60 Obra: dicionário de sociologia autor: raymond boudon e outros



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Desigualdades sociais: É desigual toda a repartição de um recurso que não é uniforme. A repartição do rendimento é desigual na medida em que um ou vários indivíduos têm uma parte maior que os outros. A desigualdade é uma diferença que os indivíduos e grupos sociais julgam segundo escalas de valor. Um Negro e um Branco diferem pela pigmentação da sua pele. Esta diferença natural não implica qualquer desigualdade. No entanto, em numerosas sociedades cada um deles goza de um estatuto diferente ao qual estão ligadas vantagens e desvantagens. As desigualdades são pois, essencialmente, sociais e estão ligadas à existência de estratificações económica, política, de prestígio, etc.

Para examinar as condições em que a desigualdade por exemplo de rendimento aumenta, diminui ou permanece estável, é necessário analisar a forma de repartição do recurso em questão. Definem-se em geral duas medidas de desigualdade. A medida absoluta é igual à diferença entre o rendimento do indivíduo A (10 mil F) e o do indivíduo B (12 mil F). A medida absoluta é a mesma se A tem um rendimento de 1000 F e B um rendimento de 3000 F. Ora, é claro que esta medida não traduz correctamente a desigualdade entre os dois casos. É portanto necessário introduzir o conceito de medida relativa. No primeiro caso, B tem um salário superior em 20 por cento ao de A; no segundo, B tem um rendimento superior em 200 por cento. Os trabalhos sobre a evolução das desigualdades de certos recursos, tais como o rendimento ou o nível de instrução, estabeleceram a existência de uma tendência para a redução das desigualdades, como o predizia Tocqueville, com tempos fortes e fracos, no entanto, e diferenças consoante o tipo de recurso. Mostrou-se assim que, desde há um meio século, a desigualdade das hipóteses escolares baixou muito mais fortemente que a desigualdade dos rendimentos. Alguns propuseram explicações dessas reduções, na sua mudança respectiva, construindo modelos que combinam variáveis ligadas aos projectos individuais, aos constrangimentos do mercado e a mecanismos institucionais (por exemplo, natureza e forma da redistribuição). Quanto ao problema da origem das desigualdades, recebeu várias respostas contraditórias: além do fundamento natural, em Aristóteles, por exemplo, que se relaciona com um discurso pré-sociológico, J.-J. Rousseau e Marx viram na propriedade a origem da desigualdade; para É. Durkheim, é a divisão do trabalho; para T. Parsons, a desigualdade é um princípio necessário à manutenção de toda a estrutura social.

M. C.

- Blau (1977), Boudon (1973), Durkheim (1893), Girod (1984), Tocqueville (1856).


Desorganização: As noções de desorganização social e de desorganização pessoal foram popularizadas pelo célebre estudo de W. I. Thomas e F. W. Znaniecki sobre o camponês polaco na Europa e nos Estados Unidos da América (1918-1921). A primeira é nele definida como a perda de influência das regras sociais de conduta existentes sobre os membros do grupo; a segunda é a incapacidade para o indivíduo de construir um projecto de vida: na ausência de regras estáveis e interiorizadas, o indivíduo fica desorientado e "desmoralizado". A desorganização social é posta em evidência na sociedade camponesa polaca; tem a sua origem no desenvolvimento de atitudes individualistas e hedonistas que resultam dos contactos com o exterior, nomeadamente pelas migrações sazonais na Alemanha. A desorganização pessoal é estudada nos imigrantes polacos nos Estados Unidos. Traduz-se nos adultos, transplantados e privados das suas antigas regras de conduta, por comportamentos violentos, pela dependência económica, pela instabilidade profissional e conjugal; nas crianças, amorais na ausência de todas as regras sancionadas, pela delinquência e pela vagabundagem. Na sequência deste estudo, a desorganização social tornou-se um tema de pesquisa importante na sociologia americana, nomeadamente em Chicago, ao mesmo tempo que uma noção rubrica que recobre fenómenos tais como a delinquência, o suicídio, o divórcio, a mobilidade residencial.

PH. BD.
Despotismo oriental: A noção de despotismo oriental passou por três etapas. Nas narrativas de viagem de J.-B. Tavernier e nos escritos de Montesquieu, designa os regimes políticos dos impérios médio-orientais e orientais, vistos como autocracias arbitrárias, cruéis, faustosas, ruinosas para os seus povos. São opostos aos regimes aristocráticos da Europa, temperados, humanizados e prósperos. Na visão evolucionista da história desenvolvida por Marx e seus epígonos, a expressão designa todas as experiências imperiais, marcadas acima de tudo pelo monopólio público dos meios de produção, que não entravam no esquema rígido da sucessão ordenada do comunismo primitivo, do escravismo, do feudalismo, do capitalismo, do socialismo, do comunismo. Porém, mais recentemente, tentou-se reutilizar a noção, para aplicá-la simultaneamente aos impérios tradicionais e aos totalitarismos contemporâneos.

Estas três acepções devem ser igualmente rejeitadas: os totalitarismos não se parecem de todo com os regimes imperiais; estes não são despotismos sanguinários e aberrantes; os impérios permitiram o desenvolvimento de altas civilizações e de economias que suportam a comparação com as da Europa antes do séc. XIX. "Despotismo oriental" é uma expressão infeliz sob todos os aspectos, que é melhor abandonar.

J. B.


- Tavernier (1676), Wittfogel (1957).
Desvio: Transgressão, identificada como tal e portanto sancionada, das normas em vigor num dado sistema social.

A palavra é de uso recente. Aparece na sociologia americana no fim dos anos 50, substituindo-se a outras noções rubricas tais como desorganização ou patologia social. O seu rápido êxito deve-se ao facto de a noção que recobre ser muito mais extensiva que as de delinquência ou de criminalidade. A sanção social não se limita às sanções penais ou legais; pode tratar-se de uma simples reprovação. A noção de desvio permite também reagrupar todas as espécies de comportamentos, grande número dos quais não são tidos comummente como delituosos. Vê-se isso nas tipologias do desvio propostas por R. K. Merton (1949) ou T. Parson (1951), que prevêem, ao lado dos comportamentos "inovadores", caracterizados pelo uso de meios ilícitos, o ritualismo (hiperconformismo passivo segundo Parsons), o recuo (alienação passiva) ou a rebelião (alienação activa).

A noção sociológica de desvio não é uma categoria estatística. Não se aplica às condutas ou aos indivíduos que se afastam, mesmo nitidamente, da média. Para que haja desvio, é preciso que haja uma norma de grupo e não uma simples opinião maioritária.

As teorias sociológicas do desvio podem ser reagrupadas em três correntes principais: as teorias da regulação social, as teorias da contradição social e as teorias culturais.

A primeira perspectiva, a mais tradicional, funda-se na oposição entre os desejos ou as pulsões individuais e os constrangimentos impostos pela pertença a um grupo social. O desvio resulta do falhanço da sociedade em conter e regular as paixões humanas. Produz-se quando os laços do indivíduo com a ordem social são rompidos. As teorias da contradição social rejeitam a ideia de que a motivação para o desvio está inscrita na natureza humana e vêem nela, pelo contrário, um produto da sociedade. Os homens seriam conformistas se não fossem empurrados para o desvio pela pressão de desejos legítimos, encorajados ou mesmo prescritos pela sociedade, mas não satisfeitos em virtude da falta de meios para realizá-los. Nesta perspectiva, ilustrada nomeadamente por Metron, o vício é o produto da virtude. As teorias culturais, por seu turno, põem em causa o postulado da uniformidade das normas no seio de uma sociedade. A interiorização das normas do seu grupo pode pôr o indivíduo em conflito com as normas dominantes ou legais da sociedade. O desvio, neste sentido, é o fruto de uma aprendizagem cultural, tão moral como toda a aprendizagem social. Podem ligar-se a esta terceira corrente as teorias interaccionistas do desvio, ditas teorias da reacção social ou da marcação (labeling). Sublinham elas que o desvio não é uma propriedade característica do acto de uma pessoa mas antes a consequência das reacções dos outros a esse acto. Como escreve H. Becker (1963), o desviado é aquele a quem a etiqueta de desviado foi aplicada com sucesso. O desvio é uma categoria construída num processo de interacção colectiva que implica aqueles que acabarão por ser etiquetados como desviados, os que os rodeiam, os que fazem respeitar as normas, os que querem impor novas normas. Esta perspectiva, dominante na sociologia do desvio no fim dos anos 60, contribuiu para uma reorientação da pesquisa sobre a delinquência. Verificou-se um afastamento da etiologia social da delinquência para estudar os agentes e os mecanismos do controlo social.

PH. BD.


- Besnard (1987), Cohen (1966).
Diferenciação social: A diferenciação é um dos elementos da estratificação social. É o processo pelo qual as posições sociais são definidas e distinguidas umas das outras atribuindo-se a cada uma delas um papel ou um conjunto de papéis específicos.

Nenhuma vida social é possível sem diferenciação mesmo mínima das funções, tais como a reprodução biológica, a socialização das crianças. A diferenciação supõe que sejam conhecidos o responsável da função ou papel, os seus direitos e obrigações. Distingue-se da hierarquização. Esta funda-se numa comparação entre os estatutos já diferenciados e procura repartir os indivíduos entre as diferentes posições segundo as suas aptidões, qualificações, etc. Um papel considerado física ou intelectualmente mais difícil que um outro será, pelo menos teoricamente, atribuído a determinado indivíduo e não a um outro em função desses critérios. Mas a comparação não implica juízo de valor, dependendo este, de facto, de critérios próprios de cada sociedade. A diferenciação é, portanto, um conceito mais geral e mais neutro que a divisão do trabalho, a hierarquização, a estratificação.

M. C.

- Durkheim (1893).


Difusão: Processo pelo qual uma informação, uma opinião, um comportamento, uma prática, uma inovação, um novo produto, uma moda, etc., se propagam numa dada população. Estes processos fascinaram de longa data os sociólogos sem que estes disponham sempre dos materiais necessários para desvendar os seus mecanismos.

O que pode dar uma certa ideia é o andamento da curva da difusão, mais precisamente a curva da distribuição no tempo das proporções acumuladas de pessoas atingidas pela informação ou pela inovação consideradas. Se a via real da influência é a relação directa entre um emissor (os media) e os indivíduos tomados isoladamente, essa curva aparentar-se-á a um arco: sendo, num dado momento, o aumento das conversões proporcional ao número de pessoas ainda não atingidas, a velocidade do processo, forte de início, tende a diminuir. Se, pelo contrário, o fenómeno se propaga, sobretudo, por contactos interpessoais, teremos uma curva em S, típica de um contágio. O aumento do número de pessoas atingidas é proporcional, ao mesmo tempo, à população dos contaminados e à dos não contaminados.

A difusão, lenta no início, acelera-se até ao momento em que metade da população contaminável é atingida, afrouxando depois. Um estudo de J. Colemann et al. (1966) identificou mais ou menos estes dois tipos de curvas a propósito da adopção de um novo medicamento pelos médicos americanos. Muitas observações e estudos, designadamente sobre inovações agrícolas, encontraram curvas de difusão em S, ou curvas logísticas, características das epidemias. Uma curva deste género permite discriminar facilmente diversas categorias de posições em relação à difusão (inovadores, retardatário, etc.) e fez-se um esforço no sentido de captar as características pessoais e sociais dos inovadores (Rogers, Shoemaker 1971). A curva logística não reveste provavelmente a generalidade que muitas vezes se lhe atribui e pode interpretar-se de diversas maneiras.

Poderia reflectir a importância das relações interpessoais nos processos de comunicação e de influência, quer se trate de decisões de compra ou de intenção de voto, posta em evidência por P. Lazarsfeld e seus colaboradores (Katz, Lazarsfeld 1955). Esta abordagem põe a tónica no fluxo horizontal na difusão da inovação. A novidade é adoptada num mesmo momento por pessoas influentes ou líderes de opinião que pertencem a diversos grupos sociais e que exercem a sua influência no seio do seu grupo. Estes agentes influentes podem ser "cosmopolitas", à espreita das informações, ou "locais", legitimando a inovação (Merton 1949).

Este modelo de difusão horizontal ou segmentada opõe-se - ou sobrepõe-se - ao modelo mais tradicional da difusão vertical ou hierárquica segundo o qual a inovação se espalha em cascata de cima para baixo da pirâmide social (vd. moda). Verifica-se muito geralmente que novos produtos colocados no mercado são adoptados primeiro pelas camadas sociais mais favorecidas e difundem-se verticalmente. O factor rendimento basta para explicar este fenómeno, designadamente quando se trata de bens de equipamento. Entretanto, o estudo de um acto gratuito, a escolha de um nome para o seu filho, que permite eliminar toda a influência do rendimento, mostrou que o modelo hierárquico era, grosso modo, confirmado pela difusão social dos nomes novos ou que entram na moda (Besnard, Desplanques 1986). Este estudo sugere também que o grau de sociabilidade, as ocasiões de contacto com outrem têm um papel motor na difusão da inovação; e não é fácil isolar posição na escala social e grau de sociabilidade a fim de apreciar a parte respectiva do fluxo horizontal e do fluxo vertical, do contágio e da cascata dos sinais de distinção.

PH. BD.


- Cherkaoui (1982), Mendras (1967), Mendras, Forsé (1983).
Difusionismo: A corrente difusionista estuda a distribuição geográfica dos traços culturais postulando uma sucessão de contributos de um grupo para o outro a partir de alguns raros focos de invenção supostamente originários. A atenção é dirigida para a circulação dos traços culturais: itinerários, velocidade e áreas de difusão, modificações sobrevindas, obstáculos e condições favoráveis à difusão.

Esta corrente apareceu no início do séc. XX e é representada por três escolas:

1. inglesa, tendo por chefes de fila W. J. Perry e G. Elliot-Smith, que afirmam a origem egípcia de toda a civilização e a crença numa ascendência solar do soberano;

2. alemã, desenvolvida à volta de F. Graebner e W. Schmidt, que se apoiam na linguística, na arqueologia e na história para identificar complexos culturais em círculos de difusão de certos traços culturais;

3. americana, que reagrupa discípulos de F. Boas: A. Kroeber, E. Sapir, os quais admitem a possibilidade de aparecimento das mesmas invenções nas diferentes culturas, distinguem círculos de difusão concêntrica e sublinham que um traço só aparece depois de certas aquisições técnicas que o tornam possível ("seriação cultural" de Sapir).

Estas teorias subestimam as capacidades inventivas do homem, esquematizam até ao excesso os mecanismos de difusão, menosprezam migrações e desigualdades de ritmos de difusão e têm em pouca conta mecanismos psicológicos da adopção ou da rejeição selectiva de certos traços culturais.

C. R.
DILTHEY (Wilhelm), filósofo alemão (Biebrich 1833 - Seis, Tirol, 1911): Desde a sua primeira formulação (Introdução às Ciências do Espírito, 1883), o projecto de Dilthey visa garantir a autonomia daquilo a que ele chama "ciências do espírito". Por tais disciplinas, ele entende aquelas cujo objecto (a realidade histórica e social) lhe parece excluir que possam desenvolver-se com base no modelo das ciências da natureza.

Contra a ciência positivista de A. Comte, sublinha que nesses domínios o conhecimento não pode consistir numa reprodução do dado: o historiador, por exemplo, reconstrói o passado, organiza-o por referência às perspectivas que são as suas e em função dos valores a que adere. Contudo, as ciências humanas não devem renunciar a toda a forma de objectividade: é-lhes necessário elaborar métodos específicos, adaptados à originalidade do seu objecto. Rejeitando uma simples transposição da postura explicativa praticada pelas ciências da natureza, Dilthey considera que os factos de que trata a sociologia têm como característica principal o serem significantes: independentemente da procura das suas causas, devem dar lugar, portanto, a uma compreensão que liberta o seu sentido. No estádio inicial da sua reflexão, Dilthey concebe a compreensão como um esforço para reencontrar, por detrás dos fenómenos a estudar, a significação que os actores sociais lhes atribuem. O historiador ou o sociólogo devem reviver o que outros viveram: a compreensão suporia uma participação directa, por "simpatia", na vida psíquica de outrem. A sociologia torna-se assim directamente dependente da psicologia como ciência descritiva dos processos psíquicos (Ideias a Respeito de Uma Psicologia Descritiva e Analítica, (1894). Nas suas últimas obras (Edificação do Mundo Histórico das Ciências do Espírito, 1910; Teoria das Concepções do Mundo, 1911), Dilthey tenta estabelecer a sociologia desta submissão à psicologia, tornando ao mesmo tempo a compreensão menos subjectiva. Trata-se não já de coincidir com os actores mas de recolocar os fenómenos considerados em conjuntos mais vastos onde eles encontram a sua significação: compreender o "espírito" de uma reforma jurídica consistirá menos em descobrir os motivos dos seus autores que em construir o contexto histórico, social, cultural de que se apresenta como inseparável.

Ao articular à investigação causal uma interrogação sobre o sentido dos factos sociais, Dilthey inaugura a tradição alemã da "sociologia compreensiva" (M. Weber).

S. M.
Direito (sociologia do): A dificuldade de fornecer uma definição única da sociologia do direito remete para as incertezas desta sociologia especializada confrontada com um objecto que pode ser considerado igualmente como ciência do social. Estas incertezas estão já presentes na história da disciplina. Quando É. Durkheim se empenha em relacionar tipos de direito e formas de solidariedade no seio da sociedade global, desenvolve uma sociologia que faz do direito um indicador privilegiado do conjunto da realidade social (Durkheim 1893). A sua posição de pesquisa assemelha-se a este respeito à de M. Weber, para quem a questão do direito ocupa um lugar estratégico na compreensão das racionalidades políticas das sociedades (Weber 1922c). G. Gurvitch (1940) empenha-se ele próprio nesta via quando associa tipos de sociedades globais a sistemas de direito. Mas a referência ao pensamento de L. Duguit (1889) permite compreender as razões da existência de uma outra concepção da sociologia do direito. Este autor sublinha o interesse de uma "teoria sociológica do direito" que, rompendo com a abordagem dogmática, deve permitir ajustar a produção do direito à realidade social, na medida em que "as leis positivas produzidas pelo legislador devem estar conformes com as leis sociológicas e com o estado social para o qual são feitas". Trata-se da expressão de uma concepção da sociologia do direito ao serviço da produção do direito, como disciplina auxiliar do direito. E uma tradição cuja marca encontramos em H. Lévy-Bruhl (1961), o qual propõe a instituição de uma "jurística", "verdadeira ciência do direito". Ao elogiar os méritos de uma "sociologia legislativa" feita de investigações próprias para informar o legislador, J. Carbonnier (1972), ao mesmo tempo que favorece um desenvolvimento amplo e pluralista da sociologia do direito francesa contemporânea, contribui para inscrever uma parte desta na tradição. Temos pois de aceitar várias definições da sociologia do direito. Proporemos três que não se excluem propriamente umas às outras, mas representam antes maneiras diferentes de encarar um mesmo objecto, ao mesmo tempo que estão marcadas por concepções opostas referentes às relações direito-sociologia: 1. estudo das relações entre os factos sociais e o direito do ponto de vista da sua produção e das suas diferentes formas de implementação; 2. estudo das formas jurídicas, das suas disposições, dos seus usos sociais, das instituições e dos profissionais do direito, como fenómenos sociais particulares; 3. estudo do direito, das práticas das instituições jurídicas e dos profissionais, como elementos entre outros de gestão da ordem social.

Estas definições estão subjacentes à produção da investigação actual que poderia ser repartida da seguinte maneira:

1. uma sociologia aplicada do direito ligada principalmente à análise das relações entre comportamentos sociais e estado do direito, à da influência da mudança socioeconómica ou tecnológica sobre o direito ou sobre as instituições judiciais (problemas de eficácia e de efectividade), à dos modos de liquidação dos conflitos;

2. uma jurissociologia, fundada numa atenta tomada em consideração da técnica do direito e dos seus modos de agir (processos de transformação do contencioso em jurisprudência, modos de tratamentos não jurisdicionais dos conflitos, confrontação de sistemas jurídicos com o direito estatal, etc.). Esta jurissociologia, concebida assim como ciência de análise do jurídico, é reivindicada igualmente como sociologia jurídica (Arnaud 1981);

3. uma sociologia do campo normativo em que as análises dos processos de criação das normas jurídicas, das produções do direito e dos agentes que o põem em acção desembocam ou participam de bom grado numa abordagem de processos sociais mais gerais (modos de controlo social ou de regulação social das sociedades globais, formas de dominação simbólica como mecanismos de reprodução social, etc.) que essas análises contribuem para esclarecer. Nesta última orientação, estabelecem-se definitivamente distâncias com o dogmático jurídico; a aproximação com a sociologia geral acabaria por manifestar os limites de uma demasiado grande especialização da sociologia do direito e uma espécie de justo regresso à tradição dos fundadores da sociologia.

J. CE.

- Arnaud (1988), Droite et société (1985).


Discriminação: Embora o termo implique apenas por si mesmo a faculdade de fazer distinções, ganhou em sociologia um sentido crítico. Designa as distinções feitas na vida social em detrimento de certos grupos, que são julgadas inaceitáveis pela maioria, porque violam as normas sociais e o princípio da igualdade perante a lei, ao mesmo tempo que certos subgrupos da população as justificam. É o caso dos comportamentos em relação à população negra nos Estados Unidos da América até aos anos 60; assim como das atitudes anti-semitas. Os critérios de discriminação variam segundo as sociedades e segundo as épocas. Na Índia moderna, que legalmente suprimiu o sistema das castas, os antigos intocáveis são discriminados por causa do passado, que continua vivo ao nível dos costumes. Nos Estados Unidos, a discriminação durante longo tempo exercida contra os negros tinha a sua origem na sua antiga condição de escravos. Um numerus clausus é imposto na Rússia à entrada nas universidades de alunos judeus e arménios. A discriminação pode fundar-se na raça, na religião, na origem nacional ou na cultura (Simpson, Yinger 1965).

O facto de se ter podido definir a discriminação social como a maneira de tratar desigualmente indivíduos iguais mostra até que ponto se trata de um conceito estreitamente ligado à sociedade moderna, que põe a igualdade no centro dos seus valores: nas sociedades fundadas nas diferenças de estatuto ou de casta, a discriminação é um conceito neutro, descritivo, desprovido da conotação pejorativa que lhe atribuímos nas nossas sociedades.

D. S.
Disfunção: vd. Função.
Dissonância cognitiva: Este termo, devido ao psicólogo americano L. Festinger (1957), designa uma contradição entre dois elementos cognitivos presentes no campo de representação de um indivíduo. Por elemento cognitivo, Festinger entende tudo aquilo que pode ser objecto de conhecimento: comportamento, crença, opinião, sensação, etc. O postulado da teoria de Festinger é que o indivíduo tende a resolver ou a reduzir a dissonância porque ela é fonte de mal-estar. Em cada situação dissonante, o indivíduo dispõe geralmente de vários modos possíveis de redução da dissonância. Um fumador que conhece os perigos do tabaco pode deixar de fumar ou procurar elementos consonantes com o facto de fumar.

Esta teoria muito simples e de alcance muito geral foi objecto de numerosas discussões e provas experimentais. Os investigadores interessaram-se nomeadamente pelas consequências de uma escolha (toda a escolha gera uma dissonância), pela exposição selectiva à informação (procura de informações consonantes, evitando as dissonantes), pelos efeitos de obediência forçada, finalmente pela procura de um apoio social para reduzir a dissonância. Festinger e os seus colaboradores mostraram, num estudo sobre uma seita que esperava o fim do mundo, que a interacção de grupo e o proselitismo tinham permitido aos adeptos ultrapassar a tremenda dissonância provocada pela não realização da profecia. No que se refere à obediência forçada, a teoria da dissonância explica fenómenos inexplicáveis por uma abordagem behaviorista fundada na noção de reforço: um indivíduo levado a defender em público uma posição que não é a sua, sem nenhuma justificação ou remuneração, modificará a sua opinião privada no sentido da sua declaração pública. Uma forte remuneração basta para reduzir a dissonância; se a remuneração é fraca ou nula, a mudança de opinião torna-se o único modo de redução da dissonância.

A teoria de Festinger, tal como outras teorias análogas, designadamente a de F. Heider, funda-se no postulado de uma necessidade de coerência cognitiva que foi posta em causa (Poitou 1974).

PH. BD.


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