Sam bourne o código dos justos


DEZESSETE SEXTA-FEIRA, 21H22, CROWN HEIGHTS, BROOKLYN



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DEZESSETE
SEXTA-FEIRA, 21H22, CROWN HEIGHTS, BROOKLYN
Ele não teve muito tempo para se sentir confuso. Depois que o rabino falou, talvez se tenha passado uma única fração de segundo antes de sentir as costas empurradas para a frente, fazendo-o dobrar-se pela cintura. Os braços agora estavam sendo agarrados como alavancas, empurravam-lhe a cabeça e os ombros para baixo e para a frente.

Sentiu primeiro o nariz se enchendo de água; depois o couro cabe­ludo, quando então se encolheu de frio. A garganta gorgolejou e o as­fixiou, ele sufocava e arquejava ao mesmo tempo.

A cabeça e o pescoço haviam acabado de ser submergidas em água fria congelante, a venda ainda não tinha sido removida. Ele sentiu o pei­to contrair-se com o choque, o coração disparando. À força e no escuro, portanto, sem aviso, fora enfiado naquele líquido gelado. Ficou ali por cinco ou dez segundos, os ombros seguros para impedi-lo de erguer-se em busca de ar; tempo suficiente para que as narinas se enchessem e a água viajasse pelos sínus até o cérebro. Seria essa a sensação de asfixia?

Quando pôde, sorveu o ar, enquanto ainda tossia e vomitava. Mas então as mãos empurraram-no mais uma vez, e ele ficou mais uma vez debaixo da água.

Agora era a temperatura. Seus olhos pareciam contrair-se nas órbi­tas, encolhendo de frio; ele teve certeza de que ouvia todo o seu orga­nismo: veias, artérias e vasos sangüíneos gritando com o trauma da repentina e radical mudança de temperatura.

O que era aquilo? Um vaso? Um latão cheio de gelo? A margem de um rio? Um banheiro? A venda encharcou-se, mas não afrouxou; ao con­trário, parecia agora estar soldada em suas pálpebras, selada pelo gelo.

— Agora, Tom — dizia a voz, o timbre distorcido pela água gela­da nos ouvidos. — Vamos começar a conversar francamente?

Como resposta, Will cuspiu um bocado de água, esvaziando-se para o seguinte e inevitável mergulho.

— Creio que esta é sua segunda vez no mikve hoje. Você está se tor­nando um verdadeiro frummie, um ortodoxo ao extremo, não, Tom? E tenho certeza de que Shimon Shmuel lhe explicou o propósito, o signi­ficado do mikve. Este é um lugar de purificação, um lugar de santificação. Entramos cobertos dos pecados da nossa vida cotidiana e saímos tahoor, puros. E nesse estado ficamos imaculados, livres de quaisquer pecados, sejam mentiras ou enganos. Está me entendendo, Tom?

Will agora tremia. Com a camisa encharcada, sentia os minúsculos regatos de líquido frio escorrendo pelas costas e pelo peito. Ia começar a bater os dentes.

— O que estou dizendo é que agora insisto na verdade. E se dois ou três mergulhos nesse mikve externo, com puríssima água de chuva, não encontrarem a verdade em você, talvez quatro, cinco, seis ou sete submersões o façam. Somos pacientes. Continuaremos a mergulhar você nessa água até nos tratar sem rodeios e francamente. Entende?

Deve ter havido um comando silencioso, porque a cabeça de Will foi mergulhada novamente. O frio agora entranhava-se por debaixo da pele até os ossos, que também pareciam contrair-se, como se pudes­sem esconder-se do frio ficando menores.

— Para quem trabalha, Tom? Quem o mandou aqui?


  • Sou jornalista — foi apenas o que conseguiu responder Will, numa voz que ele mal reconhecia, queixosa de frio.

  • Você já disse isso, mas quem o quer aqui? Por que está aqui?

  • Eu já disse a vocês.

E para o fundo lá se foi novamente, desta vez de modo que toda a parte superior do corpo ficou submersa. Sentiu a água encharcando-lhe a cintura, invadindo a calça e espalhando uma umidade gelada por sua virilha.

Não tinha a menor idéia do que dizer. Queria desesperadamente que aquilo terminasse, mas o que podia fazer? Se dissesse a verdade, poria em perigo a si mesmo e a Beth. Os seqüestradores haviam sido claros: nenhum envolvimento com a polícia. Isso certamente incluía missões de resgate. Aquelas pessoas eram sérias, violentas, e ele esta­ria admitindo que desafiara suas instruções. Também assumiria que na verdade estivera mentindo. Quanto a Beth, haviam-na seqüestrado com algum objetivo — não conseguia compreender qual, mas de uma coisa ele sabia: sua presença ali não fazia parte do plano. Se já não houves­sem causado grande dano a ela, a presença dele ali praticamente ga­rantiria isso.

Mas continuar insistindo em que era Tom Mitchell parecia fora de questão. Não lhes podia dar mais nenhuma informação porque não havia mais; Mitchell era uma ficção. Nisso os instintos do rabino estavam certos. Mesmo que tivesse força suficiente para resistir a tudo, acabaria se dando mal, porque sua história se desmantelaria: não tinha nenhuma consistên­cia. Eram esses os seus pensamentos quando o peso em suas mãos e om­bros retornou mais uma vez, mergulhando o corpo fundo na água fria.


  • Basta — disse Will. — Chega.

  • Talvez eu precise explicar um pouco sobre o judaísmo — disse a voz, quando afinal o deixaram erguer-se para respirar.

Ele mal conseguiu entender as palavras, tão alta foi a explosão provocada por seus próprios pulmões ao tentar absorver o oxigênio.

— O judaísmo adota a mais dura visão possível do assassinato. "Não matarás" é o sexto mandamento. Significa que jamais se permite assassinato.

Houve uma longa pausa, como se o rabino esperasse uma reação de Will. Ele não podia, ainda ofegava tremendamente.

— Não sei se conhece um dos nossos mais famosos ensinamentos, Sr. Mitchell. "Salvar uma vida é salvar o mundo todo." Isso mesmo, o mundo todo. Veja como a vida é importante para HaShem. Em cada pessoa está contido o mundo todo. Porque somos todos criados à ima­gem de Deus. Este é o sentido por trás da expressão "santidade da vida", Sr. Mitchell. Hoje virou um clichê. As pessoas simplesmente a repetem sem pensar. Mas o que significam de fato essas palavras? — A voz tinha a mesma musicalidade que ele ouvira antes, na sinagoga. Aquele ritmo monótono, alternadamente perguntando e respondendo, tudo num úni­co monólogo. —Significam que a vida é sagrada, porque é parte do divi­no. Matar um ser humano é matar uma parte do Todo-Poderoso. Por isso somos proibidos de matar. Exceto nas mais excepcionais circunstâncias.

Will sentiu o frio entranhar na carne.

— A autodefesa é o exemplo mais óbvio, mas não é o único. Veja, no judaísmo temos um belo conceito chamado de pikuach nefesh. Refe­re-se à salvação de uma alma. Ora, não existe dever mais sagrado que o pikuach nefesh: quase tudo é permitido, se for para salvar uma alma. Aos rabinos perguntam muitas vezes: "Pode um judeu comer carne de porco?" A resposta é sim! Claro que pode! Se está numa ilha deserta e o único meio de sobreviver é matar um porco e comê-lo, não apenas é permitido ao judeu fazer isso, como ele tem de fazer! Tem de fazer. É um mandamento religioso: ele precisa salvar sua própria vida. Pikuach nefesh.

"Pensemos num caso mais difícil.

O homem falava como se aquilo fosse uma aula no Balliot College, uma aula individual em que Will era o seu pupilo. O fato de ele estar ajoelhado, as mãos amarradas, o corpo encharcado e gelado mal alte­rava seu ritmo.

— Teríamos permissão para matar se isso salvasse uma vida? Não. As regras do pikuach nefesh proíbem assassinato, idolatria e imorali­dade sexual até para salvar uma vida. Se alguém mandar você come­ter um assassinato só para salvar sua pele, não pode fazer isso. Mas digamos que um assassino conhecido esteja solto. E vá matar uma fa­mília de inocentes. Sabemos que se o matarmos, a vida deles será sal­va. É certo matar nessa situação? Sim, porque esse homem é o que chamamos de rodef, um perseguidor. Se não há outro meio de detê-lo, ele pode ser morto.

"Mas vamos aumentar o dilema. E se o homem que estamos discu­tindo não for necessariamente um assassino, mas se permanecer vivo, de um jeito ou de outro, pessoas inocentes vão morrer? Podemos ma­tar tal homem? Podemos ou não?

"Este é o tipo de pergunta que nossos sábios discutem incansavel­mente. Às vezes nossos debates talmúdicos podem parecer obcecados e cheios de detalhes, até trivialidades: quantos metros cúbicos deve ter um forno, esse tipo de coisa. Mas o âmago de nosso estudo é reservado para o que se chamaria de dilemas éticos. Pensei neste em particular com grande profundidade. E cheguei à conclusão de que, com justiça, acho que devia revelar ao senhor. Creio que é permissível infligir dor e até matar um homem que talvez não seja um assassino, mas cujo sofri­mento ou morte salvaria vidas. Acho que não há outro meio de enten­der nossas fontes. É isso que elas nos dizem.

"Para chegarmos ao que interessa, Sr. Mitchell, se eu concluir que o senhor é, de fato, um rodef, e que acabar com a sua vida salvaria ou­tras, não hesitaria nem um pouco. Talvez o senhor precise de um mo­mento para refletir sobre isso.

A pressão veio um instante depois, como se, mais uma vez, o rabi­no desse seu comando silencioso. O frio penetrou fundo, ainda de ma­neira chocante. Will contava, para agüentar até o fim. Em geral, era er­guido após 15 segundos. Desta vez chegou a 16, 17, 18.

Flexionou os ombros, para dar aos torturadores um sinal de que era hora de deixá-lo respirar. Eles pressionaram com mais força. Will co­meçou a lutar. Vinte, 21, 22.

Era esse o sentido do sermão do rabino? Não se tratava de uma coi­sa abstrata nem complexa, apesar da elaborada explicação, mas, ao con­trário, muito simples: agora nós vamos matá-lo.

Trinta, 31,32. As pernas de Will respondiam com chutes, como se per­tencessem a outra pessoa. O corpo estava em pânico, disparado num re­flexo de sobrevivência. Não mostravam sempre nos filmes, quando o assassino sufocava a vítima com um travesseiro ou apertava alguma coisa em volta de seu pescoço, as pernas movendo-se numa dança involuntária?

Quarenta, 41. Ou era cinqüenta? Will perdera a conta. Sua cabeça parecia inundada por uma cor nublada, como os desenhos que vemos sob as pálpebras pouco antes de cair no sono. Queria chorar pela mu­lher que ia deixar para trás e perguntava-se se era possível chorar de­baixo d'água. O próprio pensamento desvaneceu-se.

Afinal, soltaram-no, mas ele não emergiu da água ofegando com a energia de antes. Os homens tiveram então de tirá-lo, deixando-o de­sabar no chão. Ali ficou estendido, o peito subindo e descendo rápido, em descompasso com o resto do corpo. Ouvia uma respiração distante e não tinha certeza se era a sua.

Aos poucos, sentiu os ouvidos destamparem-se e a força retornar-lhe aos braços e às pernas. Continuou caído ao chão, incapaz de levan­tar-se. Se o quisessem sentado e atento, teriam eles mesmos de erguê-lo.

Deitado, detectou algo diferente, outra pessoa no grupo em volta. Percebeu nova atividade, trocas de sussurros. O novo integrante da tur­ma parecia respirar forte, como se tivesse chegado correndo. Ele ouvia o rabino, embora este parecesse distraído, sua voz dirigida para baixo, como se olhasse para alguma coisa, lendo-a.

— Sr. Mitchell, Moshe Menachem, que estava conosco alguns mo­mentos atrás, acabou de concluir uma incumbência. — Barba-ruiva. — Ele foi até a casa de Shimon Shmuel. Voltou com uma carteira. A sua carteira.

Haviam vasculhado sua bolsa; agora seria certamente o seu fim. A carteira o denunciaria. Que tinha ali? Nenhum cartão de visita; ele não era quase ninguém na cadeia hierárquica do Times para ter um. Tam­pouco cartões de crédito; guardava-os numa carteira separada, fecha­da com zíper num compartimento da bolsa. Deixara-os lá, calculando que, embora Sara Leah não resistisse a dar uma espiada em seus per­tences, hesitaria em fazer uma investigação completa.

Que mais ele tinha? Toneladas de recibos de táxi. Será que alguma coisa com seu nome? Guardara num envelope separado todas as contas de hotel e recibos de cartão de crédito de quando estivera no Noroeste, para o reembolso posterior das despesas. Talvez estivesse tudo bem. Talvez se livrasse.

— Tirem a venda. Desamarrem as mãos dele. Levem-no de volta para o Bet HaMidrash.

Will sentiu a desordem em sua glândula supra-renal: seria um si­nal para produzir ainda mais adrenalina, pronta para a provação que ainda estava por vir ou, afinal, de que o perigo diminuía? Era uma boa ou uma má notícia?

Ele sentiu mãos mexerem-lhe na nuca e depois um aumento de luz, quando retiraram a venda encharcada que lhe cobria os olhos. Instinti­vamente, sacudiu as gotas de água ao abrir os olhos. Estava ao ar livre, numa pequena área circundada por uma cerca de madeira — o tipo de espaço que os grandes prédios destinam para depositar o lixo. Viam-se alguns canos e, a seus pés, um reflexo de água. Ele mal teve chance de olhar, os dois homens que o seguravam já o levavam para longe dali. Mas imaginou que fosse o espaço para algum tipo de tanque de abas­tecimento externo, uma grande cuba usada para coletar água da chuva.

Conduziram-no então por uma porta, de volta ao interior, embo­ra alguma coisa lhe dissesse que não era o caminho por onde haviam saído. Em primeiro lugar, parecia mais silencioso. Will imaginou que fosse um prédio separado, talvez uma casa anexa à sinagoga.

O interior não parecia diferente: o mesmo piso simples e as várias salas de aula e escritórios. Acompanhado por Barba-ruiva, ou Moshe Menachem, e o israelense, um de cada lado, dirigiram-se para um des­ses cômodos, e Will ouviu a porta fechar-se atrás deles.

— Vamos sentá-lo. Dê uma toalha para ele. E arranje uma camisa seca.

A voz do rabino; ainda atrás dele. Embora a venda tivesse sido re­tirada, Will sabia nitidamente que não veria nada.



  • Muito bem, vamos começar mais uma vez. Will preparou-se.

  • Precisamos ter uma conversa, Sr. Monroe.



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