CAPÍTULO 2
Egito
O Ramesseum do Egito
Os gregos chamaram Ramsés II (1304?-1237 a.C.) de Osimandias e o mitificaram; os egípcios o adoraram com o nome de User-maat-Re. Acreditava-se filho direto de Amon, deus do Oculto. No terreno humano, era filho natural de Seti I e da rainha Tuya, e, depois de uma infância desinteressante, chegou a se distinguir como monarca desmesurado. Por demagogia ou sinceridade, foi amante de mais de duzentas mulheres, pai de cem filhos, sessenta filhas, e conquistador dos hititas, feito que seus aduladores divulgaram em centenas de estelas. Governou por 76 anos, mas o motivo de sua menção nesta história é que foi o fundador de uma das primeiras bibliotecas, composta exclusivamente de papiros, destruída prematuramente. Esses papiros, relacionados, segundo uma tradição, com a palavra egípcia Pa-pa-ra ("pertencente ao rei"), procediam de uma planta da família das ciperáceas, o Cyperus papyrus. Dessa planta se retiravam os filamentos internos e, depois de um longo processo de secagem, originava-se uma espécie de folha sobre a qual se podia escrever. O método devia ser complicado, porque uma vez esquecido só voltou a ser entendido no século XX.
No início do segundo ano do reinado, Ramsés II ordenou a construção de um templo para abrigar seus despojos na cidade de Tebas; as obras se prolongaram por vinte anos. Nesse templo, chamado Ramesseum, havia uma biblioteca com dezenas de rolos de papiro. O historiador Diodoro Sículo, em sua Biblioteca de histórias (I, 49, 3), mencionou a descrição feita por Hecateu de Abdera, e destacou "a biblioteca sagrada, na qual estavam escritas as palavras: Lugar da Cura da Alma". É bonito pensar nessa denominação para uma biblioteca, mas os egípcios procederam dessa forma por motivos médicos e não estéticos. Os papiros tratavam em sua maioria de temas farmacológicos.
Várias gerações de arqueólogos, estimuladas pelas palavras de Diodoro Sículo, tentaram desde o século XIX encontrar o alojamento da biblioteca, sem êxito. Jean-François Champollion, aquele que decifrou a escrita hieroglífica, acreditava tê-la encontrado perto das figuras de Tot e sua irmã Seshat, duas divindades relacionadas ao conhecimento, mas a falta de indícios acabou por convencê-lo de que o aposento fora destruído. Fritz Milkau escreveu: "[...] Não é possível encontrar a biblioteca do Ramesseum [...]."
De qualquer maneira, as hipóteses não cessaram. Tampouco os enigmas. Rainer Stadelmann insistiu em que a biblioteca sagrada estava na parte de trás, no primeiro hipostilo (teto sustentado por colunas). Luciano Canfora supôs que as estantes da biblioteca se localizavam num espaço contíguo ao aposento onde repousava o triclínio. Creio poder afirmar, depois de uma revisão dos planos de Quibell e de Christian Leblanc, atual diretor da Missão Arqueológica francesa do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), que a biblioteca esteve sempre na parte final do templo e é possível ver na inscrição Lugar da Cura da Alma uma definição do aposento onde os médicos evitavam que o Ka, ou alma, saísse do corpo. É estranho, insólito e perverso ignorar o papiro Anastasi I, cujo conteúdo alude à biblioteca ao dizer: "A casa dos livros está oculta, não é visível." Os livros do templo de Ramsés II, se aceitamos o papiro citado, eram fontes esotéricas, temidas e veneradas.
Infelizmente, os saques dos etíopes, dos assírios e dos persas acabaram com o Ramesseum e os livros desapareceram, tal como aconteceu com muitos dos primeiros escritos egípcios. No século I d.C., o templo, tomado pelos cristãos, converteu-se numa igreja, mas a biblioteca já não existia.
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