História Universal da Destruição dos Livros Das Tábuas Sumérias à Guerra do Iraque Fernando Báez



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Regimes censores
I
A expansão do comunismo conspirou contra a cultura de países inteiros. De 1944 a 1945, dezenas de bibliotecas foram destruídas em Budapeste, capital da Hungria. Bibliotecas como a do Parlamento, a da Academia de Ciências e a do Instituto Politécnico foram incendiadas sem piedade. Na Romênia a situação se repetiu: trezentos mil livros desapareceram nos ataques de 1945.515 A biblioteca do Instituto Politécnico de Jassy foi destruída, juntamente com 150 mil livros e quatro mil revistas sobre temas matemáticos. A divisão da Alemanha permitiu aos soviéticos construir um muro para impedir os ocidentais de conhecer os expurgos culturais na Alemanha Oriental, onde em 1953 os comunistas confiscaram cinco milhões de livros e os destruíram.

Asaf Rustamov, escritor e defensor da medicina tradicional do Azerbaijão, contou uma história que retrata o regime de Stalin. Quando tinha dez anos, em julho de 1928, vivia em Lahij, uma aldeia caucasiana no Azerbaijão, país submetido pelo expansionismo comunista. Um grupo de agentes governamentais chegou à aldeia e mandou reunir os livros existentes. Quem desafiasse a medida, morreria; quem, às cinco da tarde do mesmo dia, não entregasse seus livros, morreria. Os livros eram escritos na mesma língua do Corão, mas os agentes consideravam tudo mero ópio do povo. No fim do dia, reuniram a população, insuflaram a liberdade coletiva e queimaram os livros. Rustamov não conclui aqui seu relato: segundo ele, em 1949, quando era soldado do exército russo, teve de queimar seus próprios livros devido à advertência de um amigo seu da KGB. Queimou sua biblioteca e sentiu um vazio enorme. Vários dias depois ainda chorava.


II
A literatura espanhola foi cortada ao meio pelo terror do regime de Francisco Franco. Durante os primeiros 28 anos vigorou a Lei de Imprensa de 22 de abril de 1938, uma lei que só foi substituída em 18 de março de 1966 pela Lei de Imprensa elaborada em boa parte por Manuel Fraga Iribarne, ministro de Informação e Turismo. Essas duas leis só serviram para intimidar e combater a liberdade de criação. Milhares de livros foram convertidos em pastas de papel ou queimados.

No fragor dos combates contra o regime de Ceausescu, na Romênia, mais de quinhentos mil livros da biblioteca da Universidade de Bucareste foram destruídos e outras dezenas de bibliotecas ficaram em ruínas.

"Não há livros. O Governo do Povo triunfou." Um letreiro com essa estranha mensagem se manteve pendurado na entrada da Biblioteca Nacional do Camboja durante alguns meses do início de 1976. No interior desse centro, camponeses e soldados conviviam em barracas junto com porcos e galinhas que dormiam onde antes se encontravam estantes e cadeiras. Os poucos livros que ainda sobreviviam eram utilizados para trabalhos cotidianos ou para amarrar cigarros.

Esse processo de destruição no Camboja não se limitou a uma biblioteca ou a um ano específico. Em 1975, o Khmer Vermelho entrou em Phnom Penh e proclamou a República Democrática de Kampuchea. Foi o Ano Zero do Camboja. Havia, em 1976, uma nova Constituição, e a Assembléia do Povo designou o príncipe Sihanouk e Khieu Samphan chefes de Estado e de Governo, respectivamente. Mas foi um engano, porque quando Sihanouk regressou foi aprisionado e o sanguinário Pol Pot se converteu no homem forte. Entre outras medidas, fechou as fronteiras do Camboja, suprimiu a moeda e deslocou toda a população das cidades para os campos. Qualquer atividade religiosa, a educação particular e a propriedade foram proibidas; tudo ficou nas mãos do regime. De 1975 até 1979 o movimento assassinou 1,7 milhão de pessoas e impôs um expurgo cultural sem precedentes. Escritores e artistas foram assassinados ao serem considerados inúteis e os livros, destruídos sem piedade. Toda biblioteca era confiscada. Milhões de livros serviram para fogueiras da mesma forma que centenas de manuscritos antigos. Ao todo, os textos aniquilados passaram de dois milhões.

A era sanguinária de Augusto Pinochet, no Chile, estremeceu pessoas de todas as latitudes por sua impunidade. Depois do 11 de setembro de 1973 começou uma feroz repressão contra todos os setores que apoiaram Salvador Allende. Foi atacada a Editora Quimantú, onde foram despedaçados milhões de livros. Também foram destruídos livros como Cancíón de gesta, de Neruda, Mister Jará, de Gonzalo Drago, e Puerto Engano, de Leonardo Espinoza. Pouco depois, os censores fecharam a livraria e editora PLA (Prensa Latino-americana) e a distribuidora UDA. O plano dos militares golpistas era obter um controle absoluto sobre a atividade editorial, e não foram raras as caçadas para acabar com textos de tendência socialista.

Durante a ditadura de Pinochet, centenas de milhares de livros foram confiscados e destruídos. Em 28 de novembro de 1986, por exemplo, as autoridades do porto de Valparaíso queimaram 14.846 exemplares de La aventura de Miguel Littin, clandestino en Chile, do escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez. Também foram destruídos exemplares dos livros de Jorge Edwards e de Ariel Dorfmann, assim como edições de poetas como Neruda ou textos sobre o presidente derrubado Salvador Allende.

Em meio à guerra do Vietnã houve uma perseguição a sacerdotes budistas de 1963 a 1968. As bibliotecas dos templos foram incendiadas, especialmente na ofensiva Tet de 1968: nessa ocasião milhares de livros ficaram destruídos e espalhados pelas ruas. Alguns dos documentos e livros que se salvaram se encontram hoje na Cidade Ho Chi Minh.

Os curdos foram perseguidos pelos turcos e pelos iraquianos com grande crueldade. As matanças são contínuas e as queimas de livros freqüentes. Em Arbil, cidade curda, foi destruída a biblioteca do erudito curdo Nouri Talabany, com três mil livros e dezenas de manuscritos. Estima-se, não sem otimismo, que foram destruídos mais de 250 mil livros de bibliotecas públicas ou particulares nas cidades curdas. Essa destruição foi executada por ordem do governo de Saddam Hussein, que também foi responsável pela destruição de documentos e livros no Kuwait durante a invasão de 1990.

Em outros países árabes, a população, incitada por líderes que condenam livros não-lidos, destruiu e continua destruindo os romances de escritores como Ziliekhed Abu-Rished (publicou uma história intitulada Na cela), Fadia A. Faqir (escreveu um extraordinário texto intitulado Nisanit), Suhair El-Tell, Nawal El-Saadawi, Muthfer El-Nawad, Mahmoud Darwish.

Na África, as guerras civis desataram ódios tribais que provocaram a destruição de bibliotecas inteiras em Angola, Somália, Uganda, Zâmbia, Tanzânia, Senegal, Namíbia, etc., ao que se somaram a falta de verbas e pessoal capacitado. Durante a guerra da Nigéria, de 1967 a 1970, não ficou uma única biblioteca aberta em todo o país.




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