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(50) A distinção também é conhecida pelas expressões idealismo objetivo (existe a realidade objetiva, que é ideal por natureza) e idealismo subjetivo (a realidade é uma construção da mente). Esta última, é uma forma extrema de idealismo. O sentido da palavra idéia, que aparece na pri- meira definição, varia muito, de filósofo para filósofo (Adam Schaff, lntroducción a la semántica, México, Fondo de Cultura Económica, 1 992, p. 70). Berkeley está filiado ao idealismo subjetivo, ao passo que Locke, por exemplo, sustenta um idealismo objetivo.

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preciso ver, comojá se disse na seção anterior, que há uma relativa independência entre signo e idéia. Ao ouvir uma palavra, diferen- temente do que supõe o radicalismo mentalista, o receptor nem sem- pre tem a mesma imagem, a mesma idéia. Cada pessoa possui uma concepção própria de casa, rua, cidade. E possível, de outra forma, ter imagens mentais idênticas, acompanhadas de palavras distintas, com significados bastante diferentes. Assim, à imagem de uma rua poderia vir ligada a palavra rua, como também outras, a exemplo de caminho, sentido, percurso. Entretanto, estas palavras, em determinada hipótese, podem estar sendo empregadas com o mesmo sentido.

A teoria comportamental também é passível de críticas. A tese comum entre os comportamentalistas consiste em que, tendo os indivíduos uma estrutura física e mental análoga, sucede daí que possam comunicar-se, entender uns aos outros, mutuamente. Assim, alguém experimenta uma determinada sensação e age, por meio dela, de modo que outras pessoas tenham experiências semelhantes. Diferentes mentes têm, desta forma, experiências parecidas.5 E certo que a tese refuta o transcendentalismo contido nas diversas formas de idealismo lingüístico, já examinadas. Outros behavioristas, a exemplo de Alan Gardiner, acrescentam, com um toque de realis- mo, que a coisa da qual se fala, comum às duas pessoas que se co- municam, também participa desta ação comunicativa.52 Todavia, a objeção a essas construções está em que elas partem de uma falácia conhecida como circulus in demonstrando. Em outras palavras, instados a demonstrar a possibilidade da comunicação, os behavioristas dão como pressuposta essa possibilidade, passando a afirmar, então, que os homens se comunicam graças à semelhança de seus or- ganismos. Ao admitir a existência de sujeitos e mentes separadas, não haveria como explicar a possibilidade da comunicação senão recorrendo a algum princípio supra-empírico, o que aproxima os

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(51) I. A. Richards, Principles ofLiterary Criticism, London, Routledge & Kegan Paul, Cap. XXI, apudAdam Schaff, op. cit., p. 141.

(52) Alan Gardiner, The Theory ofSpeech and Language, Oxford, The Claredon Press, 1951, p. 18 e ss., apudAdam Schaff, op. cit., p. 143.

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A TEORIA DO SIGNIFICADO

comportamentalistas das teses do idealismo lingüístico. Também os que recorrem à noção de realidade comum àqueles que se comuni- cam incidem na mesma falácia, porquanto a possibilidade da comu- nicação na base da existência desta realidade é exatamente a questão que tem de ser demonstrada, mas que fica somente pressuposta.53

Aos lógicos deve-se a elaboração de uma teoria auto-referen- cial do signo, que se inaugura com Port Royal, para quem o signo não tem vínculo com uma mente exterior. Trata-se de uma visão autopoiética, onde o processo de comunicação é gerado por si próprio, dentro de um mesmo sistema, fechado e exclusivamente mental. Este mentalismo semiótico radicalizou a teoria diádica, postulando que tanto o significado como o sígnificante são categorias ideais. O signo verbal (significante) não seria a expressão acústica da palavra pronunciada, mas a representação ou o modelo mental daquele som e daquela articulação no momento da recepção. Como

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(53) Adam Schaff, op. cit., p. 141-145 e 148. Alston também faz críticas à teoria comportamental. O signitïcado não varia em uma relação direta com os fatores que os comportamentalistas põem em relevo. Como as anteriores (teoria referencial e teoria idealista), a teoria comportamental baseia-se em uma idéia importante, que se deforma, entretanto, pelo seu simplismo: Assim como o uso significativo da linguagem tem algo a ver com a referência ao mundo, assim como, de algum modo expres- samos e comunicamos nossos pensamentos ao usar a linguagem, cons-tituiu também um fato significativo que as unidades de linguagem adquiram seu significado ao serem usadas pelas pessoas em diversos tipos de situações. As teorias comportamentais erram ao conceber esta implicação comportamental em termos excessivamente simplistas. Supõem que uma palavra ou sentença tem determinado significado em virtude de estar envolvida, como resposta e/ou corno estímulo, cm conexões estímulo-resposta basicamente sernelhantes, exceto no que diz respeito a sua complexidade, a um simples reflexo, como o da extensão do joelho. Infelizmente, estas conexões nunca foram encontradas, exceção feita às que não são obviamente determinantes do significado, como sucede com o grito cuidado! que geralmente provoca o afastamento. Alston conclui que é necessária uma teoria mais adequada, sob o ponto de vista do comportamento lingüístico, uma teoria que defina as unidades de conduta que são decisivas para estabelecer o significado das palavras (William P. Alston, op. cit., p. 52 e 53).

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esse significante mental excita um significado que é igualmente mental, a semiose fica completamente confinada à mente, desde a recepção até a compreensão final do signo. Este modelo semiótico acabou influenciando a concepção de Saussure e é reconhecido como o antecedente mais remoto do chamado construtivismo radi- cal, uma das correntes das ciências cognitivas.54

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(54) No campo da biologia, o construtivismo radical de Humberto Maturana e Francisco Varela é um importante paradigma. Postulam estes estudiosos que os signos percebidos por um observador nunca podem vir de fora de sua própria mente. Não circulam entre fonte e receptor; daí sua auto-referencialidade (Autopoiesis and cognition, Dordrecht, Reidel, 1972, apud Winfried Nöth, op. cit., p. 43 e 44). As ciências cognitivas são um conjunto de disciplinas — que se uniram sem perder as suas ca- racterísticas e metodologias próprias — voltadas para a investigação do conhecimento. Surgem com a cibernética, por volta dos anos 40 (ver Norbert Wiener, Cibernética e Sociedade — o uso humano de seres humanos, 5. ed., São Paulo, Cultrix, s/d, especialmente p. 14, 16, 57, 72, 82,95, 110, 115, 134, 149, 168, 178e 184a 190),o que permitiu que a investigação puramente especulativa abrisse espaço para a experimentação. Uniram-se, então, a psicologia cognitiva, a inteligência artificial, a lingüística, a filosofia, a neurobiologia e a antropologia, na base da analogia entre a mente e o computador. Na área da lingüística, os estudiosos estavam ocupados em tentar a validação psicológica da gramática gerativa de Noam Chomsky (Aspectos de la teoria de Ia sintaxis, Madrid, Aguilar S.A. Ediciones, Coleção Cultura e História, 1 97 1), que se funda na tese de que todo ser humano é dotado de uma certa competência sintática, proveniente de mecanismos psicológicos inatos, o que Chomsky busca comprovar recorrendo à estrutura profunda das orações. As elaborações do lingüista inglês, que têm a marca do racionalismo de Descartes e de Leibniz, dentre outros, foram objeto de diversas investi- gações no campo da psicologia e também do direito, dentre as quais se destaca a contribuição de Roberto Jose Vernengo (La interpretación literal de Ia ley, Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1 97 1, p. 77-89). A propósito ver também Luiz Sergio Fernandes de Souza, Opapel da ideolo- gia nopreenchimento das lacunas no direito, 2 ed., São Paulo, RT, 2005, p. 99-1 10. O modelo sistêmico-funcionalista também discute os sistemas autopoiéticos, como se vê em Luhmann e Talcott Parsons. No Bra- sil, assinala-se a discussão inovadora de Tercio Sampaio Ferraz Jr., no finai da década de 70 (Teoria da Norma Jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa, Rio de Janeiro, Forense, 1 978, especialmente

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A TEORIA DO SIGNIFICADO

A possibilidade de uma linguagem artificial, simbólica, livre das imperfeições da linguagem natural, às quais se fez menção no segundo capítulo (seção 2.3), inscreve-se também no campo da Lógica. Este foi o ideal concebido por Leibniz, que desenvolveu re-gras para a combinação de signos, com vista à construção de uma Iinguagem científica e universal, de um sistema racional pautado na representação isomórfica das coisas do mundo.55 O tema da pro- cura de uma língua universal encontra-se igualmente em George Dalgarno, em John Wilkins56e, sob outra perspectiva, não isomórfica, na obra de Friedrich Ludwig Gottlob Frege, cujas elaborações inau- guram a filosofia analítica. Tal como Leibniz, Frege pretendia de- senvolver uma linguagem artificial, que permitisse exprimir com exatidão todas as formas lingüfsticas. Essa ideografia substituiria a linguagem ordinária no campo científico, permitindo, outrossim, uma crítica da linguagem natural.57 Antes mesmo de Husserl, Frege extremou Lógica e Psicologia, buscando um critério de objetividade.58

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p. 140-149). Mais recentemente, em defesa da tese da autopoiese no direito, no contexto de uma economia globalizada, v. Willis Santiago Guerra Filho, Autopoiese do Direito na Sociedade Pós-Modernas in- trodução a uma teoria social sistêmica, especialmente, p. 1 8, 1 9, 22, 39-73 e 91.

(55) Leibniz, op. cit., p. 32 1 -327. Consta que, antes dele, Raimundus Lullus já esboçara unia tentativa de conduzir todo o conhecimento humano a conceitos univocos, que se exprimiam através de uma espécie de alfa- beto de símbolos, aplicados matematicamente (Manfredo Araújo de Oliveira, op. cit., p. 23).

(56) George Dalgarno, Ars signorum, vulgo character universalis et lingua philosophica, Menston, Scolar, 1 968, apud Winfried Nöth, op. cit., p. 44, e John Wilkins, Mercury, the secret and swiftrnessenger Amsterdam, Benjamins, 1 984, apud Winfried Nöth, op. cit., p. 44.

(57) Gottlob Frege, op. cit., p. 131-152.

(58) Paulo Alcoforado, Introdução à edição brasileira de Gottlob Frege, Lógica efilosofia da linguagem, São Paulo, Cultrix — Edusp, 1978, p. 1 3. A respeito da distinção entre o campo da investigação lógica e o campo da psicologia v. Irving Copi (op. cit., p. 1 9-26) e Wesley Salmon (op. cit., p. 13-29).

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Eo fez na base da distinção entre sinal ou signo (a); objeto ou denotação (b); sentido (c).59

A denotação, na linguagem natural, pode ser estabelecida através de várias palavras, sinônimas, portanto. Ademais, há diversas palavras com o mesmo sentido. Contudo, a linguagem científica, rigorosa, logicamente exata, exige uma relação biunívoca entre sinal e sentido. Mais que isto, todo sinal deve ter um sentido determinado, preciso, o que nem sempre ocorre na linguagem natural. Os enunciados científicos, outrossim, têm de evitar o emprego de nomes que tenham sentido, mas não denotação, sob pena de não ser possível lhes atribuir um juízo veritativo. Destarte, uma linguagem rigorosa postula a existência de denotação e sentido. O sentido, para Frege, não é a idéia e nem tampouco o objeto, diferentemente do que se passa na teoria representativa. A representação é sempre subjetiva: a representação de um homem não é a mesma de outro. Todo enunciado contém um pensamento (proposição), que é o sentido da frase. A denotação é aquilo que permanece no enunciado, ainda que se altere o seu sentido, vale dizer, é ela a referência ao objeto. O valor de verdade está naquilo que permanece, ou seja, na denotação. O conhecimento pleno só existe quando se tem tanto o sentido (a proposição, o pensamento), como a denotação (o valor de verdade). Mas Frege reconhece que há casos em que se mostra impossível alterar o sentido sem que isso também altere o valor de verdade, ou seja, a denotação do enunciado. E o caso das frases João disse que viu Maria e João viu Maria. A alteração do sentido interferiu na possibilidade de se predicar o juízo falso/verdadeiro a estes enunciados. Eis o esforço de Frege para expulsar as línguas naturais da lógica formal, que seria, então, universal, sem necessidade de tradução.

As elaborações de Frege são importantes para que se possa entender o rompimento com a dicotomia entre realismo e idealismo. Nelas, o sentido surge como algo diferente da referência. Estrela da Manhã e Estrela da Tarde, comojá se disse anteriormente, têm o

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(59) Gottlob Frege, op. cit., p. 59-86. A respeito, ver também Manfredo Araújo de Oliveira (op. cit., p. 62-69), no qual também se inspirou a presente exposição.

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A TEORIA DO SIGNIFICADO

mesmo referente. Isto implicaria afirmar, de uma perspectiva representativa, que o significado destas duas expressões é o mesmo, já que elas denotam o mesmo objeto. Frege observa, entretanto, que, ao se considerar o conteúdo dessas expressões, o modo como elas denotam, suas significações se afiguram diferentes.60 Da mesma forma, o enunciado Walter Scott é o autor de Waverley apresenta duas vezes a mesma referência (Walter Scott e autor de Waverley), com sentidos diferentes. Já nas frases O atual rei da França é calvo e Perseu matou o minotauro, vê-se que a despei- to da ausência de um referente, há um sentido.61 Ao mesmo tempo em que Frege introduz no estudo semântico, a partir da noção de referência, um objeto da realidade fenomênica, extralingüística, faz a significação dependcr de um valor de verdade. A crítica que se costuma fazer a esta perspectiva semântica é que ela coloca o pro- blema da significação no terreno da verdade, pertencente à Lógica, quando é certo que para apreender o sentido da frase O atual rei da França é calvo ninguém precisa saber se a França tem ou não um rei na atualidade. A questão que se coloca, neste ponto, é de compe- tência lingüística, tão-só.62

As contribuições de Frege no campo da linguagem valem mais por aquilo que está nas suas premissas do que propriamente na conclusão. O projeto de uma relação biunívoca entre signo e sentido — que também foi perseguido pelo positivismo lógico, como será visto no capítulo seguinte — implica dificuldades que a teoria semântica do significado não está em condições de resolver. As elaborações de Frege apontam precisamente para esses problemas. Uma teoria cientifica sempre contém algum termo que denota coisas que não podem ser observadas. O id, o superego e o ego, na teoria freudiana, são exemplos disto. Estas expressões têm, entretanto, um

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(60) Gottlob Frege, op. cit., p. 87-103. A respeito, v. Adam Schaff, op. cit., p. 231.

(61) A propósito, v. ManfredoAraújo de Oliveira (op. cit., p.65 e 66) e Edward Lopes (Fundamentos da Lingüística Contemporânea, São Paulo, Cultrix, s/d, p. 245 e 246).

(62) Edward Lopes, op. cit., p. 247 e 248.

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significado que permite explicar diversos fenômenos psicológicos.63 Como resultou claro, poucos anos depois, a partir das elaborações do positivismo lógico, nem a verificabilidade nem afalsificabilidade, como critérios de significação, conseguem estabelecer um parâmetro de verdade fundado numa relação necessária entre sen- tido e denotação. Como admitiu Popper, até mesmo enunciados basicos (asserções sobre a existência de algum estado de coisas observável num lugar e tempo determinados), por se revestirem de um caráter hipotético, dependem de uma teoria64. Com isto, afasta- se a tese daqueles que sustentam que o discurso jurídico, fazendo referência a categorias que não pertencem à realidade objetiva, seria destituído de sentido. Conquanto o abuso dos direitos processuais não seja uma realidade palpável, as teorias que se desenvolvem em tomo dessa questão têm um inegável sentido prático, como se teve oportunidade de ver nos capítulos anteriores.

Enfim, conquanto o abuso do direito não seja uma figura, uma imagem da realidade, também não se pode cogitar de uma categoria metafísica. O significado do abuso do direito não é um objeto platônico, existente antes mesmo da palavra abuso do direito, mas sim uma ferramenta, que cumpre determinadas funções sociais, no que se reconhece o seu sentido. Adam Schaff observa que apesar do relevo que os lógicos deram ao problema da linguagem, as questões centrais da filosofia são outras. Os questionamentos acerca da linguagem refletem uma preocupação epistemológica que a análise estritamente lógica não está em condições de apreender. O proble- ma da linguagem não pode ser reduzido a aspectos formais, pres- cindindo dos aspectos ontológicos e também da Iigação do homem com o mundo. Esta síntese tem de ser alcançada de um prisma so- ciológico.65 O criticismo kantiano é o ponto de partida de algumas

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(63) John Hospers, op. cit., p. 296-298.

(64) A propósito, v. A. J. Ayer, Linguagem, verdade e lógica, Lisboa, Pre- sença, 1991, p. 13-29, 52-53, 70-78, 105-126, 145-147, eAs questões ceutrais dafilosofia, Rio de Janeiro, Zahar, 1 975, p. 37-45; John Hospers, op. cit., p. 326-343; William P. Alston, op. cit., p. 105-123.

(65) Adam Schaff, op. cit., p. 121-124.

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A TEORIA DO SIGNIFICADO

perspectivas filosóficas que buscaram a superação e síntese da dicotomia razão subjetiva-razão objetiva.

A fenomenologia de Kant procura conciliar concepções filosóficas que dividem racionalistas e empiristas, realistas e idealistas, tratando de demonstrar a insuficiência das reflexões até então desenvolvidas. Kant impressionou-se do ceticismo demolidor de Hume, que o moveu à construção de um novo sistema metafísico, na Crítica da Razão Pura.66 E certo que não se pode cogitar de idéias inatas à moda de Descartes e Leibniz. Todavia, também não se pode fundar o conhecimento exclusivamente na experiência. Como foi visto, Hume chega à conclusão de que a ciência baseada na causalidade é metafisica. Esta possibilidade não é empírica e, portanto, não pode ser provada — dirá o filósofo inglês. Segundo Kant, o conhecimento está fundado não só em dados sensíveis mas também nos conceitos puros, que são necessários para um trabalho de síntese. Enfim, conquanto importante a realidade sensível, é certo que o conhecimento não pode prescindir dos elementos racionais que ordenam os dados empíricos. Estes, quando desligados dos con- ceitos próprios do entendimento, são desprovidos de significado. Por outro lado, os conceitos seriam vazios se não recebessem o con- teúdo dos dados sensoriais. Enfim, o espírito condiciona a expe- riência ao mesmo tempo em que ela o desperta para a consciência

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(66) As considerações que seguem têm lastro na Crítica da Razão Pura, cuio refinamento de conceitos — como reconhecido pelos filósofos que sucederam Kant—exigiu também segundas leituras (Johannes Hessen, op. cit., p. 7-23, 54-57, 78-80, 108- 1 1 1; Manuel Garcia Morente, op. cit., p. 229-263; Nicola Abbagnano, Diccionario de Filosofía, Colômbia, reimpresión, Fondo de Cultura Económica, 1997, p. 718 e 973; Rafael Gómez Pérez, História bósica dafilosofia, São Paulo, Nerman, 1988, p. 1 83- 1 90; André Lalande, op. cit., p. 378-382: Gilles-Gaston Granger, A Razão, 28 ed., São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1969, coleção Saber Atual, p. 1 8-20 e 61 -63; Emiie Bréhier, op. cit., vol. 11, Madrid. Tecnos, 1988, p.I7O-2l3; Miguel Reale, Introdução à Filosofia, 3. ed. São Paulo, Saraiva, I994,p. 1 19-169, Marilena Chauí, Convite à Filo- sofia, 2. ed., São Paulo, Atica, 1995, p. 76-80, e Hermes Lima, Intro- dução à ciência do direito, 3 1 . ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1 996, p. 214-217).

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de si próprio.67 No criticismo kantiano, o método (sujeito) cria o objeto, pelo que inexistente a coisa em si mesma. A razão é sempre razão subjetiva. As formas a priori da sensibilidade (matéria) encontram algo que está no espfrito anteriormente à experiência, vale dizer, os conceitos a priori do entendimento (forma). Assim, dife- rentemente do que supõem o inatismo cartesiano e o empirismo de Hume, tempo e espaço são estruturas da razão. A realidade em si não é espacial, temporal, qualitativa ou causal.

Dito de outra forma: o sujeito do conhecimento é a razão uni- versal e não uma subjetividade pessoal e psicológica. A estrutura da razão universal é inata e não depende da experiência. A razão universal é apriori, vale dizer, anterior a toda experiência. Os conteúdos da razão, que variam no tempo e no espaço, dependem, todavia, da experiência e são organizados por um conjunto de elementos chamados categorias, condições a priori do conhecimento. Com as categorias, que tornam possível o conhecimento intelectual, o sujeito formula conceitos. Os juízos, relação entre conceitos, são analíticos (tautológicos e universais) e sintéticos (ampliativos e particulares); empíricos (derivados da experiência) e puros (não derivados da experiência). O criticismo de Kant, como superação e síntese da díade razão subjetiva — razão objetiva, concebe também juízos sintéticos a priori (conteúdo da razão que depende da experiência). São doze as categorias originárias: a) segundo a quantidade: totalidade, pluralidade e singularidade, às quais correspondem, respectivamente, o juízo universal, o iuízo particular e o juízo singular; b) segundo a qualidade: realidade, negação e limitação, às quais correspondem, respectivamente, os iuízos afirmativos, os juízos negativos e os juízos indefinidos; c) scgundo a relação: inerência, causalidade e comunidade, às quais correspondem, respectivamente, os juízos categóricos, os iuízos hipotéticos e os juízos disjuntivos; d) segundo a modalidade: possibilidade, existência e necessidade, às quais correspondem, res- pectivamente, juízos problemáticos, juízos assertóricos e juízos

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(67) Immanuel Kant, Crítica da Razão Pura, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, Introdução, I - 111, p. 36-42.

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A TEORIA DO SIGNIFICADO

apodíticos.68 A filosofia e a ciência são a síntese que a razão realiza entre umaforma universal e necessária (juízo a priori) e um conteúdo particular e contingente (juízo a posteriori). As categorias, vale dizer, o conjunto de elementos que organizam o conteúdo empírico, não são hábitos psicológicos associativos, mas instrumen- tos racionais que permitem conhecer o mundo. Não são estas categorias a realidade mesma, mas estruturas a priori, pelo que a razão não está nas coisas, mas no homem que as conhece (razão subjetiva).69

Mas ao lado de uma razão pura teórica está uma razão pura prática, que não contempla uma causalidade externa necessária, criando, isto sim, sua própria realidade. Aqui está o reino humano da paixão, bem como o campo da Etica, que postula a existência de leis morais das quais decorrem deveres para a liberdade do homem. O dever ser não é uma imposição externa à vontade e à consciência, mas expressão de uma lei moral em nós. O homem, como ser natural, é movido por interesses, pela necessidade de satisfazer apetites, impulsos e desejos. A verdadeira liberdade não é aquela causalmente determinada, mas sim a que permite a passagem das motivações do interesse para o dever.70 Repetindo Kelsen, o homem só é livre a partirda norma. O homem é livreporque sua condutaé umponto terminal de imputação, embora seja causalmente determinada. Por

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(68) Idem, Introdução, IV e V, p. 42-49, Estética Transcendental, p. 61-87, e Analítica Transcendental, Cap. 1, Segunda e Terceira Seção, p. 103-1 17.


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