E. P. Sanders Tudo o que se pode, corrigir histórico, saber sobre Jesus



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O contexto da vida pública do próprio Jesus

Vamos agora debruçar-nos sobre o segundo dos nossos contextos, aquele que é suposto atrair imediatamente a atenção do historiador atual que procura informações sobre Jesus: os acontecimentos que antecederam e se seguiram imediatamente ao seu ministério e que estão estreitamente ligados a ele. O primeiro foi a pregação de João Baptista.

Já vimos que João causou uma impressão assinalável na sociedade da Galileia. Gostaria de retomar e de aprofundar um pouco a discussão sobre a importância de João e sobre os motivos para a sua execução (atrás, p. 40). Josefo relata que as pessoas interpretavam a derrota que Antipas sofreu às mãos de Aretas como castigo de Deus pela execução de João. Isto dá a entender que João era muito estimado pela população. Por que é que Antipas executou João? Segundo a versão de Josefo, o Baptista pregava a «justiça» e a «piedade». Estes dois termos são pouco esclarecedores, visto que se limitam a ser um resumo dos dois aspetos ou das «duas tábuas» da Lei judaica: tratar os outros corretamente (com justiça) e adorar a Deus com verdadeira devoção (piedade). Josefo escreveu em grego e estas duas palavras eram muito utilizadas pelos judeus de língua grega para resumir a sua religião.

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Não há dúvida de que João acentuava ambas, mas estes termos não nos dizem nada de concreto sobre o conteúdo da sua pregação. Apesar de Josefo atribuir a João esta mensagem inócua, escreve que Antipas o mandou executar porque temia que a sua pregação provocasse uma insurreição. Todos os sábados se ensinava «justiça» e «piedade» nas sinagogas e a Galileia continuava em paz. João deve ter dito algo mais importante.

Os Evangelhos atribuem duas afirmações a João: (1) Antipas violou a Lei ao casar com Herodíade (Mt 14,4// Me 6, 18); (2) o dia do julgamento estava próximo e as pessoas deveriam fazer penitência (Mt 3, 7-10 / / Lc 3, 7-9). Eles atribuem a execução de João à sua crítica pessoal ao casamento de Antipas. Isto, pelo menos, é plausível. No entanto, se combinarmos as nossas fontes, aceitando ambas - um procedimento pouco habitual na presente obra -, obtemos um relato ainda mais provável. João pregava a justiça e a piedade, insistindo especialmente na penitência pelos pecados cometidos contra os outros e contra Deus e advertindo de que no julgamento, que estava próximo, aqueles que não se arrependessem, seriam castigados ou aniquilados. Talvez tenha mencionado o casamento de Antipas como um exemplo para uma acção injusta que exigia penitência. O anúncio do julgamento que se aproximava era acompanhado pela profecia de que Deus estava prestes a salvar Israel; como prometera Isaías (Mc 1, 6; cf também Mt e Lc). Isto levou as pessoas a pensar que a salvação estava muito próxima. A ideia da redenção levou alguns a imaginar que podiam dar uma ajuda a Deus, desferindo o primeiro golpe sobre os governantes imorais. Antipas apercebeu-se da ameaça e mandou executar João. Portanto, se associarmos o medo que Antipas tinha de uma insurreição (Josefo) à profecia de João sobre um acontecimento dramático no futuro, que iria transformar a ordem existente (os Evangelhos) obtemos um motivo perfeitamente convincente para a execução. Se João também criticava o casamento de Antipas, este ainda estaria mais disposto a atacar e Herodíade pode tê-lo pressionado nesse sentido. Temos de nos lembrar que Antipas era um bom governante em termos gerais e que não mandava executar arbitrariamente as pessoas só

porque se empenhavam a favor da justiça. Penso que deveríamos aceitar a opinião de Josefo, segundo o qual o que estava em causa era a segurança do reino. No entanto, no que diz respeito ao conteúdo da mensagem de João, temos de seguir os Evangelhos, visto que o sumário de Josefo não diz nada sobre o assunto e a descrição nos Evangelhos

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explica muito bem a execução. O entusiasmo por causa de uma nova ordem que se aproximava deixava os governantes muito alarmados. Josefo eliminou sistematicamente dos seus escritos as informações sobre as esperanças judaicas de redenção, porque estas podiam ter repercussões políticas e militares e ele queria apresentar o seu povo como não constituindo qualquer ameaça para a pax romana.

Por isso, João exortava as pessoas a fazerem penitência, tendo em vista a «ira futura». «O machado já está posto à raiz das árvores» (Mt 3, 10; Lc 3, 9). Esta mensagem é designada habitualmente como escatológica. Eschaton é uma palavra grega que significa «o último»; por conseguinte, a escatologia é «o discurso ou a reflexão sobre as últimas coisas». O conceito pode ser enganador quando o traduzimos à letra. A maioria dos judeus que acreditava que o julgamento e a redenção estavam próximos esperava que o mundo continuasse a existir. Deus faria algo dramático, que transformaria a ordem das coisas, mas, depois, reinaria, diretamente ou através de um representante, como, por exemplo, o Messias de Aarão, descrito nos Rolos do Mar Morto. Não podemos dizer em pormenor o que o Baptista esperava, mas é evidente que se tratava de um acontecimento futuro dramático que alteraria a ordem existente.

Os Evangelhos dizem que Jesus iniciou o seu ministério ativo depois de ter sido batizado por João. É praticamente certo que ele aceitou o batismo de João. Os Evangelhos e os Atos dos Apóstolos revelam-nos que João tinha um número significativo de seguidores e os seus autores ficaram um pouco embaraçados por ter de admitir que o seu herói, Jesus, tinha começado por ser um seguidor do Baptista. O primeiro e o quarto Evangelhos esforçam-se francamente por garantir que o próprio João testemunha que Jesus é realmente maior do que ele. Segundo Mateus 3, 14, João protestou quando Jesus veio para ser batizado, declarando que deveria ser Jesus a batizá-lo. O Evangelho de João faz uma afirmação ainda mais enfática: João (o Baptista) «confessou a verdade e não negou, afirmando: "Eu não sou o Cristo.”» «No dia seguinte ele viu Jesus e disse: "Eis o Cordeiro de Deus".» «E João testemunhou: "Vi o Espírito que descia do céu como uma pomba e permanecia sobre Ele."»12 É duvidoso que o Baptista tivesse reconhecido a superioridade de Jesus desta forma. Segundo uma outra

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tradição, quando João estava na prisão, mandou uma mensagem a Jesus, perguntando-lhe se ele podia provar quem era (Mt 11, 2-6).

Gostaria de introduzir aqui uma explicação sobre uma das formas que os investigadores têm de avaliar a «autenticidade», isto é, a «correção histórica», do material. Duvidamos daquilo que é demasiado compatível com a perspetiva dos Evangelhos e consideramos credível aquilo que é contrário às suas preferências. Esta regra não pode ser aplicada de uma forma mecânica, visto que algumas das coisas que aconteceram convinham bastante aos autores, mas o critério ser-nos-á útil. Mateus quer que a subserviência de João a Jesus fique registada com toda a clareza (Mt 3, 14). Mas transmite-nos uma tradição que se opõe a esta perspetiva (11, 2-6). Portanto, confiamos nesta última tradição: João, que se encontrava preso, ainda não tinha a certeza de

quem Jesus era.

Sendo assim, é altamente improvável que os Evangelhos ou os primeiros cristãos tenham inventado que Jesus iniciou a sua vida pública como seguidor de João. Estando eles interessados em colocar Jesus acima do Baptista, não teriam inventado a história segundo a qual Jesus tinha sido seguidor deste. Portanto, podemos concluir que Jesus foi de facto batizado por João. Isto significa, por seu turno, que Jesus concordava com a mensagem de João: era tempo de fazer penitência, face à ira e à redenção iminentes.

Debruçamo-nos agora sobre as nossas informações mais fiáveis acerca do período imediatamente a seguir à execução de Jesus, que nos são fornecidas pelas Cartas de Paulo e pelos Atos dos Apóstolos, mas sobretudo pelas primeiras. Paulo pensava que a história estava prestes a atingir o seu clímax. Converteu-se ao novo movimento e começou a pregar em meados dos anos trinta, passando da Síria para o Ocidente, através da Ásia Menor, chegando à Grécia. O documento cristão mais antigo que possuímos é a sua carta a uma das suas igrejas na Macedónia - Tessalónica. Esta carta diz-nos que, ao fundar a igreja, Paulo contou àqueles que tinha convertido que Jesus tinha subido aos céus e que regressaria em breve para estabelecer o seu Reino. Alguns dos convertidos morreram e a igreja perguntou a Paulo se os mortos ficariam fora do Reino. Paulo respondeu que, quando Jesus regressasse, os convertidos que tinham morrido seriam os primeiros a ressuscitar para saudar Jesus, seguidos pelos cristãos que ainda estivessem vivos (1 Ts, 4, 13-17). Trata-se de uma comunicação extremamente reveladora. Paulo esperava tão

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convictamente que Jesus regressasse em breve que não tinha ensinado nada aos tessalonicenses sobre a ressurreição dos mortos.

Paulo debateu de uma forma acesa outras questões com outros cristãos, mas não esta. Os cristãos acreditavam todos que Jesus estabeleceria um Reino num futuro muito próximo, ainda durante a vida deles. Ainda se podem encontrar afirmações deste tipo nos Evangelhos (debruçar-nos-emos sobre este tema mais pormenorizadamente nas pp. 230-235). A única explicação lógica para esta convicção dos primeiros cristãos consiste na suposição de que foi o próprio Jesus que, durante a sua vida, levou os seus seguidores a esperarem o estabelecimento próximo de um novo Reino. Depois da sua morte e depois das aparições no contexto da ressurreição, ficaram convencidos de que o próprio Jesus regressaria para estabelecer o Reino, mas não inventaram completamente a ideia de que o Reino de Deus seria estabelecido na sua geração.

Por conseguinte, no início da vida pública de Jesus vemo-lo a aceitar a mensagem de João Baptista, que disse que o clímax da História estava próximo. Possuímos provas seguras de que, uma década após a execução de Jesus, os seus seguidores esperavam este acontecimento dramático para dali a pouco tempo. Jesus tem de se adaptar a este contexto. Ainda nos faltam pormenores e nuances. O que pensava ele que iria acontecer? Que papel iria ele desempenhar? Faremos o que pudermos para responder a estas questões, apesar de termos de responder por tentativas, visto que é raro possuirmos o contexto imediato de uma afirmação específica. O contexto intermédio em que podemos confiar - Jesus encontrava-se entre João Baptista e o movimento cristão inicial - oferece-nos uma conclusão fundamental que é segura: Jesus pensava que Deus iria provocar em breve uma alteração decisiva no mundo. Este contexto é essencial do ponto de vista histórico, visto que constitui o enquadramento para toda a missão de Jesus: engloba tanto o homem que o batizou, como os seus próprios seguidores.

O enquadramento da missão de Jesus é mais importante para a compreensão da sua vida e da sua obra do que qualquer outro contexto. Gostaríamos de saber a quem é que Jesus se referia quando disse: «Amai os vossos inimigos» e de conhecer as circunstâncias exatas em que ele disse que isto nos iria ajudar muito. Apesar de não podermos saber qual a situação concreta das diversas afirmações (porque estas foram reutilizadas e deslocadas), conhecemos o contexto mais importante para a compreensão de Jesus como uma figura histórica.

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Acabámos de ver dois contextos diferentes: um consistia na convicção dos Evangelhos de que Jesus constituía o cumprimento da história judaica da salvação e o outro na convicção que o percursor de Jesus e os seus seguidores tinham de que o clímax da História estava próximo. Vimos também que esta última convicção tem de ser atribuída ao próprio Jesus. Trata-se, portanto, de uma conceção generalizada, no contexto da qual o ensinamento de Jesus assume um lugar particular. Estes dois contextos sobrepõem-se: ambos são judaicos, ambos são orientados para o futuro e ambos pressupõem que Deus fará algo na história coerente com outras coisas que já fez. Todos os mencionados estão de acordo a um nível fundamental: João Baptista, Jesus, Paulo, os autores dos Evangelhos sinópticos, os outros seguidores de Jesus. Na sua perspectiva, aquilo que se estava a passar era indício de que Deus iria fazer algo muito especial. O Deus em quem acreditavam era o Deus de Israel, o Deus que chamou Abraão, que deu a Lei a Moisés e que elevou David a rei. Este Deus concluiria agora a Sua obra.



Portanto, em certo sentido, Mateus, Marcos e Lucas acertaram em cheio quando colocaram Jesus no contexto da história da salvação judaica. Era assim que ele próprio via o mundo. Isto não significa que todas as passagens nos Evangelhos que constituem uma reminiscência ou um eco da Escritura hebraica tenham acontecido realmente. Também não significa que Jesus tentou imitar David e Moisés. Iremos encontrar provas de que Jesus tinha uma posição crítica em relação a algumas das suas próprias tradições, apesar de acreditar na sua premissa fundamental (que o Deus de Israel salvaria o seu povo). Nem significa que podemos prescindir de conhecer o ambiente social e político da Galileia e da Judeia nos anos vinte e trinta. Gostaria que os Evangelhos nos dissessem mais sobre este ambiente e menos sobre presumíveis paralelos entre figuras da Bíblia Hebraica e Jesus. No entanto, agora, temos uma ideia mais clara sobre os autores dos Evangelhos e sobre o seu trabalho. Eles eram idealistas teológicos. Mas este livro trata de um idealista teológico. Muitos judeus e cristãos do século [ eram idealistas teológicos.

Nas secções anteriores deste capítulo vimos que Mateus e Lucas situam a sua história no contexto da história da salvação judaica e eu sugeri que examinássemos os Evangelhos e retirássemos deles material que não deve a sua existência às convicções dos próprios evange­ listas. Agora, vemos que não podemos reduzir o material dos Evangelhos a um cerne não teológico, para declarar, depois, que descobrimos

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Jesus, porque ele próprio era teólogo. Contudo, tal como Mateus e Lucas não concordam inteiramente um com o outro, assim também podemos pressupor que Jesus defendia perspectivas que se distinguiam completa ou parcialmente das dos evangelistas e que estes sobrepuseram, por vezes, a sua teologia à teologia de Jesus. Podemos ter esperança de encontrar a sua teologia nos Evangelhos.



Destrinçar tudo isto é, evidentemente, uma tarefa difícil e os resultados, muitas vezes, não irão para além de tentativas. Repito que o objetivo do presente livro é tentar apresentar aquilo que sabemos de Jesus com grande certeza e distingui-lo de deduções menos seguras.

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8. O cenário e o método do ministério de Jesus

Ao que parece, o centro da vida pública de Jesus foi Cafarnaum, uma pequena cidade na Galileia. Foi nas suas imediações que ele chamou os seus discípulos mais importantes, dois pares de irmãos: Pedro e André, assim como Tiago e João. Pedro tinha uma casa em Cafarnaum, foi ali que Jesus curou a sogra de Pedro. Foi na sinagoga da cidade que curou um paralítico (Mc 2, 1-12 e paralelos"). Foi em Cafarnaum

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que comeu «à mesa» com Levi, cobrador de impostos. A refeição ocorreu «em casa dele, o que quer dizer, provavelmente, «na casa de Levi», embora não seja impossível que se tratasse da «casa de Jesus» (2, 13-17). Segundo Marcos 2,1, Jesus estava «em casa» em Cafarnaum. Voltava sempre para lá, depois de ter pregado em outros sítios. Marcos (Mc 9,33-37) situa em Cafarnaum a grande disputa acerca da verdadeira grandeza e Mateus, o diálogo sobre o pagamento do tributo do Templo (Mt 17,24-27).

A visualização da vida de Jesus tornar-se-á mais fácil se tivermos em conta o cenário fisico em que decorreram esta e outras ações. Falaremos das sinagogas (onde, segundo os Evangelhos, Jesus começou a ensinar) e, depois, de alguns aspetos da Galileia. Visto que alguns investigadores defenderam a opinião de que não existiam sinagogas na Palestina no século I (o que significaria que as várias referências a sinagogas nos Evangelhos refletem a época e local no qual estes foram escritos e não o tempo em que Jesus viveu), tratarei a questão da sua existência com um pouco mais de pormenor do que seria necessário caso não houvesse tal opinião. No entanto, a questão fundamental está em compreender em que circunstâncias Jesus começou a apresentar aos outros as suas perspectivas sobre o Reino de Deus. Como era que ele chegava a uma nova cidade e ensinava na sinagoga? Punha-se em pé, ao fundo de uma grande sala, e interrompia o sermão? Seria um comportamento tido como socialmente inaceitável que um estranho insistisse em falar numa sinagoga? Temos de perguntar como eram as sinagogas e o que as pessoas faziam nelas.

Todas as fontes indicam que, no século I, existiam sinagogas em todos os lugares onde viviam judeus, embora não saibamos quando e onde apareceram. Uma sinagoga não era um templo. Na Antiguidade, um templo era um local onde as pessoas prestavam culto a Deus sacrificando animais. O templo era considerado sagrado; a divindade habitava nele, em certo sentido, e existiam leis e rituais que estabeleciam a forma de aproximação a deus ou à deusa (muitos dos templos pagãos mais conhecidos eram dedicados a uma deusa). O judaísmo assemelhava-se neste aspeto a outras religiões antigas, como já vimos, apesar de existirem também diferenças importantes. Só havia um templo judaico,

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em Jerusalém; o seu Santo dos Santos estava vazio e era dedicado ao culto do Deus invisível e não à residência de um ídolo representando a divindade. Apesar destas diferenças, qualquer pessoa na Antiguidade consideraria o Templo de Jerusalém, bem como os seus rituais, algo familiar. As sinagogas, pelo contrário, não eram sagradas e o acesso às mesmas não era reservado àqueles que eram puros, em termos rituais. Não havia sacrifícios de animais nas sinagogas. Os judeus podiam fazer nestes edifícios as coisas que fazem habitualmente quando se reúnem: comer, cantar, rezar, ensinar-se reciprocamente, discutir, trocar informações e tagarelar. Os edifícios que serviam como sinagogas funcionavam, em parte, como câmaras municipais.

A Bíblia Hebraica não conhece sinagogas, pelo que não existem quaisquer leis rígidas em relação às mesmas, embora se tenham desenvolvido costumes, como é natural. As sinagogas serviam principalmente como um local onde os judeus se podiam reunir aos sábados para ouvir uma leitura da sua Escritura, leitura essa à qual se seguia uma discussão. Algumas sinagogas eram, provavelmente, mais democráticas do que outras; isto é, enquanto em algumas havia um ou dois líderes religiosos que ensinavam, noutras era possível uma discussão livre. Em grego, as «sinagogas» eram frequentemente apelidadas como «casas de oração», o que permite concluir que o culto incluía orações (e talvez também cânticos)." Existia, contudo, uma grande variedade, visto que não havia quaisquer leis bíblicas. É provável que as sinagogas em Jerusalém ou nos arredores da cidade desenvolvessem menos atividade do que aquelas que se situavam mais longe. Quem tinha possibilidade de visitar o Templo com relativa frequência talvez tivesse menos necessidades religiosas do que aqueles que viviam mais longe. De facto, a origem das sinagogas explica-se, provavelmente, pela distância a que o Templo se encontrava. Alguns investigadores pensam que as sinagogas surgiram durante o cativeiro da Babilónia, como uma substituição para o culto no Templo. Outros defendem a tese segundo a qual as primeiras sinagogas apareceram na diáspora da língua grega. Seja como for, na Palestina do século 1 existiam sinagogas - até em Jerusalém - como complemento do culto no Templo.

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As sinagogas possuíam uma determinada organização. Havia um «chefe da sinagoga» e, em algumas sinagogas, existiam, possivelmente, outros cargos. Os sacerdotes podiam assumir a função de chefes das sinagogas, fazendo-o, por vezes, realmente; também podiam ler a Escri­ tura ou comentá-la. Mas os leigos podiam assumir todas estas funções, se estivessem capacitados para o fazer; tinham de ser letrados, ilustrados e respeitados. Os chefes e os porta-vozes da sinagoga podiam ser pessoas absolutamente vulgares, desde que tivessem estudado a Bíblia.



A arqueologia não nos pode dizer muito sobre as sinagogas que existiam na Palestina no tempo de Jesus. Foram descobertas três que podem ser datadas do período anterior à destruição de Jerusalém no ano 70 e.c. Também foi descoberta uma inscrição que descreve as obras de beneficiação de uma sinagoga em Jerusalém; por conseguinte, temos ao todo quatro provas empíricas da sua existência. Há três explicações para o facto de serem tão poucas as sinagogas anteriores ao ano 70 e.c. que vieram à luz:

1.) Os arqueólogos não podem fazer escavações em cidades que são habitadas atualmente (como, por exemplo, Tiberíades). As três sinagogas anteriores ao ano 70 e.c. que foram identificadas de uma maneira inequívoca foram descobertas em locais desabitados desde a revolta contra Roma, podendo, portanto, ser objeto de escavações.

2.) Os arqueólogos encontraram grandes sinagogas do século III e IV - época de florescimento da construção de sinagogas - em diversos locais. Muitas delas foram construídas provavelmente no local onde já tinham existido sinagogas que foram destruídas.

3.) Nas cidades e nas aldeias pequenas, as sinagogas eram provavelmente apenas casas de habitação transformadas, o que torna mais difícil identificá-las agora. As escassas provas arqueológicas podem ser completadas pelas referências a sinagogas existentes na literatura anti­ ga. Josefo, por exemplo, refere-se a sinagogas em Tiberíades e na Cesareia marítima. Mais importante, contudo, é o facto de as suas discussões pressuporem a existência de sinagogas, o que nos leva a concluir que elas eram habituais.

Nas três sinagogas da Palestina do século I atualmente conhecidas, as pessoas ficavam sentadas em bancos colocados ao longo das paredes, exceto junto às janelas e às portas. Os chefes falavam, provavelmente, no meio da sala, sendo que esta configuração também encoraja a comunidade a fazer comentários ou a colocar questões. Isto é muito importante.

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De acordo com os conhecimentos que possuímos atualmente sobre as sinagogas do século 1 na Palestina, estas tinham pouca semelhança com a maior parte das sinagogas, igrejas ou teatros atuais. Não eram salas grandes, com lugares sentados, virados para um estrado situado à frente, num plano elevado. Nas sinagogas anteriores ao ano 70 descobertas até agora, a assistência podia ver-se reciprocamente e (pelo menos, por vezes) falar entre si. Neste tipo de cenário, quem tinha alguma coisa para dizer, podia fazê-lo. Não sabemos exatamente quais eram os hábitos. É possível que se fizesse uma leitura da Escritura, em seguida, o texto seria comentado por um chefe e, por fim, abria-se a discussão. É também possível que alguém que tivesse uma mensagem importante a comunicar se dirigisse primeiro ao chefe, pedindo-lhe a palavra. Numa cidade pequena, o primeiro procedimento parece ser mais provável. É razoável pensar que os visitantes eram bem-vindos, tal como o são ainda hoje e pelas mesmas razões (curiosidade; satisfação em ver uma cara nova, boa disposição, resultante do descanso sabático, da oração e da leitura da Escritura). Podia até acontecer que se reparasse no visitante e que se lhe perguntasse se tinha alguma coisa a dizer.

Trata-se de especulações. Não sabemos se as plantas das três sinagogas descobertas representam todas as sinagogas na Galileia. Nem sabemos quais eram as regras seguidas nos discursos perante a assistência numa sinagoga. No entanto, considero completamente plausível a descrição que os Evangelhos nos proporcionam sobre o início do ministério de Jesus. Todas as cidades e aldeias tinham sinagogas; os visitantes eram bem-vindos; até podiam falar. A primeira perícopa de Marcos sobre o ensinamento de Jesus começa da seguinte forma: «Entraram em Cafarnaum; chegado o sábado, ele entrou na sinagoga e ensinou» (Mc 1, 21). Isto não é, certamente, tudo (por exemplo, Jesus teve de esperar que o chefe da sinagoga acabasse o seu comentário), mas a frase de Marcos é perfeitamente credível.

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Galileia

As pessoas que se reuniam nas sinagogas das cidades e das aldeias da Galileia viviam, na sua maioria, da agricultura e da pesca no mar da Galileia. Além disso, existiam as outras ocupações normais da vida rural própria das pequenas cidades. Os barcos navegavam ao longo da costa do pequeno mar interior, permitindo relações comerciais com outras aldeias da Galileia e com as cidades da Decápolis, a leste do lago (sobre este assunto, ver mais adiante). O comércio com as cidades fora da Galileia significava a presença de funcionários alfandegários nos portos. No entanto, a produção de alimentos constituía a ocupação principal. A Galileia era muito fértil e o clima fazia dela uma região agrícola ideal. À volta do mar da Galileia cresciam


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