Mário júlio de almeida costa



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fundo escolástico seria, em dois tempos, poderosamente revolvido e

(') M. A. Coelho da Rocha, Instituições de Direito Civil Portuguez, cit.,

tomo I, pág. 284 (Nota B ao § 43). Consultar Braga da Cruz, Formação histórica,

cit., in "Scientia Ivridica", tomo IV, págs. 248 e segs., e Laformation du Droit Civil

portugais moderne et le Code Napoleón, in "Annales de la Faculte de Droit de Tou-

louse", tomo XI, fase. 2, Toulouse, 1963, págs. 219 e segs., especialmente págs.

228 e segs. (republ. in "Obras Esparsas", cit., vol. II, 2.a parte, págs. 1 e segs.), e

M. J. Almeida Costa, Enquadramento histórico do Código Civil português, cit., in

"Boi. da Fac. de Dir.", vol. XXXVII, págs. 150 e segs.

(2) Braga da Cruz, Formação histórica, cit., in "Scientia Ivridica", tomo

IV, pág. 250, onde, numa síntese expressiva, condensa as três estratificações, que

em seguida mencionamos, de cuja sobreposição resultou o direito privado portu-

guês "nas vésperas da promulgação do Código Civil de 1867".

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

modificado: primeiro, pelo jusracionalismo e, em seguida, pela cor-

rente individualista.

Também se entrevê a extraordinária acção criadora devida à

jurisprudência e à doutrina, nos quase cem anos que decorrem

entre a Lei da Boa Razão e o nosso Código Civil oitocentista: de

Mello Freire ao Visconde de Seabra, passando por Almeida e Sousa

(Lobão), Correia Telles e Coelho da Rocha, entre outros. Não foi,

sem dúvida, apenas a pretexto do preenchimento de lacunas que os

nossos jurisconsultos conseguiram introduzir notáveis alterações no

direito pátrio. Pelo contrário, a sua tarefa inovadora e de substitui-

ção de doutrinas antigas começava logo no próprio domínio da

interpretação das normas das Ordenações ou de leis avulsas que se

mantinham vigentes; e nem mesmo hesitaram, inúmeras vezes, em

se sobrepor a esses textos e definir soluções antagónicas às neles

expressamente consagradas, ou dando-os como desusados, ou

defendendo, quando menos, a necessidade da sua reforma.

Analisemos uma dessas interpretações, recolhida ao acaso,

para que melhor se avalie a audácia com que actuaram os juristas

portugueses da época. Repare-se, por exemplo, no que se passou,

em matéria de direito testamentário, a respeito do princípio da

instituição de herdeiro. A nossa prática tinha sustentado a sua

essencialidade. Neste sentido, invocava-se um trecho das Ordena-

ções onde era pressuposta uma instituição tácita a fim de se consi-

derar válido certo testamento sem expressa instituição de herdeiro.

Determinava a lei que, na hipótese de o pai ou a mãe se limitarem

a deixar a sua quota disponível a terceiros, sem expressa instituição

ou deserdação dos filhos, sabendo que os tinham, estes se conside-

ravam tacitamente instituídos nos restantes bens(1). E, de facto,

nada parece aberrante a ilação dos autores: se o legislador recorria

a tal expediente para admitir a validade desse testamento era por-

que, em princípio, considerava a instituição de herdeiro indis-

pensável.

(') Ord. Ri., liv. IV, tít. 82, pr.

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PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO



Verificou-se, porém, que o jusracionalismo desacreditou o refe-

rido princípio romano. Ora, não foi preciso mais para que a boa

razão levasse os juristas a interpretar em sentido oposto aquela

norma das Ordenações: passou a entender-se que o legislador, con-

siderando válido, num caso concreto, um testamento sem efectiva

instituição de herdeiro, quis, afinal, abolir a velha regra que a

exigia í1).

Poderíamos acrescentar a este expressivo caso uma vasta lista

de outras interpretações arrojadas, que afeiçoaram o direito pátrio

aos novos rumos do pensamento jurídico. E não esqueçamos, ainda,

que os jurisconsultos dispuseram de um largo campo onde a sua

liberdade de movimentos se apresentava muito maior. Isso aconte-

cia quando, no silêncio da lei, coubesse recurso ao direito subsidia-

rio(2).


Por tais caminhos, em conclusão, se foi preparando esponta-

neamente, passo a passo, o terreno adequado a um síntese oficial.

Representou-a o Código Civil de 1 de Julho de 1867.
66. Publicação e inicio da vigência da lei
Com o século xix surgiram alterações importantes a respeito

do sistema de publicação dos diplomas legais (3). Em 1806 (4), o

Príncipe Regente determinou a abolição dos traslados manuscritos,

(^Consultar Mello Freire, Institutiones Iuris Civilis Lusitani, cit., 2.a ed.,

Coimbra, 1828, liv. III, tít. V, § XXIX, págs. 59 e seg., e Coelho da Rocha,

Instituições, cit., tomo II, § 673, pág. 530. Sobre a discussão do problema e a lista

dos autores que sustentaram a doutrina tradicional, ver Almeida e Sousa

(LobAo), Collecção de Dissertações Jurídico-Praticas em Supplemento ás Notas ao Livro

Terceiro das Instituições do Doutor Pascoal José de Mello Freire, Lisboa, 1825, Dissertação

VIII, págs. 328 e segs.

(2) Além do exemplo indicado, ver muitas outras interpretações e inte-

grações referidas por Braga da Cruz, Formação histórica, cit., in "Scientia Ivri-

dica", tomo IV, págs. 251 e segs.

(3) Quanto aos períodos anteriores, ver, supra, págs. 256 e seg., e 294 e segs.

(4) Aviso e Instrução de 16 de Abril de 1806. Ver, posteriormente, o

Decreto de 12 de Fevereiro de 1819.

391

HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



não só devido ao seu custo, mas, sobretudo, procurando-se evitar os

erros disseminados na repetição dessas cópias. De futuro, os trasla-

dos das leis apenas poderiam ser remetidos através de exemplares

impressos, o que significava um progresso notável para a certeza do

conhecimento do direito.

A publicidade tornou-se mais eficaz quando, em 1824 (*), se

outorgou à Régia Oficina Tipográfica de Lisboa o exclusivo da

impressão dos textos legais. Ao mesmo tempo, estabeleceu-se na

administração-geral dos correios um centro de distribuição e envio

das leis.

Porém, o passo decisivo da reforma do sistema da publicação

dos diplomas legais deu-se em 1833. Extinguindo-se a velha

Chancelaria-Mor do Reino, considerada "uma das Repartições

incompatíveis com a distribuição, e marcha natural dos poderes

Legislativo, Executivo, e Judiciário", determinou-se a publicação

das leis no "Periódico Official do Governo"(2). Este viria a receber

várias designações ( ).


(') Alvará de 9 de Março de 1824, confirmado pelo Alvará de 26 de

Outubro do mesmo ano. Por Decreto de 14 de Julho de 1826 foi expressamente

incluído nesse privilégio a impressão e venda da Carta Constitucional (ver

Manuel Borges Carneiro, Direito Civil de Portugal, Lisboa, 1826, págs. 39 e seg.).

(2) Decreto de 19 de Agosto de 1833, arts. l.° e 2°.

( ) As designações sucessivas de todos os periódicos oficiosos ou oficiais,

desde o século xvm, e os anos em que começaram a utilizar-se são os seguintes:

Gazeta de Lisboa (1717), Gazeta Oficial do Governo (1834), Diário do Governo (1835),

Diário de Lisboa (1860), Diário do Governo (1869) e Diário da República (1976). O

Diário do Governo foi dividido em três séries, cada uma, naturalmente, com o seu

conteúdo próprio, a partir de 1 de Janeiro de 1914, por força do Decreto n.° 137,

de 17 de Setembro de 1913. Consultar José Maria Braga da Cruz, Notas sobre a

publicação da lei, sua data e entrada em vigor, in "Scientia Ivridica", cit., tomo VII,

págs. 125 e segs., G. Braga da Cruz, A Revista de Legislação e de Jurisprudência

— Esboço da sua História, cit., vol. I, nota 4 da pág. 3, nota 775 da pág. 317 e nota

777 da pág. 318, e JoAo de Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa,


392
1984, págs. 112 e segs.


PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO

A criação do novo método de publicar as leis na folha oficial

proporcionava uma difusão mais rápida e segura das normas legais

em todo o País. Todavia, de imediato, mantiveram-se os prazos de

"vacatio legis" contidos nas Ordenações Filipinas (*), os quais

somente sofreram alteração expressiva em 1841 (2).

O lapso de tempo que mediava entre a publicação das leis no

"Diário do Governo", como se designava nessa altura a folha ofi-

cial (3), e a sua entrada em vigor foi, então, consideravelmente redu-

zido. Fixaram-se três prazos. Assim, após a publicação, as leis torna-

vam-se obrigatórias: passados três dias, em Lisboa e seu termo; trans-

corridos quinze dias, nas demais terras do Reino; e, nas ilhas

adjacentes, oito dias depois da chegada da primeira embarcação que

conduzisse a participação oficial do diploma (4). A matéria voltaria

a ser disciplinada por normas posteriores ( ).

(') Ver o art. 2.° do referido Decreto de 19 de Agosto de 1833. Cfr., supra,

págs. 295 e seg.

(2) Lei de 9 de Outubro de 1841.

( ) Cfr., supra, nota 3 da pág. anterior,

( ) Ver o art. 1.° da mencionada Lei de 9 de Outubro de 1841.

(5) Seguiu-se a Lei de 30 de Junho de 1913, incluída na folha oficial do dia

imediato. De acordo com este diploma, as leis teriam a data da sua publicação no

"Diário do Governo" e iniciariam a vigência em todo o continente, salvo decla-

ração contrária, no terceiro dia depois de publicadas, quer dizer, atingido o ter-

ceiro dia ou decorridos os dois primeiros. Quanto às ilhas adjacentes, as leis come-

çavam a vigorar "no décimo dia depois da partida do vapor que levar a

participação oficial". Observe-se a imperfeição de se estabelecer como termo a

quo da contagem do prazo a "partida" do vapor, ignorando-se os perigos que

ameaçavam a navegação marítima e os não raros naufrágios. Relativamente aos

territórios ultramarinos, visto que esse diploma não se lhes referia, entendia-se

que continuava a imperar o regime anterior: ou seja, as leis começavam a sua

vigência, na capital da província, três dias depois de publicadas no respectivo

"Boletim Oficial" e, nos outros pontos da mesma província, quinze dias após essa

publicação. Ocuparam-se do tema, em seguida, o Decreto n.° 22470, de 11 de

Abril de 1933, a Lei n.° 31/76, de 10 de Setembro, e a Lei n.° 6/83, de 29 de Julho.

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

67. As codificações


a) Aspectos introdutórios
Com precedentes desde os meados do século xvm, mas sobre-

tudo durante o século XIX, assiste-se a um importante movimento

codificador em diversos países da Europa, que viria a comunicar-se

a outros continentes ('). Traduziu-se na elaboração de amplos cor-

pos legislativos unitários, obedecendo a uma orgânica mais ou

menos científica e que condensavam, autonomamente, as normas

relativas aos ramos básicos do direito, já então individualizados.

O processo mostra-se complexo nas suas determinantes filosó-

ficas, ideológico-políticas, económico-sociais e metodológicas, até

com aspectos contraditórios. Lembremos, de facto, o lastro raciona-

lista do movimento codificador, os objectivos de unificação e cen-

tralização jurídica que envolveu, bem como o significado que teve

para a nova burguesia liberal. Produziu consequências do maior

vulto.


Não faltaram opositores e críticas que apontavam desvanta-

gens à codificação. Assim se verificou do lado da Escola Histórica

de Savigny, que via no direito uma criação espontânea da consciên-

cia colectiva, uma manifestação do espírito do povo ("Volksgeist"),

contra o racionalismo que inspirava as novas leis(2).

(l) Sobre o tema, ver, por ex., Jacques Verlinden, Le concept de code en

Europe occidentale du xm.e au xix.' siècle. Essai de définition, Bruxelles, 1967, Gio-

vanni Tarello, Storia delia cultura giuridica moderna, vol. I — Assolutismo e codifica-

zione dei diritto, Bologna, 1976, Helmut Coing, Zur Vorgeschichte der Kodifikation: die

Diskussion um die Kodification im 17. und 18. Jahrhundert, Guido Astuti, La codifica-

zione dei diritto civile, in "La formazione storica dei diritto moderno in Europa",

cit., vol. II, respectivamente, págs. 797 e segs., e págs. 847 e segs., Mário E.

Viola, Consolidazioni e codificazioni. Contributo alia storia delia codificazione, Torino,

1983. Entre nós, ver JoAo de Castro Mendes, Algumas notas sobre a codificação, in

"Jornal do Foro", ano 24, Lisboa, 1960, págs. 113 e segs., e MArio Reis Marques,

O Liberalismo e a Codificação do Direito Civil em Portugal, cit., págs. 47 e segs.

( ) Existe larga bibliografia estrangeira sobre essa polémica clássica, que

se generalizaria, de Thibaut, favorável à codificação, e Savigny. Ver, por ex., Z.

394

PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO



Além disso, embora se detectem denominadores comuns do

movimento, é preciso não esquecer as condicionantes específicas

que este conheceu a respeito dos vários ramos do direito. Há famí-

lias e gerações de Códigos. Por exemplo, no campo civilístico,

importa assinalar as duas orientações, formal e substancialmente

diferenciadas, cujos paradigmas se distanciam cerca de um século: a

do Código Civil francês (Code Civil) de 1804 e a do Código Civil

alemão (Biirgerliches Gesetzbuch — BGB), que entrou em vigor no

ano de 1900 ( ). Do mesmo modo, relativamente ao âmbito penalís-

tico, prescindindo das codificações setencentistas (2), podem tam-

Krystufek , La querelle entre Savigny et Thibaut et son injluence sur la pensée juridique

europêenne, in "Révue Historique de Droit Français et Etranger", cit., 4.a série,

ano 44 (1966), págs. 59 e segs., e Ulrich Eisenhardt, Deutsche Rechtsgeschichte,

Miinchen, 1984, págs. 300 e segs., e, entre nós, as indicações de A. Castanheira

Neves, Questão-de-facto — Questão-de-direito ou o Problema Metodológico da Juridicidade,

Coimbra, 1967, págs. 875 e segs., e MArio Reis Marques, O Liberalismo e a

Codificação do Direito Civil em Portugal, cit., págs. 112 e segs.

( ) As codificações napoleónicas, maxime o Código Civil, tiveram uma

projecção muito grande ao longo do século xix: por um lado, verificou-se a sua

aplicação nos países sob domínio ou influência francesa (Bélgica, Holanda, Itália

do Norte, Vestefália, Hanover, Polónia, Nápoles, vários cantões suíços, etc.

— quanto a Portugal, ver, supra, pág. 376, nota 1), ou de além-Atlântico que,

directa ou indirectamente, as adoptaram (Luisiana, Haiti, Bolívia, Peru, Chile,

Costa Rica, Uruguai, México, Argentina, Venezuela, etc); por outro lado, nesse

corpo legislativo se inspiraram numerosos Códigos, sobretudo de direito civil,

como os de Itália (1865), Roménia (1865), Baixo Canadá (1866), Portugal (1867),

Egipto (1875), Espanha (1889) e Japão (1890).

Durante o século xx, a seu turno, coube ao Código Civil alemão servir de

matriz a várias codificações. Assim, as da Áustria (1914/1916), do Brasil (1916),

da Tailândia (1925), do Peru (1936), da Grécia (1940), da Itália (1942) e de Portu-

gal (1966). O Código Civil suíço de 1907, considerado "o fruto legislativo mais

amadurecido da ciência jurídica de língua alemã do séc. xix" (Wieacker, Hist.

do Dir. Priv. Mod., cit., pág. 564), influenciou o Código Civil da Turquia (1926).

Ver J. Gilissen, Introdução Histórica ao Direito, cit., págs. 456 e segs.

(2)0 Codex luris Bavarici Criminalis, de 1751, e as austríacas Constitutio Cri-

minalis Theresiana, de 1768, e Constitutio Criminalis Josephina, de 1787, não esque-

395

HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



bém indicar-se duas gerações: a que parte do Code Penal napoleó-

nico de 1810 e do Código Penal bávaro (Strafgesetzbuch) de 1813,

elaborado sob a égide de Feuerbach; e a outra que se seguiu ao

Código Penal prussiano de 1851 (J).

Tudo a indicar-nos que o problema da codificação moderna

não se compadece com uma análise sucinta. Apenas se alinham aqui

uns poucos tópicos que precedam as referências concretas ao que

sucedeu entre nós.

Recorde-se que as anteriores grandes colectâneas de direito —

tanto do tipo do Corpus Iurís Civilis ou das nossas Ordenações, como

da própria Glosa acursiana — correspondiam mais ou menos a

períodos de síntese ou de estagnação da criatividade jurídica. Tradi-

cionalmente, o objectivo básico consistia na mera organização de

repositórios actualizados do direito vigente, sem grandes preocupa-

ções quanto à sua estrutura interna. Tratava-se, sobretudo, de obras

de "consolidação" jurídica ( ).

Ora, os Códigos modernos, tendo ainda alguma coisa disso, ao

menos em certas das suas concretizações práticas, foram ditados

por bem diversa intencionalidade. Propunham-se ser inovadores,

realizando uma verdadeira transformação jurídica, com o escopo de

modernização, progresso e felicidade dos povos. Por outras pala-

vras: em vez de pura síntese do direito do passado, intenta-se obra

prospectiva. E supera-se também a ideia das compilações globali-

zantes, que reuniam vários domínios do direito.

Na raiz do moderno movimento codificador, encontram-se,

antes de tudo, vectores jusracionalistas e iluministas. Havia que

cendo a obra legislativa de Frederico, o Grande, da Prússia, nos fins desse mesmo

século (ver Robert v. Hippel, Deutsches Strafrecht, cit., vol. I, págs. 270 e segs.).

(•') Consultar, por ex., Robert v. Hippel, ob. cit., vol. I, págs. 295 e segs., e

314 e segs.

(2) Sobre a designação de "consolidações", ver A. Cavanna, Stor. dei dir.

mod. in Eur., cit., vol. I, pág. 256.

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PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO


estabelecer a nova ordem decorrente do direito natural racionalista,

isto é, daquele conjunto de normas que traduziam valores imutáveis

que se tornava possível atingir pela razão.

Mas logo se segue uma diferença. Em determinados países as

codificações surgiram com o patrocínio do Despotismo Esclarecido,

ao passo que noutros foram uma consequência da difusão das ideias

da Revolução Francesa, no quadro das quais o princípio da divisão-

de poderes tinha enorme relevo(l). Este postulado conduzia a que

todo o direito se apresentasse como uma exclusiva criação do poder

legislativo. Entrava-se, em suma, no caminho do positivismo legal:

o direito é uma criação do Estado, enquanto poder legislativo, e

esse direito positivo transforma-se num dado indiscutível.

Em decorrência, a ordem jurídica surge como um todo onde

se projecta o ideário reformista que passa a enformar as relações

sociais. A tradição jurídica anterior ficava, portanto, definitiva-

mente superada. Nenhum problema poderia resolver-se fora do

espírito consubstanciado nos novos Códigos. Por outro lado,

entendia-se que estes constituíam sistemas acabados que continham

a disciplina da totalidade das relações sociais.

A partir daqui, a passagem para o positivismo torna-se óbvia:

o direito identifica-se com a lei e qualquer problema seria resolvido

através do formalismo de uma dedução lógica do sistema para o

caso concreto. Negava-se ao julgador, consequentemente, a mínima

função criadora, que assim se transformava em mero autómato do

silogismo judicial. Também desta maneira se prestava vassalagem à

certeza e à segurança do direito, havidas então como valores

fundamentais.
b) O movimento codificador português
Não oferece dúvida, até pela cronologia, que, entre nós,

foram as ideias da Revolução Francesa que impulsionaram, logo

depois da implantação do Liberalismo, a actividade codificadora.
(') Ver, supra, págs. 379 e segs.

397


HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

Recordaremos os domínios em que se desenvolveu, seguindo a

ordem da sequência temporal dos primeiros Códigos dos vários

ramos do direito. Presta-se um pouco mais de atenção ao modo

como nasceu o Código Civil de 1867. É que a sua história se afi-

gura particularmente expressiva.

I — Direito comercial
Iniciou-se o nosso movimento de codificação pelo direito

mercantil. Em 1833 (!), surge o Código Comercial que se ficou

devendo a Ferreira Borges (2). Uma enorme dispersão legislativa e

as incertezas jurisprudenciais tornavam, de facto, urgente a reunião,

num corpo orgânico, das disposições avulsas dessa área jurídica.

(') Aprovado por Decreto de 18 de Setembro de 1833, com entrada em

vigor a 14 de Janeiro do ano imediato.

(2) Com a Revolução Francesa superou-se a concepção do direito comer-

cial como o direito de uma classe de profissionais, isto é, dos comerciantes e dos

actos destes relativos ao seu comércio. Daí que, no Código Comercial francês, de

1807, o direito mercantil constitua a disciplina dos actos de comércio, indepen-

dentemente da qualidade das pessoas que os praticam. Esta concepção objectiva

inspirou as codificações de vários países. Todavia, a partir do Código Comercial

alemão (Handelsgesetzbuch — HGB) de 1897, voltou-se a um direito comercial de

índole subjectiva e profissional, que influenciou outras leis posteriores. Uma

directiva sui generis encontra-se mais tarde no Código Civil italiano de 1942, onde

se regulam todas as relações jurídico-privadas, o qual trouxe um aspecto novo à

evolução do direito mercantil: mantém-se a linha alemã do subjectivismo, mas

este desloca-se do comerciante para o empresário, quer dizer, do elemento pes-

soal para a organização (art. 2082 do Códice Civile). Sobre a referida evolução do

direito comercial desde os começos do século xix (direito dos actos de comércio,

direito dos comerciantes e direito das empresas), ver A. Ferrer Correia, Lições

de Direito Comercial, vol. I (com a colaboração de Manuel Henrique Mesqui-

ta/António A. Caeiro), Coimbra, 1973, págs. 10 e segs. Para análise mais

ampla, ver, por ex., Francesco Galgano, Storia dei diritto commerciale, 2.a ed.,

Bologna, 1980, com lar gas indicações bibliográficas a págs. 185 e segs.

398

PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO


No que toca à estrutura, o Código Comercial de 1833

icontra-se dividido em duas partes: a primeira trata do comércio

:rrestre e a segunda do comércio marítimo. Nele se incluem, não

5 normas de direito mercantil substantivo, mas também normas

processuais, de organização judiciária e até de direito civil.

Esclarece o próprio Ferreira Borges que, para a elaboração do

projecto, fez largas incursões de direito comparado, durante o seu

exílio em Londres e Paris. Utilizou especialmente o Código

Comercial francês, o projecto do Código Comercial italiano e o

Código Comercial espanhol. Mas não desconheceu as leis de outros

países.

Esses diplomas estrangeiros exerceram influência quanto ao


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