Português: contexto, interlocução e sentido



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> A escultura de Hugo França intitula-se Casulo Perequê. Considere o processo de criação utilizado pelo designer e também as definições apresentadas para elaborar uma hipótese sobre o significado do título da obra.

3. No texto de abertura da exposição de Hugo França no Museu da Casa Brasileira, a crítica de design Adélia Borges fez as seguintes observações sobre a obra do artista:

As peças de Hugo França exercem uma espécie de magnetismo nas pessoas. Elas induzem o olhar, o toque, a proximidade do corpo. Continente seguro e sólido, nos convidam a nos aninharmos nelas. [...] Se são brutalistas, pesadas, ao mesmo tempo trazem um toque de suavidade, de gentileza. Pois é gentil o trabalho do designer frente às toras e raízes de árvores caídas ou pedaços de canoas que encontra: ele “apenas” esculpe a madeira, encontra em cada pedaço a forma que aquele pedaço quer ter (ou sugere). Assim, não descaracteriza a matéria, não faz contorcionismos com ela; limita-se à intervenção mínima suficiente para dar-lhe uma nova vida, como móvel ou como escultura.

BORGES, Adélia. Disponível em: . Acesso em: 30 mar. 2016.

> Segundo Adélia Borges, a obra de Hugo França traz duas características aparentemente incompatíveis: ela é pesada e gentil. Essa aproximação de opostos parece estar diretamente relacionada com o modo como o artista faz uso da sua linguagem (a matéria-prima com que trabalha). Explique essa relação.

Da imagem para o texto

4. Na literatura, a importância da linguagem, o material que compõe o texto, sobressai na obra de certos autores, como Guimarães Rosa (1908-1967). Leia um trecho escrito por ele.

[...] De primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava. Não possuía os prazos. Vivi puxando difícil de difícel, peixe vivo no moquém: quem mói no asp’ro, não fantasêia. Mas, agora, feita folga que me vem, e sem pequenos dessossegos, estou de range rede. E me inventei neste gosto, de especular ideia. O diabo existe e não existe? Dou o dito. Abrenúncio. Essas melancolias. [...]

Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem — ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! — é o que digo. O senhor aprova? Me declare tudo, franco — é alta mercê que me faz: e pedir posso, encarecido. Este caso — por estúrdio que me vejam — é de minha certa importância. Tomara não fosse... Mas, não diga que o senhor, assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia. [...]

Que o que gasta, vai gastando o diabo dentro da gente, aos pouquinhos, é o razoável sofrer. E a alegria de amor — compadre meu Quelemém diz. Família. Deveras? É e não é. O senhor ache e não ache. Tudo é e não é... Quase todo mais grave criminoso feroz, sempre é muito bom marido, bom filho, bom pai, e é bom amigo de seus amigos! Sei desses. Só que tem os depois — e Deus, junto. Vi muitas nuvens.

Mas, em verdade, filho também abranda. Olhe: um chamado Aleixo, residente a légua do Passo do Pubo, no da-Areia, era o homem de maiores ruindades calmas que já se viu. Me agradou que perto da casa dele tinha um açudinho, entre as palmeiras, com traíras, pra-almas de enormes, desenormes, ao real, que receberam fama; o Aleixo dava de comer a elas, em horas justas, elas se acostumaram a se assim das locas, para papar, semelhavam ser peixes ensinados. Um dia, só por graça rústica, ele matou um velinho que por lá passou, desvalido rogando esmola. O senhor não duvide — tem gente, neste aborrecido mundo, que matam só para ver alguém fazer careta... Eh, pois, empós, o resto o senhor prove: vem o pão, vem a mão, vem o são, vem o cão. Esse Aleixo era homem afamilhado, tinha filhos pequenos; aqueles eram o amor dele, todo, despropósito. Dê bem, que não nem um ano estava passado, de se matar o velhinho pobre, e os meninos do Aleixo aí adoeceram. Andaço de sarampão, se disse, mas complicado; eles nunca saravam. Quando, então, sararam. Mas os olhos deles vemelhavam altos, numa inflama de sapiranga à rebelde; e susseguinte — o que não sei é se foram todos duma vez, ou um logo e logo outro e outro — eles restaram cegos. Cegos, sem remissão dum favinho de luz dessa nossa! O senhor imagine: uma escadinha — três meninos e uma menina — todos cegados. Sem remediável. O Aleixo não perdeu o juízo; mas mudou: ah, demudou completo — agora vive da banda de Deus, suando para ser bom e caridoso em todas suas horas da noite e do dia. Parece até que ficou o feliz, que antes não era. Ele mesmo diz que foi um homem de sorte, porque Deus quis ter pena dele, transformar para lá o rumo de sua alma. Isso eu ouvi, e me deu raiva. Razão das crianças. Se sendo castigo, que culpa das hajas do Aleixo aqueles meninozinhos tinham?! [...]

Sou só um sertanejo, nessas altas ideias navego mal. Sou muito pobre coitado. Inveja minha pura é de uns conforme o senhor, com toda leitura e suma doutoração. [...]

Agora, bem: não queria tocar nisso mais — de o Tinhoso; chega. Mas tem um porém: pergunto: o senhor acredita, acha fio de verdade nessa parlanda, de com o demônio se poder tratar pacto? Não, não é não? Sei que não há. Falava das favas. Mas gosto de toda boa confirmação. Vender sua própria alma... Invencionice falsa! E, alma, o que é? Alma tem de ser coisa interna supremada, muito mais do de dentro, e é só, do que um se pensa: ah, alma absoluta! Decisão de vender alma é afoitez vadia, fantasiado de momento, não tem a obediência legal. [...] Se tem alma, e tem, ela é de Deus estabelecida, nem que a pessoa queira ou não queira. Não é vendível. O senhor não acha? Me declare, franco, peço. Ah, lhe agradeço. Se vê que o senhor sabe muito, em ideia firme, além de ter carta de doutor. Lhe agradeço, por tanto. Sua companhia me dá altos prazeres. [...]

ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 26-41. (Fragmento).



Considerando o uso da linguagem que faz Guimarães Rosa, sugerimos que, após a leitura individual dos alunos, o professor leia o texto e discuta com eles o sentido das passagens que possam provocar dúvida. Assim, a discussão proposta a partir do conjunto de questões poderá acontecer de modo mais produtivo.
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Para garantir uma referência mais segura do significado das palavras nos textos de Guimarães Rosa, foi consultada a obra O léxico de Guimarães Rosa, de Nilce Sant’Anna Martins (São Paulo: Edusp, 2001).

Moquém: grelha de paus que se coloca sobre o fogo para assar peixe ou carne.
Dessossegos: agitações, alvoroços.
Abrenúncio: Deus me livre.
Vige: vigora.
Mercê: favor, benefício.
Estúrdio: esquisito, estranho.
Assisado: ajuizado, sensato, ponderado.
Traíras: peixes com cerca de 60 cm de comprimento e coloração que varia do negro ao pardo escuro, ventre branco e manchas escuras espalhadas pelo corpo.
Desvalido: pobre, miserável, desamparado.
Rogando: pedindo.
Empós: após, depois.
Afamilhado: que tem muitos filhos. Usado no texto com o sentido de homem de família.
Andaço: epidemia que se espalha por uma certa localidade.
Sapiranga (regionalismo): blefarite, inflamação do bordo externo das pálpebras.
Remediável: que pode ser remediado.
Demudou: transformou-se, modificou-se.
Parlanda: falatório, palavreado.
Invencionice: mentira.
Vendível: vendável, que pode ser vendido.

a) Nesse trecho, Riobaldo, o narrador-protagonista, conversa com uma pessoa. Como ele se apresenta?

b) Que características tem o interlocutor a quem Riobaldo se dirige? Justifique.

c) Por que essa conversa é tão importante para o narrador?

5. Logo no início do texto, Riobaldo explica que passou por uma mudança de vida. Que mudança é essa?

> De que modo ela se relaciona à conversa que ele inicia com o interlocutor? Justifique.

6. Qual é a grande indagação a que Riobaldo procura responder, com a ajuda de seu interlocutor? Transcreva no caderno o trecho em que ela é revelada pelo narrador.

a) No final do texto, Riobaldo faz outra pergunta ao seu interlocutor. Que pergunta é essa?

b) Por que ela revela que Riobaldo já tem uma resposta para a primeira pergunta feita?

7. Assim que explicita sua indagação inicial, Riobaldo conta a história de um homem chamado Aleixo. Resuma essa história.

> Por que Aleixo é apresentado como “o homem de maiores ruindades calmas que já se viu”?

8. De que modo a história de Aleixo relaciona-se à primeira questão feita por Riobaldo a seu interlocutor?

> Segundo o narrador, “o diabo vige dentro do homem”. A história de Aleixo revela, para ele, uma das forças capazes de abrandar o mal. Explique.

9. Guimarães Rosa recria a linguagem, utilizando as palavras em contextos inesperados e, assim, ampliando o seu poder de significação. Considerando tal afirmação, explique esse efeito nas passagens destacadas:

“[...] os olhos deles vermelhavam altos, numa inflama de sapiranga à rebelde.”

“Sou só um sertanejo, nessas altas ideias navego mal.”

Retomar, com os alunos, o contexto geral (brasileiro e mundial) e o contexto estético (Pós-Modernismo) apresentados no Capítulo 6. Guimarães Rosa e Clarice Lispector, principais representantes do início da prosa pós-moderna no Brasil, escrevem suas obras nesse mesmo período histórico, exemplificando algumas das características dessa estética.

10 . É possível afirmar que o processo de trabalho do escultor Hugo França com materiais da natureza apresenta similaridade com o de Guimarães Rosa com as palavras?

A reinvenção da narrativa

A literatura acompanha o processo de busca de novas possibilidades de organização desencadeado pelo Pós-Modernismo. Dois autores já anunciavam, em momento anterior, o experimentalismo narrativo característico da prosa pós-moderna: o irlandês James Joyce e a inglesa Virginia Woolf.

Em Ulisses, inspirado livremente na Odisseia, de Homero, Joyce reinventa a linguagem e a sintaxe. O escritor irlandês explora processos de associação de imagens e todo tipo de recurso verbal para criar o fluxo de consciência das personagens Leopold Bloom, Stephen Dedalus e Molly Bloom. O leitor, envolvido por uma “fala” incessante, acompanha as andanças de Leopold Bloom por Dublin, capital da Irlanda, no dia 16 de junho de 1904.

[...] Além disso como você poderia se lembrar de todo mundo? Olhos, andar, voz. Bem, a voz, sim: gramofone. Que se tenha um gramofone em todas as sepulturas ou que ele seja guardado em casa. Depois do jantar num domingo. Ponha no pobre e velho bisavô. Craarc! Alôalôalô tãotãofeliz craarc tãotãocontenterever alôalô tãotão pshite. Faz você lembrar da voz como a fotografia faz lembrar do rosto. De outro jeito você não poderia se lembrar do rosto quinze anos depois, digamos.

[...] Tstcrst! Um chocalhar de pedras. Espere. Pare!

Baixando os olhos ele olhou com atenção para uma cripta de pedra. Algum animal. Espere. Lá vai ele. [...]

JOYCE, James. Ulisses. Tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. p. 130. (Fragmento).

Tome nota

O fluxo de consciência é uma técnica narrativa utilizada para expressar, por meio de um monólogo interior, os vários estados de espírito e as emoções que caracterizam uma personagem. Para isso, o narrador apresenta pensamentos sem se preocupar em garantir a articulação lógica entre as ideias: uma série de impressões (visuais, olfativas, auditivas, físicas, associativas) ganha forma no texto, recriando, em um universo ficcional, o funcionamento da mente humana.

Virginia Woolf também faz uso do fluxo de consciência para lidar com as angústias individuais de personagens atormentadas. O fio narrativo se fragmenta e se multiplica, tecendo uma rede complexa da qual surge, ao fim, a imagem multifacetada dos seres humanos.
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Interessados em tratar da experiência interior dos indivíduos (a noção de espaço e tempo, a ideia do eu e de sua relação com o outro), Joyce e Woolf abrem mão da organização tradicional do romance, atribuindo novos papéis para narrador e personagens e propondo novas relações entre tempo e espaço narrativos.



De olho no filme

As horas mortas de Mrs. Dalloway a

a Recomendamos assistir ao filme antes de exibi-lo para os alunos. Ele apresenta duas cenas em que a consequência implícita das ações das personagens é o suicídio.

O filme conta um dia na vida de três mulheres: a escritora Virginia Woolf, que viveu na Inglaterra na década de 1920, e as norte-americanas Laura Brown, dona de casa da década de 1950, e Clarissa Vaughn, editora que, em 2001, planeja uma festa para comemorar o prêmio literário conquistado por um grande amigo escritor. O ponto de contato entre as vidas dessas três mulheres é o romance Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf.



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Cena do filme As horas, de Stephen Daldry. EUA, 2002.

PARAMOUNT/EVERETT COLLECTION/KEYSTONE BRASIL

No Brasil, João Guimarães Rosa e Clarice Lispector serão os principais responsáveis pela transformação da prosa de ficção. Na obra desses autores, observa-se a essência da literatura pós-moderna: encarar a palavra como um feixe de significados.

Todo o convencionalismo característico da prosa cai por terra. Guimarães Rosa ousa escrever um romance de mais de 500 páginas sem dividi-lo em capítulos, num imenso monólogo. A função tradicional de narrador como organizador da história é revista. Ele tanto pode ser confundido com uma personagem que detém diretamente a palavra, como faz Guimarães Rosa em Grande sertão: veredas, ou ser transformado em uma espécie de consciência crítica que ajuda o leitor a refletir sobre o significado dos comportamentos das personagens, como acontece em A hora da estrela, de Clarice Lispector.

O projeto literário da prosa pós-moderna

Como não existe uma definição única de Pós-Modernismo, não há somente um projeto literário para a prosa pós-moderna. Neste capítulo, estudaremos especificamente os caminhos percorridos por Guimarães Rosa e Clarice Lispector na construção de sua obra literária.

O universo ficcional de Guimarães Rosa se caracteriza pelo uso particular da linguagem e por, nesse mundo aparentemente regional, tratar de temas próprios a todos os seres humanos.

O autor envolve o leitor em uma imensa rede de histórias que abrem espaço para a reflexão sobre as grandes questões universais que atormentam o ser humano. São questões sobre temas como bem e mal, sanidade e loucura, amor e morte, acaso e destino.

Clarice Lispector desenvolve um universo ficcional em que investiga os processos que tornam o ser humano único. Suas narrativas abandonam o interesse pelo enredo para submeter as personagens a um processo de individuação que permite a elas reconhecer a própria identidade. Esse reconhecimento leva a um questionamento do contexto em que vivem e das expectativas familiares e sociais.

Os agentes do discurso

“O escritor não é um ser passivo, que se limita a recolher dados da realidade, mas deve estar no mundo como presença ativa, em comunicação com o que o cerca”, disse certa vez Clarice Lispector. “A literatura deve ter objetivos profundos e universalistas: deve fazer refletir e questionar sobre um sentido para a vida e, principalmente, sobre o destino do homem na vida.”

Essas duas declarações da escritora revelam o modo como desejava interagir com a realidade, levando em consideração o texto literário como algo vivo, que afeta o leitor, que reflete o contexto, que expressa os pontos de vista de seu autor.

O contexto de produção de Clarice Lispector e Guimarães Rosa foi mais internacional que o de outros escritores brasileiros. A experiência pessoal de viver fora do Brasil influenciou suas obras, que falam de aspectos da vida brasileira mas abordam questões universais.

O fortalecimento das editoras com a explosão do romance na geração de 1930 tornou mais fáceis a publicação e a circulação de novos livros, o que favorece esses dois autores, embora suas obras iniciais causem espanto.

A prosa pós-moderna e o público

No cenário literário de Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Erico Verissimo, a chegada de Guimarães Rosa e Clarice Lispector, embora importante, não ganha muito destaque entre os leitores.

Passado o estranhamento inicial causado principalmente pela experimentação com a linguagem e pela ruptura com as estruturas narrativas, tanto Clarice como Guimarães são aclamados publicamente pela crítica especializada. Quando isso aconteceu, entraram na moda.



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Ilustração de Poty Lazzarotto para Sagarana, publicado em 1968.

POTY LAZZAROTTO
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Linguagem: experimentalismo criador

Tanto em Guimarães Rosa como em Clarice Lispector, o trabalho com a linguagem é a principal ferramenta para a criação literária. Na obra de Guimarães Rosa, esse trabalho aparece sob a forma da experimentação radical com as palavras: resgate de termos arcaicos, criação de neologismos, tentativa de fugir dos clichês, reconstrução da fala regional do interior de Minas, criando ritmos inesperados, inversões surpreendentes, imagens delicadas e belas.

Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranquilos e escuros como o sofrimento dos homens.

ROSA, Guimarães. Disponível em:


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