Corte interamericana de direitos humanos



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Considerações prévias




1. Consideração prévia sobre o objeto do caso perante a Corte Interamericana



Alegações das partes


  1. A Comissão argumentou que o presente caso “se relaciona com a discriminação e ingerência arbitrária na vida particular da [senhora] Atala, ocorridas no contexto de um processo judicial sobre a guarda e cuidado de suas três filhas”, em virtude de supostamente a “orientação sexual [da senhora] Atala, e, principalmente, a expressão dessa orientação em seu projeto de vida, ter sido a base principal das decisões mediante as quais se resolveu retirar-lhe a custódia das crianças”.




  1. Os representantes concordaram com as alegações gerais da Comissão e acrescentaram que “o processo iniciado perante o [S]istema [I]nteramericano […] não teve nem tem por objetivo reabrir o processo de guarda e usar o [S]istema [I]nteramericano como uma quarta instância”. Além disso, argumentaram que “o Estado apresent[ou] a esta […] Corte razões que a Corte Suprema não explicitou na sentença do recurso de queixa, apoiando-se em documentos de que a Corte Suprema teve conhecimento e que desconsiderou ao proferir a sentença”.




  1. Por sua vez, o Estado argumentou que “não é verdadeiro que a razão pela qual os tribunais chilenos resolveram retirar a guarda da mãe para entregá-la ao pai, no caso das crianças López Atala, fora a orientação sexual” da senhora Atala. Em especial, o Estado alegou que “o objeto do processo de guarda […] não foi a declaração de incapacidade da mãe, mas a determinação do pai ou mãe que nesse momento oferecesse melhores condições para assegurar o bem-estar das três crianças”. Nesse sentido, arguiu que “[n]ão é verdadeiro que o fundamento das referidas decisões fosse a orientação sexual da mãe ou somente sua expressão. Pelo contrário, de seu teor depreende-se […] que o fundamento foi o interesse superior da criança, e que, nesse contexto, a orientação sexual da demandada foi considerada, entre outras circunstâncias, na medida em que sua expressão teve efeitos concretos adversos no bem-estar das crianças”. De acordo com o Estado, “a sentença da Corte Suprema decidiu que os tribunais inferiores incorreram em falta ou abuso grave ao infringir as regras de avaliação da prova, […] pois […] esses tribunais não ponderaram em seu conjunto o mérito da totalidade da prova”.




  1. De maneira geral, o Estado alegou que no processo de guarda “exist[iam] abundantes provas […] que comprov[avam …] as melhores condições que o pai oferecia par[a] o bem-estar” das crianças. Concretamente, o Estado argumentou que “existia prova contundente que dava conta de que a demandada mostrava uma intensa atitude centrada em si mesma e características pessoais que dificultavam o exercício adequado de seu papel materno, circunstâncias que levaram a concluir que a mãe não oferecia um ambiente idôneo para o desenvolvimento das filhas”.




  1. Por outro lado, o Estado arguiu que, “a respeito do pai, havia evidência considerável […] que garanti[ria]: i) sua dedicação e esmero no cuidado das filhas; ii) suas aptidões para o exercício da criação; iii) o ambiente favorável que oferecia para o bem-estar das filhas; e iv) a relação positiva que havia entre as crianças e a companheira do demandante”. Além disso, o Estado declarou que, ao examinar a prova constante dos autos, se evidenciaria que a decisão de guarda provisória “incluía também matérias alheias à referida orientação sexual, como a determinação do pai ou mãe que oferecia maior grau de compromisso e de atenção com as crianças”.


Considerações da Corte


  1. Das alegações apresentadas pelo Estado, bem como da prova que consta dos autos, a Corte considera que no processo de guarda foram debatidos, inter alia, os seguintes aspectos: i) a orientação sexual da senhora Atala; ii) a personalidade da senhora Atala; iii) os supostos danos que teriam sido causados às crianças; e iv) a alegada prioridade que a senhora Atala daria a seus interesses pessoais. Por outro lado, em relação ao pai das crianças, expuseram-se, no âmbito do processo de guarda, argumentos favoráveis e contrários à possibilidade de oferecer maior bem-estar às crianças. O Estado considerou que a Corte Interamericana deve analisar a totalidade da prova apresentada no processo de guarda e não somente as sentenças proferidas pelos tribunais internos.




  1. A esse respeito, o Tribunal reitera que a jurisdição internacional tem caráter subsidiário,77 coadjuvante e complementar,78 razão pela qual não desempenha funções de tribunal de “quarta instância”. A Corte não é um tribunal de alçada ou de recurso para dirimir as desavenças entre as partes quanto a alguns alcances da avaliação de prova ou da aplicação do direito interno em aspectos que não estejam diretamente relacionados ao cumprimento de obrigações internacionais de direitos humanos. É por isso que sustentou que, em princípio, “cabe aos tribunais do Estado o exame dos fatos e das provas apresentadas nas causas específicas”.79




  1. De acordo com o acima exposto, não cabe a este Tribunal determinar se a mãe, ou o pai, das três crianças oferecia um lar melhor para elas, ou avaliar prova com essa finalidade específica, pois isso se encontra fora do objeto deste caso, cujo propósito é definir se as autoridades judiciais violaram ou não obrigações estipuladas na Convenção. Do mesmo modo, e em virtude do caráter subsidiário do Sistema Interamericano, a Corte tampouco é competente para decidir sobre a guarda das três crianças, M., V. e R., porquanto se trata de matéria do direito interno chileno. Desse modo, a guarda atual das menores de idade não é matéria do presente caso.



2. Consideração prévia sobre a participação das crianças M., V. e R.





  1. Na Resolução de 29 de novembro de 2011 (par. 12 supra), esta Corte salientou que em nenhuma parte dos autos havia uma manifestação precisa por parte das crianças M., V. e R. a respeito de sua concordância com a representação que exercia qualquer dos pais, e de seu desejo de serem consideradas supostas vítimas neste caso. A Corte ressaltou que, embora existissem dois escritos mediante os quais tanto o pai quanto a mãe declaravam que atuavam em representação das três crianças perante este Tribunal, a posição da mãe e do pai não necessariamente representavam os interesses das crianças.




  1. Por outro lado, o Tribunal, na citada Resolução, salientou que as crianças exercem seus direitos de maneira progressiva na medida em que desenvolvem maior nível de autonomia pessoal, razão pela qual na primeira infância agem nesse sentido por meio dos familiares. Evidentemente, há grande variação no grau de desenvolvimento físico e intelectual, na experiência e na informação que cada criança possui. Portanto, na condução da diligência realizada segundo o disposto na mencionada Resolução (par. 13 supra) levou-se em conta que as três crianças têm nesse momento 12, 13 e 17 anos de idade e, consequentemente, poderiam existir diferenças de opinião e no nível de autonomia pessoal para o exercício dos direitos de cada uma delas. No presente caso, em 8 de fevereiro de 2012, foram ouvidas duas das crianças (par. 13 supra).




  1. Durante essa diligência, o pessoal da Secretaria foi acompanhado pela psiquiatra María Alicia Espinoza.80 Antes de realizar a diligência, a delegação da Secretaria da Corte manteve uma reunião prévia com essa psiquiatra, que consistiu numa troca de ideias com a finalidade de garantir que a informação prestada fosse acessível e apropriada para as crianças. Levando em conta as normas internacionais sobre o direito das crianças de serem ouvidas (pars. 196 a 200 infra), as crianças M. e R. foram, em primeiro lugar, informadas de maneira conjunta pelo pessoal da Secretaria sobre seu direito de serem ouvidas, os efeitos ou consequências que suas opiniões poderiam provocar no processo contencioso no presente caso, a posição e as alegações das partes no caso, e foram consultadas sobre o desejo de continuar participando da diligência. Posteriormente, em vez de realizar um exame unilateral, manteve-se uma conversa separada com cada criança, com o objetivo de oferecer-lhes um ambiente propício e de confiança. Durante a diligência nenhum dos pais e nenhuma das partes esteve presente. Além disso, a diligência realizada com as crianças foi privada em virtude do pedido de confidencialidade da identidade das crianças tanto por parte da Comissão e dos representantes no presente caso (nota 3 supra), como pela necessidade de proteger o interesse superior das crianças e seu direito à intimidade. Além disso, as crianças solicitaram expressamente que se mantivesse absoluta reserva sobre tudo que declarassem na reunião.




  1. Durante a diligência realizada em 8 de fevereiro de 2012, as crianças M. e R. declararam que conheciam e entendiam os temas relacionados com as três alegadas violações pelas quais foram apresentadas como supostas vítimas no presente caso (pars. 150, 176, 178 e 201 infra). Com base nas declarações das duas crianças e levando em conta o desenvolvimento progressivo dos direitos das crianças, a Corte observa que duas das crianças expressaram de maneira livre e independente suas próprias opiniões e juízos formados sobre os fatos do caso que a elas concernem, bem como algumas de suas expectativas e interesses na solução deste caso. Portanto, a Corte as considerará supostas vítimas no presente caso (pars. 150, 176, 178 e 208 infra).




  1. Como se informou anteriormente, a menina V. não participou dessa diligência por motivo de força maior (par. 13 supra). Com base nas considerações anteriores, o Tribunal não encontra elemento algum para considerar que a menina V. não se encontra na mesma condição de suas irmãs (pars. 150, 176, 178 e 208 infra). Entretanto, para efeitos das reparações, a autoridade nacional competente para a infância deverá constatar de maneira privada a opinião livre da menina V. sobre seu desejo de ser considerada parte lesada.




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