Silvia Maria de Araújo · Maria Aparecida Bridi · Benilde Lenzi Motim


O jovem no Brasil: movimentos e discriminação



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O jovem no Brasil: movimentos e discriminação

LEGENDA: A chamada "Passeata dos Cem Mil", realizada em junho de 1968,

no Rio de Janeiro (RJ), sob a liderança de estudantes, contou com a presença

de   personalidades   públicas,   intelectuais   e   artistas.   A   manifestação   se

posicionava contra as ações do governo militar e a repressão da época.

FONTE: Arquivo/Agência O Globo

Os  movimentos  estudantis  de  maio  de 1968,   na  França,   a  necessidade  de

resistir à ditadura militar e a atividade de outros movimentos sociais na América

Latina inspiraram setores da juventude brasileira - principalmente nos grandes



centros   urbanos   -   a   se   engajar   politicamente.   Muitos   atuaram   em

manifestações e greves e, em alguns casos, aderiram à luta armada.

A ideia de "juventude" nessa época, reforçada pela historiografia e pelos meios

de comunicação de massa, se ligava aos jovens da classe média. Os jovens

que participavam do movimento operário, por exemplo, não eram reconhecidos

como   uma   categoria   específica   em   termos   geracionais,   mas   incluídos   na

categoria "operários". Assim narram alguns historiadores:

A participação dos jovens universitários da classe média na década de 1960 foi

fundamental.   Fora   dos   teatros,   onde   ocorriam   os   festivais,   a   mobilização

estudantil   era   intensa.   Assim,   ao   lado   dos   "rebeldes   sem   causa"   dos   anos

1950, pintaram os "rebeldes com causas", ansiosos por participar da política,

por fazer uma revolução no Brasil, em mexer com as velhas estruturas que

sustentavam (e sustentam) os grupos que controlam o Poder.

MACEDO, José Rivair; OLIVEIRA, Mariley W. Uma história em construção. São

Paulo: Editora do Brasil, 1996. p. 175.

Com a mudança da conjuntura política na transição dos anos 1960 para os

1970, época marcada pela intensa e violenta repressão, as formas de luta se

modificaram   e   as   grandes   mobilizações   passaram   a   ser   menos   frequentes.

Somente no período democrático, no início dos anos 1990, os jovens voltaram

a ser identificados como principais protagonistas de uma grande mobilização: a

dos   estudantes   apelidados   "caras-pintadas",   incentivados   pelos   meios   de

comunicação  de  massa e  pela  União  Nacional  dos Estudantes  (UNE)  a se

mobilizar pelo impeachment do presidente do país, Fernando Collor de Mello. A

UNE, fundada oficialmente em 1938, representa a organização dos estudantes

universitários do Brasil e participou ativamente de diversos movimentos pela

democracia e por direitos sociais.



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Outros segmentos jovens se mobilizaram, e ainda o fazem, ao longo da história

do  Brasil. Nas periferias das cidades, a juventude se expressa  de diversas

formas: ocupa novos espaços, difunde suas manifestações a outros setores da

sociedade   e   expressa   valores   sociais   e   atitudes   de   não   adesão   à   cultura

dominante. Alguns exemplos dessas ações são os bailes funk e os de hip-hop




nas periferias do Rio de Janeiro e de São Paulo e os de tecnobrega em Belém,

cada vez mais presentes em outros espaços.

No   entanto,   os   jovens   de   menor   renda,   especialmente   os   que   vivem   nas

periferias das grandes cidades e são negros ou pardos, costumam ser vítimas

da estigmatização. Ou seja, a violência e as adversidades presentes nos meios

em que esses jovens vivem acabam sendo incorporadas às representações

que a sociedade constrói a respeito deles e de suas formas de sociabilidade e

lazer, como exposto nesta análise:

LEGENDA: Ato público dos caras-pintadas em Porto Alegre (RS) em agosto de

1992,   pedindo   o   impeachment   do   presidente   Collor.   A   mobilização   da

juventude teve grande repercussão pela pressão social que exerceu.

FONTE: Carlos Rodrigues/Agência Estado



A violência caminha pelas ruas, avenidas, residências e pelos becos e bairros

do   Rio;   não   é   assunto   exclusivo   dos   pobres.   No   entanto,   destaca-se   a

manipulação   enviesada   da   representação   da   violência   como   se   esta   fosse

terreno exclusivo dos favelados. As ações dos grupos proscritos tendem a ser

unilateralizadas,   estigmatizadas,   estereotipadas  [...].   Nessa   lógica,   falar   de

jovens funkeiros é falar de violência, de perigo, de assaltos, de arrastão, de

morte.

ARCE, José. Vida de barro duro: cultura popular e grafite. Rio de Janeiro: Ed.

da UFRJ, 1999. p. 96.

Essa   imagem   caricatural   se   difunde,   entre   outras   razões,   porque   amplos

segmentos   da   população   jovem   vivem   em   condições   que   limitam   suas

expectativas de vida. As estatísticas revelam o grande volume de casos de

mortes violentas e prematuras, antes concentradas nas periferias das grandes

cidades, mas cada vez mais presentes em cidades pequenas e médias. Elas

se   relacionam   a   problemas   que   afetam   diretamente   os   jovens:   falta   de

oportunidades para permanecer na escola, dificuldade em obter emprego no

mercado   formal,   entre   outros.   Segundo   o  Mapa   da   Violência   de   2015,

organizado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz (1941-), a cada grupo de mil

jovens   brasileiros,   47,6   foram   mortos   por   armas   de   fogo   em   2012   -   índice



comparável   ao   de   países   em   guerra.   Chamam   a   atenção   a   alta   taxa   de

homicídio de jovens negros e de suicídio entre jovens indígenas.

LEGENDA: Charge do artista Junião.

FONTE: Junião/Acervo do artista



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Alguns   dos   graves   problemas   que   afetam   parcela   significativa   dos   jovens

brasileiros são: o aliciamento e a coerção para o trabalho infantil, inclusive em

atividades   insalubres   e   em   redes   organizadas   de   prostituição   e   tráfico   de

drogas; a evasão escolar; a violência doméstica; a falta de conhecimento e

orientação acerca do corpo e da sexualidade, que resulta em gravidez precoce

e   contaminação   por   doenças   sexualmente   transmissíveis;   a   assistência

precária   à   saúde;   as   poucas   oportunidades   de   emprego   e   de   formação

adequadas; o contato com as drogas; e o abuso de autoridade e da força por

parte   de   policiais,   que   muitas   vezes   resultam   em   mortes   disfarçadas   nos

registros oficiais como "autos de resistência".

A elasticidade da concepção de condição juvenil na realidade brasileira fica

clara quando é possível associá-la a situações de preconceito. Essas levam a

comportamentos de discriminação ou exclusão em razão da não aceitação do

diferente, seja em relação à maioria, seja em relação ao padrão dominante.

No   Brasil,   e   pelo   mundo   afora,   existem   hoje   jovens   que   são   vistos   com

preconceito por morarem em áreas pobres classificadas como violentas. Com

diversos   nomes,   topografias   e   histórias,   as   periferias   são,   via   de   regra,

marcadas pela presença das armas de fogo. São elas que sustentam tanto a

tirania   do   narcotráfico   quanto   a   truculência   policial.   A   resposta   à   pergunta

"onde você mora?" pode ser decisiva na trajetória de vida de um jovem. A

"discriminação por endereço" restringe o acesso à educação, ao trabalho e ao

lazer dos jovens que vivem nas favelas e comunidades caracterizadas pela

precária presença (ou ausência) do poder público. Além disso, a vivência da

condição   juvenil   é   também   diferenciada   em   função   de   desigualdades   de

gênero, de preconceitos e discriminações que atingem as diversas etnias. Mas

isso ainda não é tudo. Os jovens de hoje também se diferenciam em termos de

orientação   sexual,   gosto   musical,   pertencimentos   associativos,   religiosos,



políticos, de galeras, de turmas, de grupos e de torcidas organizadas. Esses

demarcadores de identidades podem aproximar jovens socialmente separados

ou separar jovens socialmente próximos.

NOVAES,   Regina.   Juventude   e   sociedade:   jogos   de   espelhos.  Sociologia



Especial Ciência & Vida, ano I, n. 2, 2007, p. 8.

A desigualdade social marca também as condições de vida da juventude.

Glossário:


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