Esses estranhos Homens deveriam ficar muito satisfeitos por serem julgados mais maldosos dó que realmente são



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“Um outro tipo de batismo, pelo lado de dentro”, disse Tibbett. “Ingestão. Gosto disso.”

“E quanto à fé no prazer?”, disse Crope. “Uma bruxa ou um feiticeiro podem pegar um animal e, através de um feitiço, transformá-lo em Animal?”

“Bem, essa é a coisa que eu tenho pesquisado”, disse Elphaba. “Os adeptos da fé no prazer dizem que se algo ― Lurline ou o Deus Inominável ― fez a coisa uma vez, a magia pode fazê-la de novo. Eles chegam a insinuar que a distinção original entre Animais e animais foi um feitiço da Bruxa de Kumbric, tão forte e duradouro que nunca se esgotou. Isso é propaganda perigosa, maldade encarnada. Ninguém sabe se existe uma coisa como a Bruxa de Kumbric, e deixa pra lá se algum dia existiu. Quanto a mim, penso que é uma parte do ciclo lurlinista que se desligou do conjunto e se desenvolveu independentemente. Besteira total. Não temos prova de que a magia seja tão poderosa...”

“Não temos prova de que o Deus seja tão poderoso”, interrompeu Tibbett.

“Me parece um argumento tão bom contra o Deus quanto contra a magia”, disse Elphaba, “mas, não tem importância. A questão é que, se for um duradouro feitiço de Kumbric, que venha se arrastando há séculos, pode ser reversível. Ou pode ser percebido como reversível, o que é igualmente ruim. Nesse ínterim, enquanto os feiticeiros estão ocupados experimentando seus encantos e feitiços, os Animais estão perdendo seus direitos, um a um. De um modo lento o bastante para que fique difícil se notar que é uma campanha política coerente. É um cenário perigoso, um que o Doutor Dillamond não percebeu...”

A essa altura da conversa, Elphaba puxou a parte do albornoz de seu manto sobre a cabeça e desapareceu nas sombras de suas dobras. “O quê?” disse Boq, mas ela pôs um dedo sobre os lábios. Crope e Tibbett, como que seguindo uma deixa, deram para representar alguma palhaçada tal como serem seqüestrados por piratas do deserto e obrigados a dançar o fandango trajados apenas com grilhões de escravos. Boq não viu nada errado: um par de escriturários lendo as formalidades do dia, algumas senhoras gentis com suas limonadas e romances, uma criatura tiquetaqueante comprando grãos de café pelo peso, uma paródia de um velho professor tentando resolver algum teorema pelo ato de arrumar e rearrumar cubos de açúcar que estavam ao lado de sua faca de manteiga.

Momentos depois, Elphaba relaxou. “Aquela coisa tiquetaqueante trabalha em Crage Hall. Acho que se chama Grommetik. Serve à Madame Morrible como um boneco doente de amor pela dona. Não acho que me viu.”

Mas ela estava nervosa demais para continuar a conversa, e depois que ficou claro quais seriam suas próximas tarefas, o grupo se dispersou pelas ruas nevoentas.


5
Duas semanas antes que Briscoe Hall reabrisse para o segundo semestre, Avaric retornou de sua casa, o sítio do Margrave de Dez Campos. Ele zombou de Boq por ter estreitado relações de amizade com rapazes do Três Rainhas, e sob outras circunstâncias Boq provavelmente teria deixado sua nova aliança com Crope e Tibbett se desfazer. Mas eles estavam todos engajados na pesquisa para o Doutor Dillamong agora, e Boq simples-mente ignorou os escárnios de Avaric.

Elphaba disse um dia que havia recebido uma carta de Galinda, que viajara com as amigas para o Lago Chorge. “Você acredita numa coisa dessas? ― ela propôs que eu pegasse uma carruagem e fosse visitá-la num fim de semana”, disse Elphaba. “Ela deve estar realmente pra lá de enfadada com aquelas garotas de sociedade.”

“Bem, Elfinha, quando você irá?”, perguntou Boq.

“Nunca”, disse Elphaba. “Este nosso trabalho é importante demais.”

“Deixe-me ver a carta.”

“Não está comigo.”

“Traga-a, então.”

“O que é que você está querendo?”

“Talvez ela precise de você. Ela parece estar sempre precisando de você.”

“Ela precisar de mim?”, Elphaba riu, bem alto e asperamente. “Bem sei que você está louco de amor e me sinto um pouco responsável por isso. Eu lhe mostrarei a carta na semana que vem. Mas não vou fazer isso só pra lhe dar uma emoção vicariante, Boq. Ou se é amigo ou não.”

Na outra semana ela entregou a carta.
Minha cara Senhorita Elphaba,

Fui autorizada a lhe escrever por minhas anfitriãs, as Senhoritas Pfannee de Pfann Hall e Shenshen do Clã de Minkos. Estamos passando um verão adorável no Lago Chorge. O ar é tranqüilo e doce e tudo é completamente agradável. Se quiser nos visitar por três ou quatro dias antes de as aulas recomeçarem, sabemos que tem trabalhado duro por todo o verão. Poderia ser uma pequena mudança. Se gostar da idéia de vir, não é preciso escrever para fazer uma visita. E só pegar a carruagem em Vale do Nunca e vir a pé ou alugar uma carruagem menor, de dois lugares, fica a só uma ou duas milhas pela ponte. A casa é de luxo, coberta por rosas e hera, conhecida como o “Capricho dos Pinhais”.

Quem não adoraria um lugar desses! Eu espero que você venha mesmo! Tenho a esperança de que você venha por razões que não ouso escrever. Não posso recomendar-lhe acompanhantes, pois Ama Clutch já se encontra aqui, e também estão aqui Ama Clipp e Ama Vimp. Você pode decidir. Esperamos por longas horas de conversa divertida. Sempre sua amiga querida,
Senhorita Galinda das Arduennas das Terras Altas

33, Alto Verão, meio-dia em Capricho dos Pinhais.


“Mas, você deve ir!”, Boq gritou. “Olha só como ela escreve para você!”

“Ela escreve como alguém que não tem o hábito de escrever”, Elphaba observou.

“Eu espero que você venha mesmo!”, ela diz. “Ela precisa de você, Elphaba. Insisto em que você vá!”

“Oh, você insiste? Por que não vai você mesmo, então?”, disse Elphaba.

“Eu não poderia ir, não tendo sido convidado.”

“Bem, isso é fácil de resolver. Eu escreverei e direi a ela para convidar você”, Elphaba procurou um lápis em seu bolso.

“Não me trate como bobo, Senhorita Elphaba”, disse Boq severa-mente. “Isso deve ser levado a sério.”

“Você está louco de amor e iludido”, disse Elphaba. “E eu não gosto disso de você ter voltado a me chamar de ‘Senhorita Elphaba’ para me punir por discordar de você. Além disso, não posso ir. Eu não tenho acompanhante.”

“Serei seu acompanhante.”

“Hah! Como se Madame Morrible permitisse uma coisa dessas!”

“Bem ― que tal” ― Boq olhou em derredor ― “que tal meu amigo Avaric? Ele é filho do margrave. Devido a essa posição, é imaculado. Até Madame Morrible se acovardaria diante do filho de um margrave."

“Madame Morrible não se acovardaria nem diante de um furacão. Ademais, você não tem consideração por mim? Não me agrada muito a idéia de viajar com esse Avaric.”

“Elfinha”, disse Boq, “você me deve essa. Eu venho lhe ajudando todo o verão, e pedi a Crope e Tibbett que a ajudassem também. Agora, é hora de me pagar. Você pedirá ao Doutor Dillamond para ficar uns dias fora, e eu pedirei o mesmo a Avaric, que está arrebentando de vontade de fazer alguma coisa. Nós três iremos para o Lago Chorge. Avaric e eu alugaremos um quarto numa taberna, e ficaremos um tempinho. Tempo suficiente para ter certeza de que a Senhorita Galinda está bem.”

“É com você que me preocupo, não com ela”, disse Elphaba, mas Boq viu que tinha vencido.

Madame Morrible não queria liberar Elphaba aos cuidados de Avaric. “Seu querido pai nunca me perdoaria”, ela disse. “Mas eu não sou a Madame Horrível que você julga que sou. Oh, sim, eu bem sei como me chama por aí, Senhorita Elphaba. Tão divertido, tão juvenil! Eu me preocupo com seu bem-estar. E com toda essa trabalheira no verão todo, vejo que ficou, oh, como dizer, verde-grisalha? Portanto, farei uma proposta de compromisso. Desde que você convença Mestre Avaric e Mestre Boq a viajar com você e meu pequenino Grommetik, que deixarei a seus cuidados cuidando também de você, permitirei seu pequeno folguedo de verão.”

Elphaba, Boq e Avaric foram no coche, e Grommetik foi levado lá em cima, com a bagagem. Elphaba procurava os olhos de Boq de vez em quando, fazendo uma careta, mas ignorava Avaric, por quem sentira uma aversão instantânea.

Quando terminou de preencher as formalidades, Avaric provocou Boq sobre a viagem. “Eu devia ter notado quando parti em férias de verão que você estava sucumbindo às dores do amor! Você me apareceu com aquela carranca de queixo duro e isso me enganou. Pensei que era tuberculose, no mínimo. Você devia ter saído comigo naquela noite antes da minha partida! Uma visita ao Clube de Filosofia teria sido exatamente o que o médico prescreveria.”

Boq estava mortificado por ver uma espelunca daquelas ser mencionada na presença de uma mulher. Mas Elphaba pareceu não se ofender. Talvez não soubesse o que o clube era. Ele tentou desviar Avaric desse assunto.

“Você não conhece a Senhorita Galinda, mas vai achá-la encantadora”, ele disse. “Eu garanto.” E ela provavelmente achará você encantador, ele pensou, um pouco mais tarde. Mas ele estava disposto a até mesmo conviver com isso, se tivesse de ser o preço para ajudar Galinda a sair de uma situação complicada.

Avaric se dirigiu a Elphaba com desprezo. “Senhorita Elphaba”, disse formalmente, “seu nome por acaso significa que há sangue de elfo na família?”

“Que idéia original”, disse Elphaba. “Se houvesse, suponho que meus membros seriam tão quebradiços quanto massa não-cozida, e se romperiam com a mais leve das pressões. Você se importaria de fazer um pouco de força?" Ela ofereceu um antebraço, tão verde quanto um limão na prima-vera. “Faça, eu estou pedindo, assim poderemos esclarecer essa questão de uma vez por todas. Concluiremos que a força relativa que você necessita para quebrar meu braço ― oposta a outros braços que você quebrou ― é proporcional à relativa quantidade de sangue humano versus sangue de elfo nas minhas veias.”

“É claro que eu não vou tocar em você”, disse Avaric, esforçando-se por dar às coisas mais de um sentido.

“O elfo que há em mim lamenta”, disse Elphaba. “Se você tivesse me desmembrado, eu poderia ter sido mandada de volta a Shiz em pequenos pedaços e sido poupada do tédio desta féria forçada. E de certas companhias.”

“Oh, Elfinha”, Boq suspirou. “Isso não é um bom começo, como sabe.”

“Eu acho que está excelente”, disse Avaric, olhando com ferocidade.

“Eu não sabia que a amizade exigia tanto assim”, retrucou Elphaba a Boq. “Antes, eu estava bem melhor.”

Era tarde avançada quando chegaram a Vale do Nunca e se alojaram na taberna, e pegaram a pé o caminho às margens do lago para Capricho dos Pinhais.

Duas mulheres idosas estavam ao sol no pórtico, descascando feijões-de-cerca e quebra-punhos. Aquela que Boq reconheceu foi Ama Clutch, a acompanhante de Galinda; a outra devia ser a conselheira da Senhorita Shenshen ou da Senhorita Pfannee. Elas se assustaram ao ver a procissão que chegava, e Ama Clutch deu alguns passos adiante, os feijões-de-cerca caindo de seu colo. “Bem, ora essa”, ela disse enquanto eles subiam, “é a Senhorita Elphaba em carne e osso. Pelas barbas do meu tio. Por essa eu não esperava.” Ela foi avante, e apertou Elphaba em seus braços. Elphaba ficou tão rija como uma figura de gesso.

“Dê-nos um minutinho para recuperar o fôlego, patinhos”, disse Ama Clutch. “O que, pelos santos céus, você está fazendo aqui, Senhorita Elphaba? Não parece possível.”

“Fui convidada pela Senhorita Galinda”, disse Elphaba, “e meus companheiros de viagem aqui insistiram em me acompanhar. Então, senti-me forçada a aceitar.”

“Não sei nada disso”, disse Ama Clutch. “Senhorita Elphaba, deixe-me levar essa bagagem pesada e providenciar algo limpo para você se vestir. Você deve estar exausta da viagem. Os cavalheiros aí na certa ficarão na aldeia. Mas, agora, as garotas estão na casinha de verão na beira do lago.”

Os viajantes seguiram por uma trilha interrompida por degraus de pedra nas partes mais íngremes. Grommetik andava devagar, e foi deixado lá para trás, e ninguém sentiu vontade de se retardar e dar uma mãozinha a uma figura de pele dura e pensamentos mecânicos. Margeando o renque final de moitas de azevinho, eles chegaram ao quiosque.

Era um esboço de casa de troncos rústicos, seis lados abertos ao vento, ornada com galhos em forma de arabescos, tendo o Lago Chorge como um poderoso campo azul ao fundo. As garotas estavam sentadas nos degraus e em cadeiras de vime, e Ama Clipp estava absorta em algum trabalhinho de mão envolvendo três agulhas e muitas cores de linha.

“Senhorita Galinda!”, irrompeu Boq, precisando que a sua fosse a primeira voz a ser ouvida.

As garotas ergueram as cabeças. Em evanescentes camisolas de verão, livres de cintos e anquinhas, pareciam pássaros a ponto de levantar vôo.

“Cruz-credo!”, disse Galinda, de queixo caído. “O que você está fazendo aqui?”

“Eu não estou prevenida!”, gritou Shenshen, chamando a atenção para seus pés descalços e seus pálidos tornozelos expostos.

Pfannee mordeu um canto de seu lábio e tentou converter seu sorriso afetado num sorriso de boas-vindas.

“Eu não vou ficar muito tempo”, disse Elphaba. “A propósito, meninas, este é o Mestre Avaric, Descendente do Margrave de Dez Campos, Gillikin. E este é o Mestre Boq da Terra de Munchkin. Ambos vêm de Briscoe Hall. Mestre Avaric, como se você já não pudesse notar pela ex-pressão apaixonada no rosto de Mestre Boq, estas são a Senhorita Galinda das Arduennas e a Senhorita Shenshen e a Senhorita Pfannee, que podem declinar seus pedigrees perfeitamente bem.”

“Mas, que encanto, que brincadeira”, disse a Senhorita Shenshen. “Senhorita Elphaba que-nunca-nos-dá-a-mínima, você se redimiu pelo resto da vida por essa surpresa agradável. Como estão, cavalheiros?”

“Mas”, gaguejou Galinda, “mas, por que vocês vieram? O que há de errado?”

“Estou aqui porque estupidamente mencionei seu convite ao Mestre Boq, que o interpretou como um sinal do Deus Inominável de que deveríamos vir.”

Mas, a essa altura, a Senhorita Pfannee não pôde mais se controlar, e caiu no chão do quiosque, contorcendo-se de rir. “O quê?”, disse Shenshen, “o quê?”

“Mas, de que convite você está falando?”

“Eu não preciso lhe mostrar”, disse Elphaba. Pela primeira vez desde que Boq a conhecera, ela se mostrou confusa. “Com certeza não preciso trazê-lo...”

“Acho que armaram para que eu ficasse mortificada”, disse Galinda, lançando um olhar feroz para a desamparada Pfannee. “Estou sendo humilhada por esporte. Isso não é engraçado, Senhorita Pfannee! Eu estou quase ― quase dando um pontapé em você!”

Foi quando Grommetik se arremeteu pela margem das moitas de aze-vinho. A visão da estúpida coisa acobreada balançando junto a um degrau de pedra fez Shenshen despencar junto a uma coluna e se juntar a Pfannee numa gargalhada incontrolável. Até Ama Clutch se pôs a sorrir enquanto recolhia os pertences das garotas.

“Mas, o que está acontecendo?”, disse Elphaba.

“Você nasceu para me dar azar?”, Galinda disse, chorosa, para sua colega de quarto. “Eu pedi a sua companhia?”

“Não”, disse Boq. “Não, Senhorita Galinda, por favor, não diga outra palavra. Você está furiosa.”

“Fui ― eu ― que ― escrevi ― a ― carta”, arquejou Pfannee, em meio às suas explosões de gargalhada. Avaric começou a rir, e os olhos de Elphaba ficaram arregalados e meio fora de foco.

“Você quer dizer que não me convidou para visitá-la aqui?”, disse Elphaba a Galinda.

“Oh, querida, não, eu não convidei”, disse Galinda. Em sua raiva, ela começava a recuperar um pouco do controle, mesmo assim, imaginou Boq, o erro fora cometido com boa intenção. “Minha querida Senhorita Elphaba, eu não teria nem sonhado expô-la a crueldades tão impensadas como as que essas garotas aprontam umas com as outras e comigo só por diversão. Além disso, você não faria sentido num lugar desses.”

“Mas, eu fui convidada”, disse Elphaba. “Senhorita Pfannee, foi você, em vez da senhorita Galinda, que escreveu aquela carta?”

“E você engoliu!”, riu Pfannee, deliciada.

“Bem, esta é a sua casa e eu aceito o convite, mesmo que tenha sido escrito sob falsas intenções”, Elphaba disse, sua voz tranqüilamente convicta enquanto olhava fixamente para os olhos apertados da Senhorita Pfannee. “Vou lá desfazer as minhas malas.”

Com passadas largas, ela se afastou. Somente Grommetik a seguiu. O ar azedou com as coisas não-ditas. Pouco a pouco a histeria de Pfannee foi se aquietando, e ela apenas bufava e respirava com dificuldade, e por fim se tranqüilizou, deitando-se despenteada, vaporosamente, no chão de laje do quiosque.

“Bem, vocês não precisam ficar me perfurando com suas fungadas de desprezo”, ela disse por fim. “Foi uma brincadeira.”

Elphaba ficou em seu quarto por um dia. Galinda ia e vinha, ocupada com um jantar. Ela veio e ficou por alguns minutos. Os rapazes se puseram a nadar e remar no lago com as garotas. Boq tentou insuflar em si mesmo um interesse por Shenshen ou Pfannee, que, claro, eram coquetes o bastante. Mas as duas pareciam encantadas era com Avaric.

Por fim, Boq encurralou Galinda na varanda e reclamou que ela conversasse com ele. Ela concordou, um pouco de sua conduta recatada re-tornando, e eles se sentaram a uma pequena distância um do outro numa cadeira de balanço. “Suponho que eu seja culpado por não ter notado essa artimanha”, disse Boq. “Elfinha não estava querendo aceitar o convite. Eu que forcei.”

“O que significa esse Elfinha agora?”, disse Galinda. “O que se passou de fato nesse verão, posso perguntar?”

“Nós nos tornamos amigos.”

“Bem, posso jurar que já tinha notado isso. Por que você a forçou a aceitar o convite? Você não sabia que eu não escreveria uma coisa daquelas?”

“Como poderia saber? Você é a colega de quarto dela.”

“Por ordens expressas da Madame Morrible, não por escolha minha! Faço questão de lembrar isso!”

“Eu não sabia. Vocês pareciam unidas.”

Ela fungou, fez um bico, mas parecia ser uma observação que dirigia apenas a si mesma.

Boq continuou: “Se você foi tão miseravelmente humilhada, por que não vai embora?”.

“Talvez eu faça isso mesmo”, ela disse. “Estou pensando. Elphaba diz que partir é admitir a derrota. No entanto, se ela sair de seu esconderijo e começar a enturmar com o resto de vocês ― e comigo ― a brincadeira ficará insuportável. Elas não gostam dela”, explicou.

“Bem, nem você gosta, é o que acho!”, disse Boq, num sussurro explosivo.

“É diferente, eu tenho direito e razão”, ela replicou. “Eu sou forçada a me relacionar com ela! E tudo porque minha Ama estúpida pisou num prego enferrujado na estação ferroviária de Frottica e perdeu o rumo! Minha carreira acadêmica toda virando fumaça por causa do descuido de minha Ama! Quando eu for uma feiticeira, vou me vingar dela por isso!”

“Você poderia dizer que Elphaba nos trouxe juntos”, disse Boq suavemente. “Sou tão chegado a ela como sou chegado a você.”

Galinda pareceu a ponto de desistir. Ela recostou sua cabeça nas almofadas aveludadas da cadeira de balanço e disse: “Boq, você sabe que, a despeito de tudo, eu o acho um tantinho doce. Você é um tantinho doce e um tantinho encantador e um tantinho irritante e um tantinho viciante.”

Boq prendeu a respiração.

“Mas você é baixo!”, ela concluiu. “Você é um munchkinês, pelo amor de Deus!”

Ele a beijou, beijou, beijou, beijou pedacinho a pedacinho.

No dia seguinte Elphaba, Galinda, Boq e Grommetik ― e, natural-mente, Ama Clutch ― fizeram a viagem de seis horas de volta a Shiz com pouco mais que uma dúzia de palavras trocadas entre eles. Avaric ficou para trás desfrutando Pfanee e Shenshen. A chuva amaldiçoada cobria os arredores de Shiz, e as augustas fachadas de Crage Hall e Briscoe Hall estavam quase invisíveis de tão cobertas pela névoa quando eles chegaram, finalmente, em casa.

6
Boq não teve tempo ou vontade de fazer comentários sobre seu romance quando viu Crope e Tibbett. O bibliotecário rinoceronte, que até aí prestara escassa atenção nos rapazes ou em seu rendimento no verão, subitamente dera-se conta de quão pouco fora obtido, e era só reumáticas bufadas e olhos vigilantes. Os rapazes conversavam pouco, escovavam e limpavam os pergaminhos, e esfregavam óleo de frango d’água nas encadernações de couro e poliam os fechos de metal. Faltavam poucos dias para que esse tédio acabasse.

Numa tarde, Boq deixou seu olhar se deter num códice que estava manuseando. Geralmente, ele trabalhava sem atentar para o assunto dos materiais com que estava lidando, mas seu olho foi atraído pelo traço em vermelho vivo aplicado na ilustração. Era um quadro ― de talvez quatrocentos, quinhentos anos? ― de uma Bruxa de Kumbric. Alguma preocupação ou ansiedade visionária quanto à magia havia inspirado o pincel de um monge. A Bruxa ficava num istmo que ligava duas terras rochosas, e se estendia sobre os dois lados de mar azul-cerúleo, com lábios branqueados por ondas de um vigor e uma particularidade surpreendentes. Segurava em suas mãos um animal de espécie irreconhecível, embora ele estivesse claramente afundado, ou quase afundado. Ela o embalava num braço que, sem considerar a real flexibilidade do esqueleto, circundava afetuosamente as costas úmidas e cheias de ferrões peludos do animal. Com sua outra mão, tirava um seio de seu manto, oferecendo de mamar à criatura. Sua expressão era difícil de decifrar, ou teria a mão do monge manchado, ou o peso do passar dos anos e da sujeira teriam dado a ela um esfumo de simpatia? Ela era quase maternal, como se acalentasse uma criança desamparada. Seu olhar era interiorizado, ou melancólico, ou algo mais. Mas, seus pés não combinavam com sua expressão, pois estavam plantados na praia estreita com garras bem fechadas, que apontavam nos sapatos cor de prata, cujo brilho de moedas-do-reino tinha atraído o olhar de Boq a princípio. Ademais, os pés estavam virados em ângulos de noventa graus para as canelas. Eles mostravam em perfil, como imagens de espelho, calcanhares unidos e dedos apontando em direções opostas, feito uma postura de balé. O traje era de um azul esmaecido de aurora. Ele adivinhou, pelos tons esmaltados do trabalho, que o documento não era aberto havia séculos.

Dramaticamente, ou teologicamente, essa imagem parecia alguma espécie de híbrido dos mitos da criação dos Animais. Ali estavam as águas do dilúvio, derivassem elas das lendas de Lurline ou das do Deus Inominável, estivessem elas emergindo ou afundando. A Bruxa de Kumbric estaria interferindo ou executando o destino traçado dos animais? Embora num texto muito rabiscado e arcaico para que Boq pudesse decifrá-lo, talvez esse documento oferecesse fundamento à fábula de um feitiço da Bruxa de Kumbric que dera aos Animais os dons da fala, da memória e do remorso. Talvez ele simplesmente a refutasse, mas com brilho. Por qualquer ângulo que fosse olhado, havia nele o sincretismo do mito, o apetite feliz por ampliar a abrangência da narrativa que este possui. Talvez essa pintura fosse a sugestão de algum monge assustado de que os Animais houvessem recebido as suas forças ainda por uma outra espécie de batismo, amamentados pela teta da Bruxa de Kumbric? Induzidos pelo leite da Bruxa?

Esse tipo de análise não era o seu ponto forte. Ele tivera tempos difíceis o bastante analisando os nutrientes e as pragas comuns da cevada. Ele faria o impensável e entregaria esse verdadeiro pergaminho ao Doutor Dillamond. Seria valioso saber o que ele significava.

Ou talvez, pensou enquanto caminhava rapidamente à procura de Elphaba, com a coisa escondida com segurança no fundo do bolso de sua capa e bem distante da biblioteca do Três Rainhas, talvez a Bruxa não estivesse alimentando o animal encharcado, mas matando-o? E se estivesse sacrificando-o para deter o dilúvio?

A arte estava muito, muito além de seu entendimento.

Ele tinha recorrido a Ama Clutch no bazar e pedido a ela que entregasse um bilhete a Elphaba. A boa mulher lhe parecera mais simpática que de costume; estaria Galinda tecendo louvores a ele na privacidade de seu quarto?


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