Abuso de direito processual editora afiliada



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A TEORIA DO SIGNIFICADO

inquisitivo, quis poupar partes e testemunhas, em certas situações, do constrangimento da verdade.108 Como bem o disse Couture, a verdade é muitas vezes dramática, para não dizer patética.109 Por isso, crê-se que não se tem o dever de dizê-la quando dela possa resultar notório dano pessoal.

Assim, diante da multifacetada significação da verdade processual, há quem prefira falar na existência de um dever de probidade processual, por abranger também os aspectos axiológicos, o que envolve a questão da boa-fé.110 Em outras palavras, a verdade não é tim objetivo que se deva alcançar a qualquer preço, não porque o processo seja propriamente um jogo de habilidades e astúcia, mas pelo só fato de que nem tudo a todos se diz. 111 O significado do uso

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(108) A jurisprudência, sensível à realidade social, tem entendido, com base no art. 226, § 3.° da Constituição Federal, que a exceção ao dever de dizer a verdade também se estende àquelas testemunhas que, sem ter parentesco com a parte, por consangüinidade ou afinidade, acham-se socialmente e sentimentalmente ligadas a ela por laços resultantes de união estável entre a parte e um dos parentes da testemunha.

(109) Conta Couture que umajovem e abnegada advogada do Estado patroci- nou ação de investigação de paternidade cuja prova pericial (exame hematológico) foi negativa. Por insistência da mãe da autora — que dizia ter sido o réu o único homem de sua vida — as partes submeteram-se a novo exame, com o mesmo resultado. Desconsolada e descrente na justiça, a representante legal da criança pediu que fosse realizado um terceiro exame, quando então se soube que tampouco era ela a mãe da criança, porcerto, trocada na maternidade. (Eduardo J. Couture, Estudios de Derecho Procesal Civil, 2. ed., tomo 111, Buenos Aires, Ediciones Depalma, 1978, p. 257 e 258).

(110) A questão da boa-fé também se presta a diversas interpretações. Há quem cogite de um dever objetivo e outros de um dever subjetivo.

(111) Para a dogmática penal, a verdade material deve ser entendida de duas formas: no sentido de uma verdade subtrafda à influência que, através do seu comportamento processual, a acusação e a defesa queiram exercer sobre ela, mas também no sentido de uma verdade que. não sendo absoluta ou ontológica, há de ser antes de tudo uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo preço, mas processualmente válida (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Pe- nal, Coimbra, Coimbra Editora, vol. 1, 1974, p. 193 e 194).

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ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL

normal do processo, sob o ponto de vista fenomenológico, sob o ângulo de uma intuição estimativa, está na conformidade da conduta das partes aos padrões sociais e morais vigentes, àquilo que o senso comum reconhece como certo, enfim, ao mundo da vida,112 que nada tem a ver com a verdade metafísica ou com a verdade empírica.

Não faltam, porém, críticas à fenomenologia husserliana, da qual se diz ser idealista, pois que a realidade, para Husserl, é ideal por natureza, como ocorreu a Platão.113 O significado surge, assim, como uma entidade ideal objetiva, conforme resulta da sua concepção de

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(112) Por isso, não existe no método fenomenológico qualquer referência a um utilitarismo à moda de Bentham, segundo o qual verdadeiro é aquilo de que se pode extrair conseqüências práticas, aquilo que é útil, que pode ser colocado a serviço da ação humana com vista a maior soma de felicidade (Johannes Hessen, op. cit., p. 50 a 54). A propósito de uma teoria utilitarista do abuso do direito remete-se o leitor à nota 39 do primeiro capítulo, seção 1.1. Como dizAlfRoss, uma coisa é o útil, a vanta- gem, e outra ojusto, aquilo que deve ser. As considerações acerca da utilidade são importantes, mas não se confundem com as exigências de justiça. Muito embora fosse o intento de Bentham refutar a concepção da idéias inatas, das verdades a priori, que se vê no idealismo subjeti- vista de Locke, tanto quanto rechaçar o jusnaturalismo, é certo que o utilitarismo está preso à ilusão de construir uma teoria dajustiça sobre bases morais, na natureza racional do homem, cujo conhecimento é dado por uma intuição intelectual (Alf Ross, Sobre el derecho y Iajusticia, 2. ed, Buenos Aires, Editorial Universitaria de Buenos Aires, 1 997, p. 357- 364). A propósito, para Sergio Marcos de Moraes Pitombo, o problema da verdade processual não guarda relação com a utilidade do processo, com o seu custo-benefício, ou algo semelhante. Daí advertir o autor acerca dos perigos de se fazer prevalente a idéia de instrumentalidade sobre a dejustiça (Sergio Marcos de Moraes Pitombo, op. cit., p. 73). Registre-se que a tese da instrumentalidade processual, como desen- volvida pela moderna processualística, guarda estreita relação com o pragmatismo utiiitarista. Nessa terceira fase metodológica do process0, há uma preocupação com a efetividade da tutela jurisdicional. A propósito, ver o que foi dito no segundo capítulo (seção 2.1). Esta anáIise será retomada no último capítulo.

(113) Adam Schaff, op. cit., p. 233 a237.

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A TEORIA DO SIGNIFICADO

atos intencionais. Com efeito, Husserl diz que a significação cons- titui uma classe de conceitos em sentido universal, que a despeito de não terem existência concreta, possuem um ser, uma essência. Por isso, os objetos ideais existem e assim como é certo que acerca deles se pode falar (como se fala do número 2 e do princípio da con- tradição), certo também é que tais objetos são apreensíveis intelectivamente. A lógica pura, quando trata dos conceitos, dos juízos, dos argumentos, ocupa-se precisamente das unidades ideais que Husserl chama de signiflcação. Uma coisa é o significado, uma entidade ideal, e outra coisa são as experiências concretas, as vivências que surgem do significado, as quais podem ser exprimidas de diversas maneiras.114

A evidência com a qual o significado surge a partir da epoché não é senão atransformação de uma consciencia individual, talqual concebida pelo psicologismo, em uma consciência supra-individual. Parte-se do singular, do contingente, daquilo que é comum às experiências individuais acerca de um determinado significado, para depois rechaçar (colocando entre parênteses) tudo aquilo que é particular, secundário, com o que se encontra o sentido ideal das palavras. A referência ao objeto intencional — que é experimentado, ainda que não exista na realidade objetiva — dá-se através de uma visão direta da essência das coisas, que não é intersubjetiva, vale dizer, que não se presta a demonstrações. Esta é a principal crítica que o positivismo lógico formula contra a fenomenologia, à qual também se seguiu a crítica do materialismo dialético.115

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(114) Edmund Husserl, op. cit., vol. I, Primeira Investigação, Cap. 1, § 1 1, p. 246, Cap. 3, § 29, p.281, Cap. 4 § 3 1, 32 e 35 p. 287, 288 e 309; Segun- da investigação, Cap. 2, § 8, p. 309, Cap. 4, § 31, p. 352.

(115) A propósito das formulações desenvolvidas neste parágrafo, ver, mais amplamente, Adam Schaff, de onde as referências foram retiradas (op. cit., p. 241 -248). Como registra Alaôr Caffé Alves, nós não nascemos humanos primeiramente, perfeitos e acabados (essência humana), para depois transformar o mundo, pois o humano se dá precisamente no pro- cesso de transformação do mundo e do próprio homem, no transcorrer da história. Isso não reclama apenas a cognição, a teoria, o pensamento Iógico, mas principalmente a ação prática, o mundo em movimento, a

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ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL

Estas objeções, que têm repercussão no exame do abuso dos direitos processuais, levaram a uma reformulação do conceito de mundo da vida, como será visto no último capítulo.

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vontade e o interesse... A Lógica Formal é uma lógica pura, uma lógica de identidade abstrata, do pensamento puro, não localizado no tempo e no espaço. Por isso que ela é muito usada por Husserl, ao buscar essências ideais, imóveis perfeitas, eternas, imutáveis. E a razão lógica, a razão formal (Alaôr Caffé Alves, Lógica — Pensamento formal e argumentação — Elementos para o discuso jurídico, São Paulo, Edipro, 2000, p. 388).

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AS TEORIAS PRAGMÁTICAS



SUMÁRIO: 4. 1 O paradoxo de Wittgenstein — 4.2 A superação da teoria representativa — 4.3 Razão teórica versus razão prática — 4.4 A Iinguagem e a construção da realidade.

4.1 O paradoxo de Wittgenstein

A possibilidade do apriori material, em Husserl, tem como pressuposto a evidência com que os objetos se apresentam a partir da epoché. Em outras palavras, a pluralidade de significados da experiência, dos diversos níveis de realidade, pressupõe um momento em que as coisas possam ser conhecidas como elas mesmas são, vale dizer, como se apresentam à consciência, ao eu transcendental. No dizer de Remo Bodei, a perda do mundo da vida, ou seja, a sua suspensão por meio da epoché, torna-se a premissa de sua reconquista.1 Todo idealismo husserliano reside precisamente nessa con- sideração do fenômeno como absoluto.

Com efeito, a redução fenomenológica revela uma profunda fratura entre a atitude teórica que busca essências não acessíveis ao conhecimento humano e aquela outra, que volta a compor a trama de relações cognoscitivas e afetivas, às quais o sujeito, personagem do mundo da vida, está preso. Quando a decisão judicial dispõe acerca da prática de abuso no processo há, por detrás dela, uma série de indagações, avaliações, sentimentos e motivações que se materializam na intervenção concreta do julgador. A decisão não pode ser concebida, assim, fora das circunstâncias do caso em exame, das

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(1) Remo Bodei, Afilosofia do século XX, Bauru, Edusc, 2.000, p. 168.

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ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL

suas particularidades, e não vale senão dentro daquele território (limites subjetivo e objetivo da coisa julgada). Os conceitos normativos e as definições jurídicas não são, pois, fruto da intuição intelectual de uma natureza intrínseca dos fenômenos denotados.

Não se pode negar a existência de conceitos universais, como estrutura de unidade de tudo aquilo que é singular, contingente. Fosse de outra forma, as decisõesjudiciais seriam expressão de um total subjetivismo. Daí a dizer que esta unidade possa ser alcança- da por essências dadas na intuição, vai uma distância que não se pode percorrer senão fazendo algumas concessões ao idealismo jurídico. Não se concebe uma definição pura de abuso dos direitospro- cessuais exatamente porque é impossível lançar um olhar neutro sobre o fenômeno jurídico e, depois, voltar à realidade para vê-la com outros olhos. Seria de se indagar, a propósito da redução eidética, que fenômeno estaria em condições de impor-se à consciência do sujeito sem se deixar impregnar dos valores, da maneira de ser de uma determinada sociedade.2

Como já se teve oportunidade de ver no segundo capítulo (seção 2.3), o processo judicial está impregnado de historicidade. A legitimação do discurso jurídico dá-se através de uma rede de estereótipos culturais, traduzidos em formas e fórmulas, que são garantidos e reforçados pela linguagem. E se é certo que a verdade não está no universo estável e tangível de sons, cores, espaços e movimentos, não menos certo é também que não se pode buscar o significado das práticas processuais em uma razão universal ou em uma intuição da essência do fenômeno jurídico. Tanto quanto o racionalismo, o transcendentalismo fenomenológico de Husserl é idealista. A dogmática processual (como de resto toda a dogmática jurídica) inspira-se precisamente neste movimento pendular, que ora se inclina mais para o racionalismo jurídico e ora se aproxima mais desta concepção ontológica, deste intuicionismo intelectivo, à moda de Platão, Descartes e Husserl.

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(2) Neste mesmo sentido desenvolve-se a análise de Michel Miaille (Uma introdução crítica ao Direito, Lisboa, Moraes Editores, 1979, p. 282).

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AS TEORIAS PRAGMÁTICAS

Rechaçando a metafísica contida tanto no idealismo como no realismo, alguns filósofos-cientistas do início do século XX, na base da análise lingüística dos enunciados, sustentam que cabe ao filósofo contribuir para o progresso da ciência, principalmente das ciências formais, a exemplo da Matemática, e das ciências da natureza, a exemplo da Biologia. O positivismo lógico, que se desenvolveu a partir do Círculo de Viena, afasta-se de todas as considerações relativas às coisas em si, à causa última do mundo, ao imperativo categórico e aos valores últimos, objetos fictícios que constituem o campo de investigação da metafísica, da filosofia dos valores e da ética. Com isto, o positivismo lógico reduz a filosofia à lógica das ciências, voltada à análise da linguagem natural, ao exame das vicissitudes e impropriedades que a tornam inadequada à formulação dos enunciados científicos.3

Ao desprezo que os empiristas nutriam pela metafísica o positivismo lógico somou as descobertas da lógica contemporânea, sobretudo da lógica simbólica, no intento de conhecer o significado dos enunciados da ciência. Não é de se estranhar, assim, que ao lado das contribuições de Frege, Peano e Russell, possam ser encontrados alguns pontos em comum com Hume e Leibniz, ressalvada, quanto ao primeiro, a concepção segundo a qual o significado das palavras surge das associações intramentais (idealismo subjetivo) e observado, no que concerne ao segundo, o seu interesse pela investigação lógica e não pela metafísica. Para os positivistas, as proposições significativas dividem-se em formais ou fáticas, vale

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(3) É o que se pode encontrar no ensaio de Carnap, Signficado e sinonímia nas linguagens naturais, in Moritz Schlick, RudolfCarnap — Coletâ- nea de Textos, 2. ed., São Paulo, Abril Cultural, 1985 (Coleção Os Pen- sadores), p.129-142. A respeito, v. A. J. Ayer, Introducción del compi- lador, in A. J. Ayer (org.), El positivismo lógico, México, l. ed., Fondo de Cultura Económica, 1993, p. 30-34; A. J. Ayer, Linguagem, verdade e lógica, Lisboa, Presença, 1991, p. 9-23; A. J. Ayer, Questões Centrais da Filosofia, Rio de Janeiro, Zahar, 1975, p. 37-39; William P. Alston, ob cit., p. 105-110; Adam Schaff, op. cit, p. 72 e 73; Enrico Pattaro, Filosofia del derecho. Derecho. Cienciajurídica, Madrid, Instituto Editorial Reus, S.A., p. 58 e 71, e Manfredo Araújo de Oliveira, op. cit., p. 87-92.

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ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL

dizer, analíticas ou empíricas. As primeiras, tratando de verdades necessárias, são tautológicas, ao passo que as outras, que têm um referente no mundo empírico, são passíveis de verificação. Mas é precisamente no que concerne a este segundo tipo de enunciado que surgem as primeiras dissensões dentro do positivismo lógico.4

A verificação não é uma possibilidade empírica, mas lógica. Alguns positivistas cogitam da comparação entre enunciados e fa- tos, como é o caso de Schlick. Outros, a exemplo de Neurath e Carnap, buscando afastar-se de uma metafísica realista, sustentam que, sob uma perspectiva lógica, um enunciado somente pode manter relação com outro enunciado. Há, pois, dois critérios de verificação do significado das proposições empíricas, quais sejam, o crité- rio de correspondência (relação entre enunciados e fatos) e o critério de coerência (relação entre enunciados). Ayer, depois de apresentar uma série de objeções a este último critério, diz que mesmo Carnap, em suas obras mais recentes, influenciado pelo Iógico polonês Tarsky, acabou por reconhecer a legitimidade da semântica, muito embora restrita à eleição de formas lingüísticas, sem se aperceber de que os fatos denotados sugerem problemas mais sérios.5

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(4) A. J. Ayer, lntroducción del compilador, in A. J. Ayer (org.), Elpositivismo lógico, México, Fondo de Cultura Económica, 1993, p. 15 e 16. A respeito dessas divergências, ver também John Hospers, op. cit., p. 326-343. A propósito do idealismo subjetivo de Hume, v. William P. Alston, op. cit., p. 97 e 100, eAdam Schaff, op. cit., p. 70.

(5) A. J. Ayer, lntroducción del compilador in A. J. Ayer (org.), El positivismo lógico, México, Fondo de Cultura Económica, 1993, p. 26 e 32; igualmente, Manfredo Araújo de Oliveira, op. cit., p. 82 e 83 e Moritz Schlick, RudolfCarnap — Coletânea de Textos, 2. ed., São Paulo, Abril Cultural, 1985 (Coleção Os Pensadores), p. 14 e 15. Sobre a distinção entre verdade como correspondência e verdade como coerência, v. ainda John Hospers, op. cit., p. 148-158. A propósito das objeções ao critério de coerência, v. A. J. Ayer, Verijìcacióny experiencia, in A. J. Ayer (org.), El positivismo lógico, México, Fondo de Cultura Económica. p. 236- 248). Para o exame da distinção entrepossibilidade empírica epossibi- lidade lógica, ver Carnap, Testabilidade e significado, in Moritz Schlick, Rudo1fCarnap — Coletânea de Textos, 2. ed., São Paulo, Abril Cultural, 1985 (Coleção Os Pensadores), p. 171-213. A propósito, ver também

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AS TEORIAS PRAGMÁTICAS

Com efeito, Carnap, tanto quanto os demais positivistas lógicos, entende que é impossível conhecer a constituição e as leis do

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A. J. Ayer, lntroducción del compilador in A. J. Ayer (org.) Elpositivis- ,no lógico, Madrid, Fondo de Cultura Económica, 1993, p. 26, William P. Alston, op. cit., p. 106-1 10 e 14 a 123, eJohn Hospers, op. cit., p. 326- 343. Diga-se, a esse respeito, que a contrastabilidade, como critério de signitïcado, não exige a verificação real do fato, mas sim a possibilidade de verificação ou confirmação, que não é técnica nem empírica, mas Iógica. Neste sentido, como observa Alston, a teoria da verificabilidade coincide com o atomismo lógico desenvolvido por Russell, segundo o qual a Iinguagem tem níveis de estratificação, o mais simples deles re- velado nas chamadas orações observacionais, vale dizer, orações básicas que simplesmente relatam a própria experiência de quem fala. A partir deste nível seria possível atingir outras estruturas sintáticas que permitiriam orações mais elaboradas, a exemplo dos enunciados científicos. Existe, entretanto, muita polêmica em torno do critério de ve- ritïcação. Para Neurath, as proposições da ciência não podem se referir a dados sensíveis, que fazem parte da experiência privada de cada um, a exemplo da dor. Os enunciados que se referem a experiências e elaborações mentais, próprias ou de outrem, são todos enunciados físicos. A linguagem fisicalista da ciência há de ser intersubjetiva. Schlick, para fugir da acusação de solipsismo, sustenta que a linguagem referida a dados sensíveis é incomunicável quanto ao conteúdo destes mesmo dados, mas não quanto a sua estrutura. Embora as sensações sejam pri- vadas — tanto assim que duas pessoas podem experimentar sensações diversas em relação à palavra vermelho — é certo que essa palavra é usada nas mesmas situações, no que se pode reconhecer as mesmas relações entre as impressões a ela ligadas. Isto bastaria para assegurar a objetividade de proposições que contenham vermelho. Ayer dirá que a concepção de estrutura faz Iembrar as qualidades primárias de Locke (idealismo objetivo). Se não posso saber se o meu vizinho diz o mesmo que eu quando emprega determinada palavra, tampouco tenho meios para saber se quer dizer o mesmo que eu com o emprego daquela palavra. Há apenas uma harmonia em nosso comportamento (A. J. Ayer, lntroducción del compilador in A. J. Ayer (org.), Elpositivismo lógico, México, Fondo de Cultura Económica, 1 993, p. 24 e 25). Carnap tentou desqualificar as críticas ao solipsismo, sustentando que sua escolha por uma linguagem solipsista revela um interesse epistemológico, consistente na explicação da maneira como os conceitos científicos mantêm conexões Iógicas com a experiência, e não uma descrição da maneira

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ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL

mundo real por meio da pura reflexão, sem qualquer controle empírico. A existência de sentenças gramaticalmente inquestionáveis mas carentes de significado (pseudo-sentenças) explica-se pela ausência de convenções que garantam o conhecimento verdadeiro. Não basta a sintaxe gramatical; é necessária uma sintaxe lógica, exatamente para fugir às especulações metafísicas. As ciências empíricas pesquisam fatos apresentados por meio da linguagem natural (L). A linguagem-sistema da ciência (L) é construída a partir daquelas formações Iingüísticas (L). Assim como L é Iingua- gem-objeto em relação a L, a Iinguagem da ciência é linguagem- objeto em relação à filosofia, à qual compete garantir que a lingua- gem ideal da ciência, artificialmente constituída, imune à ambigüi- dade e à vagueza da linguagem natural (L), esteja em condições de desenvolver conceitos que possam ser aplicados na análise empíri- ca da confirmação.6

Carnap registra que a filosofia tradicional tem-se envolvido em pseudodisputas, porquanto, do ponto de vista do significado científico, tanto a tese realista quanto a tese idealista não exprimem afirmações sobre fatos. Trata-se, portanto, de pseudo-enunciados, destituídos de conteúdo, acerca dos quais não se pode falar de correção ou incorreção. O geógrafo não tem dúvida quanto à existência física de uma montanha. A divergência entre realistas e idealistas não ocorre no domínio empírico. Saber se a montanha, além do que se

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como eles são psicologicamente obtidos pelo sujeito individual. No dizer de Ayer, isto é pouco mais do que umajustificativa da pureza das in- tenções de Carnap, mas em nada diminui as objeções a sua teoria. A respeito, v. Ayer, lntroducción del compilador, in A. J. Ayer (org.) El Positivismo Lógico, México, Fondo de Cultura Económica, 1 993, p. 24, e Moritz Schlick, Rudolf Carnap — Coletânea de Textos, 28 ed., São Paulo, Abril Cultural, 1985 (Coleção Os Pensadores), p. 13.

(6) Carnap, Testabilidade e significado, in Moritz Schlick, RudolfCarnap — Coletânea de Textos, 2. ed., São Paulo, Abril Cultural, 1985 (Coleção Os Pensadores), particularmente p. 1 74 e 1 98-200; Camap, Pseudopro- blemas na Filosofia, in Moritz Schlick, Rudolf Carnap — Coletânea de Textos, 2. ed., São Paulo, Abril Cultural, 1985 (Coleção Os Pensado- res), Carnap, Logische Syntax der Sprache, 2. ed., Viena, Nova York, 1968, apud Manfredo Araújo de Oliveira, op. cit., p. 73-83.

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AS TEORIAS PRAGMÁTICAS

afirma sobre ela, é real, ainda que não se possa conhecer a realidade mesma (realismo), ou se, de outra forma, somente as percepções ou processos conscientes são reais (idealismo), é indagação que transcende o campo da experiência para colocar-se na esfera das lucu- brações metafísicas. Por isso, Camap diz que nenhuma destas teses pode ser considerada cientificamente significativa.7

Assim, na concepção do positivismo lógico, a filosofia opera como metalinguagem, que busca identificar, de um ponto de vista puramente sintático (formal), as pseudo-sentenças metafísicas, verdadeiros non-sens que habitam grande parte das discussões filosóficas tradicionais. Aplicando a matemática, fundada em axiomas (estes em si mesmos não dedutíveis, mas a partir dos quais, por inferência, é possível extrair novas fórmulas), Carnap desenvolveu uma espécie de teoria geral da estrutura formal dos textos científi- cos. Neste contexto, o critério de verificação do significado das relações empíricas não poderia ser outro que não o critério de coerência. Mas se é certo que esta posição permite a Carnap garantir a intersubjetividade e a objetividade do discurso científico, elaborado em uma língua universal e indiferente às impressões sensíveis que cada uma das pessoas possa associar a uma determinada palavra, não menos certo é também que o ideal empirista de uma ciên- cia unificada sugere uma série de percalços.8


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