Resolvi então, ante os tiros de metralhadora que voltaram a visar ao meu observa- tório, suspender o tiro da bateria, pois não desejava ser ferido ou possivelmente morto no último dia de luta, uma vez que esta, natu- ralmente, não prosseguiria. Decidi sozinho que não ia atirar mais. De fato, daí a pouco a ação foi suspensa porque, como eu previra, os paulistas acabaram aceitando as imposições do general Góes.
Daltro Filho concordou com essa sua decisão?
De náo atirar mais? Ele nem sabia! Eu é que resolvi. Afinal, quem negocia um armistício, quem chega à conclusão de que não tem mais meios para lutar, que deve acabar com a luta, não tem condições morais para prosseguir dali a pouco. Perde o comando so- bre a tropa. #
A Revolução de São Paulo criou muita divisão no Exército?
Diferentemente da Revolução de 30, a de São Paulo não criou muita divisão dentro do Exército. Isto porque os oficiais que participa- ram desta Revolução foram quase todos reformados e só mais tarde, em 1934, foram anistiados e voltaram ao Exército. Muitos também fo- ram presos. Agildo Barata estava aqui no Rio, conspirando, ao lado dos paulistas. Não chegou a entrar na luta armada mas conspirou ati- vamente, e a polícia sabia. Cercaram sua casa e foram prendê-lo. Nes- sa ocasião, na frente dos policiais, ele queimou todo o arquivo que ti- nha sobre a conspiração e só depois se deixou prender. Ficou preso a bordo de um navio e foi exilado em Portugal juntamente com outros chefes da revolução. Recordo que, por iniciativa do Juracy que então era interventor na Bahia, nós, os amigos do Agildo, todo mês nos coti- závamos e enviávamos dinheiro a ele, para a sua manutenção. Assim, separávamos o amigo do adversário político.
Terminada a revolução, antes da volta para a Paraíba, tive al- guns dias de licença e fui pelo interior de São Paulo até Itapetininga e Capão Bonito visitar meus irmãos, que tinham participado do com- bate aos revolucionários na Frente Sul. Foi grande a alegria de nos revermos e podermos contar os nossos feitos e nossas observações sobre o acontecido.
Durante a revolução, eu era muito considerado no meu destaca- mento. Minha bateria teve uma posição de destaque. Apesar disso es- queceram-se de nós quando do regresso ao Rio. Ficamos acantona- dos algum tempo em São Paulo, em Moji das Cruzes, enquanto os "vi- toriosos" quiseram vir logo para o Rio, para desfilar na avenida Rio Branco como triunfadores. A natureza humana é assim. Naquela eufo- ria da vitória, Daltro foi promovido a general, e esqueceram-se de mim. Cheguei ao Rio alguns dias depois, de trem, e fui para o quar- tel de Campinho. Não participei das celebrações do fim da revolução.
Conheci o Daltro nessa época. Em 30 ele era contra nós, ti- nha sido um dos esteios do governo do Artur Bernardes. Recordo, a propósito, que nesse governo o estado de sítio durou quatro anos, com o objetivo de assegurar a ordem no país contra a conspiração, a revolução. A polícia do Bernardes, chefiada pelo general Fontoura, era terrível. Os oficiais revolucionários eram presos na ilha da Trin- dade, como aconteceu com Juarez Távora. Outros foram para o ter- ritório do Amapá, Clevelândia, onde havia uma colônia militar. Isso vinha dos tempos do Floriano Peixoto, que mandou os generais pa- ra Cucuí, no Amazonas. #
<68 ERNESTO GEISEL>
Essas punições eram muito malvistas no meio dos oficiais jo- vens. A Revolução de 30 só venceu porque os militares, dessa vez, se juntaram aos políticos. Até então os militares só tinham feito re- volução quase que à revelia dos políticos, e nunca tinham consegui- do vencer. E os políticos, por sua vez, querendo a revolução, não tinham meios para fazê-la. Houve, praticamente, uma junção dos in- teresses das duas correntes. Foi por isso que a Revolução de 30 ven- ceu. Apesar disso, não gostávamos dos políticos em geral.
Qual era a sua avaliação sobre o governo de Getúlio Vargas nos primeiros anos, 1931, 32?
Muita coisa boa, mas outras não tão boas. Às vezes, tomava cer- tas atitudes políticas que não nos agradavam. Mas, de modo geral, era bem apoiado por todos nós. Só fui contra ele em 1945, quando endos- sou a campanha do queremismo.22 Aí começou outra história.
O senhor chegou a participar do Clube 3 de Outubro?23
Não, não participei. Eu era contrário, na época, a novos movi- mentos de caráter revolucionário. Achava que o Clube era um ele- mento perturbador do governo do Getúlio. Quando o Clube come- çou a funcionar eu estava na Paraíba e não me interessei por ele. Também não me envolvi com a criação das Legiões. Não participei de nada disso.
Depois da Revolução de São Paulo, o senhor assumiu a Secretaria de Fazenda na Paraíba. Isso não significou um maior engajamen- to seu na política?
Não. Eu achava que na secretaria estava prestando um serviço público que, de certa forma, era do interesse da revolução. Contu- 22. O termo vem de "Queremos Getúlio!", slogan de uma campanha que, em 1945, pregava o continuísmo de Getúlio no poder. 23 Clube 3 de Outubro foi uma agremiação tenentista criada no início de 1931, no Rio de Janeiro, para defender os princípios revolucionários. Funcionou até 1935. Já as Legiões de Outubro, ou Legiões Revolucionárias, criadas com o mesmo objetivo, mas com núcleos nos estados, desarticularam-se com a eclosão da Revolução Consti- tucionalista. #
do, quando veio a reconstitucionalização, afastei-me desse cargo e não quis qualquer outro, pois, concluído o ciclo revolucionário, era do meu dever voltar ao Exército.
Em 1933, José Américo foi para a Paraíba organizar o parti- do político do estado. Naqueles tempos, como durante quase todo o anterior período republicano, os partidos políticos eram esta- duais. Houve várias tentativas de fazer um partido nacional no co- meço da República, mas fracassaram. Havia então o Partido Repu- blicano do Rio Grande, o Partido Republicano de São Paulo etc., sem muita conexão ou afinidade. Na Paraíba resolveu-se criar um Partido Progressista. Um dia José Américo me convidou para dar um passeio, ver algumas obras. Ele já tinha saído do Ministério da Viação e Obras Públicas e havia sido nomeado embaixador do Brasil no Vaticano, cargo que não assumiu. Andando de automó- vel, começou a conversar sobre política e disse: "Nós demos um balanço e vimos que o Partido Progressista já está forte, já tem a adesão de fulano, de sicrano, desta área, daquela etc. Mas nesse balanço vimos que faltava a adesão do secretário da Fazenda". Res- pondi-lhe: "Com essa adesão o senhor pode contar. Só há uma condição: de que a adesão seja do secretário, e não da secretaria". E ele: "É isso mesmo, acho que o fisco não deve ser envolvido em política". Aí se organizaram, houve eleições, e no final a Assem- bléia Constituinte do estado elegeu governador o dr. Argemiro de Figueiredo, que na época era secretário do Interior, Justiça, Educa- ção e Saúde Pública, e mais tarde foi senador. Queriam que eu fi- casse na Paraíba, na Secretaria de Fazenda. Respondi ao convite com a negativa: "Não, agora está na hora de eu sair. Vim para a Paraíba e prestei serviços que, no meu entender, eram do interes- se da revolução, mas agora vou voltar para o Sul". José Américo na ocasião me disse: "Nós já resolvemos o caso do fulano, o caso do sicrano, a nomeação de beltrano, a cúpula do governo. Agora falta resolver o seu caso". Respondi: "Dr. José Américo, eu não te- nho caso. O senhor tire isso da cabeça, não há problema nenhum. Eu tenho uma profissão, gosto dela, acredito que sou competente dentro dela, e é evidente que só quero voltar para ela. Vim aqui para prestar um serviço à revolução. Com a normalização da vida do país, isso não tem mais razão de ser. Agora volto para a minha profissão com muito prazer. Não tenho caso, não". Enquanto esti- ve na Paraíba fui filiado ao Partido Progressista. No Rio Grande #
<70 ERNESTO GEISEL>
do Sul eu nunca me filiara a partido. Muito mais tarde me filiei aqui à Arena.24
Quer dizer então quefoi ao se encerrar o governo do interventor Gratulíano de Brito na Paraíba, em 1935, que o senhor voltou pa- ra o Rio efoi para o Grupo-Escola. Em que consistiam suas novas funções?
Eu era primeiro-tenente já bem antigo, mas ocupava uma vaga de capitão. Era o ajudante do Grupo-Escola. O comandante era Ál- cio Souto. Mais tarde foi Canrobert Pereira da Costa. E eu também era oficial de comunicações. Na artilharia o problema de comunica- ções é muito importante. Usávámos rádio, telefone, semáforo, enfim, todos os meios disponíveis, porque a ligação entre os observatórios, os postos de comando e a área em que estão as baterias de tiro, ou seja, o exercício do comando, principalmente a execução do tiro, de- pendem extraordinariamente das comunicações. Só fui promovido a capitão em setembro de 35. Na revolução comunista, em novembro. eu ainda era ajudante do Grupo-Escola e oficial de comunicações.
Nessa fase do Grupo-Escola, como o senhor sentia os problemas da disciplina no Exército?
Como já disse, depois de 30, a disciplina no Exército sofreu muito. Havia muitos oficiais revolucionários de 22, 24 e 30 que se jul- gavam importantes, queriam exercer e exerciam liderança sobre os de- mais, tendo idéias próprias sobre o que o governo devia fazer. Havia assim várias lideranças esparsas, umas autênticas, outras espúrias, cada uma procurando formar seu grupo e ter voz ativa. Além disso, havia sempre outro problema: os vencimentos militares, que eram re- lativamente baixos. O problema financeiro sempre traz uma motiva- ção para descontentamentos e indisciplinas. Quando, em 1935, vim servir no Grupo-Escola, houve uma conspiração no Exército por cau- sa de vencimentos. O movimento sedicioso que devia ser deflagrado contra Getúlio foi abortado na Vila Militar e não deixou maiores se- qüelas. Houve várias mudanças em postos de comando importantes,
24 A Aliança Renovadora Nacional [Arena) foi criada em fins de 1965 e até sua extin-
ção, em 1979, atuou como partido de sustentação do regime militar. #
e o governo acabou concedendo um aumento. Os vencimentos milita- res eram um atrativo para o proselitismo, para conseguir adeptos. Tal- vez o objetivo dos chefes desses movimentos fosse outro, mas o pre- texto eram os vencimentos. Sempre havia gente contra Getúlio. Sem- pre, não só na área militar, mas civil também, havia oposição de correntes que, pelos mais variados motivos, são do "contra". Muitos oficiais revolucionários não tiveram suas ambições satisfeitas, suas idéias atendidas; outros, com o correr do tempo, se desiludiram e propagavam o pessimismo. Isso é próprio do período revolucionário.
Mas em 1935, Getúlio já era um presidente constitucional, já havia a Constituição de 34. A situação do país deixava aos poucos de ser revolucionária para assumir um caráter mais legal. E assim, com maior apoio na lei, o governo se tornava mais forte, menos de- pendente. O ministro da Guerra, na época, era o general João Go- mes, um velho soldado. Foi um bom ministro. Não tinha sido da re- volução, ao contrário, desde 1922 era anti-revolucionário. Como ele, houve outros que não participaram da revolução e depois a ela ade- riram. Isso é uma evolução natural. Há aí muitos fatores que in- fluem: a ambição, as convicções, as inimizades ou as amizades que se formaram ao longo da vida, os antecedentes e, principalmente, o maior ou menor interesse pela vida nacional. João Gomes, por exemplo, foi um dos chefes que combateram a Revolução de 24 em São Paulo. Era de artilharia, comandava o regimento em que depois servi quando iniciei minha vida como oficial. Era um ferrenho lega- lista, soldado da legalidade e portanto contrário a qualquer revolu- ção. Servia ao Exército e depois, como ministro, ao governo que, em seu entender, se tornara legal. Era benquisto e respeitado, como o foi Mascarenhas de Morais depois. Quando se exonerou do minis- tério, seu substituto foi o general Dutra.
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