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ROLF KEMMLER, UTAD VILA REAL/ALEMANHA



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ROLF KEMMLER, UTAD VILA REAL/ALEMANHA




TEMA 2.4. NOTAS SOBRE A PERCEÇÃO DOS AÇORES NO MUNDO ANGLÓFONO NOVECENTISTA III: EDWARD BOID E A DESCRIPTION OF THE ISLAND OF ST. MICHAEL (1835) ROLF KEMMLER, UTAD, VILA REAL / ALEMNAHA*



1 Introdução
Em continuação dos nossos estudos sobre a visão dos Açores, manifestada pelos viajantes anglófonos do século XIX que passaram pelo arquipélago, pretendemos dedicar-nos ao livro intitulado A Description of the Azores or Western Islands (1835). Constituindo a terceira publicação monográfica de um autor anglófono a ser dedicada exclusivamente aos Açores, a obra é atribuída a um antigo oficial da marinha britânica que se identifica como 'Captain Boid'.
Uma vez que o título do livro diz reunir comentários sobre o arquipélago que se devem a observações pessoais do autor (que ali se encontrava durante cerca de quatro meses no âmbito do seu serviço à coroa portuguesa), pretendemos, mais uma vez, apresentar como este retratou as terras e gentes dos Açores, especialmente na Ilha de São Miguel, por ocasião das suas visitas do ano de 1832.
2. O autor e as suas obras
Apesar da autoria semianónima, parece consensual uma identificação do autor que se identifica no rosto da obra como com o oficial naval Edward Boid, secretário do então Vice-Almirante George Rose Sartorius (1790-1885) que foi comandante da esquadra liberal que se constituía no arquipélago dos Açores em serviço de D. Pedro IV em 1832.209 Ao falar sobre um antigo companheiro, o Capitão Peter Mins, o próprio Boid (1834: 347) afirma o seguinte sobre o seu enquadramento nos serviços do Almirante Sartorius:
I had a military appointment as well as himself; and that, independently of being the secretary of the fleet, I was Chef d'Etat Major to the Admiral, who, in the capacity of Vice-Admiral and Major General of the Portuguese Navy, was entitled to four Aides-de-Camp-namely, one Captain, one Commander, and two Lieutenants.
Como eram os representantes ingleses mais importantes em serviço do antigo Imperador brasileiro, a presença, tanto do Vice-Almirante como do seu secretário, no arquipélago não podia passar desapercebida por parte das famílias influentes que então estavam a habitar o arquipélago. Assim, entre outras fontes, Abdo (2006: 166) constata no tocante à família americana Dabney que era um dos pilares da sociedade faialense do século XIX:
«Admiral Sartorius and Captain Boid spent a lot of time with the Dabney family and a strong relationship developed».210
No que respeita a mais detalhes sobre a vida do nosso autor, não se encontra qualquer informação sobre um 'Edward Boid' ou mesmo um 'Edward Boid' quer em A Critical Dictionary of English Literature (1858) de Samuel Allibone, nem em qualquer um dos volumes ou suplementos do monumental Dictionary of National Biography (1885-1900) de Leslie Stephen.
Ora, para além de ser referido no rosto, o apelido do autor aparece várias vezes no âmbito da reprodução de cartas ao longo do «Appendix» (Boid 1834: 337-373), tal como acontece com o reconhecimento indireto da autoria:
He first mentions me by magnanimously and honorably quoting a portion of my private letter to him (page 49) when off Madeira; written, as every person of common discrimination will perceive, quite en badinage and in a tone of the most confidential familiarity, and alluding to the pointed neglect and contempt with which our countrymen and the squadron were certainly at that time treated by individuals in power (Boid 1834: 341).
Com efeito, no seu livro, o capitão Peter Mins cita parte de uma carta particular de 25 de abril de 1832 que Boid lhe tinha escrito:
The dispatch recalling me from Madeira, was accompanied by a letter from Captain Boid, the Admiral's Secretary and confidential adviser, of which the following is an abstract (Mins 1834: 49).
Ora, não pode haver qualquer dúvida que o autor das nossas obras e o secretário do Almirante George Rose Sartorius sejam uma e a mesma pessoa: no entanto, ficamos na incerteza no atinente ao nome próprio do autor, pois encontramos ao longo das cartas reproduzidas as duas variações «G. Boid» (carta de 26 de janeiro de 1832 em Boid 1834: 344-345; carta de 26 de janeiro de 1833 em Boid 1834: 346;) e «E. Boid» (carta de 10 de setembro de 1833 em Boid 1834: 354-361).211
Mesmo que nunca mencione o seu nome completo, o próprio autor fornece algumas informações adicionais no rosto da sua obra (Boid 1834: [i]), nomeadamente que terá sido cavaleiro da Antiga e Muito Nobre Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito (melhor conhecida como Ordem da Torre e Espada) e sócio correspondente da Société des antiquaires de Normandie em Caen (fundada em 1824):
«knight of the most noble order of the tower and sword, corresponding member of the antiquarian society of Caen, author of "travels through Sicily and the Lipari islands;" and of "a history of the various styles of architecture».

Sabemos ainda, segundo o testemunho de George Wemyss Dalrymple (1800-1848) que Boid passou algum tempo a viver em Stoke, perto de Windsor.212


Pelo que se vê no rosto da obra que é objeto do presente estudo, o próprio Boid afirma-se autor das seguintes obras:


  • Travels Through Sicily and the Lipari Islands, in the Month of December, 1824 (1827)

  • A Concise History and Analysis of all the Principal Styles of Architecture: Namely Egyptian, Grecian, Roman, that of the Dark Ages, of the Arabians and of the Normans, Including a Detailed Description of the Origin, Progress and Decline of the Gothic (1s.d., 21829)

As duas obras que por isso se devem atribuir a Edward Boid foram publicadas sem qualquer referência explícita ao autor. Assim, em Boid (1827: [I]) ele identifica-se no rosto como «a Naval Officer». Já na segunda obra, o autor identifica-se como «an Amateur» (Boid 1829: [I]).


Com efeito, o tratado intitulado A Concise History and Analysis of all the principal styles of Architecture foi a obra com maior êxito: para além da primeira edição, que não leva data, mas cuja datação de 1828 ninguém questiona, e a segunda edição de 1829, havendo ainda uma terceira edição em 1835.213
Existe ainda outra obra que costuma ser atribuída a Edward Boid:
The History of the Spanish School of Painting: To which is Appended an Historical Sketch of the Rise and Progress of the Art of Miniature Illumination (1843)
No que respeita, enfim, a esta obra, a referência, no rosto de Boid (1843: [I]) causa-nos algumas dúvidas, uma vez que o rosto tece as seguintes palavras sobre o autor da obra: «by the author of / "travels through Sicily and the Lipari islands;" "the history of the Azores;" and "the history of the various styles of architecture."».
Ora, tendo Boid (1834: [i]) assumido a autoria das publicações anteriores, a atribuição da obra The History of the Azores em vez de A description of the Azores or Western Islands (Boid 1834, 1835) não faz qualquer sentido. Considerando que não é crível que o próprio autor possa ter confundido a sua obra recente com a monografia bastante anterior The History of the Azores (1813) do irlandês Thomas Ashe (1770-1853), tudo leva a crer que esta obra seja ou póstuma ou mesmo apócrifa...
3. Edward Boid e A description of the Azores or Western Islands
A obra intitulada A description of the Azores or Western Islands from personal observation: comprising remarks on their peculiarities topographical, geological, statistical, etc., and on their hitherto neglected condition foi impressa pela primeira vez em 1834 para os livreiros Bull and Churton em Londres. Segundo o que consta pela folha a seguir ao rosto, esta impressão foi realizada pelo tipógrafo «G. Schulze Poland Street». A obra consiste de 373 páginas, com um total de cinco gravuras (Boid 1834: [iii]).
Sem qualquer referência ao tipógrafo, uma segunda edição da obra apareceu com data de 1835, tendo sido feita para o livreiro Edward Churton, Rolles Street (late Bull and Churton) que, evidentemente era o sucessor dos livreiros da edição anterior (Boid 1835: [i]).214
Imagina-se que talvez a principal diferença entre as obras seja a folha de rosto, já que o conteúdo na sua essência parece ser o mesmo. Nos respetivos rostos, ambas as edições são atribuídas a um autor que se chama «CAPTAIN BOID» (Boid 1834: [i]; Boid 1835: [i]).
A obra encontra-se dividida em duas partes. Na primeira parte, os oito capítulos descrevem o arquipélago desde o ponto de vista geográfico e geológico, geográfico, económico, político e histórico (Boid 1834: 3-96). Na segunda parte, depois de uma introdução dedicada ao grupo oriental (Boid 1834: 99-108), oito dos dez capítulos ocupam-se com a descrição das ilhas (Boid 1834: 109-324), seguida pela conclusão (Boid 1834: 325-335).
Do ponto de vista histórico, um dos elementos mais importantes é o «Appendix» (Boid 1834: 337-373) em que o autor se defende com comentários e reprodução de algumas cartas contra-acusações e difamações que o antigo colega Peter Mins publicou contra ele e o Almirante Sartorius no seu livro A narrative of the naval part of the expedition to Portugal under the orders of his Imperial Majesty Dom Pedro, Duke of Braganza (1833).
São, enfim, ainda de interesse as recensões críticas que se publicaram em periódicos ou outras revistas de divulgação erudita, tais como as resenhas no diário The Spectator (1834), publicado em Londres, e as Göttingische Gelehrte Anzeigen de Göttingen, na Alemanha.
Sendo redigidas com base na primeira edição de 1834, estas somente se referem ao autor como «Captain Boid», sem aventurar qualquer nome próprio. O mesmo acontece no artigo que é dedicado à obra dentro da Revista de recensões críticas The Monthly Review, que por sua vez se baseia na edição de 1835.
Note-se, enfim, que esta obra de Boid foi parcialmente traduzida por João Hickling Anglin na Revista Insulana do Instituto Cultural da Ponta Delgada (Boid 1949-1951)215 e no Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira (Boid 1949, 1952).216
4 O capitão Boid e os Açores
Como não podia deixar de ser, a atitude que Edward Boid assume perante os habitantes dos Açores é bastante crítica. Quem recebe, desde logo, as críticas mais severas, são os governantes do arquipélago:
With respect to the government of the Azores, it has hitherto been so impolitic, so atrocious, so replete indeed with all the lamentable abuses of despotism, that it may be justly deemed the canker worm which has incessantly diminished the country's vitality and effectually checked its prosperous growth (Boid 1834: 42).
Ao nosso autor, o Governo açoriano, representado pelo capitão-general dos Açores, parece tão atroz e nociva para o arquipélago que chega a compará-lo a 'canker worms', ou seja, larvas de mariposas que destroem as árvores frutíferas. O principal objeto de crítica do oficial inglês é despotismo absolutista que vê no cargo e na pessoa do capitão-general, pelo que abraça a vinda de D. Pedro IV ao arquipélago:
Nothing indeed can be more favorable for the amelioration of the Azores, than the recent adversity of the legitimate government of Portugal. It has, by causing its principal members to seek an asylum here during their misfortunes, impressed upon them the importance of such a possession: it has brought to view the neglected condition of the islands, with the miserable policy that has hitherto been exercised in them; and I feel convinced that the auspicious arrival of Don Pedro will be hereafter hailed as an event diffusing the first dawning beams of liberty, civilization, and prosperity around these shores (Boid 1834: 45).
D. Pedro IV chegou ao arquipélago – que então estava dominado pelas forças liberais – no dia 22 de fevereiro de 1832, permanecendo na Ponta Delgada até 2 de março.217 Não sabemos em que medida a presença do antigo Imperador do Brasil realmente terá tido algum dos efeitos desejados por Boid...
No atinente à agricultura açoriana, o autor identifica várias razões que, segundo a sua opinião, impedem os habitantes do arquipélago de um bom exercício da agricultura. Entre as razões alegadas encontramos a opressão dos habitantes pelo estado e pela igreja,218 como ainda a primogenitura como princípio básico de herança das grandes superfícies agrícolas e dos morgadios.219 A terceira razão que impede o progresso nos Açores, é, porém, de natureza infraestrutural:
In the third place, must be noticed the total absence of practicable roads for communication with the interior, and by which the produce of the country might be transported at a cheap rate to any general mart: the result of this is, that the central parts of these fertile islands, amounting to full two-thirds of the whole superficies, are unconverted to any profitable purpose, and lie deserted in a state of uncultivated waste, or are impenetrably covered with underwood briers, wild shrubs, stunted cedars, etc. leaving nothing but a mere belt of land, bordering on the sea, that is either peopled or brought under culture (Boid 1834: 26-29).220
Parece evidente que esta constatação pode ser fruto das incursões do próprio Boid no interior de São Miguel. No entanto, não podemos deixar de notar que desta descrição da infraestrutura micaelense vai, de certa forma, de encontro com aquela que o americano John White Webster (1793-1850) fornecera em inícios da década anterior:
The streets are narrow, ill paved, and exceedingly filthy. They are overrun with hogs of an uncommonly large size, through the multitude of which it is often difficult to force one's way; they are seen wallowing in every passage, and sleeping on the steps of almost every house. Some of the streets are continued beyond the limits of the city, and terminate in roads of tolerable width. But except within a few miles of the capital, and of some of the principal villages, wheel-carriages cannot be used with safety (Webster 1821: 25).
Ainda no que respeita à agricultura, Boid considera-a longe de ser significativa, já que os agricultores açorianos não estariam dispostos de afastar-se dos métodos de lavoura que herdaram dos seus antepassados. No entanto, apesar da suposta ignorância e incapacidade dos agricultores açorianos da terceira década de oitocentos, o autor não pode deixar de constatar que a fertilidade dos próprios solos dos Açores garante colheitas consideráveis:
Rural economy is, as may be imagined, a dead letter in this country. On account of the deep ignorance of the people, the practice of agriculture is but little, and the science less known, throughout the islands. The rude system of their forefathers is still pursued, and their implements and utensils would be disgraceful to savages in the wilds of Africa. They merely turn over the soil, throw in the seed at random, and so bountiful is nature, that a very short interval produces abundant returns. Such, in fact, is the capability of the soil, that were every advantage taken, these islands might furnish an ample supply of grain for the support of five or six million of inhabitants, instead of 200,000; even now, they occasionally supply the markets of Lisbon, Oporto, and Madeira, with wheat, barley, and pulse of all sorts.

If, perchance, it is deemed indispensable to give additional stimulus to the soil, they sow a crop of lupins, (which at these islands grow luxuriantly, and to an extraordinary size) and, when about three feet high, they plough it all into the soil, which, from the peculiarly fertilising properties of this plant, receives a richness that soon renders it ready for the succeeding crop of grain. The lupin is a valuable herb in the Azores, and is every where cultivated to a great extent. The seeds, after being well soaked in salt or sea water, (to divest them of their bitterness) constitute a favorite and most nutritious food for the lower orders; and the plant furnishes an excellent green meat for cattle; although, from its inebriating qualities, it should only be given in small quantities at a time (Boid 1834: 30-31).
Partindo evidentemente do pressuposto de que os lavradores açorianos ignoram os métodos modernos de adubar, Boid parece quase estupefacto ao constatar que estes costumam plantar tremoceiros (Lupinus albus, Linné). As próprias plantas não somente servem como adubo biológico para fornecer os campos com azoto,221 mas ainda fornecem uma semente comestível: o tremoço, o qual, segundo Boid, serve como 'comida preferida e altamente nutritiva para as classes baixas' [tradução RK].
Também vale a pena dar uma vista de olhos para a apreciação que o nosso autor faz do reino animal: ao passo que constata que não existem animais venenosos, refere entre os animais domésticos mais frequentes os burros, gado bovino, ovino e caprino. Semelhantemente à imagem retratada pelo trecho de Webster (1821: 25) que acabamos de citar, tanto os porcos como os cães são excessivamente frequentes e ocupam as ruas das cidades e das aldeias:
With respect to the zoological productions of the Azores, the following observations are the result of particular research and enquiry. In the first place, they are without exception free from venomous animals of any sort, which will enhance their value as a place of residence considerably in the eyes of Europeans. Horses are rare in all the islands, very small, and generally speaking of very inferior quality. Asses abound to a prodigious extent; and are, with bullocks, the usual beasts employed for all purposes of labor. Cattle are generally in great number, but are of the finest and best quality at St. George 's and St. Michael's. Sheep also are every where numerous, though bred only for the benefit of the wool, which is manufactured into a coarse species of cloth for the consumption of the islands, the inhabitants scarcely ever eating the meat. Goats exist in myriads wherever a blade of grass can be found for their support; and pigs and dogs, as in the mother country, swarm to an excess, and are seen lying about the streets of towns and villages to the great interruption of pedestrians (Boid 1834: 35).
As observações sobre os habitantes dos Açores ocupam na sua inteireza o «CHAPTER V», que tem por conteúdo os seguintes aspetos: «national character, customs, religion, architecture, etc.» (Boid 1834: 48), ocupando um total de 14 14/2 páginas em Boid (1834: 48-62). Vamos escolher alguns dos trechos mais chamativos:
The Character of the Inhabitants of these islands possesses, with all its defects, advantageous traits which, under the direction of a free and provident government, might be converted to any thing morally ornamental, or practically useful. Notwithstanding the iron sway to which the country has been so long subject, they are considerably more independent than their brethren of the mother country. They are mild in disposition, and of quick perceptions; but in every class, so deplorably ignorant, and in such a state of mental abasement, that their existence is not many degrees elevated above that of unreasonable animals. – They speak the Portuguese language, with occasional varieties of dialect incidental to the several islands; but have a peculiar sing-song mode of talking exceedingly disagreeable to the ear.
No início do capítulo, o autor aproveita novamente do topos da influência negativa da monarquia portuguesa, exercida de forma absolutista pelo capitão-general dos Açores. Mas, apesar de identificar semelhanças com os compatriotas no Continente, Boid identifica nos açorianos qualquer elemento de uma postura independente. Segundo ele, a disposição geral dos açorianos é branda, sendo eles geralmente ao mesmo tempo espertos, mas também de tal maneira ignorantes e 'mentalmente humilhados' que não ficam muito acima de animais...
O trecho dedicado à língua portuguesa nos Açores parece-nos de especial importância, pelo que optámos por traduzi-lo: «Eles falam a língua portuguesa com variedades ocasionais de dialeto que são próprias das diversas ilhas, mas têm um estranho modo de entoação ao falar que é extremamente desagradável ao ouvido».
Perante esta frase parece evidente que o autor não se pode considerar propriamente um especialista de análise em matéria linguística. Apesar disso, Boid chega a constatar aqui que identificou várias variantes diatópicas do português açoriano, atestando-lhe o 'sing-song' da entoação própria dos dialetos dos Açores, mesmo que a venha a classificar como desagradável aos ouvidos.
The lower orders and peasantry are a very superior class of society to their equals in Portugal; they are apt; inoffensive, mild, and civil; and when induced to work are extremely laborious. They are not treacherous and vindictive, like their continental brethren: though like them, when driven to desperation, they make use of the knife (Boid 1834: 49-50).
Também neste breve trecho, os açorianos são avaliados de maneira mais favorável do que os portugueses vindos do Continente. As pessoas das classes baixas são descritas como inofensivas, brandas, bem-educadas e trabalhadoras. Parece vidente que a constatação «They are not treacherous and vindictive, like their continental brethren [...]» não pode ser outra coisa senão um reflexo direto do da noção de serem «[...] exceedingly vindictive [...]» que encontramos na obra anterior de John White Webster.222 O mesmo se pode afirmar sobre o seguinte parágrafo:
The women of the laboring classes are made to perform all the burdensome drudgery of life, and it is surprising to see the immense loads they carry with apparent facility; but they, in consequence, soon lose their feminine attractions of person, and become shrivelled, frightfully ugly, and prematurely infirm. The lower orders of the Azores are extremely temperate; and to induce them to become at all profitable customers at the wine-houses, the host (this is a universal custom) cooks for them savoury salt fish, and a stimulating species of sausage, called linguiçias, which the men are very fond of (Boid 1834: 52).
Já que a parte sobre as mulheres trabalhadoras não corresponde ao referido trecho de Webster,223 julgamos mais provável que a referência àquelas mulheres possa ser encarada como reflexo das observações do próprio autor, talvez feitas quando via as mulheres a transportar cestos na cabeça, como ainda hoje ocasionalmente se observa.
Tal como antes dele fizera Webster, também Boid faz questão pronunciar-se sobre a grande afinidade que os açorianos têm pela música. Ao passo, porém, que o autor americano tinha constatado uma grande mestria da parte dos açorianos,224 Boid é bastante mais crítico e constata que os músicos açorianos nem são aptos nem agradáveis.
They are passionately fond of music; but neither skilful nor pleasing, either in instrumental or vocal performance. The viola is their usual instrument, which they accompany with rude extemporaneous effusions. The island dance, of which they seem very fond, is called the landoon – the air and movements of which resemble the Spanish bolero. This dance is recently introduced into the higher circles of life, and made the concluding one of the evening (Boid 1834: 48-50).
Não deixa de ser interessante neste âmbito que Boid se refere à 'dança da ilha' que diz chamar-se 'landoon' que descreve como sendo similar ao 'Bolero' dos espanhóis, tendo recentemente sido introduzido como dança final para os bailes da sociedade açoriana. Como sugere a tradução do autor inglês, devemos presumir uma palavra 'landum' ou algo semelhante. Com efeito, existiu nos Açores uma dança chamada 'landum', conceito este que a investigadora Margarida Brito identificou como uma das formas musicais de Cabo Verde,225 tendo esta 'dança da ilha', assim, as suas origens numa dança ritual africana.
No atinente à descrição das pessoas e das suas circunstâncias higiénicas, Boid não pode ser mais claro: os açorianos são extremamente sujos:
They are intolerably dirty; full of vermin, and, in consequence, subject to cutaneous eruptions, particularly itch; their dress is rude, and that of each island peculiar to itself, as will be noticed when each is described (Boid 1834: 50).
Quanto aos costumes religiosos, Boid dedica-lhes algo menos atenção do que os autores anteriores. No entanto, similarmente ao que vimos na obra de Webster,226 encontramos uma descrição bastante elaborada das festas do Espírito Santo como as via o nosso autor:
There is a custom amongst them apparently quite peculiar to these islands. In every parish, they annually, at the festival of the Holy Ghost, elect a chief whom they style Emperor; or, rather, a certain number, named by the rest, draw lots for this honor at the church, when the fortunate individual is crowned by the priest with a silver coronet, wherewith he receives a sceptre, both being previously solemnly consecrated. The ceremony and appropriate service ended, the Imperador retires surrounded by crowds of his confreres, who strew his path with flowers, receiving in return a general blessing, by the waving of his consecrated sceptre. He then proceeds to a small open rude stone building, erected for the purpose in every parish, called o teatro do Imperador; there he sits in state, encircled by his friends, with a table before him on which he receives the donations of the pious, consisting of bread, wine, poultry, and meat, which are carefully distributed in the evening to the poor. The Imperador afterwards retires, with his friends, to his own cottage, which has been previously cleansed, white-washed, and ornamented with garlands, where they indulge in feasting, rustic games, singing to the viola, and dancing, until a late hour. This ceremony continues during seven weeks, every sunday; and nothing can exceed the emulation that is shewn by the lower orders who are competitors on these occasions: they not unfrequently pawn or sell their whole little property to sustain the hospitality they wish to practise during the term of their reign, when they keep open house for the friends of their circle. At the expiration of the seven weeks, the crown and sceptre are deposited in the parish church, on a silver salver, until the ensuing celebration of the festival (Boid 1834: 51).
Pouco surpreende que Boid se testemunha bastante apreensivo perante qualquer manifestação do catolicismo. Assim, já constata para março de 1832 a supressão das ordens religiosas no arquipélago, isto é, quase dois anos antes da assinatura da Convenção de Évora Monte, no dia 27 de maio de 1834.
Until the month of March, 1832, the numerous monasteries and nunneries were, as we have said, a source of incalculable evil. Whilst the former nurtured within their walls a class of beings who prowled about and infested every avenue of society, gratifying unhallowed propensities by means of their religious influence at the expense of the honor, happiness, or property of others; – the latter were esteemed as little better than public brothels, being at all times accessible to young men, who fearlessly and habitually visited the paramours they had chosen amongst those females who had quitted the world with the professed purpose of devoting life to chastity and their God.

Now, happily, His Imperial Majesty, Don Pedro, has nobly commenced the work of reformation in this, as in other particulars – a work which will be recollected with gratitude by all Portuguese friends of christianity and freedom. He has, in fact, abolished all monastic institutions, emptied the convents and monasteries, and fixed a liberal annuity on all their inmates for the remainder of their lives. Thus, by one bold stroke, is deracinated one of the greatest impediments to the civilization and prosperity of a country; temporary evil and inconvenience may arise, as in every change of system; for instance, the poor who found support at these institutions, are now thrown on the public: but who will say the good shall not predominate, and society be doubly paid the attendant evil? (Boid 1834: 57-58).
Julgamos, enfim, oportuno, reproduzir como último texto aquilo que Boid afirma sobre o seu aquartelamento, junto com o Almirante Sartorius, na casa de um dos mais notáveis morgados da ilha, que presumivelmente residia algures na Ponta Delgada. As suas observações realmente são autoexplicativas:
The Admiral and myself were this time billeted in the house of one of the most affluent morgados; and it is impossible to express, in sufficiently strong terms, the attention, kindness and hospitality that we experienced from all branches of the family, which was composed of the lady and gentleman, three little children and the sister of the wife, all alike amiable, friendly and accommodating. The house was spacious, well built and roomy, with a good suite of entertaining-apartments, which, however, smelt not only fusty, but potently of the stables underneath: they were besides, according to our ideas, badly and scantily supplied with furniture; and such as was there, had apparently been handed down with the rest of the family entail through a series of generations. The ladies never appeared but at breakfast or dinner; in the culinary preparation of which meals, they always took part. A profusion of badly kept plate was generally exhibited, and the remnants of breakfast frequently covered the table until the arrival of dinner-time. All, of course, was of Portuguese cookery, (with a few exceptions, to suit English taste,) greasy, unpalatable, and unsalutary. Little conversation took place that was not forced by ourselves – not, however, apparently for want of inclination, but of means; for a totally neglected education, and a life of seclusion (the females scarcely ever going out, as before remarked, but to church or evening entertainments) preclude the possibility of cultivating them either theoretically or practically. The children – nice interesting little urchins – seemed also lamentably overlooked: since, with the exception of being dressed up occasionally, to shew themselves at the dinner table for our gratification, or on a Sunday, they run either about the house or back-garden with a nurse all day, almost in a state of nudity, their few clothes and their persons covered with filth and rags to such an extreme, that no English person would know them from children of the lowest order.

Our host spent his evenings in meeting his male friends, who assembled to gamble at some Portuguese game of chance on the cards, at which they continued frequently until one or two o'clock in the morning; and thus days, weeks, months and years pass on without one point of time redeemed by pursuits more profitable either to themselves or mankind at large (Boid 1834: 146-148).
5 Conclusões
Como livro de viagens de um autor anglófono, a descrição dos Açores do inglês Edward Boid, secretário do Almirante inglês George Rose Sartorius é um dos documentos mais importantes desta categoria na primeira metade do século XIX.
Especialmente ao longo do quinto capítulo da primeira parte, Edward Boid tenta caraterizar os habitantes dos Açores, os seus costumes e a sua vida. Fá-lo com uma atitude que João Paulo Pereira da Silva acertadamente descreve da seguinte maneira:
A visão de Edward Boid é acima de tudo a de um cidadão britânico originário de uma grande potência militar, industrial e comercial de caráter hegemónico. Por esse motivo, a sua atitude face à realidade açoriana, aparentemente escandalosa e pouco evoluída, é sempre a do inglês altivo e arrogante, que afirma a sua superioridade perante a situação encontrada (Silva 1988: 228).
Não admira esta atitude, menos ainda porque já a vimos de forma semelhante nas obras de Ashe (1813) e de Webster (1821). Não há dúvida que Boid integrou em larga medida as observações pessoais que fez ao longo dos meses que se encontrava no arquipélago junto com o Almirante Sartorius, enquanto a esquadra liberal se encontrava nos Açores anteriormente ao desembarque no Mindelo.
Perante os pontos de convergência e divergência que acabamos de ver brevemente, parece igualmente justo afirmar que Boid deverá ter conhecido a obra anterior de John White Webster. Não se limitando, no entanto, a reproduzir os conteúdos dela, até chega a discuti-los ou retificá-los quando as suas observações pessoais o permitiam fazer – isto quando não se encontra qualquer referência as duas obras anteriores ao longo da obra de Boid.
Pode-se, enfim, constatar que Boid, apesar de todas as atitudes que hoje possam parecer discutíveis, como autor do seu tempo terá pretendido apresentar um relatório sério, emitindo juízos de valor quando as realidades açorianas estavam vinham em desencontro com a sua mundividência como militar e homem de letras.
Deixando de lado, enfim, as opiniões pessoais, não podemos, enfim, deixar de constatar que muitos dos aspetos que Edward Boid observa no seu livro, vão ao encontro daquilo que encontramos no estudo histórico-económico e sociológico de Maria Isabel João (1991).
6 Referências bibliográficas
Abdo, Joseph C. (2006): On the Edge of History: The Story of the Dabney Family and their influence on Atlantic history, Lisboa: Tenth Island Editions.

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