Português: contexto, interlocução e sentido


Partido: plantação de cana-de-açúcar. Eito



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Partido: plantação de cana-de-açúcar.
Eito: roça, local de trabalho dos escravos.
Remanchando: andando vagarosamente.
Peia: corda.

“Eu tinha uns quatro anos no dia em que minha mãe morreu”, começa a contar o narrador de Menino de engenho, recriação literária da própria história do autor. As recordações do protagonista dão vida a uma realidade econômica, política e social que foi se desgastando ao longo do tempo. O leitor sofre junto com esse menino desgarrado, que andava triste “por debaixo das árvores da horta, ouvindo sozinho a cantoria dos pássaros”. Na cena final, embarcado no trem que o levaria para a cidade, novo momento de ruptura: “Os olhos se encheram de lágrimas. Cortava-me a alma a saudade do meu engenho”.

As lembranças pessoais estão na base do processo de criação de José Lins do Rego, o que define seus romances como narrativas memorialistas.

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Da esquerda para a direita: José Lins do Rego, Carlos Drummond de Andrade, Candido Portinari, José Olympio e Manuel Bandeira. Foto tirada na década de 1950, no Rio de Janeiro.

REPRODUÇÃO AUTORIZADA POR JOÃO CANDIDO PORTINARI/ IMAGEM DO ACERVO DO PROJETO PORTINARI

TEXTO PARA ANÁLISE

Leia o texto e responda às questões a seguir.

O mestre José Amaro

Tomado pela amargura e pela raiva, José Amaro lamenta sua sorte.

[...] O bater do martelo do mestre José Amaro cobria os rumores do dia que cantava nos passarinhos, que bulia nas árvores, açoitadas pelo vento. [...] O martelo do mestre era mais forte, mais alto que tudo. [...] Ouvia o gemer da filha. Batia com mais força na sola. [...] Tinha aquela filha triste, aquela Sinhá de língua solta. Ele queria mandar em tudo como mandava no couro que trabalhava, queria bater em tudo como batia naquela sola. A filha continuava chorando como se fosse uma menina. O que era que tinha aquela moça de trinta anos? Por que chorava, sem que lhe batessem? Bem que podia ter tido um filho, um rapaz como aquele Alípio, que fosse homem macho, de sangue quente, de força no braço. Um filho do mestre José Amaro que não lhe desse o desgosto daquela filha. [...]

[...] O mestre José Amaro voltou outra vez para dentro de si mesmo. [...] Não tinha um filho que falasse alto com os grandes, que tivesse fibra para não aguentar desaforo. Então, muito de longe, começavam a soar as campainhas de um cabriolé. O mestre José Amaro se pôs de pé. Vinha passando pela sua porta a carruagem do senhor de suas terras, do dono de sua casa. Era o coronel Luís César de Holanda Chacon, senhor de engenho de Santa Fé, que passava com a família. [...] Era o cabriolé do coronel Lula enchendo de grandeza a pobre estrada que dava para o Pilar. [...]

O mestre José Amaro sentou-se outra vez. O martelo estrondou na paz da tarde que chegava. [...] Batia forte na sola, batia para doer na sua perna que era torta. Que lhe importava o cabriolé do coronel Lula? Que lhe importava a riqueza do velho José Paulino? As filhas do rico morriam de parto. [...] Um silêncio medonho envolvia tudo, num instante, como se o mundo tivesse parado. Parara de bater o mestre José Amaro [...].

REGO, José Lins do. Fogo morto. 48. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997. p. 9-12. (Fragmento).

Cabriolé: carruagem de duas rodas, pequena, leve e rápida.

A morte de um engenho

Ambientado no início do século XX, Fogo morto conta a história do engenho Santa Fé. Narrada em 3ª pessoa, a obra se divide em três partes: cada uma trata de uma personagem. Mestre José Amaro é o seleiro (fabrica selas) que mora “de favor” nas terras do engenho; o coronel Lula de Holanda é o dono do engenho em decadência; Capitão Vitorino é um pequeno proprietário que vive de maneira modesta e representa uma espécie de D. Quixote nordestino.


Página 82

1. José Amaro é um homem insatisfeito com a própria vida. O que ele lamenta?

> Amaro significa “amargo”. Qual é a relação entre o nome da personagem e sua personalidade?

2. O trabalho executado por José Amaro contribui para apresentar seu temperamento. De que maneira essa relação é mostrada no trecho transcrito?

3. Releia e compare os dois trechos.

“O bater do martelo do mestre José Amaro cobria os rumores do dia que cantava nos passarinhos, que bulia nas árvores, açoitadas pelo vento.”

“Um silêncio medonho envolvia tudo, num instante, como se o mundo tivesse parado. Parara de bater o mestre José Amaro.”

> Qual é o impacto que a ação de José Amaro tem sobre o espaço?

4. José Amaro desejava ter tido um filho. Como ele imagina esse filho?

> Pode-se dizer que o filho simboliza o desejo do mestre de reagir diante daquilo que considera injustiça. Explique por quê.

5. No penúltimo parágrafo, aparece outra personagem importante do romance: o coronel Lula. De que forma o texto mostra a posição de subser viência do mestre em relação ao coronel?

a) Os elementos do espaço contribuem também para a caracterização das personagens desse romance. O que simboliza, nesse contexto, o cabriolé do coronel?

b) Releia: “Era o cabriolé do coronel Lula enchendo de grandeza a pobre estrada que dava para o Pilar”. Explique de que maneira esse trecho indica a oposição entre o coronel e José Amaro.

Rachel de Queiroz: um olhar feminino para o sertão

Única mulher a figurar entre os escritores da geração de 1930, Rachel de Queiroz (1910-2003) era prima de José de Alencar pelo lado da mãe. Cedo manifestou a paixão pelos livros. Costumava contar que leu Ubirajara, de autoria do primo célebre, aos cinco anos: “obviamente sem entender nada”.

A família Queiroz, fugindo dos horrores da seca de 1915, mudou-se de Fortaleza para o Rio de Janeiro. O episódio ficou gravado na memória de Rachel. Anos mais tarde, ela utilizaria suas lembranças como inspiração para a narrativa de O quinze, que trata da terrível seca daquele ano.

Publicado em 1930, O quinze foi escrito quando tinha somente 18 anos e ajudou a firmar a tradição dos romances do “ciclo nordestino”. Definindo-se como jornalista, Rachel escreveu crônicas em diversos jornais brasileiros até o fim da vida. Entre seus romances destacam-se também João Miguel (1932), Caminho de pedras (1937), As três Marias (1939), Dôra, Doralina (1975) e Memorial de Maria Moura (1992). Foi a primeira escritora a conquistar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, em 1977.



A seca como motivo literário

Em O quinze, dois aspectos merecem atenção: a estrutura e a linguagem. A narrativa é construída em dois planos distintos. Em um deles, o leitor acompanha a história de Conceição, protagonista do livro. Mulher educada, professora que gosta de ler livros avançados para a época, a personagem foi desenvolvida para permitir a afirmação social da mulher em uma sociedade machista e organizada em torno dos coronéis. No segundo plano, é narrada a trajetória do vaqueiro Chico Bento e sua família, que “arribam” para fugir da seca.

A tragédia humana desencadeada pelo clima da região fica registrada em algumas passagens inesquecíveis, como a do enterro do filho mais novo do vaqueiro, que morre durante a viagem para a capital.

Lá se tinha ficado o Josias, na sua cova à beira da estrada, com uma cruz de dois paus amarrados, feita pelo pai.

Ficou em paz. Não tinha mais que chorar de fome, estrada afora. Não tinha mais alguns anos de miséria à frente da vida, para cair depois no mesmo buraco, à sombra da mesma cruz.

[...]


QUEIROZ, Rachel de. O quinze. 14. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1971. p. 71. (Fragmento).

A força do romance de Rachel de Queiroz está em expor a realidade brutal: os filhos dos retirantes em época de seca vão ficando nas covas abertas no solo duro do sertão.

O segundo aspecto que merece atenção na obra é o uso da linguagem. Preocupada em reproduzir a fala que ouvia nas ruas, a escritora inova em relação a outros romances sobre os nordestinos. Graciliano Ramos costumava dizer que suas personagens “sabiam falar”, como nesta fala de Chico Bento: “— Em todo pé de pau há um galho mode a gente armar a tipoia... E com umas noites assim limpas até dá vontade de se dormir no tempo... Se chovesse, quer de noite, quer de dia, tinha carecido se ganhar o mundo atrás de um gancho?”.

De olho na minissérie

A luta de uma mulher em um mundo masculino

A minissérie Memorial de Maria Moura, inspirada no romance de mesmo nome de Rachel de Queiroz, faz uma excelente reconstituição da vida no interior nordestino no século XIX e ilustra o questionamento do papel da mulher presente nas obras da escritora. Há cenas de violência e sexo.


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Jorge Amado: retrato da diversidade econômica e cultural

Um dos escritores brasileiros mais conhecidos e lidos de todos os tempos, Jorge Amado (1912-2001) imprimiu um recorte particular ao projeto literário de sua geração: o estudo das relações humanas que levaram à constituição do perfil multicultural e multirracial que caracteriza o povo brasileiro.

Os números referentes à vasta obra de Jorge Amado (32 títulos entre romances, biografias e livros infantis) são reveladores de seu sucesso no Brasil e no mundo. Seus romances ultrapassaram a marca dos 10 milhões de títulos vendidos só aqui no país e foram traduzidos para 49 línguas estrangeiras.

Retratos da Bahia

De todas as fases por que passou sua obra, algumas merecem destaque, como a que retrata a vida na região cacaueira de Ilhéus, caracterizando a opressão em que viviam os trabalhadores rurais em contraste com a situação dos grandes coronéis da região, enriquecidos pelo cultivo do cacau, o “ouro negro”. É a essa fase que pertence o romance que muitos críticos consideram sua obra-prima: Terras do sem-fim (1943).

Outra obra merecedora de atenção é Capitães da Areia (1937), que pertence à fase dos romances urbanos de Salvador e que retrata a vida de um grupo de crianças que vivem na rua. Acompanhando o amor entre Dora e Pedro Bala, o líder do grupo, o narrador leva o leitor pelos becos e vielas de Salvador, pelos terreiros de candomblé, localizando no cenário urbano o que já havia registrado na região cacaueira.

Além disso, a sensualidade brasileira aparece em todas as obras de Jorge Amado. Povoadas de morenas como Gabriela, Tieta e Tereza Batista, suas narrativas falam de um amor mundano, altamente erotizado.

A partir da publicação de Gabriela, cravo e canela (1958), a ficção de Jorge Amado afasta-se das questões sociais para concentrar-se na construção de tipos humanos, explorando cada vez mais o tema do amor. Essa nova tendência de suas obras garantiu ao autor a continuidade de seu imenso sucesso popular.

TEXTO PARA ANÁLISE

O texto a seguir refere-se às questões de 1 a 5.

O trapiche

Neste trecho, a realidade miserável dos Capitães da Areia é apresentada.

[...] uma grande parte dos Capitães da Areia dormia no velho trapiche abandonado, em companhia dos ratos, sob a lua amarela. Na frente, a vastidão da areia, uma brancura sem fim. Ao longe, o mar que arrebentava no cais. Pela porta viam as luzes dos na vios que entravam e saíam. Pelo teto viam o céu de estrelas, a lua que os iluminava.

[...] moleques de todas as cores e de idades as mais variadas, desde os 9 aos 16 anos, que à noite se estendiam pelo assoalho e por debaixo da ponte e dormiam, indiferentes ao vento que circundava o casarão uivando, indiferentes à chuva que muitas vezes os lavava, mas com os olhos puxados para as luzes dos navios, com os ouvidos presos às canções que vinham das embarcações...

É aqui também que mora o chefe dos Capitães da Areia: Pedro Bala. Desde cedo foi chamado assim, desde os seus cinco anos. Hoje tem 15 anos. Há dez que vagabundeia nas ruas da Bahia. Nunca soube de sua mãe, seu pai morrera de um balaço. Ele ficou sozinho e empregou anos em conhecer a cidade. [...] Quando se incorporou aos Capitães da Areia (o cais recém-construído atraiu para as suas areias todas as crianças abandonadas da cidade) o chefe era Raimundo, o Caboclo, mulato avermelhado e forte.

Não durou muito na chefia o caboclo Raimundo. Pedro Bala era muito mais ativo, sabia planejar os trabalhos, sabia tratar com os outros, trazia nos olhos e na voz a autoridade de chefe. [...]

Todos reconheceram os direitos de Pedro Bala à chefia, e foi desta época que a cidade começou a ouvir falar nos Capitães da Areia, crianças abandonadas que viviam do furto. Nunca ninguém soube o número exato de meninos que assim viviam. Eram bem uns cem e destes mais de quarenta dormiam nas ruínas do velho trapiche.

Vestidos de farrapos, sujos, semiesfomeados, agressivos, soltando palavrões e fumando pontas de cigarro, eram, em verdade, os donos da cidade, os que a conheciam totalmente, os que totalmente a amavam, os seus poetas.

AMADO, Jorge. Capitães da Areia. 117. ed. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 20-21. (Fragmento).



Trapiche: armazém localizado junto a litoral marítimo ou fluvial utilizado para depósito de mercadorias em trânsito.
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1. Como são caracterizados os Capitães da Areia?

2. O local onde vivem retrata a miséria da vida desses meninos. Por quê? Justifique sua resposta com o texto.

3. Depois que Pedro Bala se tornou o seu líder é que “a cidade começou a ouvir falar nos Capitães da Areia”. De que maneira essa liderança influiu na “fama” dos meninos?

4. No último parágrafo, os meninos são apresentados como os “poetas” da cidade. O que isso indica sobre a atitude do narrador diante desses garotos marginalizados?

5. É possível afirmar que o tema tratado em Capitães da Areia permanece bastante atual. Explique por quê.

Erico Verissimo: o intérprete dos gaúchos

Os romances da primeira fase da produção de Erico Verissimo (1905-1975) cons troem um painel da burguesia do Rio Grande do Sul. Além de Clarissa, essa fase engloba os romances Caminhos cruzados (1935), Música ao longe (1935), Um lugar ao sol (1936) e Saga(1940), série em que apresenta a vida das personagens Clarissa e Vasco, Fernanda e Noel. São ainda da primeira fase os romances Olhai os lírios do campo (1938) e O resto é silêncio (1943), além da novela Noite (1954).

Nessas narrativas pode-se identificar a preocupação do escritor com a crise moral e espiritual do homem e da sociedade em que vive. Na conclusão de O resto é silêncio, o narrador anuncia aquele que será o grande projeto dos romances da segunda fase de Erico Verissimo: investigar a relação entre o presente degradado por crises e revoluções e o passado histórico marcado pelo heroísmo do povo gaúcho na defesa de seu território.

[...] Quantos milhares de homens tinham lutado, sofrido e morrido para manter as fronteiras da pátria? Que soma de sacrifício, de fé, esperança e coragem havia sido necessária para que o Brasil continuasse como território e como nação? [...]

[...] Por sobre tudo isso, sempre e sempre o vento e a solidão, os horizontes sem fim e o tempo. A cada passo, o perigo da invasão, o tropel das revoluções e das guerras. E ainda as crianças tristes e pacientes, esperando, vendo o tempo passar com o vento, e o vento agitar os coqueiros e os coqueiros acenar para as distâncias. [...]

VERISSIMO, Erico. O resto é silêncio. Porto Alegre: Globo, 1978. p. 402. (Fragmento).



O tempo e o vento: entre o mítico, o histórico e o social

Para levar adiante o projeto de integrar as dimensões mítica, histórica e social do Rio Grande do Sul, Erico Verissimo criou a saga de duas famílias: os Terra-Cambará e os Amaral, que dará origem à trilogia de O tempo e o vento, composta dos romances O continente (1949), O retrato (1951) e O arquipélago (1961).

As histórias contadas vão tecendo, em meio à vida de Ana Terra, Pedro Missioneiro, Pedro Terra, Capitão Rodrigo Cambará, Bibiana e seus descendentes, alguns dos inesquecíveis personagens de O tempo e o vento, o painel de uma região com contornos bem diferentes do cenário árido e miserável que surgiu das páginas dos romances do Nordeste.

A reconstituição do passado deixa claro o desejo de promover a reflexão crítica da sociedade presente. Nesse sentido, o interesse da obra não está em revelar os aspectos regionais típicos dos gaúchos, mas em reconhecer como o elemento humano, heroico ou não, participa da formação de um povo.

[...]

— [...] Se nós os gaúchos jogamos fora os nossos mitos, que é que sobra?



Floriano olha para o estancieiro e diz tranquilamente:

— Sobra o Rio Grande, doutor. O Rio Grande sem máscara. O Rio Grande sem belas mentiras. O Rio Grande autêntico. Acho que à nossa coragem física de guerreiros devemos acrescentar a coragem moral de enfrentar a realidade. [...]

VERISSIMO, Erico. O arquipélago. Porto Alegre: Globo, 1978. v. 3, p. 863. (Fragmento).

Nos romances de Erico Verissimo os costumes particulares, o comportamento coletivo, as características próprias de uma determinada região interessam menos do que a reflexão sobre a relação entre o indivíduo e a sociedade. Para ele, o ser humano tem sempre importância maior.

Os romances da terceira fase mostram um escritor preocupado em aprofundar os temas políticos, dando à sua obra um tom mais engajado. Isso aparece em O senhor embaixador (1965), O prisioneiro (1967) e Incidente em Antares (1971).

Uma alegoria do Brasil

Incidente em Antares apresenta uma alegoria do Brasil da ditadura militar. O título faz referência a um incidente ocorrido numa sexta-feira 13: sete mortos da ci dade de Antares deixam de ser enterrados por causa de uma greve geral na cidade. Os cadáveres, fora de seus caixões, reivindicam o direito de descansar em paz. Representantes de diferentes classes sociais (uma velha dama, um advogado, uma prostituta, um bêbado, um sapateiro anarquista, um pianista e um preso que morreu torturado), os defuntos transtornam os vivos com suas confissões.
Página 85

A veia humanística de Erico Verissimo abriu importantes caminhos para que outros autores se aventurassem na exploração das angústias e dos conflitos vividos pelo homem em um mundo francamente em crise.



Dyonelio Machado: as angústias do homem comum

O mais célebre autor gaúcho contemporâneo de Erico Verissimo foi Dyonelio Machado (1895-1985). Em 1936, ele publicou o seu romance mais conhecido: Os ratos. Estranha narrativa que relata minuciosamente as 24 horas da vida de um funcionário público, essa obra representa um passo importante na ficção social do período.

A aflição de Naziazeno, desesperado porque não tem como pagar a conta do leiteiro, é relatada por meio de um estilo seco, enxuto, que transmite ao leitor o pavor e a angústia de um homem comum, cujo salário não é suficiente para prover o básico à sua família.

Dyonelio escreveu também Um pobre homem (1927), O louco do Cati (1942), Desolação (1944), Passos perdidos (1955) e Os deuses econômicos (1966).



TEXTO PARA ANÁLISE

Leia o texto e responda às questões a seguir.

10

O capitão Rodrigo e Bento Amaral se enfrentam em um duelo que tem como pivô os sentimentos que ambos nutrem por Bibiana.

Chegaram quase ao mesmo tempo ao ponto marcado para o encontro. Apearam em silêncio e amarraram seus cavalos. [...]

E aproximaram-se um do outro, lentos, meio encurvados. Pararam quando a distância que os separava era pouco mais de cinco passos e ficaram a se mirar, negaceantes. Rodrigo ouvia a respiração arquejante do inimigo.

— Vou te mostrar o que acontece quando se bate na cara dum homem, patife — rosnou ele. E sentiu que a raiva o fazia feliz.

— Quem vai te mostrar sou eu, canalha.

E dizendo isto Bento avançou brandindo a adaga. Os ferros se encontraram no ar com violência e tiniram. No primeiro momento Rodrigo teve de recuar alguns passos. Mas logo firmou o pé no chão e desviou todos os pranchaços do outro. [...]

Por alguns instantes os dois inimigos terçaram armas, disseram-se palavrões, enquanto suas camisas se empapavam de suor. Por fim se atracaram num corpo a corpo furioso, cabeça contra cabeça, peito contra peito. [...]

— Vou te botar minha marca na cara, pústula! [...]

Empregando toda sua força, que o ódio aumentava, o capitão conseguiu prender a mão direita do outro entre suas coxas [...].

— Te prepara, porco! — gritou Rodrigo — É agora.

E riscou-lhe verticalmente a face. O sangue brotou no talho. [...]

— Falta a volta do R!

E num golpe rápido fez uma pequena meia-lua, às cegas. Bento cuspiu-lhe no rosto, frenético, e num repelão safou-se e tombou de costas, deixando cair a adaga.

Rodrigo imaginou que ele ia levantar-se, apanhar de novo a arma e voltar ao ataque. Mas, Bento, sentado no chão, com a mão no rosto, ficou olhando atarantadamente para todos os lados. [...]

— Não vou te matar, miserável — disse Rodrigo — mas não costumo deixar serviço incompleto. Quero terminar esse R. Falta só a perninha...

E caminhou para o adversário, devagarinho, antegozando a operação e lamentando que não fosse noite de lua cheia para ele poder ver bem a cara odiosa de Bento Amaral. [...]

VERISSIMO, Erico. Um certo capitão Rodrigo. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 81-83. (Fragmento).

Negaceantes: que têm atitude de provocar, atiçar.
Brandindo: levantando, sacudindo, manejando.
Pranchaços: pancadas com espada ou faca.
Terçaram: cruzaram, bateram.
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1. Que motivo levou o capitão Rodrigo a duelar com Bento Amaral?

2. Releia o trecho a seguir.

“E aproximaram-se um do outro, lentos, meio encurvados. Pararam quando a distância que os separava era pouco mais de cinco passos e ficaram a se mirar, negaceantes. Rodrigo ouvia a respiração arquejante do inimigo.”



a) Que sentimentos dominam as personagens nessa cena?

b) Por meio de que recursos esses sentimentos são apresentados ao leitor?

3. O capitão Rodrigo é um dos “heróis” de O tempo e o vento. De que maneira, nessa cena, percebemos que ele encarna “o código de honra” que caracteriza o gaúcho?

> Que outras características de Rodrigo, destacadas na luta, constroem no texto o “símbolo” do gaúcho?

4. Releia.

“Rodrigo imaginou que ele ia levantar-se, apanhar de novo a arma e voltar ao ataque. Mas, Bento, sentado no chão, com a mão no rosto, ficou olhando atarantadamente para todos os lados.”



a) Bento Amaral é o filho do homem mais poderoso de Santa Fé. Protegido pelo pai, não está acostumado a ser ameaçado, já que todos temem represálias. O que sua atitude, no trecho transcrito, revela a respeito de seu caráter?

b) O que essa derrota simboliza, considerando a oposição de Bento Amaral à figura “heroica” do capitão Rodrigo na sociedade local?

Enem e vestibulares

1. (Unifesp)

É preciso ler esse livro singular sem a obsessão de enquadrá-lo em um determinado gênero literário, o que implicaria em prejuízo paralisante. Ao contrário, a abertura a mais de uma perspectiva é o modo próprio de enfrentá-lo. A descrição minuciosa da terra, do homem e da luta situa-o no nível da cultura científica e histórica. Seu autor fez geografia humana e sociologia como um espírito atilado poderia fazê-las no começo do século, em nosso meio intelectual, então avesso à observação demorada e à pesquisa pura. Situando a obra na evolução do pensamento brasileiro, diz lucidamente o crítico Antonio Candido: “Livro posto entre a literatura e a sociologia naturalista, esta obra assinala um fim e um começo: o fim do imperialismo literário, o começo da análise científica aplicada aos aspectos mais importantes da sociedade brasileira (no caso, as contradições contidas na diferença de cultura entre as regiões litorâneas e o interior)”.

(Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira, 1994. Adaptado.)

O excerto trata da obra

a) Capitães da Areia, de Jorge Amado.

b) O cortiço, de Aluísio Azevedo.

c) Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa.

d) Vidas secas, de Graciliano Ramos.

e) Os sertões, de Euclides da Cunha.

2. (Unifesp)

Leia o poema de Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa.

Coroai-me de rosas,


Coroai-me em verdade
De rosas —
Rosas que se apagam
Em fronte a apagar-se
Tão cedo! Coroai-me de rosas
E de folhas breves.
E basta.

(As múltiplas faces de Fernando Pessoa, 1995.)



O tema tratado no poema é a

a) necessidade de se buscar a verdadeira razão para uma vida plena.

b) fugacidade do tempo, remetendo à ideia de brevidade da vida.

c) busca pela simplicidade da vida, representada pela natureza.

d) brevidade com que o verdadeiro amor perpassa a vida das pessoas.

e) rapidez com que as relações verdadeiras começam e terminam.
Página 87

3. (Enem)

O trovador

Sentimentos em mim do asperamente


dos homens das primeiras eras...
As primaveras de sarcasmo
intermitentemente no meu coração arlequinal...
Intermitentemente...
Outras vezes é um doente, um frio
na minha alma doente como um longo som redondo...
Cantabona! Cantabona!
Dlorom...
Sou um tupi tangendo um alaúde!

ANDRADE, Mário de. In: MANFIO, D. Z. (Org.). Poesias completas de Mário de Andrade. Belo Horizonte: Itatiaia, 2005.



Cara ao Modernismo, a questão da identidade nacional é recorrente na prosa e na poesia de Mário de Andrade. Em O trovador, esse aspecto é

a) abordado subliminarmente, por meio de expressões como “coração arlequinal” que, evocando o carnaval, remete à brasilidade.

b) verificado já no título, que remete aos repentistas nordestinos, estudados por Mário de Andrade em suas viagens e pesquisas folclóricas.

c) lamentado pelo eu lírico, tanto no uso de expressões como “Sentimentos em mim do asperamente” (v. 1), “frio” (v. 6), “alma doente” (v. 7), como pelo som triste do alaúde “Dlorom” (v. 9).

d) problematizado na oposição tupi (selvagem) × alaúde (civilizado), apontando a síntese nacional que seria proposta no Manifesto Antropófago, de Oswald de Andrade.

e) exaltado pelo eu lírico, que evoca os “sentimentos dos homens das primeiras eras” para mostrar o orgulho brasileiro por suas raízes indígenas.

4. (PUC–SP)

Carlos Drummond de Andrade publicou, em 1940, o livro Sentimento do mundo. Há no conjunto dos poemas que o compõem uma temática que aponta para uma visão crítica do mundo, fruto do momento histórico em que a produção poética se deu, materializada pela metáfora da noite e do amanhecer, das trevas e da luz. Assim, escreva no caderno a alternativa abaixo que contém o poema que mais fortemente desenvolve essa metáfora.

a) Congresso Internacional do Medo.

b) A Noite Dissolve os Homens.

c) Sentimento do Mundo.

d) Noturno à Janela do Apartamento.

e) Mãos Dadas.

5. (FGV – adaptada)

O período da literatura brasileira conhecido como “Modernismo de 1930”, no qual surge, por exemplo, o chamado “romance nordestino”,

I. beneficiou-se da liberdade de pesquisa estética conquistada pelo primeiro Modernismo, a qual incorporou e normalizou;

II. procurou enraizar fortemente suas histórias e personagens em realidades bem determinadas e concretas e,

III. com frequência, introjetou nas obras a radicalização político-ideológica característica do período.

Está correto o que se afirma em

a) I, somente.

b) II, somente.

c) I e II, somente.

d) II e III, somente.

e) I, II e III.

6. (PUC–SP)

De Vidas Secas, obra escrita por Graciliano Ramos, NÃO É CORRETO afirmar que

a) apresenta personagens cuja fisionomia e caráter são impulsionados e estigmatizados pelo fenômeno da seca.

b) é uma novela construída em quadros com capítulos independentes que não se articulam entre si e, por isso, apresenta-se desprovida de valor literário e falha do ponto de vista ficcional.

c) é uma obra cuja construção verbal, marcada por beleza e harmonia, imprime a ela estilo e qualidade literária que a fazem atingir um estado de poesia.

d) apresenta personagens excessivamente introspectivos, rústicos e sofridos, constituindo-se quase toda de monólogos interiores.

e) é uma obra de caráter humano e de densa comoção telúrica e encerra o maior sentimento da terra nordestina, flagelada por seca cíclica e natureza inóspita.

7. (Fuvest)

Omolu espalhara a bexiga na cidade. Era uma vingança contra a cidade dos ricos. Mas os ricos tinham a vacina, que sabia Omolu de vacinas? Era um pobre deus das florestas d’África. Um deus dos negros pobres. Que podia saber de vacinas? Então a bexiga desceu e assolou o povo de Omolu. Tudo que Omolu pôde fazer foi transformar a bexiga de negra em alastrim, bexiga branca e tola. Assim mesmo morrera negro, morrera pobre. Mas Omolu dizia que não fora o alastrim que matara. Fora o lazareto. Omolu só queria com o alastrim marcar seus filhinhos negros. O lazareto é que os matava. Mas as macumbas pediam que ele levasse a bexiga da cidade, levasse para os ricos latifundiários do sertão. Eles tinham dinheiro, léguas e léguas de terra, mas não sabiam tampouco da vacina. O Omolu diz que vai pro sertão. E os negros, os ogãs, as filhas e pais de santo cantam:



Ele é mesmo nosso pai
e é quem pode nos ajudar...

Omolu promete ir. Mas para que seus filhos negros não o esqueçam avisa no seu cântico de despedida:


Página 88

Ora, adeus, ó meus filhinhos,
Qu’eu vou e torno a vortá...

E numa noite que os atabaques batiam nas macumbas, numa noite de mistério da Bahia, Omolu pulou na máquina da Leste Brasileira e foi para o sertão de Juazeiro. A bexiga foi com ele.

Jorge Amado, Capitães da Areia.



Lazareto: estabelecimento para isolamento sanitário de pessoas atingidas por determinadas doenças.

Costuma-se reconhecer que Capitães da Areia pertence ao assim chamado “romance de 1930”, que registra importantes transformações pelas quais passava o Modernismo no Brasil, à medida que esse movimento se expandia e diversificava. No excerto, considerado no contexto do livro de que faz parte, constitui marca desse pertencimento

a) o experimentalismo estético, de caráter vanguardista, visível no abundante emprego de neologismos.

b) o tratamento preferencial de realidades bem determinadas, com foco nos problemas sociais nelas envolvidos.

c) a utilização do determinismo geográfico e racial, na interpretação dos fatos narrados.

d) a adoção do primitivismo da “Arte Negra” como modelo formal, à semelhança do que fizera o Cubismo europeu.

e) o uso de recursos próprios dos textos jornalísticos, em especial, a preferência pelo relato imparcial e objetivo.

Jogo de ideias: apresentação oral e leitura dramatizada

Como você viu nesta unidade, o Modernismo representou uma ruptura com os padrões artísticos que vigoravam até o final do século XIX. Influenciado pela perspectiva social revelada nas obras dos autores pré-modernistas e inspirado pelas vanguardas europeias, o Modernismo brasileiro redefiniu os padrões estéticos em voga tanto nos temas quanto na linguagem das obras produzidas. Além disso, foi um movimento que afirmou a identidade nacional, eliminando as idealizações, valorizando a cultura e denunciando os problemas do país.

Para compreender melhor esse processo de ruptura e inovação da produção literária brasileira durante o Modernismo, propomos que você e seus colegas, em equipe, organizem um evento intitulado Modernismo: antecedentes e ecos.

1ª etapa: Preparação do evento

> Divisão da sala em grupos. Cada grupo ficará responsável pela seleção de textos de autores do Pré-Modernismo, das Vanguardas e do Modernismo (um para cada geração) para que seja feita a leitura dramatizada, e também de canções contemporâneas cujos temas possam ser associados aos ideais que marcaram a produção artística do Modernismo.

> Sorteio de dois apresentadores. Eles farão a abertura e explicarão à plateia de que forma o evento foi organizado. Além disso, apresentarão os participantes que farão a leitura dramatizada dos textos escolhidos e interpretarão as canções selecionadas para o evento.

> Definição das participações. Durante a apresentação, os participantes deverão informar ao público o nome da obra escolhida, seu autor e os aspectos do Pré-Modernismo, das Vanguardas ou do Modernismo brasileiro (geração e tema) representados no texto que será lido. No caso das canções, deverão informar, além do nome da música escolhida e de seu autor, sua relação com o Modernismo.

> Organização da ordem de apresentação dos textos e canções. Os textos deverão ser apresentados em uma ordem que permita à plateia compreender os antecedentes do Modernismo e os ecos desse movimento. Sugerimos, portanto, que essa sequência seja a mesma apresentada nos capítulos da unidade: um exemplo de textos que representem o Pré-Modernismo, as vanguardas e a produção das gerações modernistas. Por último, as canções selecionadas.

> Realização da leitura dramatizada dos textos e a interpretação das canções. Cada participante (ou grupo de participantes) deverá “treinar” a leitura dramatizada, lembrando-se de que deverá usar um tom de voz audível, uma entonação adequada e uma dicção clara. As canções deverão ser previamente ensaiadas.

2ª etapa: Organização da realização do evento

> Preparação do espaço do evento. No local escolhido, deverá haver um palco ou um espaço de destaque, de frente para o público, em que serão feitas as apresentações.

> Apresentação das leituras dramatizadas e canções. Será função dos apresentadores chamar cada participante (ou grupo de participantes) para realizar a leitura do texto e interpretar a canção escolhida. Finalizadas as participações, os apresentadores devem encerrar o evento, agradecendo a todos.
Página 89

LITERATURA

Unidade 2 - O Pós-Modernismo

O Pós-Modernismo é um conceito em discussão. Entende-se, de modo geral, que esse movimento inicia-se no final da década de 1940 para se consolidar nos anos 1960.

O Pós-Modernismo produziu uma arte marcada pela diversidade. Lançando-se em diferentes frentes de exploração temática e muitas linhas de experimentação, multiplicou os modos de expressão da realidade. Na literatura, é muito grande o número de autores que exploram linhas estéticas e gêneros variados. De modo geral, a literatura expressa a profunda crise de valores por que passa o mundo, em todos os campos. Conheça mais dessa produção nesta unidade.

Capítulos

6. A geração de 1945 e o Concretismo, 92

7. A prosa pós-moderna, 106

8. Tendências contemporâneas. O teatro no século XX, 118

0089_001.jpg

WARHOL, A. Panda de corda tocando tambor. 1983. Serigrafia e acrílico sobre tela, 73 × 88 cm.

© THE ANDY WARHOL FOUNDATION FOR THE VISUAL ARTS, INC./AUTVIS, BRASIL, 2016. BRIDGEMAN IMAGES/KEYSTONE BRASIL - COLEÇÃO PARTICULAR


Página 90

Diálogos literários: presente e passado

A arte é sempre uma forma de intervenção no mundo, especialmente em tempos sombrios ou turbulentos. Na literatura contemporânea, são muitos os autores que fazem de suas palavras instrumentos de crítica e denúncia da realidade que nos cerca. A poesia pode lembrar-nos do imenso poder do sonho fraternal, convocar um povo a se levantar como nação ou ajudar a enfrentar os fantasmas de uma ditadura.

Como você viu, a tradição de uma poesia que traduz a consciência política começa de forma marcada, no Brasil, com Carlos Drummond de Andrade. Em um mundo dividido entre a democracia e o fascismo, em que as pessoas se matavam em uma grande guerra, o poeta fez de seus versos o instrumento de resistência ideológica e de denúncia de seu tempo.

No próximo capítulo, você verá que essa consciência crítica da realidade política e social do país também é uma marca forte nas obras de muitos poetas de meados do século XX, como João Cabral de Melo Neto e Ferreira Gullar.

E como essa questão se manifesta nos textos literários da atualidade? Veja, nos poemas a seguir, de que forma autores contemporâneos traduziram a consciência política e social de seu tempo.

Caso queira apresentar aos alunos outros textos sobre a tradição de uma poesia que traduz a consciência política abordada nesta seção, sugerimos a leitura dos poemas “Congresso internacional do medo”, de Drummond, e “Que país é este? (1980)”, de Affonso Romano de Sant’Anna.

José Gomes Ferreira: a convocação ao sonho coletivo

XVIII

(O Sonho é a nossa arma.)

Há quem julgue que nos venceu


só porque estamos para aqui, famintos e nus,
de novo sem terra nem céu,
a apanhar do chão,
às escondidas do luar,
os frutos podres caídos dos ramos.

Mas não.


Temos ainda uma arma de luz
para lutar:
SONHAMOS.

[...]
Sim, sonhamos.


E o sonho quem o derrota?
— mesmo quando vamos
perdidos na rota
de um barco sem remos
na tempestade de um vulcão.

Sim, camaradas, sonhamos.

SONHEMOS!

O Sonho é também acção.

FERREIRA, José Gomes. In: MEDINA, Cremilda de Araújo. Viagem à Literatura Portuguesa Contemporânea. Rio de Janeiro: Nórdica, 1983. p. 46-47. (Fragmento).

Mutimati Barnabé João e a resistência ao colonialismo em Moçambique

Eu, o Povo

Conheço a força da terra que rebenta a granada do grão


Fiz desta força um amigo fiel.

O vento sopra com força


A água corre com força
O fogo arde com força

Nos meus braços que vão crescer vou estender panos de vela


Para agarrar o vento e levar a força do vento à Produção.
As minhas mãos vão crescer até fazerem pás de roda
Para agarrar a força da água e pô-la na Produção.
Os meus pulmões vão crescer soprando na forja do coração
Para agarrar a força do fogo na Produção.

Eu, o Povo


Vou aprender a lutar do lado da Natureza
Vou ser camarada de armas dos quatro elementos.

A tática colonialista é deixar o Povo ao natural


Fazendo do Povo um inimigo da Natureza.

Eu, o Povo Moçambicano


Vou conhecer as minhas Grandes Forças todas.

JOÃO, Mutimati Barnabé. In: APA, Lívia; BARBEITOS, Arlindo; DÁSKALOS, Maria Alexandre (Orgs.). Poesia africana de língua portuguesa (Antologia). Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2003. p. 216.



Multimati Barnabé João (1933-1994): nasceu em Viseu (Portugal), mas se considerava nascido em Inhaminga. Foi para Moçambique (África Oriental) na década de 1960.
Página 91

A atividade apresentada no final da seção exige duas etapas. Na primeira, os alunos devem identificar a crítica à letargia feita no meme: embora haja o desejo de protestar, as personagens propõem deixar essa ação para “depois da novela”, o que indica uma certa alienação. Na segunda etapa, os alunos devem perceber o jogo de palavras presente no poema de Cacaso. O termo militar faz referência ao golpe militar, mas se apresenta como um verbo, que compõe uma questão: a saída para os golpes da vida seria militar, no sentido de atuar politicamente, manifestar-se? Os alunos devem perceber que, de diferentes maneiras, a resistência a qualquer forma de opressão é proposta também nos textos da seção. José Gomes Ferreira afirma que a capacidade de sonhar também é uma forma de ação contra o opressor; o poeta moçambicano Mutimati Barnabé João convoca um povo a se levantar como nação; Marco Antonio Saraiva, por sua vez, destaca a importância de enfrentar os fantasmas de uma ditadura e manter viva a memória dos que sofreram a violência desse tipo de sistema repressor. Com base nas análises feitas pelos alunos, pode-se fazer um debate sobre a importância (ou não) da ação política nas mudanças para o país e para o mundo. O comentário oral dos alunos deve ser uma resposta à pergunta de Cacaso. Eles devem assumir claramente uma posição e fundamentá-la adequadamente. O professor deve estar atento, principalmente, a essa fundamentação para que o debate e a exposição não sejam simplesmente uma batalha de opiniões pessoais.

Marco Antonio Saraiva e a memória dos mortos sob tortura

Para a tortura nunca mais elegia

exumam
o silêncio
calcificado
nos esqueletos,
identificam sonhadores
pelas arcadas,
mas os crânios
não dizem nada
dos sonhos
e pesadelos.

os segredos


sobrevivem devorando-se
e renascem em documentos
de puro instinto num alfabeto vivo,
desnudados de todos os panos
e tecidos (os pensamentos vestem-se
da acústica dos caracóis)
e no mais secreto humos
irracional:
a história arquivada
nos vermes.

Eis a religião


dos heróis,
encarnam em vegetais ateus
e pássaros utópicos
e melhor escutamos
suas vozes na paisagem:
o soprano Sul pelas vazias
bocas dos caules
(com afinada aflição)
cantando elegias
nas folhagens.

Com a admiração e o carinho por suas lutas

de Marco Antonio Saraiva

SARAIVA, Marco Antonio. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de (Org.). Esses poetas: uma antologia dos anos 90. Rio de Janeiro: Aeroplano, 1998. p. 218-219.



Elegia: no contexto, significa canto, poema.
Exumam: desenterram.
Humos: componente orgânico do solo, resultante de decomposição de material animal ou vegetal.
Soprano: no contexto, significa som ou canto agudo.

Pare e pense

Nos anos 1970, em plena ditadura militar no Brasil, o poeta Cacaso se manifestou criticamente através da poesia. Leia.



Obra aberta

Quando eu era criancinha


O anjo bom me protegia
Contra os golpes de ar.
Como conviver agora com
Os golpes? Militar?

CACASO. Lero-lero. Rio de Janeiro: 7Letras; São Paulo: Cosac Naify, 2002. p. 54.

Observe agora o meme a seguir, que circulou pela internet com muitas variações.

O QUE QUEREMOS? / QUANDO QUEREMOS?



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© POR FRANCINE GRANDO

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