Tempos modernos tempos de sociologia helena bomeny


(A) combater ações violentas na guerra entre as nações. (B)



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(A) combater ações violentas na guerra entre as nações.
(B) coagir e servir para refrear a agressividade humana.
(C) criar limites entre a guerra e a paz praticadas entre os indivíduos de uma mesma nação.
(D) estabelecer princípios éticos que regulamentam as ações bélicas entre países inimigos.
(E)organizar as relações de poder na sociedade e entre os Estados.

2. (Enem 2008)

William James Herschel, coletor do governo inglês, iniciou na Índia seus estudos sobre as impressões digitais ao tomar as impressões digitais dos nativos nos contratos que firmavam com o governo. Essas impressões serviam de assinatura. Aplicou-as, então, aos registros de falecimentos e usou esse processo nas prisões inglesas, na Índia, para reconhecimento dos fugitivos. Henry Faulds, outro inglês, médico de hospital em Tóquio, contribuiu para o estudo da datiloscopia. Examinando impressões digitais em peças de cerâmica pré-histórica japonesa, previu a possibilidade de se descobrir um criminoso pela identificação das linhas papilares e preconizou uma técnica para a tomada de impressões digitais, utilizando-se de uma placa de estanho e de tinta de imprensa.

Disponível em: (com adaptações).

Que tipo de relação orientava os esforços que levaram à descoberta das impressões digitais pelos ingleses e, posteriormente, à sua utilização nos dois países asiáticos?


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(A) De fraternidade, já que ambos visavam aos mesmos fins, ou seja, autenticar contratos.
(B) De dominação, já que os nativos puderam identificar os ingleses falecidos com mais facilidade.
(C) De controle cultural, já que Faulds usou a técnica para libertar os detidos nas prisões japonesas.
(D) De colonizador-colonizado, já que, na Índia, a invenção foi usada em favor dos interesses da coroa inglesa.
(E) De médico-paciente, já que Faulds trabalhava em um hospital de Tóquio.

3. (Enem 2011)

A imagem representa as manifestações nas ruas da cidade do Rio de Janeiro, na primeira década do século XX, que integraram a Revolta da Vacina. Considerando o contexto político-social da época, essa revolta revela



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In: Revista O Malho, 1904

Charge publicada em 1904 sobre a rebelião popular conhecida como Revolta da Vacina, contra a vacinação antivaríola obrigatória, instituída pelo médico Oswaldo Cruz.

(A) a insatisfação da população com os benefícios de uma modernização urbana autoritária.
(B) a consciência da população pobre sobre a necessidade de vacinação para a erradicação das epidemias.
(C) a garantia do processo democrático instaurado com a República, através da defesa da liberdade de expressão da população.
(D) o planejamento do governo republicano na área de saúde, que abrangia a população em geral.
(E) o apoio ao governo republicano pela atitude de vacinar toda a população em vez de privilegiar a elite.

4. (Enem 2011)

O edifício é circular. Os apartamentos dos prisioneiros ocupam a circunferência. Você pode chamá-los, se quiser, de celas. O apartamento do inspetor ocupa o centro; você pode chamá-lo, se quiser, de alojamento do inspetor. A moral reformada; a saúde preservada; a indústria revigorada; a instrução difundida; os encargos públicos aliviados; a economia assentada, como deve ser, sobre uma rocha; o nó górdio da Lei sobre os Pobres não cortado, mas desfeito – tudo por uma simples ideia de arquitetura!

BENTHAM, L. O panóptico. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

Essa é a proposta de um sistema conhecido como panóptico, um modelo que mostra o poder da disciplina nas sociedades contemporâneas, exercido preferencialmente por mecanismos



(A) religiosos, que se constituem como um olho divino controlador que tudo vê.
(B) ideológicos, que estabelecem limites pela alienação, impedindo a visão da dominação sofrida.
(C) repressivos, que perpetuam as relações de dominação entre homens por meio da tortura física.
(D) sutis, que adestram os corpos no espaço-tempo por meio do olhar como instrumento de controle.
(E) consensuais, que pactuam acordo com base na compreensão dos benefícios gerais de se ter as próprias ações controladas.
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ASSIMILANDO CONCEITOS

1. Você já viu uma placa como esta?

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Misto Quente



a) Em que tipo de lugar ela é usada? Por quê?

b) Ao refletir sobre o controle social em nossa sociedade, com base na observação desta imagem, o que você pode concluir?

[ícone] ATIVIDADE INTERDISCIPLINAR

OLHARES SOBRE A SOCIEDADE

[...] Winston Smith [...] passou depressa pelas portas de vidro das Mansões Victory [...].

O vestíbulo cheirava a repolho cozido e a velhos capachos de pano trançado. Numa das extremidades, um pôster colorido, grande demais para ambientes fechados, estava pregado na parede. Mostrava simplesmente um rosto enorme, com mais de um metro de largura: o rosto de um homem de uns quarenta e cinco anos, de bigodão preto e feições rudemente agradáveis. Winston avançou para a escada [...]. O apartamento ficava no sétimo andar e Winston, com seus trinta e nove anos e sua úlcera varicosa acima do tornozelo direito, subiu devagar, parando para descansar várias vezes durante o trajeto. Em todos os patamares, [...] o pôster com o rosto enorme fitava-o da parede. Era uma dessas pinturas realizadas de modo a que os olhos o acompanhem sempre que você se move. O GRANDE IRMÃO ESTÁ DE OLHO EM VOCÊ, dizia o letreiro, embaixo.

No interior do apartamento, uma voz agradável lia alto uma relação de cifras que de alguma forma dizia respeito à produção de ferro-gusa. A voz saía de uma placa oblonga de metal semelhante a um espelho fosco, integrada à superfície da parede da direita. Winston girou um interruptor e a voz diminuiu um pouco, embora as palavras continuassem inteligíveis. O volume do instrumento (chamava-se teletela) podia ser regulado, mas não havia como desligá-lo completamente. Winston foi para junto da janela [...].

[...] Lá embaixo, na rua, [...] a impressão que se tinha era de que não havia cor em coisa alguma a não ser nos pôsteres colados por toda parte. Não havia lugar de destaque que não ostentasse aquele rosto de bigode negro a olhar para baixo. Na fachada da casa logo do outro lado da rua, via-se um deles. O GRANDE IRMÃO ESTÁ DE OLHO EM VOCÊ, dizia o letreiro, enquanto os olhos escuros pareciam perfurar os de Winston. Embaixo, no nível da rua, outro pôster, esse com um dos cantos rasgado [...]. Ao longe, um helicóptero, voando baixo sobre os telhados, pairou um instante como uma libélula e voltou a afastar-se a grande velocidade, fazendo uma curva. Era a patrulha policial, bisbilhotando pelas janelas das pessoas. As patrulhas, contudo, não eram um problema. O único problema era a Polícia das Ideias.

Por trás de Winston, a voz da teletela continuava sua lenga-lenga infinita [...]. Todo som produzido por Winston que ultrapassasse o nível de um sussurro muito discreto seria captado por ela; mais: enquanto Winston permanecesse no campo de visão [...], além de ouvido também poderia ser visto. Claro, não havia como saber se você estava sendo observado num momento específico. Tentar adivinhar o sistema utilizado pela Polícia das Ideias para conectar-se a cada aparelho individual ou a frequência com que o fazia não passava de especulação. Era possível inclusive que ela controlasse todo mundo o tempo todo. Fosse como fosse, uma coisa era certa: tinha meios de conectar-se a seu aparelho sempre que quisesse. Você era obrigado a viver – e vivia, em decorrência do hábito transformado em instinto – acreditando que todo som que fizesse seria ouvido e, se a escuridão não fosse completa, todo movimento examinado meticulosamente.

ORWELL, George. 1984. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 11-13.

1. O fragmento em destaque foi extraído de um dos livros mais conhecidos da literatura do século XX – 1984 –, publicado pela primeira vez em 1949. Seu autor foi Eric Arthur Blair (1903- 1950), um inglês de Motihari – cidade da Índia sob o domínio da Grã-Bretanha. Eric, que adotava o pseudônimo George Orwell, também escreveu A revolução dos bichos (1945).

A história se passa no futuro: o ano de 1984. Winston Smith, personagem principal, vivia em um Estado permanentemente vigiado pelo Grande Irmão – em inglês Big Brother –, que personificava um poder cínico e cruel. Nessa distopia*, o principal objetivo do Partido que governava era o “poder pelo poder”, ou seja, o poder puro e nada mais que isso.

Como o livro foi lançado durante a Guerra Fria e pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial, seus primeiros leitores associaram a trama ao totalitarismo nazifascista e soviético. Contudo, o leitor dos dias de hoje pode encontrar ali uma ficção que convida à reflexão sobre os excessos de qualquer tipo de poder considerado incontestável.
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Com 1984, George Orwell lançou um olhar sobre o poder, assim como Michael Foucault em Vigiar e punir. Com base no que você aprendeu sobre a pesquisa de Foucault, estabeleça comparações entre as duas representações de poder.

*Distopia: lugar ou estado imaginário em que se vive em condições de extrema opressão, desespero ou privação (o oposto de utopia).

[ícone] ATIVIDADE INTERDISCIPLINAR

EXERCITANDO A IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA
TEMA DE REDAÇÃO DO ENEM (2011)

Com base na leitura dos textos motivadores seguintes e nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo em norma-padrão da língua portuguesa sobre o tema VIVER EM REDE NO SÉCULO XXI: OS LIMITES ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO, apresentando proposta de conscientização social que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista.



LIBERDADE SEM FIO

A ONU acaba de declarar o acesso à rede um direito fundamental do ser humano – assim como saúde, moradia e educação. No mundo todo, pessoas começam a abrir seus sinais privados de wi-fi, organizações e governos se mobilizam para expandir a rede para espaços públicos e regiões aonde ela ainda não chega, com acesso livre e gratuito.

ROSA, G.; SANTOS, P. Galileu, n. 240, jul. 2011 (fragmento).

A INTERNET TEM OUVIDOS E MEMÓRIA

Uma pesquisa da consultoria Forrester Research revela que, nos Estados Unidos, a população já passou mais tempo conectada à internet do que em frente à televisão. Os hábitos estão mudando. No Brasil, as pessoas já gastam cerca de 20% de seu tempo on-line em redes sociais. A grande maioria dos internautas (72%, de acordo com o Ibope Mídia) pretende criar, acessar e manter um perfil em rede. “Faz parte da própria socialização do indivíduo do século XXI estar numa rede social. Não estar equivale a não ter uma identidade ou um número de telefone no passado”, acredita Alessandro Barbosa Lima, CEO da e.Life, empresa de monitoração e análise de mídias.

As redes sociais são ótimas para disseminar ideias, tornar alguém popular e também arruinar reputações. Um dos maiores desafios dos usuários de internet é saber ponderar o que se publica nela. Especialistas recomendam que não se deve publicar o que não se fala em público, pois a internet é um ambiente social e, ao contrário do que se pensa, a rede não acoberta anonimato, uma vez que mesmo quem se esconde atrás de um pseudônimo pode ser rastreado e identificado. Aqueles que, por impulso, se exaltam e cometem gafes podem pagar caro.

Disponível em: . Acesso em: 30 jun. 2011 (adaptado).



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André Dahmer


Página 162

11 Sonhos de civilização



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United Artist

Carlitos sonha com uma vida melhor, em cena do filme Tempos modernos.

Em cena: Lar, doce lar

Depois de deixar a cadeia a contragosto, munido de uma carta de recomendação do diretor, Carlitos arranja emprego em um estaleiro, mas a experiência acaba rapidamente e de maneira desastrada. “Decidido a voltar para a prisão”, como informa o entretítulo, ele sai andando pela rua. A seu lado, a Garota, sozinha e faminta, fugindo das autoridades que queriam levá-la para um abrigo de menores, também vaga sem destino. Ao passar diante de uma padaria, ela rouba um pão, sai correndo, por acaso esbarra em Carlitos e o derruba. Ao perceber que a Garota seria presa pelo furto do pão, Carlitos diz ao guarda: “Não foi ela! Quem roubou o pão fui eu!”. Mas o ato solidário – e também interessado – de Carlitos logo é desmentido por uma mulher bem-vestida que presenciou o furto e diz, com expressão malvada: “Foi a menina, não o homem”. Diante da acusação da testemunha, a Garota é presa.

Acontece que Carlitos está realmente decidido a voltar para a cadeia. E as cenas seguintes o mostram em suas tentativas hilárias de alcançar seu objetivo. Depois de se fartar em um restaurante sem pagar a conta e surrupiar charutos e balas, que distribui entre crianças que passam, consegue, por fim, ser preso. Mais uma vez por obra do acaso, ele e a Garota se encontram no camburão, que acaba despejando os dois porta afora ao desviar de outro carro. “Esta é sua chance de escapar!”, diz Carlitos encorajando a mocinha, que sai correndo. Chamado agora por ela, ele muda de ideia em relação a voltar para a prisão, alcança-a e fogem juntos.


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Ao passar diante de uma casa, sentam-se no chão e começam a conversar. A porta da casa se abre, uma mulher saltitante sai e se despede do marido, que vai trabalhar. Carlitos suspira e diz para a amiga: “Você consegue nos imaginar vivendo numa casinha assim?”.

A cena seguinte é um devaneio de Carlitos e da Garota em torno do lar perfeito, habitado por ele e pela Garota, já vestida como dona de casa. No lar encantado, algo como um Éden moderno, misturam-se o melhor da natureza e o melhor da civilização. Um pé carregado de laranjas cresce ao lado da janela, cachos de uvas pendem na porta da cozinha, diante da qual passa uma vaca que fornece leite fresco. Cercada de eletrodomésticos, a Garota prepara um bife num fogão moderno. Na vida real, sentada na calçada, ela lambe os lábios, com fome. “Eu conseguirei! Nós teremos uma casa, nem que eu tenha de trabalhar para isso!”, promete Carlitos com um entusiasmo que contagia a amiga. Trazidos, porém, à realidade por um policial que passa, os dois fugitivos se afastam rapidamente.

Apresentando Norbert Elias

Um novo pensador nos ajudará a interpretar o sonho de Carlitos e sua amiga mostrando que caminhos foram percorridos até que se estabelecesse o modelo de família, privacidade e convivência social conhecido no Ocidente. Esse pensador é o sociólogo alemão Norbert Elias.

Tendo vivido a maior parte de sua vida no século XX, Elias escreveu sobre temas importantes e variados, como cultura, civilização ocidental, sociedade de corte e formação dos Estados Nacionais. Também escreveu um livro sobre seus conterrâneos, os alemães. Com o mesmo interesse, debruçou-se sobre Wolfgang Amadeus Mozart, músico famoso e genial do século XVIII. Em todos os estudos e escritos de Norbert Elias predomina uma convicção: que as manifestações culturais, artísticas, culinárias, as maneiras de lidar com o sofrimento e com a alegria, tudo isso revela muito sobre as sociedades.

Norbert Elias

(Breslau, Alemanha, 22 de junho de 1897 – Amsterdã, Holanda, 1º de agosto de 1990)

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Bart Jonker/Norbert Elias Foundation

Norbert Elias, 1983.

Ainda que sua obra só tenha recebido atenção a partir da década de 1970, Norbert Elias é hoje considerado um dos mais importantes pensadores do século XX.

Com base em um intenso diálogo com a história da cultura, Elias situa os diferentes padrões de relações sociais em seus devidos contextos históricos e culturais. Assim como Simmel, enfatiza a importância das interações. Para ele, a vida em sociedade é composta de padrões gerados nas interações entre indivíduos ligados por uma relação de interdependência.

Seu livro O processo civilizador (1939) foi ignorado até ser traduzido para o inglês, em 1969, e hoje é um grande clássico da Sociologia. Em dois volumes, a obra mapeia historicamente os comportamentos e os hábitos europeus, procurando entender como as atitudes individuais são moldadas por atitudes sociais. Num diálogo com a psicanálise de Freud, Elias pensou sociologicamente o desenvolvimento do autocontrole e de sentimentos como a vergonha e a repugnância, de modo a traçar uma história e uma sociologia da ideia de civilização gerada pela Idade Moderna. Além de O processo civilizador, escreveu outros trabalhos de grande destaque, como A sociedade de corte (1969), O que é Sociologia? (1970) e A sociedade dos indivíduos (1987).

As sociedades reveladas

Norbert Elias deu importância a uma questão que os cientistas sociais até então haviam estudado perifericamente. Ele se interessou pelas emoções dos indivíduos, como amor, tristeza, ódio, solidão, agressividade, inveja e muitas outras. Quando falamos de emoções, não pensamos em Sociologia ou Antropologia: imediatamente nos vêm à mente a Psicologia e a Psicanálise, disciplinas que abordam o desenvolvimento da personalidade humana. Sendo assim, por que as emoções poderiam interessar a um cientista social dedicado ao estudo das manifestações coletivas?


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Um bom começo para responder a essa pergunta poderia ser a indagação de por que ligamos as emoções às pessoas e, com frequência, à herança genética. Se alguém é gentil ou rude, calmo ou estressado, pacífico ou agressivo, imaginamos que isso se deva à sua “natureza”. Ademais, associamos o comportamento dos indivíduos aos instintos: sentindo fome, procura alimento; sentindo dor, chora; sentindo-se ameaçado, agride; sentindo-se feliz, sorri. Então, podemos dizer que, para o senso comum – e até para alguns especialistas –, temperamento, emoção e comportamento são aspectos ligados às dimensões biológicas dos seres humanos. Há diversos campos das ciências médicas que pesquisam a ação da genética, dos hormônios e das estruturas cerebrais na configuração da personalidade dos indivíduos e na variação de seus humores. Então, surge outra pergunta: diante de tantas variáveis biológicas, como pensar as emoções e os comportamentos humanos como dimensões moldadas pela cultura?

As Ciências Sociais debruçaram-se sobre esse problema e vêm demonstrando que a cultura age sobre a natureza biológica dos seres humanos. Isso significa que somos entes culturais ou, dito de outra forma, que a cultura é nossa segunda natureza. Isso é fácil de compreender quando imaginamos que nossa capacidade para percorrer distâncias com muita rapidez é limitada por nosso corpo. Mesmo um velocista de primeiro escalão não é capaz de atingir a velocidade de um tigre ao perseguir sua caça. Para superar essa limitação, a cultura criou tecnologias e equipamentos como a lança, a carroça, o carro e o ônibus espacial, com a ajuda dos quais os seres humanos veem aumentadas sua capacidade e agilidade para percorrer, em velocidade desconhecida até então, distâncias antes inalcançáveis. É nesse sentido que a cultura oferece uma segunda natureza, pois ela “amplia” nossas capacidades biológicas. Faça um breve exercício de imaginação: tente identificar como os limites do corpo humano são superados por meio da cultura...

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Daniel Karmann/dpa/AP Photo/Glow Images

Atleta paraolímpico em prova de salto em distância no Campeonato Alemão de Atletismo. Nuremberg, Alemanha, 2015.
A cultura, como segunda natureza, pode ser observada na situação acima: atletas que, por meio do uso de tecnologias avançadas, conseguem superar desafios físicos, diminuindo cada vez mais as limitações impostas por suas condições.

Mas a cultura também modela nossas emoções, mesmo aquelas que julgamos mais instintivas. Os animais são “programados” por seus instintos, reagindo imediatamente diante de ataques e imprevistos. Os seres humanos, no entanto, são capazes de “domar” seus instintos, chegando a limites extremos. Nós, por exemplo, ainda que famintos, somos treinados para esperar pela hora da refeição em uma festa de casamento, pois a comensalidade tem uma importância social e estabelece o momento convencionado para nos alimentarmos. Falamos em instinto sexual, mas tomamos conhecimento de monges celibatários no Tibete com absoluto controle diante desse instinto. Sabemos também do instinto de sobrevivência. No entanto, temos notícias dos camicases, que provocam a própria morte. Aonde queremos chegar? A cultura nos possibilita ir além da natureza; ela é capaz de nos modelar para controlar nossos instintos mais básicos.

Diante disso, é possível afirmar que existem padrões culturais para as emoções. Vamos explorar um exemplo: o sentimento de empatia – aquela emoção que me liga ao próximo, como se eu pudesse sentir sua dor e sua alegria, identificando-me com ele. Você sabe que em nossa cultura esse sentimento é valorizado: queremos compreensão, solidariedade, respeito, ternura de uns para com os outros. Mas, para chegarmos a uma configuração social em que tais padrões emocionais sejam valorizados, temos de considerar todo um processo de aprendizagem, no qual passamos por conflitos, avanços e retrocessos (e ainda temos muito que aprender). Lembre-se de que a empatia envolve o entendimento de que o outro é um ser igual a mim. Quanto tempo faz que as pessoas começaram a tomar conhecimento do fato de que todos são iguais? Certamente, desde tempos remotos existiram pessoas que propuseram uma forma de ver as diferenças na contramão dos padrões culturais vigentes, como sábios e líderes religiosos. No entanto, para o desenvolvimento da empatia (emoção que está na base da percepção da igualdade entre indivíduos) passamos pela Revolução Francesa, pela Abolição da Escravatura, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela luta das feministas e diversas lutas que resultaram em muitas outras conquistas.
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Com isso, nossas emoções foram modeladas no decorrer da história – processo que leva à mudança da sociedade em muitas direções. Além dessa variação na história, podemos concluir que também as emoções variam de cultura para cultura, de sociedade para sociedade.

Essas reflexões nos possibilitam entender o interesse de Norbert Elias por sentimentos como os que mencionamos e pelas situações da vida nas quais eles estão presentes e são mobilizados. Elias pretendia descobrir como, ao longo do tempo, as pessoas foram aprendendo a controlar seus sentimentos (fossem eles bons ou ruins) e também os instintos biológicos em nome da convivência social. Para ele, o autocontrole foi desenvolvendo-se em um extenso processo.

Vejamos um dos temas estudados por Norbert Elias – o esporte. Uma atividade como essa, que emociona multidões, também acaba sendo reveladora do tipo de cultura e de sociedade que a incentiva e a incorpora em seu cotidiano. Trata-se de uma sociedade em que os intensos sentimentos coletivos provocados pelo esporte são contidos por regras, normas e freios, sem os quais o próprio esporte e a própria sociedade sucumbiriam. Veja a seguir como Elias transformou essa dimensão da vida em tema sociológico.

[...] Que espécie de sociedade é esta onde as pessoas, em número cada vez maior, e em quase todo o mundo, sentem prazer, quer como actores ou espectadores, em provas físicas e confrontos de tensões entre indivíduos ou equipes, e na excitação criada por estas competições realizadas sob condições onde não se verifica derrame de sangue, nem são provocados ferimentos sérios nos jogadores?

ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992. p. 40.

Também a morte, na visão de Elias, é reveladora. As sociedades não lidaram sempre da mesma maneira com a morte, diz ele, porque ela não se reduz a um acontecimento biológico e natural. Acompanhar as mudanças no trato da morte nos revela muito, portanto, sobre as mudanças que as sociedades sofreram em seus costumes.

As sociedades urbano-industriais, por exemplo, criaram um ritual de morte particular: separaram a morte do ambiente doméstico. Os doentes terminais vão para o hospital, e o velório, assim como o enterro, não é mais feito em casa. Mas nem sempre foi assim. Na Idade Média, a morte era mais presente e familiar – cabia aos parentes cuidar no próprio lar de seus velhos enfermos –, e ao mesmo tempo mais coletiva e violenta – basta lembrar os enforcamentos e as torturas em praça pública de que fala Foucault. O livro em que Elias trata desse tema se chama A solidão dos moribundos – em referência ao isolamento daqueles que estão no final da vida e são apartados da família e de casa, sendo entregues à tecnologia hospitalar e médica.

Elias é um sociólogo instigante, que compreendeu a sociedade como resultado de muitos processos, movimentos do corpo e da alma, manifestações as mais diversas. Onde menos esperamos, lá está a sociedade sendo revelada, parece nos dizer ele em cada um de seus escritos. Entre seus livros, grande parte dos quais já foi publicada no Brasil, um tornou-o mais conhecido: O processo civilizador. Talvez nessa obra, em dois volumes, esteja sua tese fundamental. Principalmente no primeiro deles, subintitulado Uma história dos costumes, Elias acompanha em detalhes a história das maneiras, dos hábitos, dos jeitos de ser das pessoas, grupos e sociedades. A história dos costumes, diz ele, é uma boa pista para sabermos como a sociedade se pensa, movimenta-se e é percebida. Sua análise nos ajudará a compreender a extensão do sonho de Carlitos e de sua amiga em Tempos modernos: um dia terem uma tranquila vida doméstica.

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Danilo Verpa/Folhapress

Partida de handebol entre Brasil e Argentina nos Jogos Pan-Americanos de Toronto, Canadá, 24 jul. 2015.
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Um manual que virou catecismo

Em Uma história dos costumes, Norbert Elias volta ao ano de 1530 e nos oferece de presente o texto do filósofo renascentista holandês Erasmo de Rotterdam, que escreveu um pequeno tratado intitulado A civilidade pueril. Assim que foi publicado, teve enorme aceitação. Quanto mais se tornava conhecido, mais era procurado, como provam suas sucessivas edições, em diferentes países da Europa, 13 delas feitas no século XVIII. “Essa obra evidentemente tratava de um tema que estava maduro para discussão”, diz Elias.

Mas, afinal, de que tratava o livro A civilidade pueril? O manual discorria sobre as boas maneiras, a forma mais polida, mais contida, de se comportar diante dos outros, sobre o controle dos gestos, da postura, das expressões faciais, do vestuário. O que mostramos externamente diz muito de nosso interior – é o que quer ensinar Erasmo de Rotterdam às crianças, para que cresçam já treinadas quanto ao modo adequado de agir socialmente, na companhia de outras pessoas.

O olhar esbugalhado é sinal de estupidez, o olhar fixo é sinal de inércia [...] Não é por acaso que os antigos dizem: os olhos são espelho da alma. [...] Não é muito decoroso oferecer a alguém alguma coisa semimastigada. [...] Não exponha sem necessidade as partes a que a Natureza conferiu pudor.

Não deve haver meleca nas narinas [...]. O camponês enxuga o nariz no boné ou no casaco e o fabricante de salsichas no braço ou no cotovelo. Ninguém demonstra decoro usando a mão e, em seguida, enxugando-a na roupa. É mais decente pegar o catarro em um pano, preferivelmente se afastando dos circunstantes. Se, quando o indivíduo se assoa com dois dedos, alguma coisa cai no chão, ele deve pisá-la imediatamente com o pé. O mesmo se aplica ao escarro [...].

ROTTERDAM, Erasmo de. A civilidade pueril, 1530.

Outras recomendações, que hoje também soam engraçadas, aparecem no decorrer da obra: como se sentar à mesa, como usar corretamente os talheres em vez das mãos para pegar a comida, como controlar os gestos de cuspir ou “soltar ventos” (os meninos devem “reter os ventos comprimindo a barriga”). Há muito mais ainda: diz o autor que, antes de beber na caneca que outra pessoa passa, deve-se enxugar a boca; deve-se evitar passar para alguém a carne que se está comendo, pois não é gentil oferecer alguma coisa semimastigada: “Mergulhar no molho o pão que mordeu é comportar-se como um camponês e demonstra pouca elegância retirar da boca a comida mastigada e recolocá-la na quadra. [...]”.

Norbert Elias trata o manual de civilidade como um documento, um testemunho de uma época que mostra um grande movimento de mudança. Dizendo o que não deveria ser feito, Erasmo nos expõe costumes e valores de sua sociedade. Indicando como as crianças deveriam ser educadas, revela o ideal de uma sociedade que teria de ser construída em moldes distintos dos até então conhecidos. Com Elias, portanto, percebemos na obra de Erasmo um duplo interesse sociológico: aprendemos o que é o presente in desejado e o futuro desejado, o que é a sociedade tradicional e a nova sociedade a ser construída sobre novas bases de relacionamento.

Erasmo de Rotterdam



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