parte, coisa do interesse dos partidos, dos amigos – respondeu o
escrivão, tomando a sério o que dizia Maciel.
– Eis o que nos prejudica – replicou Brederodes; – é essa mania
eleitoral: por causa de partidos deixa-se naufragar o País.
– E até se aproveitam dos votos do estrangeiro – acrescentou Paulo
Maciel. – Porque esses alemães não serão nunca brasileiros, e são os
melhores eleitores aqui do Capitão Pantoja.
O escrivão ficou embaraçado no seu duplo sentimento de chefe de
partido na localidade e de nativista.
– Mas esses alemães não fazem nada. São muito respeitadores e
mansos... Um rebanho de carneiros... por esses respondo eu.
Brederodes deu uma risada, escarnecendo:
– Está aí o perigo. Os alemães são uns velhacos, metem-se em nossa
casa muito quietinhos, obedientes, nós nos aproveitamos deles, do
seu número, do seu dinheiro, e eles vão na sombra engrossando, até
um dia se despejarem sobre nós e avassalarem o País. Capitão, deixe
de conversa, fogo no estrangeiro, nativista sempre. À bala!
Paulo Maciel parecia desinteressar-se da discussão e, descuidado,
foi-se afastando na direção da casa, tirando de passagem folhas das
laranjeiras que ia aspirando, nervoso. Os companheiros o seguiam,
empenhados no assunto. Maciel pensava:
“É o debate diário da vida brasileira... Ser ou não ser uma nação...
Momento doloroso em que se joga o destino de um povo... Ai dos
fracos!... Que podemos fazer para resistir aos lobos? Com a bondade
ingênita da raça, a nativa fraqueza, a descuidada inércia, como nos
oporemos a que eles venham?... Tudo vai acabar e se transformar.
158
Pobre Brasil!... Foi uma tentativa falha de nacionalidade. Paciência...
E que nos adiantam os Estados Unidos? Será sempre um senhor.
Todo este continente está destinado ao pasto das feras... Sul
América... Ridículo... Mas não haverá uma salvação, não haverá um
deus ou uma força que paralise o raio armado contra nós?... Enfim,
vá lá... Mea culpa, e está acabado... Temos o que merecemos... Daí,
pode ser que seja melhor... A Terra prosperará... Melhor
administração... mais polícia... e é só... Vale a pena? E o mundo é só
isso? Vale a pena viver para ter mais polícia? E a língua? a raça...
esta associação... degradada se quiserem... mesquinha... sim, fraca,
quase a esfacelar-se... mas amorável, boa e amada, apesar de tudo,
porque é nossa, nossa... Oh! muito nossa...”
Caminhando, assim chegaram à casa, onde eram esperados para
jantar. Puseram-se à mesa, e o meirinho, já de volta das intimações,
ajudava o serviço. Saindo do seu esconderijo, Maria rodava pela
sala, sempre perseguida pelos homens. A pobre, porém, parecia fria
e indiferente às frases atrevidas, imorais, com que a cobriam os
sujeitos da Justiça. Acabado o jantar, estes puseram as cadeiras do
lado da casa e entretiveram-se a conversar pela noite adentro,
enquanto as estrelas se vinham abrindo numerosas e infinitas.
O juiz de direito não desanimava em desmanchar qualquer
impressão sobre a sua falta de patriotismo que porventura ficasse no
espírito de Pantoja, temido pela sua influência política, e voltava ao
assunto.
– O meu nacionalismo, capitão, é antigo. Desde a Academia fui um
exaltado em questões de patriotismo. Ah! nunca transigi.
– Mas isso foi noutro tempo, creio que hoje... – ia interrompendo
Maciel por brincadeira.
– Hoje, com a idade – respondeu empenhado Itapecuru pondo o
monóculo –, redobrou o meu nativismo. Não dou tréguas ao
estrangeiro. Aqui para nós, sou até jacobino.
159
– Mas divertiu-se bem na Europa, e com certeza, se pudesse, não
sairia de lá –, objetou Maciel.
– Nunca abandonaria minha Pátria. Não nego que a Europa tenha
alguma coisa de bom. Aqueles que, como o senhor, sentem desgosto
de ser brasileiros devem dar uma vista d’olhos ao velho mundo. É
salutar, creia. Os meus sentimentos nacionais, confesso, estavam
enfraquecendo, mas, vendo a decadência da Europa, tive orgulho
deste Brasil e voltei ao meu furor. Não é debalde que me chamo
Itapecuru. É a marca nativista que trago da Academia...
– Como assim? – inquiriu Brederodes.
– Quando Gonçalves Dias e Alencar deram o grito de alarma pelo
Brasil, pelo caboclo, nós, estudantes, respondemos ao nosso modo...
Eu me chamava Manoel Antônio de Sousa. E só. Sousa cheirava a
galego. Acrescentei Itapecuru. Manoel Antônio de Sousa Itapecuru...
Foi um movimento geral. Cada um tomou um nome indígena, e daí
os Tupinambás, os Itabaianas, os Gurupis.
Quando mais tarde a palestra esmoreceu, o juiz de direito disse aos
companheiros:
– Meus senhores, que propõem para matar o tempo? Vamos a uma
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