Platão também queimou livros
Em 388 a.C. ou 387 a.C, o filósofo Platão (429 a.C.-347 a.C.), cujo verdadeiro nome era Aristócles, escolheu um terreno sagrado ("temenos") para fundar um templo apara as musas ("Museion"), num bairro dos arredores de Atenas dedicado ao herói Academos, exatamente no ginásio. A Academia, nome adotado por sua nova escola de filosofia, teve, com certeza, um destino excepcional na Grécia: de todas as partes chegaram alunos atraídos, como diz Olimpiodoro, "por saber o que havia em suas almas".
Na entrada da Academia havia um altar a Eros, e em seguida um quarto para ler e escrever, com dois cenários socráticos pintados nas paredes laterais procedentes do Protágoras e do Fédon. Nessa peça ficava o assento do mestre, cadeiras pequenas para os discípulos, um quadro-negro, um mapa do céu, um modelo mecânico de todos os planetas, um relógio construído por Platão, um globo terrestre e mapas com representações dos principais geógrafos. Em certo ponto, construiu-se um aposento especial para descanso. Seguramente havia uma biblioteca com os escritos dos pitagóricos, os escritos egípcios e mesopotâmicos, os Mimos de Sofron, obras de Homero, peças de Epicarmo de Cós e diversos papiros com os textos de numerosos escritores consagrados ou desconhecidos.
Laércio, que conhecia bem a bibliografia de Platão, acusou-o de ser biblioclasta por tentar acabar com os tratados de Demócrito, autor a que se negou a citar. Ao que parece, havia mágicas coincidências doutrinárias entre os escritos de Platão e o Grande Diacosmos, tratado filosófico democrítico com grandes segredos para os iniciados em filosofia. Para confirmar essa tendência piromaníaca em relação a certos textos, Laércio contou também que Platão, na juventude, ao sair de uma função do Teatro de Dionisos, conheceu Sócrates e queimou todos seus poemas.
É possível que Platão queimasse obras? Pois bem, ele queimou, e há motivos suficientes para pensar que chegou ao extremo de negar todo discurso que não fosse sustentado pela verdade (a verdade de seu sistema, é claro). Impediu a entrada de poetas em seu Estado ideal, sua República, e os qualificou de mentirosos e loucos. Não considerava livros os maiores bens. Um de seus alunos, devoto até a imitação absoluta dos ensinamentos do mestre, perdeu suas anotações num passeio pelo mar. Ao regressar, disse, com o tom de alegria das desculpas, que entendera finalmente o motivo pelo qual Platão insistia em que todos escrevessem as sentenças na alma e não nos cadernos.
Acredito que esse incidente pode ser apenas uma metáfora esotérica. De fato, admite-se hoje a perda da parte mais valiosa do pensamento platônico por não se contar com livros suficientes sobre sua doutrina oral. Em várias passagens, Platão diminuiu a importância da escrita, e no Fedro (27A e-275 b) falou de um mito egípcio para explicar que a escrita provocaria na humanidade uma omissão da memória.
Na Segunda Carta se opôs à divulgação de suas doutrinas e se referiu a um terrível segredo contado a Dioniso: "[...] Jamais escrevi qualquer coisa sobre isto; não há nem haverá escritos de Platão'. O que agora se chama assim é de Sócrates - de seus tempos de beleza e juventude. Adeus, e obedeça; uma vez lida esta carta, queime-a [...].
É importante ressaltar a expressão final: "queime-a". Para Giovanni Reale, as conseqüências dessa visão revelam um sistema hierárquico do conhecimento esotérico. O grupo de estudiosos de Tubinger analisou, com o propósito de recuperar uma nova faceta de Platão, textos como a Sétima Carta (o excursus 342 D) e outros, a exemplo de um em que Aristoxeno fala de desconcertante lição platônica particular intitulada Sobre o bem, perdida para sempre, ainda que seja possível que esteja diluída em certos diálogos existentes.
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