processo penal e prática judicial (*). Estas matérias eram, até então,
ensinadas numa única cátedra do 5.° ano, que abrangia, ainda, os
processos especiais civis e comerciais e que apenas aos últimos
ficava agora consagrada.
Não tardaria a Faculdade de Direito a concluir o seu projecto
de reforma dos estudos jurídicos, em que Machado Villela teve
uma actuação muito destacada. Aceito pelo Governo Provisório
republicano, foi sancionado pelo Decreto com força de Lei de 18 de
Abril de 1911.
Na preparação dessa reforma desenvolveram-se esforços ver-
dadeiramente paradigmáticos — e nunca, entre nós, excedidos—,
dentro do regime de autonomia que em 1907 tinha sido concedido à
Universidade e pelo qual se reconheceu aos conselhos escolares a
importante atribuição de "determinar os métodos de ensino e a
forma dos exames e exercícios". O sistema introduzido, que mos-
trava inspiração do positivismo jurídico, representou uma audaciosa
transformação das bases pedagógicas do nosso ensino do direito.
Pelo que toca ao elenco das disciplinas, interessa salientar certas
inovações que se traduziam na inclusão do estudo da estatística, da
economia social, mercê da importância atribuída às questões operá-
rias, do direito constitucional comparado, da legislação civil com-
parada e da matéria das confissões religiosas nas suas relações com
o Estado. Acresce que se regressou à antiga separação entre a histó-
ria das instituições do direito romano e a história do direito portu-
guês (2) e se desdobrou o direito internacional num curso de direito
internacional público e numa cadeira anual de direito internacional
(') Houve uma proposta, nesse sentido, de Sidónio Pais, vice-reitor, apre-
sentada em conselho da Faculdade de Direito, a 4 de Novembro de 1910, que
obteve concordância (ver M. J. Almeida Costa, O ensino do direito em Portugal no
século xx, cit., I, pág. 34).
(2) Na reforma de 1901, existia uma única cadeira de história geral do
direito romano, peninsular e português.
427
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
privado. Foram ainda estabelecidos, anexos ao grupo de Ciências
Políticas, dois cursos complementares de habilitação para as carrei-
ras diplomática e consular: o curso anual de história das relações
diplomáticas e o curso semestral de direito consular.
Aconteceu, porém, que esta reforma, que tantas esperanças
concitara, nunca chegou verdadeiramente a receber uma perfeita
execução. O regime dos cursos livres não conduziu a resultados
satisfatórios (!). Seguir-se-iam, ainda na mesma linha do sistema de
1911, as reformas de 1918 (2) e de 1922/1923 (3). Pela última,
suprimiram-se os cursos de estatística e de direito constitucional
comparado, transformando-se o curso de direito internacional
público em cadeira anual e criando-se um curso de direito fiscal (4).
c) A criação da Faculdade de Direito de Lisboa
Produziu-se, entretanto, um facto de grande importância para
o nosso ensino jurídico: a criação da Faculdade de Direito de Lis-
boa (5). A ideia surgiu pouco depois de implantado o regime liberal,
(') A respeito da reforma de 1911, consultar M. J. Almeida Costa, Leis,
Cânones, Direito (Faculdades de), cit., in "Dic. de Hist. de Port.", vol. II, págs. 688
e segs., e O ensino do direito em Portugal no século xx, cit., I, págs. 22 e segs.
(2) Decreto n.° 4648, de 14 de Julho de 1918, e Decreto n.° 4874, de 5 de
Outubro do mesmo ano.
(3) Lei n.° 1370, de 21 de Setembro de 1922, e Decreto n.° 8578, de 8 de
Janeiro de 1923.
(4) Quanto a estas e a outras reformas posteriores dos estudos jurídicos,
designadamente a de 1928 (Decreto n.° 16044, de 13 de Outubro) e a de 1945
(Decreto-Lei n.° 34850, de 21 de Agosto), consultar M. J. Almeida Costa, Leis,
Cânones, Direito (Faculdades de), cit., in "Dic. de Hist. de Port.", vol. II, págs. 692
e segs.
( ) Sobre a criação da Faculdade de Direito de Lisboa e as suas vicissitu-
des, ver M. J. Almeida Costa, Leis, Cânones, Direito (Faculdades de), cit., in "Dic.
de Hist. de Port.", vol. II, pág. 691. Consulte-se, sobretudo, a larga exposição de
Marcello Caetano, Apontamentos para a história da Faculdade de Direito de Lisboa,
428
PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO
mas apenas se efectivou com a proclamação da República. Por
Decreto com força de Lei de 22 de Março de 1911, foram estabele-
cidas as Universidades de Lisboa e do Porto (*), após o que, em 19
de Abril, a Constituição Universitária integrou na primeira uma
Faculdade de Ciências Económicas e Políticas.
Finalmente, a lei orçamental do Ministério do Interior de 30
de Junho de 1913 autorizou o Governo a organizar a nova escola,
que passaria a designar-se, ao estilo da época, Faculdade de Estudos
Sociais e de Direito. Seguiu-se o Decreto n.° 118, de 4 de Setembro
de 1913, que introduziu a Organização e Funcionamento das Facul-
dades de Direito, como lei única das Faculdades de Coimbra e de
Lisboa. Este diploma assentou nos princípios do Decreto de 18 de
Abril de 1911 e foi elaborado de harmonia com os regulamentos
sancionados por Decreto de 21 de Agosto do mesmo ano, apro-
veitando-se, todavia, a oportunidade para completar ou aperfeiçoar
certos aspectos.
A Faculdade de Estudos Sociais e de Direito abriu as suas
portas no ano lectivo de 1913/1914. Pelo Decreto n.° 3370-C, de 15
de Setembro de 1917, mudou-se-lhe o nome para Faculdade de
Direito. Viria a extingui-la o Decreto-Lei n.° 15365, de 12 de Abril
de 1928, juntamente com a Faculdade de Letras do Porto e a Facul-
dade de Farmácia de Coimbra, mas logo foi restaurada a 13 de
Outubro imediato, através do Decreto-Lei n.° 16044. Aliás, como
antes se salientou, este mesmo diploma introduziu um novo plano
dos estudos jurídicos (2).
in "Rev. da Fac. de Dir. da Univ. de Lisb.", cit., vol. XIII, págs. 14 e segs.
Contém indicações valiosas o catálogo da exposição documental Os setenta anos da
Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1984.
(J) Determina o art. 1.° do referido diploma que "no território da Repú-
blica, além da Universidade de Coimbra já existente, são criadas mais duas
Universidades — uma com sede em Lisboa e outra no Porto".
(2) Ver, supra, nota 4 da pág. anterior.
429
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
71. Ciência do direito e literatura jurídica
a) Considerações gerais
Quanto à ciência do direito e à literatura jurídica neste ciclo,
pode dizer-se que não se verifica, entre nós, tal como sucedera nos
períodos anteriores, grande autonomia e originalidade relativa-
mente ao que se passava além-fronteiras ( ). Algumas observações
sobre a influência das escolas então imperantes no estrangeiro
foram já feitas ao tratar-se do movimento de codificação e do
ensino do direito ( ). Por outro lado, o reflexo da orientação dada
aos estudos universitários, em cujo âmbito predomina a doutrina da
época, afigura-se manifesto nas obras dos nossos autores e na vida
forense.
Durante a maior parte do século XIX, a literatura jurídica
portuguesa teve uma feição exegética e descritiva do regime legal,
sem fundamentais preocupações metodológicas (3). Em paralelo
com o ensino da Faculdade de Direito, os juristas propendiam para
se limitarem ao estudo da forma e modificação das normas vigentes
e ao comentário dos seus preceitos.
(') Pode cônsultar-se a síntese de Gilissen, Introdução Histórica ao Direito,
cit., págs. 513 e segs. Para maiores desenvolvimentos, ver, por ex., José M.
Rodríguez Paniagua, Historia dei Pensamiento Jurídico, 5.a ed., Madrid, 1984.
(2) Ver, supra, respectivamente, págs. 394 e segs., e págs. 422 e segs.
(3) Não falta quem abra três períodos, com duração aproximada, na nossa
história jurídica do século xix, tendo-se sobretudo em vista a distribuição dos
juristas que escreveram ao longo dele: o primeiro decorre do começo de oitocen-
tos às reformas de Mouzinho da Silveira, em 1832; o segundo, caracterizado por
intensa revisão legislativa, vai desde essas reformas até ao Código Civil de 1867;
e o terceiro estende-se daí ao fim do século (ver José Pinto Loureiro, in "Juris-
consultos Portugueses do Século xix", cit., vol. I, págs. 92 e segs., e G. Braga da
Cruz, A Revista de Legislação e de Jurisprudência — Esboço da sua História, cit., vol. I,
págs. 2 e segs.).
430
período da formação do direito português moderno
Nessa hermenêutica e explanação dos textos legais conti-
nuava, ainda, o predomínio dos antigos critérios, marcados pelo
demasiado apego à variedade de argumentos e de opiniões. Con-
tudo, alguns espíritos mais abertos iam-se manifestando contra os
excessos de dedução e de lógica abstracta, assim como contra o
estrito legalismo.
Assinalam-se, de facto, mesmo antes dos fins do século XIX, a
sedução generalizada das concepções positivistas e sociológicas, que
invadiram os vários ramos do direito, opondo-se à tendência para a
abstracção e ao formalismo. Entraram na ordem do dia a superação
do puro método exegético, o interesse pelas realidades sociais sub-
jacentes ao direito, a atribuição de específica importância à história
jurídica e à doutrina estrangeira.
E sob inspiração conceptualista que a ciência do direito portu-
guês entra no século XX. O positivismo jurídico imperou durante as
suas primeiras décadas. Constituía a orientação avassaladora, mas
não sem que se fizesse ouvir alguma voz que, contestando a vali-
dade dos alicerces ontológicos dessa corrente, comunicava ao pen-
samento do nosso país a reflexão prospectiva dos rumos futuros da
ciência jurídica e da própria cultura europeia(1).
Para se compreender exactamente o carácter da literatura
jurídica portuguesa dos fins do século passado e dos começos do
século em curso, há que ter presente que os nossos autores se depa-
raram com uma vaga perturbadora de novas codificações. Não
admira, consequentemente, que o primeiro esforço, tanto no plano
do ensino como da prática forense, estivesse voltado para a sua
interpretação. Tornava-se indispensável, antes de mais, realizar
trabalho exegético e de comentário. Só depois de lançados esses
alicerces se tornaram possíveis estudos de síntese e de exposição
sistemática.
0 Significativo, neste sentido, foi o já indicado estudo de Paulo Mepêa,
Idealismo e Direito, Coimbra, 1913 (ver, supra, pág. 57).
431
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
b) Direito político e direito administrativo
No âmbito do direito político, cabe referência destacada à
obra de Manuel Emídio Garcia — que foi o iniciador da corrente
positivista na Faculdade de Direito, a qual se comunicou, em
seguida, às restantes disciplinas(l)—, de Lopes Praça(2), José Fre-
derico Laranjo (3) e Marnoco e Sousa (4). Paralelamente, quanto ao
(') A orientação sociológica de Emídio Garcia pode ver-se no Programa da
4." cadeira para o curso respectivo ao ano de 1885 a 1886, Coimbra, 1885, e nos Aponta-
mentos de algumas prelecções do Dr. E. Garcia, por E. Camelo e Abel de Andrade,
Coimbra, 1893. Garcia ascendeu a lente catedrático em 1870, regendo direito
administrativo até 1880 e passando no ano imediato para a cadeira de direito
político (4.a cadeira). Sobre este autor, consultem-se L. Cabral de Moncada,
Subsídios para uma História da Filosofia do Diréto em Portugal, cit., págs. 164 e segs., e
Paulo Merêa, Esboço de uma História da Faculdade de Direito de Coimbra, cit., fase.
III, págs. 6, 24 e segs., e 46 e segs.
(2) José Joaquim Lopes Praça, Direito Constitucional Portuguez, Coimbra,
1880, e Collecção de leis e subsídios para o estudo do direito constitucional portuguez, 2
vok, Coimbra, 1893/1894.
(3) José Frederico Laranjo, Princípios de Direito Politico e Direito Constitucio-
nal Portuguez, Coimbra, 1898. Os fascículos desta obra que vieram à luz da publi-
cidade foram compêndio oficial até 1908/1909. Sobre Laranjo, ver Paulo Merêa,
Esboço, cit., fase. III, págs. 29 e seg. Frederico Laranjo, que assumiu também a
regência de direito administrativo, deu à estampa, nesse domínio, alguns fascícu-
los de um compêndio intitulado Princípios e instituições de direito administrativo, Coim-
bra, 1888 (2.a ed. em 1894).
( ) José Ferreira Marnoco e Sousa, Lições de direito político, feitas na Univer-
sidade de Coimbra, ao curso do 2." ano jurídico de 1899-1900, Coimbra, 1900, Direito
político, etc, Coimbra, 1910, e Constituição politica da Republica portugueza. Commen-
tario, Coimbra, 1913. Relativamente a este ilustre mestre, consultem-se Machado
Vilela, Dr. José Ferreira Marnoco e Sousa (Notas biográficas), Caeiro da Mata, O
Professor Marnoco e Sousa e o estudo da história do direito, Fezas Vital, O professor
Marnoco e Sousa e os estudos de direito político na Universidade de Coimbra, e Oliveira
Salazar, Doutor Marnoco e Sousa—O Professor de Sciências Económicas, in "Boi. da
Fac. de Dir.", cit., ano II, respectivamente, págs. 329 e segs., págs. 363 e segs.,
págs. 373 e segs., e págs. 381 e segs. Nesse mesmo vol. se inclui, a págs. 395 e
segs., a Relação das obras do Dr. José Ferreira Marnoco e Sousa. Aliás, trata-se de uma
432
PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO
direito administrativo, recordem-se, desde logo, Basílio Alberto de
Sousa Pinto (l) e Justino António de Freitas, que elaborou, entre
nós, o primeiro trabalho de exposição desta disciplina, com mar-
cada influência de Laferrière e de feição descritiva (2). Mas é pelos
começos do presente século que se cria e desenvolve em Portugal
uma verdadeira ciência do direito político e administrativo: ini-
cialmente, sob a forma de um conceptualismo ou dogmatismo
normativista, com Guimarães Pedrosa(3) e Rocha Saraiva (4);
depois, configurando-se como uma corrente positivista-evolucio-
nista, através de Marnoco e Sousa (5).
Contudo, o autêntico triunfo do positivismo jurídico havia de
verificar-se com a chamada "escola realista", que pouco antes da
I Grande Guerra, irradiando de Bordéus, começara a abalar os
alicerces da ciência clássica do direito público. Léon Duguit e Gas-
variada bibliografia, de onde constam estudos respeitantes a diversos ramos do
direito, à ciência económica e às finanças. Consultar, por último, Fernando
Emygdio da Silva, Doutor Marnoco e Sousa — O ensino das suas aulas e a lição da sua
vida, in "Boi, da Fac. de Dir.", cit., vol. XLII, págs. 1 e segs., e Braga da Cruz,
A Revista de Legislação e de Jurisprudência — Esboço da sua História, cit., vol. I, págs.
456 e segs.
(') Apontamentos de Direito Administrativo com referência ao Código Administrativo
Português de 18 de Março de 1842, redigidos segundo as prelecções oraes do limo. Sr. Basílio
de Sousa Pinto, feitas no ano de 1844 a 1845, por Lopo José Dias de Carvalho e
Francisco de Albuquerque Couto, Coimbra, 1849. Sobre Basílio Alberto, con-
sultar Merêa, Esboço, cit., fase. I, págs. 39 e seg.
(2) Justino António de Freitas, Instituições de Direito Administrativo portu-
guês, Coimbra, 1857.
(3) António Lopes GuimarAes Pedrosa, Curso de ciência da administração e
direito administrativo, Coimbra, 1904. Organizou, também, uma colectânea de legis-
lação posterior ao Código Administrativo de 1886, composta de três vols. edita-
dos em Coimbra, 1893/1894.
(4) Alberto da Cunha Rocha Saraiva, Construcção Jurídica do Estado,
Coimbra, 1912.
(5) Consultar as desenvolvidas exposições de Marcello Caetano, Manual
de Direito Administrativo, cit., vol. I, págs. 65 e segs., e 165 e segs., e de Afonso
Queiró, Lições de Direito Administrativo, cit., vol. I, págs. 251 e segs.
433
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
ton Jèze, separados embora por alguns postulados metodológicos,
estavam essencialmente unidos numa convergência caracterizada
pela adopção de uma técnica jurídica que, negando o pensamento
idealista, trazia para o mundo da dogmática juspublicista os pressu-
postos do positivismo de Comte e do sociologismo de Durkheim e
Lévy-Bruhl. Apenas um reduzido espaço de influência era deixado
ao institucionalismo da Escola de Toulouse, que Maurice Haurriou
proclamava sob inspiração bergsoniana.
A técnica realista francesa exerceu, no nosso país, profunda
influência. Magalhães Collaço(1) e Fezas Vital ( ), os juspublicistas
mais expressivos da época, tornaram-se seus adeptos incondicio-
nais (3).
c) Outros domínios jurídicos
Já sabemos que, antes dos meados de oitocentos, se iniciou,
entre nós, o movimento de codificação, o qual viria a acelerar-se
durante a segunda metade desse século (4). Também se observou,
(') Sobre João Maria Tello de Magalhães Collaço, cônsultem-se Fezas
Vital, Magalhães Colaço, professor de Direito, in "Boi. da Fac. de Dir.", cit., vol.
XIII, págs. 332 e segs., e Braga da Cruz, A Revista de Legislação e de
Jurisprudência — Esboço da sua História, cit., vol. I, págs. 513 e segs.
(2) Quanto à bibliografia de Domingos Fezas Vital, consultar Marcello
Caetano, Manual de Direito Administrativo, cit., vol. I, pág. 172. Ver, também, o
"Boi. da Fac. de Dir.", cit., vol. XXIX, págs. 303 e segs., e Braga da Cruz, A
Revista de Legislação e de Jurisprudência — Esboço da sua História, cit., vol. I, págs. 613
e segs.
(3) Terá sido importante a presença do próprio Duguit nas Universidades
portuguesas: em 1910, veio a Coimbra proferir conferências; e, quando voltou,
pelos fins de 1923, a Faculdade de Direito de Lisboa consagrou-o como o seu
primeiro doutor "honoris causa" (cfr. Marcello Caetano, Apontamentos para a
história da Faculdade de Direito de Lisboa, cit., in "Rev. da Fac. de Dir. da Univ. de
Lisb.", vol. XIII, págs. 74 e seg.). Ver Lêon Duguit, Les grands doctrines juridi-
ques et le pragmatisme (conferência na Faculdade de Direito de Lisboa, em 1923), in
"Rev. da Fac. de Dir. da Univ. de Lisb.", cit., vol. II, págs. 7 e segs.
(4) Ver, supra, págs. 397 e segs.
434
PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO
quando tratámos da modernização privatística ( ), como as corren-
tes jurídicas e os próprios direitos estrangeiros iam sendo recebidos,
através das obras dos nossos autores.
Ora, a vida jurídica portuguesa, depois de iniciado o presente
século e até aos fins do período de que nos ocupamos, permaneceu
fundamentalmente idêntica à das décadas anteriores. Constitui um
ciclo de sinal homogéneo, de jurisconsultos como que perplexos e
não refeitos de hesitações bem explicáveis, pois, no breve tempo
compreendido entre 1867 e 1905, viram-se diante de um alude de
dez diferentes Códigos. A novidade e a complexidade dos seus
preceitos colocaram a teoria e a prática dos tribunais perante dúvi-
das e controvérsias interpretativas de vulto. Nem fora, decerto,
suficiente a elevação do nível jurídico que transparece do entu-
siasmo publicitário em torno das revistas especializadas então
nascidas (2).
Resulta do exposto a feição geral, antes salientada, que ofe-
rece a literatura jurídica portuguesa da época. Resta apenas recor-
dar alguns dos mais notáveis juristas do ciclo histórico em apreço,
que se afirmaram ao lado dos referidos cultores do direito político e
do direito administrativo.
Pelo que respeita ao panorama da civilística, considerando o
período que decorre até 1867, destacam-se Borges Carneiro (3),
( ) Ver, supra, págs. 386 e segs.
(2) Três delas sobreviveram até nossos dias: a "Revista de Legislação e de
Jurisprudência" (desde 1 de Maio de 1868), "O Direito" (desde 3 de Dezembro
de 1868) e a "Revista dos Tribunais" (desde 15 de Junho de 1882). Sobre o
periodismo jurídico português do século xix, consultar Braga da Cruz, A
Revista de Legislação e de Jurisprudência — Esboço da sua História, cit., vol. I, págs. 2 e
segs.
( ) Escreveu um livro importante com o título Direito Civil de Portugal,
Lisboa, 1826/1828. Trata-se de um trabalho extenso, cuja sistematização se ins-
pira no Código Civil francês e que consta de quatro tomos: os três primeiros
foram editados entre 1826 e 1828, mas o quarto, apenas postumamente, em 1840.
Reeditou-se a obra completa no ano de 1858. A respeito deste autor, veja-se
435
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
Correia Telles ('), Liz Teixeira (2) e Coelho da Rocha. O último,
sobretudo, legou-nos uma obra com forte cunho pessoal e reflec-
tindo as tendências que ao tempo marcavam a linha do progresso:
numa linguagem clara e mesmo elegante, traça o sistema do direito
civil em vigor, a que não faltam algumas análises certeiras dos
precedentes históricos ( ).
As Instituições de Coelho da Rocha, redigidas para o ensino,
vieram, de facto, ao encontro da necessidade de um livro actuali-
zado que substituísse o de Mello Freire, não só de acordo com a
legislação e o espírito da época, mas também que correspondesse ao
impulso que os estudos civilísticos assumiram após a unificação dos
cursos jurídicos (4). Devem considerar-se, ao lado do compêndio de
Mello Freire, uma das obras de referência da história do direito
português.
Adelino da Palma Carlos, Manuel Borges Carneiro, in "Jurisconsultos Portugueses
do Século xix", cit., vol. II, Lisboa, 1960, págs. 1 e segs.
(l) Da sua ampla bibliografia, além do cit. Commentario Critico á Lei da Boa
Razão, em data de 18 de Agosto de 1769, Lisboa, 1824 (ver, supra, pág. 356, nota 3),
assinalam-se: Theoria da interpretação das Leis e Ensaio sobre a natureza do Censo Consig-
nativo, Lisboa, 1815 (a primeira parte é uma tradução extraída da obra de J.
Domat, Les loix civiles dans leur ordre naturel, a que Correia Telles acrescentou
algumas glosas; encontra-se republicada in "Boi. da Fac. de Dir.", cit., vol. LV,
págs. 139 e segs.), Digesto Portuguez, Lisboa, 1835 (4.a ed., Coimbra, 1853), Manual
do Processo Civil. Supplemento ao Digesto Portuguez, Coimbra, 1842, Formulário de
Libellos e Petições Summarias, Coimbra, 1845, e Questões e Varias Resoluções de Direito
Emphyteutico, Coimbra, 1851 (obra póstuma).
(2) António Ribeiro de Liz Teixeira, Curso de Direito Civil Portuguez,
Coimbra, 1845 (2.a ed., 1848), que se apresenta como um comentário às Institutio-
nes de Mello Freire, as quais em muitos pontos actualiza e completa, utilizando
com frequência o Código Civil francês.
(3) São fundamentais as já cit. Instituições de Direito Civil Portuguez, Coim-
bra, 1844 (l.a ed.) (ver, supra, pág. 50). Sobre a importância da obra de Coelho da
Rocha, ver Centenário da morte de Manuel António Coelho da Rocha, in "Boi. da Fac.
de Dir.", cit., vol. XXVI, págs. 275 e segs. (discursos de Henrique de Brito
Câmara, Manuel de Andrade e G. Braga da Cruz).
( ) Ver, supra, págs. 422 e segs.
436
PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO
A partir da publicação do nosso primeiro Código Civil,
salientam-se José Dias Ferreira, autor de comentário valioso a esse
diploma (1), e, posteriormente, Guilherme Alves Moreira, que,
ultrapassando a fase da simples hermenêutica que a mesma lei tor-
nou inevitável, pode qualificar-se como o fundador da civilística
portuguesa moderna. Lançou, ao menos, os seus alicerces (2). Por
referência à obra de Coelho da Rocha — em cujo confronto
importa atender às diferenças legislativas e científicas das respecti-
vas épocas—, terá de considerar-se aquela de tipo institucional ou
sintético e a de Guilherme Moreira mais analítica, posto que não
chegue a fornecer uma visão completa do nosso direito civil.
Lembre-se, ainda, Teixeira de Abreu, que inaugurou na
docência a utilização de lições impressas, da autoria e responsabili-
dade do professor (3). Não deixou, propriamente, uma obra inova-
( ) Código Civil Portuguez Annotado, Lisboa, 1870/1876. Entre os estudos de
J. Dias Ferreira, contam-se umas Noções Fundamentaes de Philosophia do Direito,
Coimbra, 1867. Sobre este ângulo do autor, vejam-se L. Cabral de Moncada,
José Dias Ferreira, in "Est. Fil. e Hist.", cit., vol. I, págs. 304 e segs., e, também,
Mário Reis Marques, Do "Direito Natural" à "Filosofia do Direito": José Dias Fer-
reira, in "Nomos — Revista Portuguesa de Filosofia do Direito e do Estado", n.05
3/4, Lisboa, 1987, págs. 38 e segs., com a indicação de outros estudos respeitantes
a Dias Ferreira e uma lista ampla de publicações deste relativas a temas de
diversa natureza (Aid., pág. 45, nota 17).
( ) A sua obra básica foram as Instituições do Direito Civil Português, Coim-
bra, 1911 (compostas de dois extensos volumes referentes à parte geral e às
obrigações). A respeito de Guilherme Moreira, ver Centenário do nascimento do
Doutor Guilherme Alves Moreira, in "Boi. da Fac. de Dir.", cit., vol. XXXVII,
págs. 187 e segs. (discursos de A. Vaz Serra e JoAo de M. Antunes Varela), e
Braga da Cruz, A Revista de Legislação e de Jurisprudência — Esboço da sua História,
cit., vol. I, págs. 431 e segs., e vol. II, Coimbra, 1979, pág. 137. Relativamente à
passagem de Guilherme Moreira pelo ensino da história do direito, ver, supra,
pág. 56.
(3) António José Teixeira d'Abreu, Lições de Dirdto Civil, tomo I, Coim-
bra, 1898, que foram aprovadas como compêndio da cadeira correspondente.
Acrescentam-se: Lições de direito civil (litografadas), Coimbra, 1890/1891, Das subs-
tituições fideicomissarias, Coimbra, 1894, Curso de Direito Civil, Coimbra, 1910 (já
437
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
dora ou que realizasse alguma transformação significativa. Todavia,
as suas exposições prosseguem, com assinalável brilho e agudeza
jurídica, um sistema exegético moderado (*). Outro civilista rele-
vante foi José Tavares (2).
Quanto ao direito comercial, surge, desde logo, Ferreira Bor-
ges (3), mencionado a propósito da elaboração do nosso primeiro
Código Comercial ( ). Mas devem, também, assinalar-se diversos
autores, ligados ao ensino universitário.
Com a criação da Faculdade de Direito, institui-se a cadeira
de direito comercial (5), matéria anteriormente sem autonomia
cit.), Das aguas, Coimbra, 1917, e Apontamentos sobre direitos reais, Coimbra, 1928.
Recordem-se, ainda, os Elementos de pratica extrajudicial, Coimbra, 1910. Quanto à
produção deste autor no domínio do direito internacional privado, ver, infra, pág.
446.
(') Teixeira de Abreu introduziu no ensino civilístico a chamada "Carti-
lha" (Summario do Código civil portuguez, Coimbra, 1908, de que existem várias
edições), que era uma síntese breve do Código Civil destinada a fornecer aos
estudantes uma visão global desse ramo do direito. Sobre este autor, vejam-se
Marnoco e Souza/Alberto dos Reis, A Faculdade de Direito e o seu ensino, Coim-
bra, 1907, págs. 71 e segs., e Paulo Merèa, Esboço, cit., fase. III, págs. 44 e seg.
(2) Nesta área, José Maria Joaquim Tavares escreveu: Sucessões e Direito
sucessório, Coimbra, 1903, Tratado da capacidade civil, Coimbra, 1905, e Princípios
fundamentais do direito civil, vol. I (Noções gerais. Obrigações, direitos reais, família e
sucessões) e vol. II (Pessoas, cousas, factos jurídicos), Coimbra, 1922. Assinale-se, tam-
bém, A pratica extrajudicial e o tabelliado, Porto, 1896. A respeito do sistema rota-
tivo, na regência das cadeiras de direito civil, entre Guilherme Moreira, Teixeira
de Abreu e José Tavares, consultar Braga da Cruz, A Revista de Legislação e de
Jurisprudência — Esboço da sua História, cit., vol. I, nota 1052 da pág. 435. Sobre José
Tavares como comercialista, ver, infra, pág. seguinte.
(3) Destacam-se os seguintes estudos de José Ferreira Borges: Instituições
de Direito Cambial Portuguez, Londres, 1825, Jurisprudência do Contrato Mercantil de
Sociedade, Londres, 1830, e Diccionario Juridico-Commercial, Lisboa, 1839. Sobre este
jurtista, consulte-se J. M. Barbosa de Magalhães, José Ferreira Borges, in "Juris-
consultos Portugueses do Século xix", cit., vol. II, págs. 202 e segs.
(4) Ver, supra, págs. 398 e segs.
(5) Ver, supra, pág. 423.
438
PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO
didáctica e pouco versada por Mello Freire. O seu primeiro titular
foi Machado de Abreu, que se limitou a utilizar como livro de
texto o próprio Código Comercial de 1833, comparando-o com as
modernas codificações estrangeiras e os respectivos tratadistas.
Ocupou, depois, essa cátedra, entre 1858 e 1870, Diogo Forjaz, que
produziu obra escrita (*). Os professores subsequentes mantiveram a
linha da exposição exegética da lei mercantil básica. Entretanto,
após a publicação do Código Comercial de 1888 (2), tornou-se
ponto fulcral e muito debatido a análise do artigo 2.° do novo
diploma, sobre os actos de comércio (3).
No trânsito do século xix para o século XX, assume relevo
Abel de Andrade. As suas lições encontram-se inspiradas pelo posi-
tivismo evolucionista e denunciam apreciável esforço de actualiza-
ção, mediante o recurso à doutrina estrangeira, sobretudo ita-
liana (4). À mesma orientação se prende José Tavares ( ). Recor-
(') O nome completo deste lente da Faculdade de Direito era Diogo
Pereira rwjaz de Sampaio Pimentel. Constam da sua bibliografia duas obras:
Síntese do Código de Commercio Portuguez, Coimbra, 1865 (2.a ed. alterada, de 1866),
e Annotações ao Código de Commercio Portuguez, 6 tomos, Coimbra, 1866 (existem
edições parciais de 1855 e 1857; há uma nova ed. de 1875, em 4 tomos, que
contém um projecto de Código Comercial do autor, com os motivos). Consultar
Paulo Merèa, Esboço, cit., fase. III, págs. 58 e seg.
(2) Ver, supra, pág. 400.
(3) A respeito dos vários regentes da cadeira de direito comercial, até aos
fins do século xix, ver Paulo Merèa, Esboço, cit., fase. III, págs. 59 e seg.
(4) Abel Pereira de Andrade, Direito Comercial: apontamentos das prelecções
do Dr. Abel de Andrade, Coimbra, 1899. Esta obra foi inteiramente redigida pelo
professor, como se declara. Na parte final da sua carreira universitária
(1915/1936), Abel de Andrade passaria à docência do direito penal e do corres-
pondente processo (ver M. J. Almeida Costa, Apontamento sobre a autonomização do
direito penal no ensino universitário português, cit., in "Direito e Justiça", vol. II, págs.
57 e segs., designadamente págs. 77 e seg.).
(5) A fiança no direito commercial, Coimbra, 18%, Das sociedades commerciaes,
Coimbra, 1898/1899, Das emprezas no direito commercial, Coimbra, 1898, Curso de
direito commercial, tomo I, Coimbra, 1901 (cuja impressão ficou incompleta), e
439
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
dem-se, finalmente, Marnoco e Sousa, que também neste domínio
deixou os sinais de grande operosidade (l), José Gabriel Pinto Coe-
lho (2) e Luís da Cunha Gonçalves (3). Começavam a dar-se passos
importantes que encaminhariam para a modernização posterior da
nossa dogmática comercialística.
Em matéria de direito penal, ocorrem, primeiro, os nomes de
Silva Ferrão (4) e de Levy Maria Jordão (5). Aliás, mencionaram-se
estes autores ao tratar-se do movimento codificador português i(6).
Sociedades e emprezas comerciais, Coimbra, 1924 (2.a ed. completada Das sociedades
commerciaes e da parte jurídica Das emprezas no direito commercial). Acerca da obra
civilística deste autor, veja-se, supra, pág. 438.
( ) Sobre este eclético mestre, ver, supra, pág. 432, nota 4. A sua bibliogra-
fia em matéria de direito mercantil inclui Das letras no direito commercial portuguez,
Coimbra, 1897, e Das letras, livranças e cheques. Commentario ao titulo IV do livro II do
Código Commercial, 2 vols., Coimbra, 1905/1906.
(2) A sua obra de comercialista distinto inicia-se com a publicação de
umas primeiras lições de Direito commercial portuguez, vol. I, Coimbra, 1914. A
partir de Fevereiro de 1918, durante a licença sabática de Pinto Coelho, o direito
comercial foi regido por Guilherme Moreira e continuou a sê-lo, em 1919, por
virtude da transferência daquele professor para a Faculdade de Direito de Lisboa.
No ano lectivo de 1921/1922, a cadeira passou a Mário de Figueiredo. Sobre
Pinto Coelho, ver Braga da Cruz, A Revista de Legislação e de Jurisprudência —
Esboço da sua História, cit., vol. I, págs. 492 e segs., e vol. II, pág. 137.
(3) Lembre-se, especialmente, o Comentário ao Código Comercial Português, 3
vols., Lisboa, 1914/1918. Cunha Gonçalves também viria a dedicar-se à civilís-
tica, onde se destaca o Tratado de Direito Civil em comentário ao Código Civil Portu-
guês, 15 vols., Coimbra, 1929/1940. A sua obra tornou-se muito conhecida
no Brasil, tendo mesmo escrito os Princípios de Direito Civil Luso-Brasiláro, 3 vols.,
São Paulo, 1951. A propósito de uma publicação civilística mais tardia de Cunha
Gonçalves, ver a extensa recensão crítica de Manuel de Andrade, in "Boi. da
Fac. de Dir.", cit., vol. XXVIII, págs. 349 e segs.
(4) Francisco António da Silva FerrAo, Theoria do direito penal, applicada ao
Código Penal Portuguez, Lisboa, 1856/1857. Ver, supra, pág. 407.
(5) Ver o seu Commentario ao Código Penal Portuguez, Lisboa, 1835. Indicou-
-se, supra, pág. 408, nota 1, mais bibliografia de Levy Maria Jordão.
(6) Ver, supra, pág. 407.
440
PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO
No plano universitário, importa salientar, antes de mais, Basí-
lio Alberto de Sousa Pinto, que teve a regência de 1843 a 1861 ( ),
ou seja, desde que o ensino do direito criminal se associou ao
direito administrativo numa única cátedra e em seguida a readqui-
rir a posição de cadeira exclusiva (2). Sucedeu-lhe Henriques Secco,
que, ao menos de começo, pouco se afastou das lições de Sousa
Pinto, mantendo as suas posições fundamentais — caracterizadas
pela adesão às doutrinas utilitárias e preventivas (3)—, excepto
quanto à pena de morte, a que votava franca hostilidade (4). Depois
de Secco, em 1887, a cátedra de direito criminal foi ocupada por
Henriques da Silva, cujo início da docência coincide com a pene-
tração, entre nós, das ideias da escola italiana de sociologia crimi-
nal. As suas exposições, começadas no ano imediato ao da publica-
(') Podem cônsultar-se as Lições de Diráto Criminal redigidas segundo as prelec-
ções oraes do Ulmo. Sr. B. A. S. Pinto, feitas no ano lectivo de 1844-45 e adaptadas
às Instituições de direito criminal português de P. J. de Mello Freire, por Fran-
cisco dAlbuquerque e Couto e Lopo José Dias de Carvalho, Coimbra, 1845.
Após a publicação do Código Penal de 1852 (ver, supra, págs. 406 e segs.), foram
dadas à estampa novas Lições de Direito Criminal Portuguez redigidas segundo as prelec-
ções oraes de B. A. S. Pinto, por A. M. Seabra d'Albuquerque, Coimbra, 1861. A
respeito de Sousa Pinto, ver, supra, pág. 433, nota 1, e Paulo Merêa, Esboço, cit.,
fase. I, págs. 50 e segs.
(2) Ver M. J. Almeida Costa, Apontamento sobre a autonomização do diráto
penal no ensino universitário português, cit., in "Direito e Justiça", vol. II, págs. 57 e
segs., designadamente págs. 66 e seg.
(3) Ver M. J. Almeida Costa, est. e lug. cits. na nota anterior, págs. 68 e
seg.
(4) António Luiz de Sousa Henriques Secco propôs-se escrever um
Compêndio de direito criminal portuguez, de que saíram alguns capítulos na "Revista
de Legislação e de Jurisprudência", cit., anos 5.°, 8.° e 9.°. Publicou na mesma
revista, ano 4.°, um extenso artigo intitulado Da historia do direito criminal desde os
mais remotos tempos. Foi, ainda, autor de um Código Penal seguido de um appendice e
annotado, que conheceu várias edições, dirigido à prática e não propriamente ao
ensino universitário. Sobre Henriques Secco, consultem-se Paulo Merêa, Esboço,
cit., fase. III, págs. 62 e segs., e Braga da Cruz, A Revista de Legislação e de
Jurisprudência — Esboço da sua História, cit., vol. I, págs. 57 e segs.
441
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
ção do Código Penal de 1886(1), procuraram corrigir os excessos
da escola antropológica com a relevância atribuída às causas sociais
da criminalidade ( ). Encontrava-se Caeiro da Mata na regência do
direito penal, quando se encerra o período estudado (3).
Relativamente ao direito processual, há que apontar, das gera-
ções oitocentistas precursoras, Correia Telles, também cultor deste
ramo jurídico (4), Francisco Nazaré th (5), Alves de Sá(6), Bernardo
de Serpa Pimentel(7) e Neves e Castro (8). Viriam, depois, Chaves
( ) Ver, supra, pág. 409.
(2) António Henriques da Silva, Lições de Direito Penal ao 5° Ano Jurídico,
compiladas por J. F. Gomes, H. C. Oliveira Martins e Macedo e Castro,
Coimbra, 1898/1899 (ed. policopiada da Lithographia da R. das Cozinhas), e os
seus Elementos de sociologia criminal e direito penal, Coimbra, 1905/1906 (que ficaram
incompletos). No mesmo sentido, consulte-se Afonso Costa, Commentario ao
Código penal portuguez, I — Introducção, escolas e princípios de criminologia moderna,
Coimbra, 1895. A respeito da obra e do ensino de António Henriques da Silva,
ver L. Cabral de Moncada, Subsídios para uma História de Filosofia do Direito em
Portugal, cit., págs. 178 e segs., Paulo Merea, Esboço, cit., fase. III, págs. 65 e
segs., Eduardo Correia, A influência de Franz v. Liszt sobre a reforma penal portu-
guesa, in "Boi. da Fac. de Dir.", cit., vol. XLVI, págs. 1 e segs., e Braga da
Cruz, A Revista de Legislação e de Jurisprudência — Esboço da sua História, cit., vol. I,
págs. 71 e segs.
(3) Ver Braga da Cruz, A Revista de Legislação e de Jurisprudência — Esboço
da sua História, cit., vol. I, pág. 566, nota 1258.
(4) Ver, supra, pág. 436, nota 1.
(5) Francisco José Duarte Nazareth escreveu duas obras importantes:
Elementos de Processo Criminal, Coimbra, 1846 (ver, especialmente, a 4.a ed., de
1861, e a 7.a ed., de 1866, revistas e aumentadas), e Elementos de Processo Civil, 2
vols., Coimbra, 1850/1857 (ver a 3.a ed., de 1860, revista e aumentada).
(6) Eduardo Dally Alves de Sá, Commentario ao Código de Processo Civil
Portuguez, 3 vols., Lisboa 1877/1884. Trata-se de uma obra valiosa.
(7) Publicou umas Lições de Theoria do Processo, Coimbra, 1874/1875 (existe
uma edição litografada de 1873/1874), e a Correspondência de artigos entre a edição
precursora e a primeira edição oficial do Código de processo civil, Coimbra, 1876.
(8) O nome completo deste autor era Francisco Augusto das Neves e Cas-
tro. Assinalam-se as suas obras seguintes: Varias questões de jurisprudência theorica e
442
PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO
e Castro, Dias da Silva, Afonso Costa e José Alberto dos Reis. Esta
segunda linha de autores merece uma referência particular, pois
encontra-se mais na base da nossa processualística moderna.
Manuel de Oliveira Chaves e Castro teve uma grande impor-
tância. Foi um professor com elevado empenho pedagógico (1).
Além disso, a feição de cientista prático que o caracterizava, de
preferência a um pendor para a especulação teórica e as inovações,
trouxe-lhe enorme prestígio e significado na actividade forense.
Constituiu, por assim dizer, o último destacado adepto, entre nós,
da escola francesa, que colocava o juiz numa situação passiva
perante a disponibilidade das partes quanto à condução da lide e ao
próprio conteúdo da decisão (2).
Não tardou, porém, que a doutrina processual italiana,
realçando-se Lodovico Mortara, Alfredo Rocco e Giuseppe
Chiovenda — este último fortemente inspirado pelas orientações
austríacas de Franz Klein—, penetrasse, embora com alguma
mediação alemã, no meio português. Os novos horizontes proces-
suais acentuavam, num alto grau, a intervenção do juiz (3). Entre-
pratica, Coimbra, 1860, Theoria das provas e sua applicação aos actos civis, Porto, 1880,
Manual do processo civil ordinário em primeira instancia, Coimbra, 1881 (2.a ed., publi-
cada em 1901), Manual de processo civil especial em primeira instancia, Coimbra, 1883, e
Manual das execuções, Coimbra, 1885.
(') Ficaram famosas as simulações de tribunais que organizava com os
alunos e a exigência de que estes elaborassem processos completos (ver Paulo
Merêa, Esboço, cit., fase. III, pág. 71).
(2) Nas suas lições, conferia grande desenvolvimento à matéria de organi-
zação judiciária e ao comentário sistemático do Código de Processo Civil. Deu à
estampa um livro sobre Organização e competência dos tribunais portugueses, Coimbra,
1910. Foi Manuel de Oliveira Chaves e Castro um dos fundadores e o primeiro
director da "Revista de Legislação e de Jurisprudência" (ver, supra, pág. 435, nota 2),
onde publicou estudos de relevo. A respeito deste autor, consultem-se Paulo
Merêa, Esboço, cit., fase. III, págs. 70 e seg., e Braga da Cruz, A Revista de
Legislação e de Jurisprudência — Esboço da sua História, cit., vol. I, especialmente págs.
39, 42, 46 e segs., e 542 e segs.
( ) Ver, supra, págs. 403 e seg.
443
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
tanto, Afonso Costa baseava-se muito nos escritos de Mortara(1).
A evolução, prosseguiria com Manuel Dias da Silva, que se dedicou,
sobretudo, aos processos especiais (2).
É pelos começos do presente século que assume relevo José
'berto dos Reis, um processualista significativo que, não só teve
intervenção decisiva no plano legislativo, mas também deixou obra
doutrinal que muito ultrapassaria o tempo em que viveu (3).
Atribui-se-lhe, ainda, um esforço didáctico expressivo ( ). Dificil-
mente se encontra outro jurisconsulto seu contemporâneo com
maior influência na prática dos tribunais. Os estudos que elaborou,
em particular os comentários e as anotações à lei ou à jurisprudên-
(') Consultar Marnoco e Souza/Alberto dos Reis, A Faculdade de Direito
e o seu ensino, cit., págs. 78 e segs. Salienta-se a extensa obra de L. Mortara,
Commentario dei Códice e delle leggi di procedura civile, 3.a ed., s.d., Milano (a l.a ed.
recua a 1900). Mortara foi o último e o mais famoso italiano da escola exegética.
Chiovenda apresentar-se-ia como o fundador da escola sistemática ou histó-
rico-dogmática.
Sabe-se que Afonso Augusto da Costa escreveu sobre outras matérias,
como a ciência económica e o direito económico português (ver, infra, nota 2
da pág. seguinte), o problema da emigração, o direito penal, as escolas e os
princípios de criminologia então actuais (ver, supra, pág. 442, nota 2), e o direito
comercial. No âmbito do processo e da organização judiciária, recordam-se, por
ex.: Lições de organisação judicial e theoria do processo civil, Coimbra, 1893, Os peritos no
processo criminal. Legislação portugueza, critica, reformas, Coimbra, 1895, e as já cit.
Lições de Organisação Judiciaria, Coimbra, 1897 (existem várias edições).
(2) Como resultado da exposição docente, publicou a obra Processos espe-
ciais, civis e commerciaes e processo criminal, Coimbra, 1904. A respeito de Manuel
Dias da Silva, também um dos fundadores da "Revista de Legislação e de Juris-
prudência" (ver, supra, pág. 435, nota 2), consultar Braga da Cruz, A Revista de
Legislação e de Jurisprudência — Esboço da sua História, cit., vol. I, particularmente
nota 151 da pág. 74, nota 153 da pág. 76, e págs. 267 e seg.
(3) Ver, supra, pág. 404, notas 1 e 2.
(4) Utilizava, fora do tempo destinado à prelecção, um sistema análogo ao
de Chaves e Castro (ver, supra, nota 1 da pág. anterior).
444
PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO
cia, marcados por uma clareza extrema e larga exemplificação,
tornaram-se sumamente atractivos e divulgados (*).
Mais tardia se apresenta a produção científica na área do
direito internacional privado (2). Observou-se que a inclusão desta
disciplina no elenco do ensino jurídico apenas foi realizada pela
reforma de 1901 (3) e que a sua autonomização didáctica do direito
internacional público, como a diversidade das matérias impunha, se
atrasou até à reforma de 1911 (4). Relaciona-se com esse ensino
serôdio o desenvolvimento da ciência e da literatura do direito de
conflitos, ligadas ainda em maior grau ao claustro universitário do
que as respeitantes às outras áreas jurídicas.
Pertence a Machado Villela o posto inequívoco de fundador
do direito internacional privado português moderno, quer devido à
(') Sobre Alberto dos Reis, consultar Braga da Cruz, A Revista de Legisla-
ção e de Jurisprudência — Esboço da sua História, cit., vol. I, págs. 474 e segs. Quanto à
sua extensa obra, veja-se MArio Alberto dos Reis Faria, Bibliografia do Doutor José
Alberto dos Reis, in Suplemento XV ao "Boi. da Fac. de Dir.", cit. — "Colectânea
de Estudos em Homenagem ao Doutor José Alberto dos Reis", vol. I (Coimbra,
1961), págs. XIII e segs.
(2) Ainda posterior foi o incremento de alguns ramos jurídicos e da sua
dogmática, embora na altura estivessem despontando, como o direito fiscal, a
princípio mais ou menos versado, com o pouco definido direito financeiro, entre
as matérias de economia política e de finanças (ver Paulo Merêa, Esboço, cit.,
fase. III, págs. 31 e segs., e 53 e segs.). Só em 1923 (Decreto n.° 8578, de 8 de
Janeiro) se criaria um curso de direito fiscal (ver M. J. Almeida Costa, Leis,
Cânones, Direito (Faculdades de), cit., in "Dic. de Hist. de Port.", vol. II, págs. 693
e seg.). Encontra-se, por outro lado, muito longe das concepções modernas o
direito económico contemplado por Afonso Costa, Apontamentos das prelecções do
Dr. A. Costa sobre ciência económica e direito económico português, Coimbra, 18%. Tam-
bém o direito do trabalho era encarado de um puro ângulo privatístico. Sobre o
seu ensino tardio já com uma feição moderna, ver M. J. Almeida Costa, Leis,
Cânones, Direito (Faculdades de), cit., in "Dic. de Hist. de Port.", vol. II, pág. 694,
e Marcello Caetano, Apontamentos para a história da Faculdade de Direito de Lisboa,
cit., in "Rev. da Fac. de Dir. da Univ. de Lisb.", vol. XIII, págs. 107 e seg.
(3) Ver, supra, pág. 426.
(4)) Ver, supra, págs. 427 e seg.
445
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
importância que teve na criação da respectiva cadeira e sua
regência durante vinte anos(!), quer pelo significado da obra
escrita que deixou (2). Anteriormente, não existia, no nosso país,
uma exposição de conjunto sobre a matéria. Além disso, os escassos
estudos monográficos dados à estampa encontravam-se antiquados.
Recordem-se os de Lucas Fernandes Falcão (3), Teixeira de
Abreu (4) e José Alberto dos Reis (5), em todo o caso meritórios.
Mas a estes autores ainda faltava uma compreensão do direito
de conflitos rasgada para o futuro. Foi Machado Villela que a
trouxe.
(') Foi quem primeiro a leccionou, tanto na fase em que o direito interna-
cional privado esteve unido ao direito internacional público, como após a auto-
nomização (ver. M. J. Almeida Costa, O ensino do direito em Portugal no século xx,
cit., I, págs. 24, nota 43, e 46).
(2) A obra básica de Álvaro da Costa Machado Villela é o Tratado
elementar (teórico e prático) de Direito Internacional Privado, liv. I (Princípios gerais) e liv.
II (Aplicações), Coimbra, 1921/1922. Pode ver-se uma bibliografia seleccionada de
Villela, in "Boi. da Fac. de Dir.", cit., vol. XXXII, págs. 408 e segs. Sobre este
distinto professor, consultem-se A. Ferrer Correia, Homenagem à memória do Dou-
tor Álvaro da Costa Machado Vilela, in "Boi. da Fac. de Dir.", cit., vol. XXXVI,
págs. 353 e segs., M. J. Almeida Costa, Machado Vilela e a Comunidade Luso-
-Brasileira (Na ocasião de um centenário), in "Boi. do Min. da Just.", cit., n.° 210, págs.
5 e segs. (também in "Scientia Ivridica", cit., tomo XX, págs. 375 e segs., sob o
título Machado Vilela, Pioneiro), Haroldo ValadAo, Machado Vilela, Primeiro Jurista
Luso-Brasileiro, J. Baptista Machado, Autonomia do problema do reconhecimento dos
direitos adquiridos em Machado Vilela, e António de Oliveira Braga, Machado Vilela
e a Comunidade Lusíada, in "Scientia Ivridica", cit., tomo XX, respectivamente,
págs. 384 e segs., págs. 3% e segs., e págs. 410 e segs. Ver, ainda, Braga da
Cruz, A Revista de Legislação e de Jurisprudência — Esboço da sua História, cit., vol. I,
págs. 462 e segs., e vol. II, págs. 119 e segs.
(3) Escreveu Do Direito Internacional Privado. Dissertação inaugural para o acto de
conclusões magnas, Coimbra, 1868.
(4) Foi autor de Estudos sobre o Código Civil Portuguez, II — Das relações civis
internacionais, Coimbra, 1894. Quanto à obra civilística de Teixeira de Abreu, ver,
supra, pág. 437, nota 3.
(s) Deve-se-lhe a monografia Das sucessões no direito internacional privado,
Coimbra, 1899. A respeito de Alberto dos Reis como processualista, ver, supra,
págs. 444 e seg.
446
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