CAPÍTULO 2
Entre monges e bárbaros
Quando as bibliotecas ficaram fechadas como túmulos
Houve um momento em que todo o continente europeu ficou literalmente sem bibliotecas. Amiano Marcelino, no século IV, foi o testemunho privilegiado que escreveu: "[...] As bibliotecas estavam fechadas como sepulcros perpétuos ...]."
Copiar e ler eram atividades pouco usuais nos séculos V e VI, quase sempre praticadas por nobres ou devotos. Caius Sollius Modestus Apollinaris Sidonius (Sidônio Apolinário), na Gália, mandou perseguir um monge ao saber que ele estava levando um manuscrito raro para a Bretanha, e o obrigou a ditá-lo aos seus secretários. No fundo, temia nunca mais ver esse escrito.
Gregório I, embaixador especial em Bizâncio, primeiro monge a ser designado papa, criou uma pequena biblioteca no palácio Laterano, em Roma: um grupo de colonos, arrolados pela fome causada pelas inundações do Tiber em 589, quis queimá-la, mas a fúria da autoridade eclesiástica se impôs.
Um trecho excepcional das Institutiones (2.5.10) de Casiodoro, político e depois monge, serve-me agora para retratar o medo que os homens dessa obscura época sentiam das invasões dos bárbaros. Casiodoro falou sobre um tratado de música de um tal de Albino e chamou a atenção para um exemplar numa biblioteca de Roma: "[...] Se essa cópia desapareceu nas invasões dos bárbaros, você tem uma cópia de Gaudêncio aqui em seu lugar [...]."
Casiodoro se retirou em 540 para o Vivário, mosteiro onde instalou uma modesta escola de copistas e uma biblioteca constituída para conservar textos antigos. Não sabemos se os chamados clássicos pagãos foram copiados no Vivário, mas é presumível dada a cultura enciclopédica de Casiodoro. Ele esteve de fato em Constantinopla entre 550 e 554, o que facilitou a aquisição de livros gregos e latinos. A falta de provas, no entanto, impede-nos de saber como desapareceram os manuscritos da biblioteca do Vivário: conserva-se apenas um manuscrito do século VI das Complexões de Casiodoro e um códice com todas as características das cópias elaboradas no Vivário. A hipótese destinada a convencer os historiadores da transferência da biblioteca de Casiodoro para a biblioteca de Gregório I ou para a do mosteiro de Bobbio não é, certamente, absurda, mas ousada. Casiodoro pode ter feito cópias para enviar a essas bibliotecas em Roma. Depois do fechamento do Vivário, duas décadas após a morte de Casiodoro, é possível imaginar que a dispersão dos livros se deu em vários mosteiros, posteriormente destruídos. Na Espanha visigoda não houve muitas bibliotecas. O mosteiro servitano, em Valência, tinha livros provenientes da África, mas não há dados precisos sobre seu destino. No século VII existia em Toledo uma biblioteca de propriedade de um conde chamado Laurêncio, cuja morte significou o fim dos livros. Em Sevilha, o célebre bispo Isidoro mandou copiar os livros de Casiodoro, impôs no Quarto Concilio de Toledo o estudo do grego e do latim nas escolas episcopais e, consciente da importância de salvar a memória da humanidade, recompilou milhares de dados em suas Etimologias. Livro semelhante requeria, sem dúvida, enorme biblioteca (há 52 autores citados). O destino do livro foi desigual: de um lado, deu a conhecer as teorias e dados de numerosos autores pagãos, por outro, facilitou o esquecimento de muitas fontes da literatura clássica como a estranha Pratas, a misteriosa enciclopédia de Suetônio.
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