para o cocheiro.
Adiantei gritava Romane, e Gn¡edko ia embora s(
o-
zinho, ate defronte das cozinhas; Ia se imobilizava, aguar-
dando que as "cozinheiras" viessem apanhar a aqua.
- Gniedko e um malandro! exclamavam os presos. Sabe
andar sozinho! &fende tudo!
Sim, com -efeito, esse animal entende tudo!
Cavalo infeligenfe,,~,,Gnieditol
O cavalo relinchava, m neando a cabe‡a, como para
mostrar que sabia apreciar as lisonjas. E alguem imediata-
mente lhe trazia p5o e sal. Quando acabava de comer,
Gniedito levantava de novo o focinho e parecia dizer: "Bem
que te conhe‡o! Bem que +e conhe‡o! Eu sou um bom ca-
valo e tu es um bom sujeito!"
Tambem ia, as vezes, levar pão a GniedI‡o. Gostava
de olhar o seu focinho, sentir na palma da mão os seus bei‡os
macios e quentes que lambiam minha oferta.
RECORDA€OES DA CASA DOS MORTOS
. Nossos defenfos tinham muita capacidade para amar
animais, e se lhes fosse pŠrmifido, +criam de bom grado en-
chido a fortaleza de b~chos dornesficos e p ssaros. Que
outra ocupa‡ao seria mais indicada para- abrandar, crio-
brecer, o carater depravado e brutal dos gal‚s? Mas n o
lhes era permitido fazˆ-lo. Nem o regulamento nem o es- #
pa‡o o consentiam.
Entretanto, no meu tempo, alguns animais encontraram
abrigo no presidio. Alem de Gniedko n¢s tivemos caes,
gansos, o bode Vaska e ate mesmo, durante algum tempo,
uma aguia.
Como cachorro titular, possuiamos Charik, de que iã
falei, cão destemido e inteligente, muito meu amigo. Mas
a gente do povo vˆ no cão um animal impuro pelo qual não
convem criar estima, e quase ninquem cuidava em Charik.
Ele vivia ao acaso a sua vida de cão, dormia no pafio, comia
as sobras da cozinha, não despertava nenhuma simpatia,
contudo considerava como seus donos todos os habitantes
do presidio. Na hora em que voltavamos do frabalho, logo
que ele ouvia gritar: "Cabo da guarda!" avan‡ava para o
por+ão e acolhia cada grupo abanando a cauda e fitando
alegremente os olhos dos for‡ados, na expectativa dum ca-
rinho. Todavia, durante varios anos, jamais recebeu carinhos
de ninguem, exce+o de mim. E, por essa razão, me preferia
a foclos.
3"
Não me lembro agora como foi que frouxemos Bieika,
o outro cão. Quanto ao terceiro, Kulfiapka, eu proprio o in-
froduzira certa vez em que voltava do trabalho, ... +arde.
Bieika era um animal estranho. Uma carro‡a lhe passara
sobre o meio do corpo e lhe curvara +anfo a espinha dorsal,
que de longe, olhando-o correr, a gente supunha ver dois
c5es brancos, amarrados um ao outro. Ademais, tinha
sarna, os olhos lhe supuravam, e a cauda pelada pendia cons-
fariferrienfe. Maltratado pela sorte, resignara-se ao silencio.
Jamais ladrava ou grunhia contra ninguem, como se receasse
fazˆ-lo. Vivia sobretudo cle p5o, que comia por fras das ca-
2i
I #
330
DOSTOIEVSKI
sernas. Se algum de n¢s se aproximava dele, ari-fes que
.chegasse junto, Bieika procurava mo~frar-se arnavel; rola
costas, como para dizer: "Faze de mim o que quiseres que
eu não me defenderei!" E todos os for‡ados diante de
quem ele :rolava assim, consideravam do seu dever lhe dar
um pontape. "õ cachorro imundo!" Mas Bieika não se
queixava; so se a dor fosse muito forte, solfava um ganido ra-
pidamente abafado. Bieika dava suas cambalhotas diante
de Chark ou mesmo de qualquer outro cão que viesse em
busca de aventuras defronte ... forfaleza. Achafava-se hu-
mildemente, mesmo quando um grande mastim se atirava.
contra ele, rosnando. de crer que os cães apreciam a
humildade e o respeifo da parfe dos seus semelharifes,
porque o mastim furioso imedia+amenfe se aplacava e, me-
ditafivo, defia-se anfe o animal estendido aos seus pes com
as pat;is no ar, e então, lentamente, curiosamente, farejava-
o por todos os lados. "Esfe malvado ira me morder?" pen-
sava decerto Bieika, trˆmulo. Porem, depois de o farejar
com cuidado, o mastim abandonava-o, não enconfrando ali
nada digno da sua curiosidade. Imediafamente ~ieika se
erguia nas quatro patas, e, manquejando sempre, juMava-se
ao grupo dos outros que partiam na pista de alguma cadela.
Cerfo de antemão de jamais travar rela‡ões ¡nfimas com
a diva, seguia-a de longe, assim mesmo, como se nisso en-
con+rasse algum consolo. Sobre honestidade, s¢ possuia
no‡ões por 'demais vagas. Tendo renunciado a qualquer
esperan‡a de futuro, confen+ava-se em trazer cheia a pan‡a,
e nada mais. Tenfei cerfa vez fazer-lhe fesfas. Mas, para
ele, o fato foi fão novo, tão inesperado, que se rojou por
ferra, e, fremenfe, pos-se, a ganir de satisfa‡ão. Isso me deu
piedade e, desde então, fiquei lhe fazendo fesfas sempre;
por isso, assim que me avistava, Bieika iniciava de longe os
1seus ladridos lacrimosos. Sua vida acabou fora do prasidio,
no basfiã*o, onde foi destro‡ado pelos outros cães.
Kulfiapka tinha o genio infeiramenfe diverso. Não sei
porque eu o trouxe para o presidio, certa +arde, ievando-o da
oficina onde ele nascera. Sentia prazer em alimenf -lo e
RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS
331
Chank imediafamente tomou Kulfiapka debaixo da
‡ão, o o fazia dormir consigo. Consentia af‚,
, que o cachorrinho 1,he mordiscasse o pelo e as
., como em gerai o fazem os grandes cães com os #
C
x=a estranha: Kultiaplita não crescia quase nada
1 m, mas apenas em largura e comprimenfo. Tinha
~ 'i
------ um bonito cinzento cor de rato, e uma das
s ficava pendente, enquanto a outra se erguia.
a todos os cães jovens que, na alegria de avisfar
~ -~_1 , se põe a ladrar, a saltar-lhe ao rosto para o lamber,
ridir diante dele'seu ardor e enfusiasmo. "Conquanfo
,,~~Örem na minha alegria, pouco me importo com as con-
,,,,v"ncias!" Onde quer que eu estivesse, se chamasse Kul-
~a# ele aparecia aos saltos, como se saisse dum al‡apão,
1
1 ~ 17 1 ~ ; ladridos ruidosos afirava-se sobre mim, igual a uma
om
Wa que vai ro
~45, i Iando por um declive. E eu me afei‡oei a
1 esse monsfrozinho. A sorte parecia +ˆ-lo criado umcamente
~para, a alegria e a felicidade. Porem um belo dia, para des-
~gra€a sua, Kulfiapka afra¡u a afen‡ão -especial do for‡ado
que fabricava cal‡ados de mulher com peles que
1 --- ele proprio curtia. O homem chamou Kulfiapka, +a+eou-lhe
o pelo, deifou-o, fazendo-lhe festinhas. Kulfiapka, sem des-
,,, confiar, gania de prazer, na manhã seguinfe desaparecera!
Procurei-o muito fempo, sem encontrar em lugar nenhum,
,e s¢ soube da verdade quinze dias mais +arde. O pelo de
eapka seduzira Neus+ruiev, que lho tirara e curtira, para
W, com ele forrar umas bofinas de veludo. encomendadas pela
, ~,,mulher do auditor do conselho de guerra. Ele proprio mo
~.,~,^osfrou as bofinas, quando as concluiu: o interior forrado
~~-ficara uma maravilha. Pobre Kulfiapkal
---~,:, , , Muitos for‡ados se ocupavam em curtir peles, e traziam
--- ,de fora cães de pelo longo, que faziam desaparecer num
;,,,: abrir e fechar de olhos. Roubavam uns, compravam outros.
,,,Uma vez, afras das cozinhas, vi dois de+en+os conspirando.
O primeiro trazia pela trela um cão enorme, magnifico, de
¢tima ra‡a. Um lacaio ladrSo o roubara ao amo e o ven-
dera por frinfa copeques aos nossos sapateiros. Esfavern
I I #
332
DOSTOIEVSKI
tratando de o estrangular. A opera‡ão não oferecia ne-
nhuma dificuldade. Esfolava-se o cão e depois se atirava
o cadaver no grande fosso que ficava nos fundos da forta-
leza, e que no verão, durante o calor, desprendia um cheiro
terrivel, pois raramente o limpavam. O desgra‡ado bicho
parecia compreender a sorte que lhe destinavam. Olhava
para nos frˆs com ar perscrufador, e, de tempos em tempos,
se aventurava em agitar a longa cauda, em sinal de confian‡a.
Afas+ei-rne as pressas, enquanto os dois cumplices termina-
vam a vontade a execu‡ão.
Os gansos se tinham estabelecido por acaso no presidio.
Quem os criara? A quem, realmente, pertenciam? Não
* sei, mas durante algum tempo eles divertiram os for‡ados
* foram assunto de conversa at‚ na cidade. Nascidos na
fortaleza, tinham crescido numa das cozinhas. Quando fi-
cararri adultos, o bando inteiro +ornou o costume de nos
acompanhar ao trabalho. Assim que o tambor rufava e os
for‡ados se reuniam, os gansos corriam ao nosso encontro,
grasnando, agitando as asas.
Saltavam um aftas do outro o degrau alto do portão,
o corriam para a frente das fileiras; 16 se agrupavam, (aguar-
dando o fim dos preparativos da escolta. Iam-se 5empre
com o contingente maior, e durante o trabalho, esgrava-
favarri pelas proximidades. Assim que os de+en+os se pre-
paravam para voltar, eles novamente reintegravam o cortejo.
Espalhou-se por toda a vizinhan‡a o boato de que os gansos
acompanhavam os presos ao trabalho. Os passan+es que
os viam, comentavam: "Olhem os gaik e os gansos. Como
foi que ensinaram isso a eles?" "Tome para os seus gansosl"
acrescentava um outro, dando-nos uma esmola. No entanto,
apesar da sua dedica‡ão, foram os pobres gansos sacrificados
sem do, no fim da quaresma.
Quanto a Vaska, nosso bode branco, ninguern se resol-
veria a ma+61o se não houvesse surgido uma circuns+ancia
especial. Não sei dizer de onde ele viera nem quem o +rou-
xera ao presidio, ainda cabrifinho. Dentro de alguns dias,
RECORDA€OES DA CASA DOS MORTOS
333
1 todos o adoravam, tornara-se o nosso divertimento. Des-
: C¢br 1 lu-se um pretexto para o guardar: era indispensavel um
bode na cavalari‡a (2). Entretanto, não era na cavalari‡a
que cio vivia, e sim primeiro nas cozinhas, depois, em toda
, paria. Essa criatura graciosa e estouvada acorria a pri-
. ~' ~ira chamada, saltava sobre bancos e mesas, lutava a chi- #
fradas co
m os for‡ados, provocava incessantemente alegria
e, risadas. Certo dia, quando os chifres de Vaska ia haviam
atingido um tamanho regular, Babai, o lezghiano, que estava
~,;~ ~ sentado na entrada de uma das casernas, resolveu lutar com
s~ , -61
e, frente a frente. Durante muito tempo mediram for‡as;
esse o passatempo favorito dos for‡ados. De sWito,
Vada saltou no degrau mais alto, e sem deixar ao adversario
o tempo de se por em guarda. erguido sobre as patas tra-
seiras, marrou com os chifres na nuca de Babai, com tanta
destreza e for‡a, que Babai rolou escada abaixo, para gran-
de alegria dos assistentes e do proprio vencido. Eram
todos loucos pelo animal. Quando Vaska atingiu a idade
nubil resolveram, depois de consulta geral ser¡ssima, que o
bode seria submetido a uma determinada opera‡ão que os
nossos veferinarios sabiam praticar com mestria. "Pelo
menos assim não h6 de feder!" explicavam os presos. ApOs
a opera‡ão, Vaska engordou demais. Al s, enchiam-no de
comida. Enfim, fransformou-se num lindo bode, grande e
,gordo, com chifres de no+avel grossura. Gostava de dar
,cabriolas, ao caminhar. Ele fambem nos acompanhava ao
trabalho, para divertimento dos for‡ados o das pessoas que
enconfravamos. Todo o mundo conhecia Vaska, o bode do
presidio. As vezes, por exemplo, se frabalhavamos ... margem
do rio, um de nos colhia ramos de junco e outras folhagens,
ou flores, no fosso, para enfeitar Vaska. Entrela‡avam-lhe
flores e ramos em +orno dos chifres, +eciam-lhe qrinaldas em
redor do corpo. , Na hora da volta, Vaska caminhava sempre
em frente da coluna, pimp5o, enfeitado, e os de+enfos que
lhe acompanhavam o passo, orgulhavam-se dele, ao cruzar
(2) O bode ‚ considerado mascote nas cavalari‡as russas. (N. de H. M.)
1 . 1
1
I #
134
DOSTOIEVSKI
com os transeuntes. O amor que tinham pelo bode era f50
intenso que alguns de n6s, como crian‡as, pensaram em lhe
dourar os chifres. Perguntei um dia a Akinn Akimifch, o
melhor dourador do presidio depois de lsai Fomitch, se real-
mente a cousa era praficavel. Akim fitou o animal com
aferi‡ão, refletiu um bom instante, disse que seria possivel,
sim, mas que o dourado não seguraria, e o resultado não
pagaria o trabalho. E o projeto ficou nisso. Vaska po-
deria ter vivido muito, e morreria de asma e velhice, talvez.
Um dia, porem. o maior, no seu carro, encontrou na estrada
um grupo de for‡ados que voltavam do trabalho, precedidos
por Vaska, engrinaldado e altivo.
- Para! berrou ele. De quem e esse bode?
Explicaram-lhe.
- O que? Um bode no presidio? Sem oermissão
minha? Sub-oficiali
O sub-oficial apareceu, e recebeu ordem imediata de
abater o bode. A pele seria vendida no mercado, a quantia
apurada recolhida a caixa do presidio, e a carne refor‡aria a
sopa dos presos. Discufiu-se muito, lamentou-se Vaska, mas
ninguem se atreveu a infringir as ordens do maior. Mataram
pois o nosso bode Ia do outro lado da fossa do lixo. Sua
carne. comprada em bloco por um dos de+enfos, nos rendeu
um rublo e cinquenta copeques - dinheiro que seria empre-
gado em kalafchi. Depois de preparar um saboroso assado,
o comprador de Vaska o vendeu a retalho, e todos que dele
comeram o acharam excelente.
Durante algum tempo possuimos +ambem uma aguia das
estepes, de +amanho pequeno. Alguem a trouxera ferida, e
em m s condi‡ões. Todos os for‡ados a foram ver, porque
a aguia não podia voar. Sua asa direita pendia por terra
e uma das garras estava quebrada. Ainda revejo os olhos
furiosos que ela deitava ao grupo de homens ao seu redor.
Tinha o bico recurvo entreaberto, pronta a vender caro a
vida. Quando a quiseram examinar, afas+ou-se, mancando,
RECORDA€õES DA CASA DOS MORTOS
335
do numa perna e agitando a asa valida, procurando o
mais afastado do recinto, e se encostou ... cerca.
~u trˆs meses seguidos sem sair do lugar. No cornejo,
1 , ¡3/4 . -la frequentemente, a‡ulando contra ela
, --- presos iam visita
,,,- o, nosso Chari¡k. O cão se atirava ... aguia com furor, mas #
--- ~)~enta evidentemente aproximar-se muito, o que divertia
P,4~ ~~ rdinariamente os for‡ados., "Que animal! diziam. Não
o*ao
um tolo!" Aos poucos, entretanto, Chark curando-se
do, come‡ou a atormentar realmente a aguia, segu-
-a pela asa doente. A ave se defendia altiva e seiva-
te com todas as for‡as, com o bico e as garras, como
rainha ferida; encostada ao seu canto, fixava os curiosos
lhe chegavam perto. Enfim, cansaram-se dela, abando-
m-na, esqueceram-na. Contudo, diariamente se via no
'1~11~, ~~ OU canto um peda‡o de carne fresca e uma tigela de agua:
allguem ainda a cuidava. Durante alguns dias ela não quis
1 , : - so alimentar, depois aceitou a comida, mas nunca das mãos
de ninguem, nem na presen‡a de qualquer um. Mais de uma
vez a observei de longe. Vendo o vazio fazer-se ao seu
'ireclor, supondo-se sozinha, ela se resolvia a sair do seu canto,
` o saltitava dez passos ao longo da pali‡ada: voltava depois
~...-,,_- dto ponto de saida, como se estivesse fazendo um passeio
i"nico. Assim que me avistava, corria, capengando, sal-
'~4ando como lhe era possivel ate o seu canto imutavel. E.
- 1 ~--
. ` 1mediafameriM, com a cabe‡a
erguida, o bico aberto, a plu-
ada, preparava-se para o combate. Meus ca
magem eri‡
rinhos foram inufeis, não consegui amans‚i-la, ela bicava, de-
recusava-se a tocar na carne que eu lhe estendia, e
1,1 , , ,,enquanfd me mantinha inclinado sobre ela, não deixava
e
de me fitar com seu olhar feroz e penetrante. Odien+a
solifaria, esperava a morte, todavia continuava a desafiar
onh
~ 1 E
pri
O00
dc
10
g"'
en
ra
foclo o mundo, a se manter inconciliavel. Afinal, ap6s dois
meses de esquecimento, os for‡ados a recordaram, e a onda
1de simpatia revelou-se de maneira inesperada: resolveram
carrega-ia dal¡.
- At16 porece ‡Qnos‡Q! ex‡lamQu um dos presos,
I #
#
336
DOSTOIEVSKI
- Ora ora descobm+- *-
41
e o ---so sozin oe mas a agu,
uma ave, enquanfo n¢s somos gente. . .
- A - guia, irmãos, ‚ a rainha das florestas... foi c
me‡ando Skuratov, contudo, daquela vez n¡nguern quer
escut -lo.
Uma farde, quando o fambor rufava para a saida a
frabalho, seguraram a ave enferma, apertaram-lhe o bic
€om a mão, porque ela procurava debater-se e bicar, e
levaram afˆ ao basfião. Os doze for‡ados que formavam
grupo estavam curiosiss¡mos por ver aonde a aguia iria. Cov
sa estranha: estavam fão satisfeitos quanto se eles proprio
estivessem sendo solfos.
- õ desgra‡ada, a gente lhe quer fazer um bem,
ela d bicada! disse o homem que segurava a aguia, contem-
plando quase com amor a ave m~l¢vola.
- Solta-a, M¡k¡fkal
- - Nem o diabo a segurava! Essa precisa de liberdade
s0 quer liberdade!
Do alto do fafude, atiraram a aguia para a esfepe.
Era no fim do outono, o dia esfava frio e nevoento. O vento
soprava na estepe nua, e gemia atrav‚s dos altos fefos e da
erva ressequida. A aguia pos-se logo a andar, sacudindo o
asa machucada, como se tivesse pressa em fugir fão longo
quanto seus olhos alcan‡avam. Os for‡ados lhe seguiam
curiosamenfe a cabe‡a que emergia acima do mafo rasfeiro,
- Hein! Olhem aquilo! exclamou um deles, pensativo.
- Nem se volfa para tr s! Nem uma vez se voltou
para tr s, irmãos, tarifa pressa +em dˆ fugir!
- Julgavas que ela havia de se virar para te dizer mui.
fo obrigada?
- Ela est sentindo o cheiro da liberdade, est faro-
jando o c‚u!
- Sim, a liberdade!
- Perdeu-se de vista!
ue e que voces es+go esperando? A caminho!
grifaram os soldados, e os for‡ados todos se encaminharam'
em silencio para o fraboffio,
f
4
#
I #
O
- O1,
1.
1~, µa~.
A queixa
ome‡ando este capitulo, o editor das memorias do fale-
c ciclo Alexandi- Pefrovitch Goriantchikov sente-se no
dever de transmitir ao leitor a seguinte comunica‡ão:
No primeiro capitulo das "Recorda‡ões da Casa dos
,,Mortos" foram feitas certas referencias a um parricida de
origem nobre; apareceu como exemplo da insensibilidIade
corri que alguns for‡ados aludem aos crimes que perpetraram.
Esse parricida, segundo o vimos, jamais confessou o assassinio,
porem as narrativas das pessoas que conheciam minuciosa-
,menfe toda a his+oria do caso lhe estabeleciam a culpabili-
dade de modo tão irrefu+avel que ninguem a poderia por em
duvida. Essas mesmas pessoas contaram ao autor das "Re-
corda‡6es" que o culpado era um ¡nd¡viduo desregrado,
crivado de dividas, e matara o pai acˆso pe~a ansia de herdar
V
f
I I #
340
DOSTOIEVSKI
mais depressa. Alias, toda a cidade natal do parricidŠ*ra
i , , 1
unƒnime em narrar a hisforia, cousa de que o editor
corda‡Ses" se informou ampla a ver2;camenfe. Enfim, o !‡ku-
for das "Recorda‡ões" afirmava que no presid¡o o assassino
mantinha um bom humor consfante, que se mostrava levia~o,
esfouvado, - mas nada tinha de tolo, e não se notava n~le
nenhuma crueldade especial. E então, o autor das "Rec‡~r-
cla‡ões" comenta: "E por isso eu não podia acreditar na
sua culpabilidade!" i,
Ha alguns dias, o edifor das "Recorda‡ões" recebeu
1 V,
da Siberia a noticia de que esse "parricida" tinha as mios
limpas de sangue e cumprira dez anos de pena no pres¡dio
sem os merecer. A propria justi‡a oficial proclamou-lhe
a inocencia; os verdadeiros assassinos µciram descoberf,61 e
confessaram o crime; o infeliz foi -solto. O editor não p"de
por em duvida a aufenficidade dessa noticia. Mas ‚ inutil
discufi-la mais. Que adianta deplorar essa exisfencia mufi-
lada em plena juventude, por acusa‡ão fão horrenda! Que
adiarifa alongarmo-nos sobre a profundidade fragica desse
fato! Ele sozinho fala alto bastante e torna desnecessario
insistir. Pensamos, en+refan+o, que se tais erros ocorrem, a
sua simples possibilidade da um novo e poderoso relevo ...s
cenas da Casa dos Mortos.
J disse que acabei afinal por me habifuar ... minha
sifua‡ão. Todavia esse "afinal" foi duro de, :-,+*,,--*.-,, exigiu-me
.1- 1
quase um ano, o ano mais abominavel da minha vida. E
por isso esse ano se gravou em minha memoria, nos seus de-
falhes mais Infimos. Parece-me que cada hora, uma atr s
da outra, me deixou marca. Ja contei ali s que nenhum for-
‡ado se poderia "habifuar" aquela vida ... Lembro-me que,
no decorrer desse primeiro ano, muifas vezes perguntei a
mim mesmo: "E os outros? terão a alma tão calma quanfo
parece ... primeira vista?" Essa questão me preocupava
muifo. Como j o mencionei, todos os for‡ados viviam"al-i
.não como em sua casa., mas como numa estalagern,, como
numa parada. Os proprios condenados a prisão perpefua,
.1 quer fossem agitados ou apaticos, sonhavam com qualquer
1 :~ ` ossivel, que, porem, lhes aconteceria. Essa continua
Cousa irrip
inquieta‡ão, simulfaneamenfe dissimulada e perceptivel, esse
esse impaciente ardor de esperan‡a que se frafa in-
iamerte e era tão quimerico que se assemelhava a #
io, - tudo tinha em si elementos bastantes para es-
ate ...s pessoas mais praticas. Eram tra‡os que
vam ...quele local um aspecto e um carafer excepcionais.
-por exemplo um de nos, mais pueril ou mais impaciente,
punha repentinamente a descobrir seus sonhos, a proclamar
o que todos pensavam em voz baixa, imediata e bru+almenfe
~,o calavam, cobriam-no de apodos: mas fenho a cerfeza de
,,I
que os seus perseguidores mais encarni‡ados eram justamente
Os que consfruiam a sos os mais insensatos castelos no ar.
J confei, alias, que os individuos sinceros e simples de es-
pirifo eram considerados enfre n6s como sinisfros imbecis,
merecedores apenas de desprezo. Na maioria, eram foclos
muito azedos, muito suscepfiveis, e por isso odiavam em
massa os bons camaradas desprovidos de amor-proprio.
Afora esses poucos tagarelas ingenuos e sem malicia, todo o
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