Sumário prólogo capítulo



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CAPÍTULO 23
Por um instante, imaginou a cara que Leonardo faria quando os visse aparecer, e isso porque ainda não sabia concretamente o lugar onde estava hospedado. Ignorava qual seria a reação dele ao conhecer Cristina. Supôs que não lhe agradaria nada descobrir que mais alguém estava envolvido na busca do diário de Iacobus, sobretudo porque Mercedes havia exigido discrição absoluta. Mas essa era uma questão que haveria de solucionar quando chegassem a Múrcia. Agora, o mais importante era reunir os três, entrar em acordo e discutir a maneira como iriam desmascarar os assassinos de Mercedes e Balboa.

Desviou o olhar da estrada por alguns segundos para observar Cristina, que dormia placidamente com a cabeça recostada para o lado. Nicolas sentiu um cocegazinha agradável no estômago ao perceber um cacho de cabelo acobreado cobrindo o lóbulo da orelha dela. Surpreendeu-se com sua própria reação, ao admirá-la em silêncio. Essa mulher fazia com que ele se sentisse vivo e, por isso, reprimido e desajeitado como um adolescente comum, já que, por sua idade, poderia ser pai dela. Porque, ainda que escrupulosa no trato, Cristina possuía o conhecimento de Atenas, a coragem de Artemisa e a irresistível sensualidade de Afrodite. As três virtudes, por excelência, de uma mulher ideal. Tentou pensar em outra coisa, já que não era o caso de continuar mirando a jovem com olhos de cordeiro degolado. Tanta admiração, não isenta de um certo epicurismo, poderia ser mal interpretada e ocasionaria graves problemas com os verdadeiros responsáveis por sua missão.

Eles lhe permitiram acompanhar Cristina, sempre e quando constituísse parte de seu álibi. Qualquer erro resultaria na extinção da equipe. Como se pressentisse que alguém a observara, Cristina se agitou no assento. Despertou e deu uma olhada em seu relógio de pulso.

—Deus do céu, já são duas e meia! — murmurou com voz sonolenta.

—Não pensou em dormir um pouco?

—Deveríamos ter saído de Madri pela manhã — afirmou, foi sua única resposta.

A jovem pegou sua jaqueta na parte de trás do veículo. Sentiu frio por todo o corpo.

—Durante a noite é mais fácil saber se estão nos seguindo — disse ela com voz rouca, tão logo colocou o casaco sobre os ombros.

—Então estamos com sorte... — ele sorriu ligeiramente e acrescentou. — Faz mais de dez minutos que não se vê nenhuma luz pelo retrovisor.

—Melhor assim.

Colmenares apertou o botão do rádio para sintonizar uma emissora de notícias. Em seguida, aumentou a temperatura do climatizador digital.

—Por onde vamos? — ela quis saber.

—Acabamos de deixar para trás o desvio de Honrubia.

—Será melhor você parar no próximo posto de serviço, onde haja uma hospedaria. Precisamos dormir um pouco.

Nicolas achou aquilo um capricho absurdo, sair de Madri à meia-noite para se deter na metade do caminho, mas se absteve de opinar porque, na realidade, ansiava deitar na cama e por dormir dez horas seguidas. No final das contas... que pressa teriam de chegar a Múrcia?

Meia hora depois, na altura de Sisante, saíram da auto-estrada para entrar numa área de descanso, onde havia um posto de gasolina e um pequeno, porém, apresentável hotel três estrelas.

Nicolas manobrou seu Audi com destreza e encontrou um apartamento livre, muito próximo à entrada. Os faróis do automóvel iluminaram a fachada principal da cafeteria do hotel, e, inclusive, os poucos clientes que ainda tomavam algo quente na parte extrema do balcão que dava para a janela exterior. De comum acordo, decidiram conversar um pouco, sentados diante de uma caneca de café, antes de dormir. Depois que se acomodaram em uma das mesas do local, um camareiro com mais sono do que entusiasmo os atendeu. Em seguida, lhes trouxe um par de xícaras fumegantes e a conta. O advogado se adiantou para pagar, impedindo que Cristina o fizesse.

— Sei que não é da minha conta, mas gostaria de saber o que tem de especial os crimes de Madri... — Colmenares foi direto, sem rodeios. — O procedimento não é comum e nem o mais ortodoxo.

Cristina o observou com estoicismo. Tanta indiferença abalou o orgulho de Nicolas, que se sentia cada vez mais um objeto de decoração dentro do caso. Não era tonto, sabia que precisavam dele como uma cortina de fumaça, para desviar a atenção de Leonardo e ocultar o autêntico propósito de sua nova parceira de investigação. Isso, porém, não era um obstáculo para que ele soubesse a verdade, uma vez que também arriscava sua própria vida ao entrar em cena, viajando até Múrcia para entrar em contato com o bibliotecário, que, certamente devia estar na lista dos assassinos.

—Eu gostaria que você fosse sincera e me contasse que significado têm as palavras escritas com sangue na parede, e também qual é o conteúdo do manuscrito — insistiu, persistente. — Sei que você entrou na casa de Mercedes e copiou o arquivo do computador dela. Há coisas que preciso saber e só você pode me ajudar.

—Como o que?

—Por exemplo, a repercussão social do problema proposto no criptograma e os motivos pelos quais o juiz o classificou como segredo de justiça.

—Isso eu não posso responder... — lamentou ter que negar ao pedido dele. — Não estou autorizada.

—Você se lembra...? — franziu o nariz. — Fui eu quem lhes aler¬tou sobre as intenções de Mercedes, além de avisá-los a respeito do manuscrito. Não deveria me deixar de lado.

—Meus chefes não têm a mesma opinião. A transcrição do texto não é o final da viagem, mas apenas o começo.

—Aposto o que quiser que você conhece esses tipos melhor do que ninguém... refiro-me aos bastardos que acabaram com a vida de Mercedes.

Cristina hesitou uns segundos. Na verdade, não estava segura de nada.

—É possível que estejamos enfrentando uma das sociedades secretas mais inacessíveis do mundo esotérico — disse em voz mais baixa — e, também, o mistério mais bem guardado da história da humanidade. Por isso a Central enviou a melhor. E pouco me importa que você pense que sou presunçosa, porque é a verdade. Meus conhe¬cimentos da arte da alquimia, da cabala, da mística e demais ciências ocultas têm sido expostos em várias conferências e congressos internacionais, aos quais tenho sido convidada como palestrante. Você deveria ler alguns de meus livros para saber do que estou falando.

Nicolas conhecia de ouvido, graças a Hijarrubia, o verdadeiro currículo da doutora Hiepes. A farsa idealizada para introduzi-la na casa de leilões serviu enquanto durou seu trabalho como bibliotecária, embora continuaria valendo para Leonardo.

—Mercedes me falou de uma seita: Os Filhos da Viúva — assinalou o advogado.

—Não se trata de uma seita, senão de uma sociedade que teve origem em uma lenda. Acreditam ser os herdeiros de um conhecimento baseado na arte da construção. Alguns os chamam de maçons, mas na realidade estes negam sua existência, mesmo sabendo que são autênticos guardiões do segredo essencial. Daí se deduz que essa irmandade não simpatize com os mestres modernos, cujas lojas são anunciadas na Internet e que escrevem livros, revelando falsos mistérios da ordem.

—Por acaso o governo teme que algum de seus representantes esteja envolvido? — Colmenares calculou que essa poderia ser uma pergunta indiscreta, ainda que não menos a resposta.

—Quem sabe... — ela foi sucinta. — Mas o que realmente preocupa a Central é o poder que poderia implicar o engenho descrito pelo pedreiro.

—Não sei a que engenho você se refere. Provavelmente eu pudesse responder, caso tivesse lido o texto.

Aquele comentário pareceu incomodá-la.

—Você saberá na hora certa... — Cristina bebeu o último gole de seu café, dando por encerrada a reunião. — Agora o melhor que temos a fazer é dormir.

Nicolas concordou em silêncio, ao perceber que havia se excedido.

Então, levantou-se, imitando sua companheira de viagem. Saíram juntos da cafeteria, depois de despedir-se do atendente, dirigindo-se à entrada do hotel de braços dados.

Por mais que se esforçassem, estavam muito longe de ser um casal enamorado.

CAPÍTULO 24
Decidiram se apressar, pois era bem possível que Os Filhos da Viúva estivessem seguindo seus passos. A idéia deles era recuperar, o quanto antes, o diário de Iacobus e desaparecer por um tempo.

Naquela mesma segunda-feira, pela manhã, foram em busca de provisões em um dos grandes armazéns da cidade. Compraram cordas de náilon, mosquetões, lanternas e demais utensílios próprios para espeleologistas e alpinistas. Contavam, ainda, com radiotransmissores — acreditavam que seria melhor manter a comunicação com Riera — e uma câmera de vídeo, para imortalizar a descida e a entrada na cripta. Tinham tudo preparado. Só lhes faltava esperar pela hora certa.

A cidade emudeceu no instante em que o relógio da catedral marcou às quatro horas da madrugada. Só se ouvia o eco amortecido de passos nos arredores da Praça dos Apóstolos. A luz dos holofotes que iluminavam a catedral ampliou as sombras projetadas nas pedras lavradas da capela dos Vélez. Em silêncio e com extremo cuidado, os três correram para refugiar-se embaixo da intrincada rede de andaimes metálicos que rodeavam a parte de trás do templo, tendo como seus melhores aliados a noite e as próprias obras de reforma. Permaneceram agachados alguns segundos, sem fazer ruídos nem movimentos, mas ainda ofegantes como cavalos descontrolados, em razão da corrida. O som da respiração soava com mais força em seus ouvidos, chegando a ficar insuportável dentro do cérebro.

Leonardo fez um gesto para Cláudia, insinuando que lhe desse uma ajuda — queria suspender uns tapumes de madeira que estavam apoiados no final do andaime. Juntos, colocaram-nos à sua frente, de maneira que lhes serviram de parapeito. Dessa forma, garantiam sua privacidade, caso alguém passasse por ali.

Enquanto isso, Salvador se apressava em pegar uma dessas ferramentas utilizadas por vidraceiros e que levava escondida na mochila.

—Quem deve fazer isso é você — disse a Cárdenas em voz baixa, dando a entender que o rapaz tinha mais força nos braços.

Ele assentiu, levantando o polegar. Voltou-se, para sussurrar a Cláudia que deveria dar uma mão ao tio. Ambos se uniram em total silêncio.

Escondidos atrás das pranchas de madeira e dos travessões dos andaimes, começaram a segunda parte do plano. O arquiteto e sua sobrinha tiraram as cordas, guarnições e mosquetões das mochilas que carregavam nas costas.

Leonardo, por sua vez, introduziu a barra de ferro na junção da grade e fez pressão para cima. Ela cedeu, depois de vários segundos, levantando-se a alguns centímetros do solo. Ele se preparava para segurá-la com a mão esquerda, quando ela resvalou, voltando à posição original. Ao cair, a grade provocou um eco metálico que ressoou na noite como um disparo.

Por um instante ficaram petrificados, olhando-se em total silêncio. Esperavam que as janelas dos edifícios em torno fossem abertas por vizinhos alertados pelo estrondo, mas só escutaram os latidos de um cachorro que perambulava solitário pela Praça Cardeal Belluga.

Apesar das pernas bambas e de um profundo desejo de estar a mil quilômetros de distância, Leonardo pegou novamente a ferramenta para afrouxar as juntas e fez uma alavanca, desta vez com a ajuda de Cláudia, que se encarregou de segurar a grade com força, para que não despencasse de novo.

Riera acendeu uma lanterna, para que sua sobrinha atuasse com mais precisão, ajudando-a com a mão que estava livre.

—Com cuidado... — sussurrou o arquiteto.

Cláudia suspendeu o retângulo de barras oxidadas, depositando-o no solo devagar. Um bafo de umidade e putrefação subiu imediatamente até seus narizes. Salvador dirigiu a luz para o buraco, à beira do qual os três se amontoaram, movidos pela curiosidade. Além dos contrafortes localizados na base, precipitava-se um abismo insondável de sombras e sinais cabalísticos gravados nas paredes. Não só se repetiam as iniciais de Iacobus de Cartago, como também marcas de uma cruz sobre um triângulo e vários glifos utilizados pelos construtores da época. Riera focalizou certo relevo que se sobressaía ao fundo e que lhe pareceu uma porta. Ao observar bem, descobriu que eram barras enferrujadas encravadas no muro. Protegiam a entrada para um corredor.

—Vocês viram isso? — perguntou Cláudia.

—Se não estou enganado, lá dentro encontraremos o que estamos procurando — disse Leonardo, sem desviar o olhar do buraco por onde teriam de descer.

—Deve ter uns dez ou doze metros de profundidade — calculou o arquiteto. — Só lhes peço que tenham cuidado.

—Não se preocupe — Cláudia apoiou a mão no braço do tio, para quem deu uma piscadinha. — Tive um bom professor.

Logo depois colocaram os arneses e as luvas de proteção. Depois, ataram as cordas de náilon a um palete com sacos de cimento que poderia suportar, certamente, mais de quinhentos quilos. Cardenas tirou de sua mochila uma câmera de vídeo e os radiotransmissores, equipamentos que repartiu entre seus companheiros.

—Com isso, caso nos aconteça alguma coisa lá embaixo, haverá uma possibilidade de que alguém possa nos salvar — comentou com seriedade.

—Espero não ficar na difícil situação de ter de pedir ajuda à polícia — brincou Riera.

—Vai dar tudo certo. Não se preocupe.

Cláudia lembrou que precisariam de uma ferramenta especial, se quisessem arrombar as barras. Leonardo procurou novamente em sua mochila, tirando uma serra que havia posto na última hora, para cortar metais, caso a grade resistisse demais. Não era muito grande, e assim poderia levá-la presa no cinturão, ao lado da câmera digital.

Uma vez prontos para a descida, colocaram os capacetes de segurança. Leo entrou no buraco, auxiliado por Salvador, que iluminava o caminho para facilitar-lhe a descida. Foi afrouxando devagar o mosquetão, ao mesmo tempo em que sua outra mão ia soltando a corda. Ao atingir a inclinação do contraforte que havia, alguns metros abaixo, parou à espera de Cláudia.

Com firmeza, a jovem apoiou seus pés na parede do poço e, sem pensar duas vezes, deixou-se cair como chumbo depois de afrouxar seu mosquetão. Passou roçando as costas de Leonardo, que condenou sua imprudência e imperícia, depois de se jogar para o lado, evitando que se chocassem.

—Puta que....! — não terminou a frase por deferência. Depois daquela demonstração de habilidade, começou a acreditar que alguém estava zombando dele. Suspenso no ar, iluminou a área inferior com uma das lanternas que levava no bolso. Cláudia o aguardava, sorridente, na metade do caminho.

—Não devia ter feito isso — reprovou-a.

—Vamos, não seja tão rabugento — disse ela, e lhe mandou um beijo.

Antes de descer, pegou a câmera de vídeo e gravou as marcas de cantaria desenhadas nas paredes. Parecia estranho que Iacobus perdesse tempo e arriscasse a vida esculpindo glifos indecifráveis, que ninguém haveria de admirar. Era como se aquele conjunto de sinais fizesse parte de um singular epitáfio, dedicado a todos aqueles que estavam dispostos a morrer pelos segredos da irmandade.

Finalmente, decidiu baixar. Cláudia ficou esperando, até que ele chegasse onde ela estava. A partir dali, desceram juntos.

Não demorou muito para que sentissem as águas de esgoto encharcando a lona de seus tênis e aspirassem o miasma putrefato que se elevava daquele lodo escuro e pegajoso, à medida que caminhavam, revolvendo o que antes estava estagnado. Cláudia sentiu náuseas por causa do penetrante odor de decomposição que flutuava no ambiente.

—Tape o nariz e respire pela boca — aconselhou Leonardo, segurando-a pelo braço, enquanto iluminava as paredes ao redor.

Focalizou a grade que fechava a passagem para a galeria, a qual deveria ter uns noventa centímetros de largura por pouco mais de um metro e meio de altura, e estava situada alguns palmos acima do nível da água — o suficiente para que pudessem acessar o corredor que havia do outro lado, mesmo que fosse de joelhos. Cláudia se aproximou com a intenção de verificar para onde conduzia aquele estreito corredor de pedra. Pelo visto, um pouco mais adiante o caminho se desviava para a esquerda.

—Isso é horripilante — ele reconheceu, com a voz embargada. Na verdade, estavam vivendo uma aventura incrível. Leonardo

admitiu que o lugar provocava arrepios. Ali dentro, tudo era friagem e imundície. Até o eco de suas vozes soava diferente, como se estivessem no interior de um ataúde fechado. E a galeria de pedra que surgia diante deles não era menos desprezível. Por um momento, imaginou que estava diante da porta de um labirinto diabólico e ficou horrorizado só de pensar que poderiam se perder ali dentro, ficando presos para sempre.

Decidido a não perder tempo com pensamentos erráticos, rejeitou aquela idéia tão fantasiosa, inspecionando com certo cuidado as barras oxidadas que lhes impediam a passagem. Estava certo de que o disco da máquina cortaria aquele ferro como se fosse manteiga, pois seu aspecto era de fragilidade e decomposição. Aquilo o levou a pensar que talvez Riera tivesse razão, quando aventava a possibilidade de não ter restado nada legível depois de cinco séculos de espera. O papel do diário, se é que iam mesmo encontrá-lo, deveria estar deteriorado da mesma forma que todo aquele lugar.

Cláudia deveria estar pensando a mesma coisa quando disse:

—Só espero que o texto se encontre em lugar seguro.

Especular, porém, não ia ajudá-los em nada, razão pela qual Cárdenas se reservou o direito de não se manifestar. Sua opinião mais sincera poderia lançar por terra as ilusões de ambos e a ânsia de seguir adiante.

Bastaram alguns cortes nos extremos, para que a grade viesse abaixo. Cláudia se adiantou para iluminar o corredor adiante, colocando-se à frente de Leo para entrar primeiro. Em seguida, ligou o radiotransmissor. Precisava provar sua eficácia antes de seguir rumo ao desconhecido.

— Titio... consegue me ouvir?

—Em alto e bom som — ouviram a voz de Riera, como se ele estivesse ali com eles.

Instintivamente, Cláudia olhou para cima. Viu a silhueta recortada do arquiteto e o facho de luz de sua lanterna, que os focalizava do alto.

—Estamos prestes a entrar — disse, novamente, pelo transmissor.

—Sorte! — lhes desejou Riera.

Devido à altura do corredor, tiveram de entrar de joelhos. As paredes e a superfície do solo eram tão escorregadias e mofadas como as pedras do fosso inicial. Logo surgiu a sensação de asfixia que provocavam as pedras superpostas. Leonardo, que ia atrás, gravando, teve de fazer um grande esforço para dominar sua claustrofobia galopante, algo que parecia não afetar Cláudia, que avançava corajosamente e sem receio por aquele corredor, em busca de uma saída. Tratou de não pensar nas histórias dos enterrados vivos que havia lido quando era criança, ou acabaria gritando de puro terror.

Tão logo chegaram no final da galeria, viraram à esquerda. Em seguida, foram se arrastando pelo corredor. A princípio não se deram conta, mas à medida que avançavam, o teto ia se aproximando cada vez mais de suas cabeças, estrangulando a passagem como um funil. A situação se complicou quando descobriram que era tarde demais para deter-se: a passagem era tão estreita, que os aprisionava, tornando impossível virar o corpo, alterando a posição em que se encontravam. Leo estava à beira do paroxismo. Aquele claustro de pedra era capaz de impressionar o mais valente dos heróis. Lembrou-se da história dos Sancti Quattro Coronatti, que Salvador lhes contara, e de como foram aprisionados em ataúdes de chumbo para depois serem lançados ao mar. E, sem poder evitar, sentiu calafrios ao imaginar a angustiante tortura que eles devem ter passado antes de morrer.

Foi quando teve uma revelação, como resposta a seus pensamentos: dentro de quinhentos anos, outros encontrariam seus ossos grudados naquela armadilha para ingênuos.

—Você acha que devemos continuar? — perguntou, com voz vacilante.

—Você consegue andar para trás, como os caranguejos? — Cláudia, firme em seus propósitos, lhe respondeu com outra pergunta.

—Posso tentar.

—Não me venha com besteiras! — ela abaixou a cabeça, para olhá-lo por baixo da axila, em um autêntico gesto de contorcionismo. — Você quer, mesmo, regressar sem saber o que se esconde no final do caminho? Ou prefere passar a vida inteira fugindo de uns fanáticos decididos a abrir sua garganta?

—Você me convenceu... — ele suspirou, resignado, para acrescentar: — ...apenas me diga o que consegue ver adiante.

Cláudia apontou a lanterna para a escuridão que se espalhava ante seus olhos. No final do corredor viu que o facho se abria no que parecia ser uma sala, mais além do trecho extremamente apertado que deveriam cruzar. Era um canal tão estreito, que teria de deslizar com o corpo e o rosto praticamente grudados ao solo. O certo é que ela também começava a se inquietar pela permanência naquilo que parecia uma armadilha mortal, na qual talvez ficassem retidos para sempre.

Colocando-se nas mãos da deusa da Sorte, eles deslizaram pela superfície impregnada de lodo, lambuzando os cabelos e as maçãs do rosto. Cláudia rezava em voz baixa por um final venturoso, enquanto seu companheiro tratava de pensar que tudo não passava de um pesadelo e que logo despertaria em sua casa, com vontade de tomar um bom banho. Como ambos seguiam com o rosto virado para o lado e às escuras — já que, nessa posição, a luz das lanternas ficava presa entre o corpo e as paredes —, só perceberam que a galeria ficara para trás quando se viram penetrando em uma sala de proporções colossais.

Ao sentir que as paredes haviam desaparecido, a jovem acendeu de novo sua lanterna para focalizar as paredes daquele estranho aposento. Cárdenas, que ia logo atrás, olhou por cima de seu ombro.

O que viram naquele instante superava os limites de sua imaginação.
O deserto assobiou sua lúgubre canção de todas as noites, enquanto o rosto impassível da Esfinge contemplava em silêncio o mistério dos mortais. Dois estranhos personagens, vestidos com túnicas de cores diferentes — azul e púrpura, respectivamente — passaram diante do posto da guarda situado na planície de Gizé, sem que nenhum dos soldados que guardavam os hieráticos monumentos saísse atrás deles, com a intenção de detê-los, já que seus olhos não estavam preparados para distinguir uma realidade que havia sido distorcida pela magia dos sentidos. As sentinelas postadas na guarita, porém, tiveram a sensação de uma presença que fez seus pelos ficarem em pé. Era como se alguém, oculto sob um manto de invisibilidade, os estivesse vigiando das sombras que se estendiam além dos holofotes que iluminavam o deserto.

O certo é que já haviam experimentado isso em diversas ocasiões, ao ponto de pensar que talvez se tratasse de djins errantes, perambulando ao redor das pirâmides, em busca de uma entrada para o mundo subterrâneo dos mortos. Não eram só eles que pensavam assim, como também o restante dos companheiros que, de forma rotativa, respondiam pelo turno da noite — eles garantiam escutar sussurros e gemidos misturados com o uivar do vento.

As histórias de espíritos vinculados ao poder dos faraós já circulavam no Cairo quando chegaram os arqueólogos europeus no fim do século XIX. Mas foi a partir daquela época que os árabes, sempre supersticiosos, deram como certo que naquele lugar, de encanto irresistível, viviam uns demônios que foram despertados quando os intrusos que vieram depois profanaram seu eterno descanso. Os anciãos, quase todos octogenários, garantiam, porém, que as almas penadas gemiam havia séculos por causa dos ladrões de tumbas, e pôr culpa de quem foram levadas embora as doze fileiras de pedras e as enormes peças que revestiam as pirâmides, pois nelas estavam inscritos os maiores mistérios da humanidade. Essas histórias sustentavam que foram os reis anteriores ao Dilúvio que construíram aqueles templos consagrados às artes e às ciências.

E não caíam em descrédito quando garantiam que numa camada superposta de revestimento foram gravados os corpos celestes, bem como as posições das estrelas e seus ciclos. Os coptas, descendentes diretos dos primeiros egípcios, assim atestavam.

Alheios ao pensamento dos guardas, embora não tanto às velhas histórias, Balkis e seu acompanhante cruzaram o planalto como espectros da noite. Graças ao poder de sua magia, podiam passar despercebidos diante dos soldados, tornando seus próprios corpos invisíveis, um dom que os Grandes Mestres não possuíam.

Este e outros prodígios eram reservados apenas aos Guardiões do Trono.

Hiram parecia preocupado. Balkis viu em seu rosto a sombra impaciente que precede a repreensão.

—O que você está esperando? — perguntou-lhe, ao ver que ele não se decidia. — Vai demorar muito para dizer-me o que o preocupa?

O egípcio fez como se não tivesse escutado e continuou caminhando em direção à Grande Pirâmide. Depois de alguns segundos, deteve-se e ficou olhando para a pessoa com quem havia compartilhado metade da vida em total e absoluto celibato.

—Você decidiu me substituir sem me consultar. Não acredita que eu, talvez, mereça uma explicação?

Balkis sentiu-se envergonhada, embora, em nenhum momento, tenha se recriminado por agir pelas costas dele. Sabia que, cedo ou tarde, teria de se explicar. Era impossível ocultar o que quer que fosse a quem tinha a capacidade de ler o pensamento, outra das qualidades mágicas que eles possuíam.

—Tudo tem seu momento e cada coisa seu tempo, sob o céu; seu tempo de nascer e seu tempo de morrer, seu tempo de plantar e seu tempo de colheita... Você se lembra? — Balkis citou versículos do Eclesiastes. — Nosso tempo está concluído. Agora vamos viver a vida, voltar a ser humanos... Não mais como uma pedra.

—Eu não poderia viver de outra maneira.

Balkis sabia muito bem como seu companheiro podia ser obstinado.

—De fato, o que fazemos é edificante — Balkis reconheceu. — Mas temos de abrir espaço e dar passagem a uma nova geração de Guardiões. Nossos corpos estão próximos da desencarnação. Deveríamos aproveitar ò que nos resta de vida como um presente de Deus.

—Não quero pensar nisso agora... — Hiram voltou os olhos para a Grande Pirâmide. — Além disso, você já decidiu por nós dois.

Ela resolveu não levar em conta a insinuação. Desde que Sholomo e os outros contrataram uma assassina de aluguel para acabar com a vida de um inocente, a alegria contagiante de Hiram transformou-se em desesperada tristeza. Para ele, pragmático sufista que odiava a violência, saber que haviam desobedecido uma das leis mais sagradas de Deus converteu-se em uma ferida difícil de cicatrizar. Procurar razões na preservação dos mistérios não satisfazia ninguém, mas todos acataram a decisão tomada pelo Mestre por unanimidade. Era diferente, porém, compartilhar do critério de extermínio promulgado por alguns dos membros mais conservadores do Conselho. Por isso Balkis, que estava acima deles, havia decidido agir às costas dos demais. Tratava-se de colocar um fim à controvérsia e, ao mesmo tempo, de aproveitar a situação para inclinar a balança a seu favor.

Leonardo Cardenas teria uma oportunidade de viver, mas unicamente se soubesse aproveitá-la.

Continuaram caminhando em total silêncio, envoltos em sua própria invisibilidade. A substituição de seus cargos era um assunto que deveriam tratar em outro momento. Agora, tinham de cumprir seu dever.

Depois de alguns minutos, chegaram às imediações da Cirande Pirâmide. Foram diretamente para o lado norte, posicionando-se exatamente sob a entrada que se abria vários metros acima. Balkis aproximou-se de enormes blocos de granito, alinhados de forma escalonada, diante da planície. E, estendendo a mão, exclamou:

Qotor chor chii ykar! Dair ytol dom okchor!

Ycholykam daiin dar dyam!

Segundos depois, eles ouviram o deslizar das pedras, umas sobre as outras, de maneira que um dos enormes blocos que circundavam a base da pirâmide foi se retraindo em direção ao interior, até dar acesso a uma galeria inclinada no sentido descendente, um corredor iluminado por um facho de luz que parecia vir do centro da Terra. Hiram e sua acompanhante desceram as escadas. A pedra de granito voltou a encaixar-se em seu lugar original.

Eles iam de um mundo a outro. Esse era o poder dos que custodiavam a Arca do Testemunho.


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