sões de 1 de Julho de 1867, que no seu artigo 1.° aboliu a pena de
morte para os crimes civis (2), e à Nova Reforma Penal de 14 de
(') A respeito do krausismo, ver Levy Maria JordAo, A Philosophia do
Direito em Portugal, in "O Instituto", cit., vol. I, págs. 64 e 177 e segs., L. Cabral
de Moncaoa, O Idealismo alemão e a Filosofia do Direito em Portugal (1771-1911), in
"Est. Fil. e Hist.", cit., vol. I, págs. 228 e segs., e António Braz Teixeira, A
reacção espiritualista em Portugal: krausismo e ecletismo, in "Ciências Humanas", ano
IV, n.° 17, Rio de Janeiro, 1981 Abril/Junho, págs. 32 e segs. Quanto à doutrina
correccionalista, ver K. Roeder, Las doctrinas Jundamentales reinantes sobre el delito y
la pena em sus interiores contradicciones (trad. de F. Gíner), Madrid, 1876, págs. 234 e
segs., e J. Beleza dos Santos, Ensaio sobre a introdução ao direito criminal, Coimbra,
1968, págs. 187 e segs., e 199 e seg. Como principais obras correccionalistas, entre
nós, ver Levy Maria Jordão, O Fundamento do Direito de Punir (1853), in "Boi. da
Fac. de Dir.", cit., vol. LI, págs. 289 e segs., e Ayres de Gouvèa, A Reforma das
Cadeias em Portugal, Coimbra, 1860.
(2) Portugal foi o primeiro país a abolir a pena da morte. Quinze anos
antes, em 1852, havia-se já suprimido a pena de morte para crimes políticos, pelo
art. 16.° do Acto Adicional à Carta Constitucional. Sobre o modo como se
processou a abolição da pena de morte para os crimes políticos, consulte-se
Braga da Cruz, O movimento abolicionista, cit., págs. 9 e segs. A abolição da pena
de morte, entre nós, foi precedida do dispositivo legal que impunha o recurso
obrigatório à clemência régia em todos os casos de sentenças capitais proferidas
por tribunais portugueses. A partir de 1846, ano em que ocorreu, na cidade de
Lagos, a última execução da pena máxima, os nossos monarcas comutavam sis-
tematicamente a pena de morte. Aliás, na década que antecedera esta última
execução, a média anual de subidas ao patíbulo contava-se entre três e quatro. A
última execução por crimes políticos teve lugar em 1833 ou 1834. Quanto a estes
vários aspectos, consultar Braga da Cruz, O movimento abolicionista, cit., espe-
cialmente págs. 85 e segs. Muito importantes são as comunicações e conclusões
do "Colóquio Internacional Comemorativo do Centenário da Abolição da Pena
de Morte em Portugal", que se realizou, em Coimbra, de 11 a 16 de Setembro
408
PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO
Junho de 1884, inspirada, quanto ao problema dos fins das penas, na
"teoria da reparação" de Welker, que geralmente se considera
como uma construção eclética de base ético-retributiva(1).
Entretanto, designou-se uma comissão destinada a incluir tais
diplomas no sistema do Código de 1852, alterando-o em conformi-
dade. Daí resultou o Código Penal aprovado por Decreto de 16 de
Setembro de 1886, que constituiu, pois, uma simples consolidação
legislativa. Todavia, operou-se uma remodelação vincada do
Código antecedente. Poderá descobrir-se certa tendência emanci-
padora dos modelos estrangeiros e maior adequação às realidades e
características nacionais.
Não consubstanciou o Código Penal de 1886 a obra perfeita
de interpretação e integração normativa que se ambicionava.
Foram mantidos preceitos revogados e omitidos outros que estavam
em vigor. Seguiram-se difíceis controvérsias doutrinais. Durante a
sua longa vigência, ocorreram sucessivas e profundas actualiza-
ções (2). Mas só em 1982 se promulgou um novo Código Penal para
substituí-lo ().
de 1967, as quais se encontram reunidas em três volumes com a epígrafe Pena de
Morte, publicados pela Faculdade de Direito de Coimbra.
( ) Cfr. J. Beleza dos Santos, Ensaio sobre a introdução ao direito criminal, cit.,
págs. 152 e segs., especialmente pág. 157, nota 1. Acerca da teoria da reparação
de Welker, consultar Roeder, Las doctrinas fundamentales, cit., págs. 213 e segs.
(2) Ver Eduardo Correia, Direito Criminal, cit., vol. I, págs. 114 e segs., e,
também, págs. 70 e segs., e Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal Português, cit.,
vol. I, págs. 74 e segs. As duas últimas grandes integrações no sistema do Código
Penal de 1886 da legislação avulsa que o alterava profundamente foram realiza-
das pelo Decreto-Lei n.° 39688, de 5 de Junho de 1954, e pelo Decreto-Lei n.°
184/72, de 31 de Maio.
(3) Aprovado pelo Decreto-Lei n.° 400/82, de 23 de Setembro, no uso da
autorização legislativa decorrente da Lei n.° 24/82, de 23 de Agosto, com entrada
em vigor a 1 de Janeiro de 1983. O anteprojecto respectivo deveu-se a Eduardo
Henriques da Silva Correia, datando de 1963 (parte geral) e de 1966 (parte
especial).
409
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
V — Direito civil
Termina-se a presente matéria com algumas referências ao
primeiro Código Civil português ('). Assentou no projecto de
António Luís de Seabra (2), desembargador da Relação do Porto (3),
e foi aprovado pela Carta de Lei de 1 de Julho de 1867 (4).
Convém lembrar, aliás, que o desejo de reforma do nosso
direito privado já vinha dos começos do último quartel do século
XVIII, ou seja, da época jusracionalista. Avivara a preocupação, evi-
dentemente, a típica dinâmica codificadora do Estado liberal.
Não pormenorizaremos esses vários esforços, para cujo inê-
xito concorreu a sabida instabilidade política da primeira metade
do século xix (5). Apenas se advertirá que de tais insucessos resul-
(') Ver M. J. Almeida Costa, Enquadramento histórico do Código Civil Portu-
guês, cit., in "Boi. da Fac. de Dir.", vol. XXXVII, págs. 138 e segs., e a exposi-
ção desenvolvida de MArio Reis Marques, O Liberalismo e a Codificação do Direito
Civil em Portugal, cit., págs. 147 e segs. Relativamente ao país vizinho, consultar
Rafael Gibert, La codijicación civil en Espana (1752-1889), in "La formazione storica
dei diritto moderno in Europa", cit., vol. II, págs. 907 e segs.
(2) Ver, supra, pág. 407, nota 1.
(T) Futuro Visconde de Seabra e reitor da Universidade de Coimbra nos
anos de 1866 a 1868. Ver M. J. Almeida Costa, António Luís de Seabra, in "Dic.
de Hist. de Port.", cit., vol. III, págs. 804 e seg., e in "Temas de História do
Direito", cit., págs. 20 e segs.
( ) Sobre os antecedentes desta codificação, projectos, revisão e aprova-
ção, assim como a respeito das polémicas levantadas, em especial quanto ao
casamento civil, suas edições até 1870, repertórios, primeiras reacções ao Código,
projectos de reforma de 1903 e reforma de 1930, ver uma exaustiva indicação in
Exposição Bibliográfica dos Trabalhos Relativos ao Código Civil de 1867 e Preparatórios do
Futuro Código Civil Português, Coimbra, 1959, págs. 5 e segs., e Código Civil Portu-
guês. Exposição Documental, Lisboa, 1966, págs. 33 e segs. (que se ficaram devendo
à orientação de G. Braga da Cruz).
(5) A respeito das tentativas da elaboração do Código Civil, ver, por ex.,
A. J. Teixeira dAbreu, Curso de Direito Civil, Coimbra, 1910, vol. I, págs. 377 e
segs., A. F. Carneiro Pacheco, Código Civil Português Actualizado, Coimbra, 1920,
vol. I, págs. V e segs. ("Introdução"), e MArio Reis Marques, O Liberalismo e a
Codificação do Direito Civil em Portugal, cit., págs. 155 e segs.
410
PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO
tou, também, um certo efeito positivo. Na realidade, a forçada
contenção codificadora deu tempo a que muitas importações de
última hora se radicassem, entre nós, sem os transtornos das
mudanças bruscas, não raro se articulando no encontro do patrimó-
nio tradicional com feliz sentido prático; enquanto, simultanea-
mente, proporcionou à ciência jurídica portuguesa de então, a par
do estágio e amadurecimento de soluções, aquele mínimo de apuro
técnico capaz de uma obra séria (*), de uma obra que fosse algo
mais do que pura e simples cópia servil do modelo napoleónico,
paradigma de todos os legisladores individualistas. E, afinal, um
mérito idêntico ao que — embora, sem dúvida, com maior razão —
se assinala à fecundidade do pensamento de Savigny, a propósito da
feitura tardia do BGB (2).
Desde logo, o nosso Código Civil afastou-se da divisão orgâ-
nica das codificações da época, que, no fundo, perfilharam ainda o
plano das Institutiones romanas, segundo a adaptação do Código fran-
cês: nesta linha se enquadra, por exemplo, o Código Civil espanhol.
E que o autor do projecto português tomou outra base. Preferiu
Seabra que todo o sistema do Código gravitasse em torno do sujeito
activo da relação jurídica, na vida do qual distinguiu, sucessiva-
mente, os aspectos fundamentais: primeiro, o nascimento, quer dizer,
a atribuição da capacidade de direitos e obrigações; em seguida, a
efectiva aquisição de direitos pelo exercício dessa personalidade;
depois, a sua fruição; finalmente, os esquemas que a lei estabelece
para a defesa dos direitos ou meios adquiridos.
Daqui, uma paralela divisão do Código em quatro partes
essenciais: a l.a ocupa-se "Da capacidade civil"; a 2.a trata "Da
(') José Pinto Loureiro chama a atenção, em breve síntese, para alguns
aspectos que ajudam a compreender os progressos jurídicos experimentados ao
longo de oitocentos ("Jurisconsultos Portugueses do Século xix", cit., vol. I,
págs. 90 e segs.).
(2) Cfr. Álvaro D'Ors, Jus Europaeum?, in "L'Europa e il Diritto
Romano — Studi in memoria di Paolo Koschaker", Milano, 1954, I, pág. 464.
411
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
aquisição dos direitos" e ficou subdividida, dentro do mesmo crité-
rio, em três títulos, indicando-se no começo os chamados "direitos
originários"; à 3.a parte correspondem as normas relativas ao gozo
e exercício dos direitos, mas destacando Seabra, com a simples epí-
grafe "Do direito de propriedade", esta prerrogativa do indivíduo,
à maneira inglesa de Locke; e a 4.a parte, por último, é a que cuida
"Da ofensa dos direitos e da sua reparação".
Não parece necessário mais para se entrever a poderosa feição
individualista desse nosso Código Civil. Nele, a vida jurídica apa-
rece tipicamente construída apenas do ângulo do indivíduo, do sujeito
de direito, desaparecendo o que há de institucional e de objectivo
nas relações sociais e jurídicas. Trata-se, na verdade, da mais com-
pleta hipertrofia do aspecto subjectivo do direito, aliás, caracterís-
tica do clima do Liberalismo (').
A mesma impressão de estreita conformidade à ideologia do
tempo não resulta menos forte quando se analisa o fundo do
Código de 1867. Redigido numa altura em que o liberalismo eco-
nómico e o liberalismo político tinham assentado amplos arraiais na
sociedade portuguesa, ele significa, também do ponto de vista do
seu conteúdo, um autêntico fecho de abóbada, "consignando a
maior parte das inovações propugnadas pelos juristas da época e
ultrapassando até, não poucas vezes, a expectativa deixada pela
obra desses juristas"(2).
Tomou-se por base a directriz, então dominante, "segundo a
qual cada um trata de si, contanto que deixe salva a liberdade dos
outros", debaixo daquele suposto de uma harmonia preestabelecida
entre as máximas vantagens individuais e o maior bem de todos.
Cabe reconhecer, todavia, que este ideal liberalista foi recebido no
(!) O que se escreve a respeito da sistematização do Código Civil inspira-
-se em Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil—Parte Geral, 2.3 ed., Coim-
bra, 1954, vol. I, págs. 133 e segs.
(2) Braga da Cruz, Formação histórica, cit., in "Scientia Ivridica", tomo
IV, pág. 256.
412
PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO
Código, as mais das vezes, com prudente moderação, toda ela ins-
pirada por um notável senso prático e por um grande apego à
moralidade e à justiça. Aconteceu assim, principalmente, quando
não se equacionavam puros interesses económicos, mas, acima
deles, "interesses de outra índole, sobretudo os de natureza
familiar"^).
Um aspecto que suscitou intenso debate foi o do casamento. A
disciplina do matrimónio pertencia, tradicionalmente, à esfera do
direito canónico (2). Mas, com os trabalhos preparatórios do
Código Civil, pôs~se o problema da consagração do casamento
civil, ao lado do casamento católico — a tese que acabaria por
triunfar, após controvérsia que envolveu o País (3).
A promulgação do primeiro Código Civil português desper-
tou um clima de admiração verdadeiramente sincero. Neste
diploma legislativo descobriram-se perfeições de toda a ordem, ora
na lógica da sua original sistematização, ora na singela elegância e
clareza da linguagem, ora no sábio equilíbrio com que, do ponto de
vista dos comandos estabelecidos, deu seguimento àqueles ideais
que a vida põe ao direito. Numa palavra: colocava-se o nosso
Código ao lado das melhores codificações estrangeiras, adivinhan-
do-se-lhe, ingenuamente, uma vigência de séculos (4).
(!) Segue-se quase à letra, quando não se transcreve, Manuel de
Andrade, O Visconde de Seabra e o Código Civil, in "Boi. da Fac. de Dir.", cit.,
vol. XXVIII, págs. 277 e segs., designadamente págs. 282 e seg.
(2) Ver, supra, pág. 250.
(3) Consultar, por todos, o estudo de Samuel Rodrigues, A Polémica Sobre
o Casamento Civil (Í865-Í867), Lisboa, 1987, com extensas indicações bibliográficas
(ver, também, supra, pág. 410, nota 4). Suscitou-se, a propósito, a controvérsia
sobre a existência de um casamento civil na Idade Média (ver a síntese de M. J.
Almeida Costa, Significado de Alexandre Herculano na evolução da historiografia jurídica,
cit., in "A Historiografia Portuguesa de Herculano a 1950 — Actas do Colóquio
da Academia Portuguesa da História", págs. 254 e seg.
(4) Era o prognóstico de José Dias Ferreira ao escrever: "O código está
destinado a reger durante séculos a nacionalidade Portuguesa" (Elogio histórico do
413
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
Tão extraordinário culto compreende-se, sobretudo, aten-
dendo às enormíssimas vantagens que a nova lei apresentou em
relação ao direito anterior, profundamente caótico. Mas é mani-
festo que havia nessa atitude uma grande soma de exagero, vício de
que, aliás, padece a corrente oposta que, depois, quase só achou
digno de encómios o estilo cuidado em que se acham redigidas
muitas disposições do Código.
A verdade está, mais uma vez, a meio caminho. O Código
Civil de 1867 deve ser ajustado ao condicionalismo do seu tempo.
E, postas as coisas neste pé, poderemos afoitamente observar
— com a autoridade de Manuel de Andrade — que, "nem consti-
tuindo um momento de decisiva significação no conspecto geral das
modernas codificações do direito civil (como o Código francês, o
alemão, o suíço, ou o recente Código italiano), representa contudo,
em qualquer plano, uma obra prestimosa, digna de considera-
ção'^1). Parece seguro que satisfez, em medida razoável, às
exigências de justiça, utilidade, praticabilidade, certeza e estabili-
dade que o ambiente histórico em que surgiu lhe ditou.
Forçoso é reconhecer, por outro lado, que o Código de Seabra
trouxe consideráveis defeitos de nascença. Antes de mais, ressente-
-se do facto de ser, praticamente, obra de um só homem (2)
Visconde de Seabra, Lisboa, 1895, pág. 27). Por todos, consultar Manuel de
Andrade, O Visconde de Seabra e o Código Civil, cit., in "Boi. da Fac. de Dir.",
vol. XXVIII, págs. 280 e seg., e os autores que aí indica na nota 31, págs. 293 e
seg.
(') O Visconde de Seabra e o Código Civil, cit., in "Boi. da Fac. de Dir.", vol.
XXVIII, pág. 283.
(2) É curioso que no Decreto de 8 de Agosto de 1850 (in "Diário do
Governo" do dia seguinte), já referido (ver, supra, pág. 407, nota 1), em que se
encarregou António Luís de Seabra de redigir o projecto de Código Civil, se
justificava essa nomeação, bem como a da respectiva comissão revisora, com as
seguintes palavras: "Por outra parte assim os homens de Estado, como os juris-
consultos, concordam todos hoje em que a redacção dos Códigos, para ser metho-
dica, precisa e clara, deve ser feita por uma só pessoa, e revista, depois, por
414
PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO
— posto que de excepcional talento — e, sem dúvida, do atraso da
civilística portuguesa da época, em consequência do próprio atraso
da civilística dos países latinos, que de longe dominava entre nós.
Da doutrina estrangeira, utilizou o autor do projecto, sobretudo, os
comentadores franceses Toullier, Marcadé e Demolombe, assim
como o célebre comentário espanhol de Garcia Goyena. Enquanto,
de entre os civilistas germânicos, talvez as leituras directas de Sea-
bra não tenham ido além da versão francesa do System de Savigny,
porventura, algo inspirador do engenhoso plano do nosso
Código (!).
Aponta-se, ainda, como vício congénito do Código de 1867 o
seu excesso de originalidade: e é sabido que em obras deste género
tal preocupação não raro constitui uma autêntica espada de dois
gumes. Daí resultaram certas disciplinas pouco felizes e, também,
algumas dúvidas e omissões que se teriam evitado desde que o autor
do projecto seguisse os modelos doutrinais e legislativos de que
voluntariamente se afastou. Caso flagrante se verificava no capítulo
da responsabilidade civil ( ), onde se pôs de parte a lição do Código
francês ( ).
CommissÕes compostas de pessoas idóneas para tão importante trabalho" (pode
ler-se em Carneiro Pacheco, ob. cit., vol. I, pág. VI). Todavia, como escreve
Manuel de Andrade, "o Direito Civil já então constituía matéria demasiado
ampla e difícil para ser tratada com mão segura por um único jurista" (O Vis-
conde de Seabra e o Código Civil, cit., in "Boi. da Fac. de Dir.", vol. XXVIII, pág.
281). Veja-se, contudo, o que ainda modernamente sustenta Franz Wieacker
quanto às vantagens daquela orientação antiga, ilustrando o seu êxito com
exemplos admiráveis, entre outros os do Allgemeines Burgerliches Gesetzbuch aus-
tríaco de F. von Zeiller, do Strafgesetzbuch bávaro de A. Feuerbach e do Zivilge-
setzbuch suíço de F. Huber (Hist. do Dir. Priv. Mod., cit., pág. 543). Também
considera o problema, entre nós, A. Vaz Serra, A revisão geral do Código Civil—
Alguns factos e comentários, in "Boi. da Fac. de Dir.", cit., vol. XXII, pág. 462.
(') Cfr. Manuel de Andrade, O Visconde de Seabra e o Código Civil, cit., in
"Boi. da Fac. de Dir.", vol. XXVIII, págs. 281 e 295, nota 33.
(2) Arts. 231.° a 2403.°.
(3) Veja-se o que escreve A. Vaz Serra no preâmbulo do Decreto-Lei n.°
33 908, de 4 de Setembro de 1944, que autorizou o Ministro da Justiça a promo-
415
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
Acresce que o decurso dos anos agravou consideravelmente as
insuficiências do Código. Foram sendo cada vez em maior número
as figuras jurídicas que não encontravam nele reconhecimento ou,
pelo menos, disciplina satisfatória. Haja em vista o que se passava
com o direito ao nome e à imagem, as fundações, as associações
não personalizadas, a representação, o abuso do direito, os negócios
jurídicos unilaterais, os negócios abstractos, o contrato de adesão,
os contratos entre ausentes, a cessão da posição contratual, a reso-
lução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias,
certos contratos em especial, o direito de superfície, a propriedade
horizontal, etc, etc. ( ).
Observe-se, ao mesmo tempo, que a respeito de muitos insti-
tutos se verificou manifesta quebra de unidade entre a regulamen-
tação do Código e as leis posteriores que os fizeram evoluir em
direcções opostas. Recordemos, apenas, os exemplos flagrantes do
direito matrimonial, de toda a moderna regulamentação do traba-
lho e da propriedade mobiliária, da responsabilidade civil objectiva
ou pelo risco e da indemnização de danos não patrimoniais, ou das
restrições ao direito de propriedade. Numa palavra, impunha-se,
progressivamente, um sistema jurídico de carácter social, a cujos
ideais não poderia corresponder o nosso primeiro Código Civil, de
marcada feição liberal e individualista.
Os aspectos que acabamos de alinhar traduziram-se, natural-
mente, em fortes limitações à esfera de aplicação do Código de
1867. A breve trecho, começou este a ser rodeado por uma imensi-
ver a elaboração de um projecto de revisão geral do Código Civil. Manuel DE
Andrade indica também, como exemplo no mesmo sentido, o art. 720.°, onde as
dúvidas de interpretação resultam apenas do facto de Seabra se ter afastado da
letra do texto francês correspondente (cfr. "Revista de Legislação e de Jurispru-
dência", cit., ano 77.°, pág. 354, e O Visconde de Seabra e o Código Civil, cit., in
"Boi. da Fac. de Dir.", pág. 296, nota 37).
(') Ver, por ex., M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4.a ed.,
Coimbra, 1984, págs. lie segs.
416
PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO
dade crescente de diplomas que tutelavam — para além ou contra
os seus preceitos — capítulos fundamentais do direito civil. Mas se
acrescentarmos que o Código de Seabra, também do ponto de vista
técnico, estava longe de poder satisfazer as instâncias da moderna
ciência jurídica, então, concluir-se-á que não se tornou necessário
o decurso de muitas décadas sobre a sua promulgação para terem
desaparecido, relativamente ao primeiro Código Civil português, as
melhores vantagens com que se abonam os defensores das excelên-
cias do direito codificado. Impunha-se, portanto, uma urgente e
completa revisão desse Código. Foi realizada pelo Código Civil de
1966 (•) (2).
68. Nova perspectiva do direito subsidiário
Já se recordou em que consiste o problema do direito subsidiá-
rio ( ). Nessas breves reflexões, procurámos explicar o porquê da
solução que ele teve até ao século XIX — a do recurso a outras
ordens jurídicas (4) — e da nova directiva imposta pelo pensamento
oitocentista. A integração das lacunas é deslocada para o âmbito
exclusivo do direito interno.
O primeiro Código Civil português ocupou-se da interpreta-
ção e da integração das normas jurídicas no artigo 16.°. Aí se esta-
tui o seguinte: "Se as questões sobre direitos e obrigações não
(') Quanto às justificações da reforma do Código Civil, consulte-se, fun-
damentalmente, o desenvolvido preâmbulo de Vaz Serra que indicámos, supra,
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